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A Gestão Técnica no futebol

Nas últimas décadas o mundo tem passado por transformações, econômicas, políticas, sociais e tecnológicas, radicais, cada uma indissociável da outra e que não poderiam deixar de incluir o futebol. Basta assistir a um jogo do começo do século, na Europa ou na América do Sul para constatarmos, é outro esporte. Dentro e fora de campo muita coisa mudou, os valores são outros, os clubes não são mais milionários, mas bilionários, as transmissões são verdadeiros show de imagens e não estão mais só na televisão ou no rádio, mas em todas as telas possíveis, dos cinemas à palma de nossas mãos e a análise de dados invadiu as comissões técnicas e o gestão dos clubes. O mundo mudou, e o futebol ainda mais!

Por isso, mais do que nunca uma gestão profissional e alinhada com o que há de mais moderno se torna uma questão de sobrevivência, para os clubes e para os profissionais que pretendem entrar ou se manter nesse mercado de tantas transformações. Não é de hoje que a Universidade do Futebol trabalha para trazer modernidade ao futebol brasileiro, o conceito da Gestão Técnica, para você ter uma ideia, a primeira turma do curso foi lançada em 2013, agora já bastante disseminado entre os executivos e demais profissionais do futebol, por muito tempo foi encarado com resistência no meio.

Atualmente, a necessidade de discutir os modelos jurídicos dos clubes e do desenvolvimento de uma formulação estratégica que permita a essas instituições ter uma visão de longo prazo, vem dando cada vez mais espaço para a Gestão Técnica dentro do futebol, mas afinal o que é a Gestão Técnica? Quais profissionais dentro de um clube precisam dominar a Gestão Técnica? Será que o curso Gestão Técnica no futebol é para você?

O curso Gestão Técnica no futebol aborda temas relacionados a questões técnicas e, principalmente, suas conexões com as áreas administrativas e políticas de um clube, estimulando a reflexão crítica do estudante sobre esses tópicos, algo pioneiro e inédito no Brasil.

O curso Gestão Técnica no futebol é um curso generalista, que tem como público alvo os variados profissionais que compõem o quadro de funcionários de um clube de futebol, mas sendo mais indicado para aqueles que estão ligados, ou buscam ocupar posições relacionadas às atividades-fim de um clube, ou seja, aquelas ligadas mais diretamente ao desempenho da equipe, como treinadores, preparadores, analistas de desempenho e mercado, gestores, executivos e similares.

Quero trabalhar com Marketing no futebol, o Gestão Técnica é para mim?

O Gestão Técnica no futebol é o curso base na Universidade do Futebol, que apresenta um jeito de ver o mundo e o futebol que é o pensamento, ou visão, sistêmico. O nosso objetivo é que todos aqueles que finalizam o Gestão Técnica tenham a capacidade de compreender o jogo, mas também a gestão de um clube de maneira sistêmica, ou seja percebendo que tudo está interconectado e que um trabalho excelente no Marketing, por exemplo, irá ter um grande impacto no campo de jogo, não apenas por ajudar a trazer mais recursos para o clube, mas por poder inspirar os jogadores ou jogadoras a defender com mais paixão as cores da referida instituição.

Temos cursos mais específicos para todos os profissionais do futebol, mas se você quer ter uma visão do todo, que irá te ajudar a ter uma base sólida e uma visão diferenciada sobre o futebol, o Gestão Técnica é sim para você!

Saiba mais sobre a décima sétima turma do Gestão Técnica no Futebol

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A volta do público aos estádios no Brasil

Crédito imagem – Site oficial/Maracanã

Estamos prestes a dar início à principal competição de futebol do Brasil, o Campeonato Brasileiro. A pandemia segue, e não teremos torcedores nos estádios brasileiros para o início do torneio. Algo que também aconteceu no ano passado, durante todo o Brasileirão de 2020, a elite do futebol brasileiro ficou sem a presença física de seu maior ativo, “a torcida”. 

Vale lembrar como era o público da Série A do Brasileirão no período que antecedeu a pandemia.

Para não sermos exaustivos, vamos apenas elencar a média percentual de ocupação dos Estádios nos últimos 5 anos, a começar por 2015 até 2019, sem estudarmos os números de forma mais detalhada.

-2015: 40%;

-2016: 41%

-2017: 41%

-2018: 43%

-2019: 47%

Fonte: Globoesporte.com

Nota-se que a presença da torcida nos estádios vinha em ascensão até a paralisação do futebol e posterior retomada sem público, ao menos neste campeonato em questão.

Não é possível afirmar categoricamente, mas é provável que esse crescimento tenha se dado em virtude da construção e reforma das arenas projetadas para sediar a Copa do Mundo de 2014. 

Segundo pesquisa feita pelo globoesporte.com, a reabertura de estádios com maior capacidade fez a média de público aumentar em 25%. E a soma disso com os ingressos mais caros fez disparar a média de renda, deixando-a 78% maior de 2012 para 2013.

Evidente que a implantação de arenas e aumento da capacidade dos estádios que sediam os jogos do Brasileirão, contribuíram para o aumento do público e da receita proveniente dos jogos, mas não se pode considerar o único componente para tal fim. Mesmo nos estádios mais tradicionais, o torcedor passou a ser encarado como consumidor e ainda que de forma muito incipiente, os gestores das arenas brasileiras passaram a olhar com mais atenção para seu público primando por conforto, comodidade e segurança dos espectadores, dentro das limitações que algumas estruturas mais simples impõem.

Salientamos que este processo ainda é extremamente embrionário e há muito o que evoluir no quesito experiência para os torcedores nos estádios.

Considerando o contexto acima, como imaginamos ser a volta gradativa do público nos estádios?

É praticamente nula a possibilidade desse retorno de público se dar com a capacidade total das arenas, provavelmente ocorra de forma gradativa como nos demais países que já tiveram tal liberação por parte dos órgãos competentes. 

Há uma peculiaridade no Brasil que envolve sua enorme área geográfica e diversidade cultural, o que faz com que o controle da propagação do vírus (ou a falta dele) não seja homogênea, dificultando que se estabeleça uma padronização para tal retorno de público, mitigando assim, a igualdade competitiva, já que pode ser que aconteça do público ser parcialmente liberado em algumas cidades e outras não. 

Além das especificidades já mencionadas, os Estádios possuem grande variação de capacidade, por exemplo, o Estádio do Morumbi que sedia os jogos do São Paulo FC tem capacidade para 66.671 pessoas, já a Vila Belmiro, casa do Santos FC comporta aproximadamente 16.000 pessoas.

Supondo que a liberação de público seja de 30%, o Morumbi poderá reunir até 20.000 torcedores, enquanto a Vila Belmiro 4.800. Como os protocolos para a reabertura preveem distanciamento social, haverá necessidade de intercalar os assentos. Ainda que tal medida não seja respeitada por todos os torcedores é obrigação dos gestores das arenas propiciar essa intercalação entre os lugares disponíveis, logo, haverá necessidade da abertura de mais setores, implantação de profissionais para aferição de temperatura, elevação no número de fiscais e orientadores para verificação do uso de máscaras, entre outras medidas que podem aumentar o custo fixo do jogo mesmo se considerarmos o período pré pandêmico, onde não havia restrições de ocupação.

A diferença na capacidade de ambos é abissal, mas o custo da operação não varia na mesma proporção. É sabido que a receita com bilheteria está desfalcando inúmeros públicos, em especial os que contam com grandes torcidas.

Afora o acima exposto, é importante lembrar que nem todos os estádios tiveram saúde financeira para operacionalizar a manutenção preventiva no sistema hidráulico, elétrico e a limpeza de todos os seus setores, tornando essa questão, também motivo de afligimento, pois se a divulgação da liberação parcial de público não for feita com uma antecedência no mínimo razoável por parte das Federações, os primeiros eventos podem ser caóticos para os torcedores que se propuserem a voltar a acompanhar fisicamente o futebol.

Deixamos, então, a reflexão se financeiramente este retorno parcial será melhor ou não para os cofres dos grandes clubes e para o bolso do torcedor que presumivelmente pagará um valor maior nos ingressos? 

Dicotomicamente, quais os prejuízos intangíveis esse afastamento dos estádios pode gerar? Será que não estamos fazendo o torcedor/consumidor entender que ele pode ficar sem acompanhar seu time presencialmente ou ao menos reduzir a assiduidade?  São questionamentos muito difíceis de serem respondidos antes das liberações em sua totalidade, mas é notório que as arenas precisam olhar com mais atenção para seu público nessa retomada e promover verdadeiros espetáculos, avançando intensamente as preocupações que acima mencionamos como incipientes com seus frequentadores.

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A Gestão Técnica e a visão sistêmica – resolvendo os problemas do campo

A visão sistêmica é uma maneira de enxergar e abordar o mundo que compreende que os mais variados acontecimentos ocorrem não apenas por uma razão, mas por uma série de diferentes motivos e outros acontecimentos que ser interconectam de uma forma caótica, impossível de prever ou de controlar. Isso quer dizer que não devamos buscar a excelência no futebol por meio do aprimoramento e da qualificação profissional? Claro que não, muito pelo contrário!

O que é preciso entender é que muitas vezes, o que ocorre dentro de campo não pode ser explicado por esse ou aquele fator e que para ter esse entendimento e conseguir resolver os problemas que o futebol nos apresenta, que são sempre únicos e inéditos, afinal, uma mesma partida jamais é disputada duas vezes é preciso saber aplicar a visão sistêmica a todo instante. 

A maioria de nós tem como base de conhecimento o pensamento linear, cartesiano que enxerga o mundo com causas e consequências diretas, por meio da junção da visão de especialistas de diversas áreas, mas sem interconexão entre si. É por essa razão que, cada vez menos essa forma de entender os fenômenos que nos rodeiam se mostra cada vez mais insuficiente para nos ajudar a resolver os problemas quando atuamos no futebol!

Não ficou claro ainda? Não tem problema, vamos trazer aqui alguns exemplos de como a visão sistêmica pode ajudar a identificar e a solucionar problemas dentro de campo.

Para isso vamos apresentar quatro pressupostos do pensamento sistêmico e suas respectivas aplicações no futebol.

Pressuposto 1

Não se pode entender as partes de um sistema de forma descontextualizada do todo e nem entender o todo desconectado de suas partes constitutivas.

Aplicação – A condição atlética de um jogador de futebol só faz sentido se analisada e percebida dentro do contexto de sua participação integral em uma partida. Também o jogo não pode ser visto dentro de toda a sua realidade e complexidade, sem considerarmos todos os elementos internos e externos que o constitui.

Pressuposto 2

Aplicação – Todo sistema é formado por um conjunto de elementos interagindo entre si, influenciando-se mutualmente e influenciando o sistema como um todo que, por sua vez, interfere em seus elementos fazendo emergir permanentemente novas situações, instáveis e imprevisíveis. Diante desta dinâmica é mais sensato pensar que os fenômenos, as coisas, as pessoas mais “estão” do que “são”. O movimento da vida é constante, intermitente e muda a cada instante.

Exemplo: O pressuposto linear e mecanicista – ainda tão comum no futebol – que afirma que “em time que está ganhando não se mexe” não serve para este pressuposto sistêmico, pois tudo muda a cada instante dentro de um sistema. Ainda dentro desta perspectiva não podemos afirmar que um jogador (ou um time) é bom ou ruim, mas sim que este jogador (ou time) está bem ou mal dentro de determinadas circunstâncias.

Pressuposto 3

A vida humana é permeada incessantemente por relações interpessoais e subjetivas (intersubjetividade) que precisam ser entendidas e acolhidas para que se possamos caminhar juntos, identificando-se os propósitos comuns entre as pessoas.

Aplicação – A formação, participação e engajamento de uma equipe de futebol que busca a alta performance depende fundamentalmente de como os seus elementos se identificam e se comprometem com os objetivos comuns traçados. Para isso é essencial que as lideranças identifiquem as diferentes visões em torno dos seus propósitos comuns, potencializando-os.

Pressuposto 4

Na perspectiva sistêmica e complexa, todo conhecimento deve ser entendido como algo precário e provisório e que pode nos induzir a erros, ilusões ou até a alucinações. Por isso, o exercício em busca do conhecimento lúcido e amplo deve ser sempre acompanhado de cuidados, balizado por nossos limites ou limitações.

Aplicação – Um especialista (treinador, preparador atlético, fisiologista, psicólogo, nutricionista etc.) pode ser facilmente induzido ao erro se não tiver uma noção – a mais clara possível – do todo, ou seja, de todos os fatores (além dos inerentes à sua especialidade) que podem interferir no desempenho dos atletas e da equipe de forma geral, incluindo-se aqui os macro e microssistemas que interferem no treino, no jogo e na vida de cada um e de todos.

Na mais nova e atualizada edição, a décima sétima, do curso Gestão Técnica no futebol, esses e outros pressupostos da visão sistêmica aplicada ao futebol são discutidos com maior profundidade.

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Diferencial do Futebol Brasileiro – Do jogo para a vida

Crédito imagem – Lucas Figueiredo/CBF

Chegamos ao último texto da série Diferencial do Futebol Brasileiro. Ao longo dos últimos 3 textos busquei argumentar sobre como entendo que a etapa de iniciação esportiva, particularmente, a forma como as crianças brasileiras tradicionalmente aprendem a “jogar bola”, é um diferencial destacadamente positivo para a formação de talentos no nosso futebol.

Vale ressaltar, caso você não tenha lido os textos anteriores, que trata-se de uma maneira livre e espontânea, em que as crianças criam e conduzem as próprias brincadeiras de bola nos mais diferentes espaços informais de prática: rua, praia, campinhos, quintal de casa, pátio da escola, quadra do bairro etc.

Esta forma de aprender futebol, combinada por diferentes características brasileiras, já discutidas nos textos anteriores, fizeram com que grande parte da população brasileira nascida no Século XX, tivesse essa experiência em sua vida. Dentre essa parcela da população, algumas pessoas se tornaram jogadores e jogadoras profissionais, chegando até ao mais alto nível de excelência. Refletimos também, que esse cenário ainda existe e segue contribuindo bastante para a formação de talentos no futebol brasileiro, embora a aprendizagem do futebol hoje esteja muito mais formal do que antigamente, desde a primeira infância. Isso é consequência de algumas ameaças, também já abordadas nos textos anteriores, entre outras que ainda podemos abordar futuramente, como a especialização precoce e a pressão do marketing nesse setor socioeconômico.  

No entanto, neste texto, gostaria de destacar a importância desse ambiente informal de prática para além da formação dos talentos esportivos. Para a maioria de nós, cidadãos que tivemos essa experiência e não nos tornamos jogadores profissionais, embora fosse o sonho de grande parte, não podemos dizer que esse período foi em vão. Eu, por exemplo, o vivi intensamente e me lembro com muito carinho da minha infância e adolescência, quando podia passar as tardes jogando bola com meus amigos. E você, possui boas lembranças desse período da vida cheio de brincadeiras livres? Para além das boas recordações, mais coisas daquela época ficaram em mim. Nesse sentido, a Pedagogia é uma grande aliada para investigar a importância desse período para o desenvolvimento integral da criança e do adolescente. Vamos utilizar a Pedagogia para compreender esse ambiente de brincadeiras informais tão típico da nossa história, para além da aprendizagem do jogo de bola em si? Já pensou no que podemos extrair do jogo para a vida?

Vamos lembrar o que precisávamos fazer para conseguir satisfazer nosso desejo de jogar bola! Primeiro item essencial: precisávamos da bola. Nem sempre tínhamos uma à disposição. Então a inventávamos, com o que fosse possível chutar no espaço que tínhamos. No pátio do colégio era comum não nos darem a bola para jogarmos, então, tampinhas de garrafa pet, latinhas, garrafas, bolinhas de papel e pedras, viravam a bola do nosso jogo. Aqui já temos o primeiro aspecto pedagógico importante a ser observado: a criatividade. Na falta dos recursos ideais para resolver a necessidade de ter uma bola para jogar. A solução dada pela criança – criativa que é – é inventar o seu brinquedo com os recursos disponíveis. Isso ocorria também na falta de traves para fazermos o gol. Bancos, cadeiras, dois chinelos, duas pedras, enfim, quaisquer objetos ou alvos que pudessem simular um gol, nós não pensávamos duas vezes para resolvermos o nosso problema. Portanto, daqui podemos perceber que para a criança criar a sua brincadeira, ela precisará estimular a sua imaginação, criatividade e atitude para que seu desejo de jogar seja satisfeito. Todas essas faculdades mentais, partindo do seu desejo de brincar, são estimuladas e fortalecidas para a criança como um todo. Caso seja desafiada a utilizá-las em outras tarefas, ela poderá aproveitar essa experiência prévia em algum grau.

Vamos seguir nosso raciocínio sobre o que mais a criança precisa para satisfazer o seu desejo lúdico de jogar bola. Um elemento importante é o desenvolvimento de habilidades motoras. Para brincar, ela precisará se relacionar com a bola e transformar as suas intenções em coordenações motoras para executar a habilidade pretendida (condução, passe, chute, controle etc.). Por meio do constante desafio que o movimento imprevisível da bola causa para o sistema coordenativo da criança, ela precisará desenvolver uma série de movimentos novos para conseguir cumprir a sua intenção relacionada à bola. Vamos utilizar o exemplo das embaixadinhas. Brincar de embaixadinha a tornará mais hábil em embaixadinhas, mas também poderá ser útil em habilidades que necessitem de movimentos parecidos, como equilibrar-se em um apoio ou movimentar precisamente os membros inferiores e, particularmente, os pés. Poderíamos citar outro tipo de capacidade também, como uma maior organização espaço-temporal para coordenar o espaço-tempo do movimento da bola com o espaço-tempo do movimento das pernas. A cada movimento da bola na embaixadinha todas essas capacidades são estimuladas e desenvolvidas, podendo ser usadas em desafios maiores do mesmo tipo de habilidade ou em outros da vida da criança, que exijam tais coordenações.   

Mais um item importante para a criança satisfazer seu desejo lúdico de jogar bola é ter com quem brincar. Em espaços públicos, como a rua, parques, praças, praias etc., uma criança pode até começar a jogar sozinha, mas assim que outras crianças compartilham do mesmo espaço, é comum haver o interesse de brincarem juntas. Porém essa brincadeira em conjunto não ocorre de forma natural. É uma convivência construída com a prática de conviver. Existirão conflitos ali que deverão ser resolvidos para que a brincadeira prossiga. Por exemplo, uma criança está brincando em um campinho com um gol. Ela chuta ao gol e depois busca para chutar novamente. Até que chega uma outra criança que quer brincar com ela. Para se enturmar, essa se prontifica a ficar no gol em alguns chutes, mas logo cansa e propõe:

– Que tal se a gente fizer uma disputa? Você chuta 3 e eu chuto 3 para ver quem faz mais gol. Topa? – diz a criança que chegou depois.

– Mas eu não gosto de ir no gol. – diz a dona da bola.

– Então vou brincar de outra coisa. – diz a criança que iniciou o diálogo.

Esta última vai para o outro gol e começa a se pendurar na outra trave, chutar pedras, entre outros jogos solitários. Já a criança dona da bola volta à sua brincadeira de chutar ao gol e buscar, mas logo percebe que estava mais legal brincar com uma companhia. Diante desse conflito, ela grita:

– Ei! Vamos jogar como falou! Mas eu começo chutando! – diz a criança dona da bola.

A criança que brincava sozinha no outro lado da quadra aceita e começa o jogo proposto. Até aqui já podemos perceber o primeiro conflito de interesses, em que ambos perceberam que precisariam ceder para construir algo coletivo mais interessante que aquilo que estavam construindo individualmente. Neste ponto, a criança começa a praticar um grande valor da socialização, que para se construir coletivamente, temos que colocar as nossas vontades em alguns momentos, mas em outros teremos que ceder. O jogo continuou. A criança dona da bola chutou e a outra defendeu, rebatendo. A primeira aproveitou o rebote e logo chutou, comemorando o gol. E iniciou um novo diálogo, a partir daí:

– Não valeu! Não vale rebote! – disse a criança que estava no gol.

– Valeu sim! – disse a criança que chutou, comemorando mais ainda.

Aqui temos mais um conflito. Não haviam previsto essa situação e por isso não combinaram nenhuma regra que resolvesse a questão. Teriam que criar uma regra e um acordo a partir daquele momento de conflito para que o jogo continuasse. Nessa cena descrita podemos perceber mais uma ótima oportunidade em que o jogo pode ensinar algo precioso para a vida. A resolução de conflitos, a criação de regras, a habilidade de ouvir, falar e estabelecer acordos são fundamentais para qualquer sociedade civilizada. As crianças que criam e conduzem as suas próprias brincadeiras são incentivadas a desenvolverem essas habilidades para poderem seguir jogando e se divertindo. Esta é a motivação principal delas. Essa experiência não as fará ter a consciência plena de que estão praticando valores de socialização ou algo do tipo. Mas as dará a oportunidade de vivenciar situações em que esses valores são importantes. Neste ponto, uma pedagogia que busca compreender esse ambiente de aprendizagem, pode se valer dessas situações, para justamente oportunizar essa conscientização. Se cumprida essa etapa, esses conhecimentos poderão ser ainda mais importantes para a vida da criança como um todo.

Eu gostaria de encerrar esta série, destacando este aspecto da iniciação esportiva brasileira, que foi amplamente desenvolvida em ambientes informais de aprendizagem. As experiências vividas a partir dela nos absorviam de maneira integral, e provocavam um desenvolvimento da mesma forma. Não nos viam como futuros jogadores, não nos viam no futuro. O momento que importava era aquele. A vida acontecia plenamente ali. Talvez, por isso guardamos tantas boas recordações desse tempo de infância e adolescência, em que podíamos brincar na rua, ou onde quer que fosse, com as pessoas que queríamos estar, o maior tempo que tivéssemos disponível. A iniciação esportiva formal deve aprender com esses ambientes lúdicos informais, com as crianças como elas são, com a nossa história. Este é o convite!

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Panorama do futebol brasileiro a partir de agora

Crédito imagem – Lucas Uebel/Grêmio

Chega ao fim uma primeira parte do calendário do futebol brasileiro. O término não só dos estaduais, como também da fase de grupos da Libertadores e da Sulamericana, nos dá um claro panorama do que teremos nos meses mais importantes da temporada, com o início do Brasileirão e das fases mais agudas da Copa do Brasil e das competições internacionais.

E mais do que resultados vale sempre analisarmos desempenho e contexto. As trocas constantes de comissão técnica são inerentes à nossa cultura. E se não vale ficarmos sempre batendo na já surrada tecla do ‘pouco tempo de trabalho’ vamos fugir também do ‘Estadual é obrigação’, mas ‘perde para você ver…’.

O conjunto mais forte do Brasil hoje é o do Palmeiras. Vou além: o mais forte da América do Sul. E usei o termo conjunto propositalmente. Não é o melhor time que vence. Não basta ter os melhores jogadores. É preciso o melhor conjunto dentro e fora de campo. A diretoria menos suscetível a jogar tudo pro alto em um período de instabilidade. O clube mais sólido nos seus mais variados departamentos para entregar a melhor condição para quem entra em campo. E nisso o Palmeiras está à frente do Flamengo, por exemplo, que para mim é a segunda força. Ou a pressão que o técnico Rogério Ceni sofre após cada mínimo revés não revela um cenário de instabilidade?! E por mais que jogador por jogador o Flamengo seja o mais forte. Entretanto insisto: não basta ter os melhores jogadores para vencer.

Em um segundo escalão projeto três trabalhos muito promissores: o de Tiago Nunes no Grêmio, o de Cuca no Atlético-MG e o de Hernan Crespo no São Paulo. Tiago tem uma incrível chance de apagar a impressão ruim deixada no Corinthians e fazer do atual Grêmio ainda melhor do que o Athlético-PR de 2019. O reforço pontual de Douglas Costa pode potencializar outros jogadores do elenco gremista. No Galo, Cuca não é um gênio tático, mas consegue mobilizar as forças internas rumo a objetivos. E por mais que as ideias coletivas sejam diferentes, há uma boa herança deixada por Jorge Sampaoli. O mesmo se aplica ao que Crespo recebeu de Fernando Diniz no São Paulo: se o técnico argentino conseguir imprimir um caráter vencedor a esse elenco, a sorte são-paulina pode mudar.

Corroborando que vou além do resultado nessas projeções, escrevo esse texto no início da noite de sábado, 22 de maio; sei que o Atlético foi campeão mineiro, mas não sei ainda os resultados dos campeonatos Carioca, Paulista e Gaúcho. E por mais que eu tenha muito claro que se trata de uma modalidade esportiva, em que o resultado sustenta tudo, não mudaria uma só vírgula em função do que aconteça nessas finais.

Os textos de nossos conteudistas parceiros não refletem, necessariamente, as opiniões da Universidade do Futebol

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A medida do sucesso

Crédito imagem – site Federação Paulista de Futebol

O São Paulo ganhou outro título ontem, um que talvez tenha sido até determinante para que o clube levantasse a taça do campeonato paulista e que, com certa recorrência vem sendo conquistado, mas que dificilmente conseguimos perceber, ou mesmo medir com clareza, que é o da formação humana.

Ainda é preciso discutir, e muito o modelo de captação, ou garimpo de gente que baseia a pirâmide de formação de jogadores e jogadoras no Brasil e no mundo, mas dentro do atual cenário, o São Paulo Futebol Clube é uma das instituições que mais se destaca no Brasil no quesito citado. Com profissionais qualificados, Gabriel Puópolo um parceiro de longa data da Universidade do Futebol é psicólogo da base do clube já há muitos anos, por exemplo e a priorização do desenvolvimento integral dos seus jogadores como seres humanos e isso pôde ser observado mais uma vez na decisão de ontem.

Ainda no primeiro tempo, com a tensão de um jogo que significava demais para o São Paulo pela longa espera por títulos, pelo clássico e pelo jogo, no momento, estar tendendo mais para o Palmeiras um lance pode ter sido decisivo, senão ao menos simbólico para a conquista tricolor. A bola vai saindo pela lateral com posse para o São Paulo, Liziero, cria da base são-paulina, abre os braços para proteger sua saída e acaba atingindo o rosto de Rony com as mãos. No mesmo instante, o técnico Abel Ferreira confronta o meia tricolor de maneira bastante agressiva o que, geralmente acarretaria uma reação contrária da mesma intensidade ou maior.

Ao contrário do que se esperaria, Liziero mostrou maturidade para se desculpar pelo incidente e contemporizar com o português. Diferente fosse, o jogador do São Paulo poderia ter se desconcentrado, entrado em uma confusão e até ter sido expulso prematuramente, já que pelo lance, que aos meus olhos pareceu até sem intenção, ele já havia sido advertido com o cartão amarelo.

O quanto esse autocontrole de Liziero tem relação com a sua formação em Cotia é difícil mensurar, as variáveis são infinitas, a maneira como cada um se desenvolve em um mesmo meio sempre será diferente. Da mesma forma, como tal formação ajuda o clube dentro e fora de campo, com jogadores mais equilibrados e abrindo portas para que eles brilhem no próprio São Paulo e em outros clubes, será coincidência que o Ajax busca tantos são-paulinos? – não é tão simples de medir. Talvez, lances como esses sejam um dos caminhos para nos ajudar a entender como a formação humana, o desenvolvimento da autonomia e maturidade impactam diretamente no resultado dentro de campo. Não que essa seja a única medida do sucesso!

Como defende Gabriel Puópolo, “se eu quero que um jogador renda por bastante tempo, de maneira mais sustentada, preciso estar atento ao desenvolvimento dele como pessoa”.

FutTalks – Entrevista com Gabriel Puopolo

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Diferencial do Futebol Brasileiro – O ambiente de aprendizagem

Crédito imagem – Lucas Figueiredo/CBF

Nas últimas semanas, venho escrevendo sobre o que pode ser considerado o grande diferencial do futebol brasileiro, talvez o maior dentre os positivos, comparativamente aos demais países. Esse diferencial refere-se ao período de iniciação esportiva, quando a cultura brasileira favorece a aprendizagem do futebol de uma maneira bastante especial, pelo menos no passado e, ainda em alguns lugares, no presente.

A população infanto-juvenil brasileira, sobretudo os meninos, mas não só, historicamente utilizava grande parte do seu tempo livre para jogar bola. Das mais diferentes maneiras e nos mais diversos espaços disponíveis, o futebol ou algo parecido com ele era a brincadeira predileta da infância de milhões de pessoas. O pensamento, segundo o qual, da quantidade se extrai qualidade pode ser utilizado, mas, na minha opinião, não basta. Para chegarmos ao nível de excelência que chegamos em relação ao futebol mundial, além de uma quantidade enorme de crianças e adolescentes brincando de futebol – e, consequentemente, aprendendo a modalidade – também existiam outros elementos que fizeram de nós, segundo alguns, o “país do futebol”.

Não é correto afirmar que apenas os brasileiros brincavam e brincam de futebol na infância. Em diversas observações, obras biográficas, entrevistas e pesquisas sobre a infância de atletas e ex-atletas ao redor do mundo, é possível encontrar evidências de brincadeiras similares ao futebol praticadas na rua, ou espaços equivalentes. Isso é uma prática quase que global. 

Porém, por que os jogadores e jogadoras brasileiras, de maneira geral, possuem um jeito diferente de jogar futebol e de se relacionarem com a bola? Será que esse período da infância tem relação com isso? O que a pedagogia pode nos explicar?

Bastante! Um exemplo de como a pedagogia pode nos ajudar é por meio da compreensão do conceito de ambiente de aprendizagem. A partir dele podemos destacar alguns pontos que nos diferenciam e nos favorecem para a aprendizagem, particularmente, no nosso caso aqui, do futebol. 

Sabemos que as técnicas corporais advêm da cultura lúdica, isto é, do conhecimento que determinada população possui de seus jogos tradicionais(*). No Brasil, temos o privilégio de termos influências culturais diversas que nos apresentam um repertório de expressão corporal rico, a partir de jogos e danças, especialmente indígenas, africanas e europeias. Essa riqueza cultural faz as crianças brasileiras se movimentarem de diferentes formas, criando diferentes técnicas corporais. Dentre elas estão as técnicas corporais relacionadas ao futebol: correr, gingar, equilibrar-se, saltar, relação com a bola etc.

Outro ponto que nos favorece é o nosso clima, que permite a prática de todas essas brincadeiras ao ar livre o ano todo. Se lembrarmos de Malcolm Gladwell e sua regra das 10.000 horas de prática deliberada para a excelência em determinada atividade, e percebermos como essas práticas lúdicas são capazes de criar conhecimentos e técnicas transferíveis para o futebol formal, percebemos que, enquanto país, temos um ambiente favorável para essa aprendizagem nesse quesito.

Para além de toda essa riqueza cultural de movimentos e a possibilidade de praticá-los o ano todo, temos algumas brincadeiras específicas, particularmente de bola com os pés, que estão bastante presentes na nossa cultura e nos fazem “treinar” gestos assemelhados aos praticados no jogo de futebol formal.

Essas brincadeiras giram em torno da mais tradicional delas, que é a pelada (também conhecida no Brasil afora como rachão, baba, contra, timinho etc.), proporcionando uma quantidade e qualidade de estímulos excepcionais para o desenvolvimento de conhecimentos específicos do futebol, mas não só. Entre as manifestações mais conhecidas dessa brincadeira está o jogo de futebol tradicional (11×11), além dele, em formatos reduzidos (3×3, 5×5, 8×8, golzinho etc.). Orbitando a pelada, encontramos jogos como o bobinho; a rebatida (ou repetida); o controle; 3 dentro, 3 fora; artilheiro; cruzamentos; driblinho; além dos jogos individuais com a bola nos pés.

Reúna todos esses elementos do ambiente de aprendizagem informal chamado Brasil, à prática de milhões de crianças e adolescentes – brincando de futebol – alguns deles por milhares de horas, e teremos uma combinação maravilhosa para o desenvolvimento de grandes talentos. Imagine cenários de “ruas” brasileiras de meados do Século XX, com a população urbana crescente, com a base da pirâmide etária populacional cheia de crianças e adolescentes indo brincar ao ar livre e encontrando no futebol uma forma de satisfazer suas vontades lúdicas. Dezenas dessas crianças, cada uma mais habilidosa que a outra, se encontrando e jogando futebol a tarde toda, até o anoitecer, quando tinham que voltar para a casa. Será que essa experiência não equivale ou mesmo supera os melhores treinos e aulas de futebol em escolas e clubes?

Esse ambiente de aprendizagem brasileiro está em risco. Se em algum dia perdermos essa característica cultural brasileira de sermos apaixonados pelo futebol e pelas brincadeiras ao ar livre, provavelmente nada restará que nos favoreça para a aprendizagem do futebol ou de qualquer outro esporte dessa natureza. Por exemplo, com o crescimento da cultura dos jogos virtuais, as crianças poderão perder grande parte da vontade e tempo de brincar de futebol e daqueles jogos que se assemelham a ele. Que técnicas corporais elas formarão nesse cenário?

Outra ameaça é a projeção de um menor número de crianças e adolescentes em termos proporcionais à população, segundo o IBGE(**). Uma menor quantidade geral de crianças, pode ser transferida para uma menor quantidade fractal, isto é, por grupo infantil, o que prejudica um dos fatores mais ricos para a aprendizagem de um jogo, que é a diversidade de obstáculos e desafios que os demais jogadores colocam para serem superados. Outro fator preocupante é a falta de segurança crescente que tende a impedir cada vez mais as crianças de brincarem em espaços públicos, ao ar livre. 

Acredito que ainda não estamos totalmente tomados por essas ameaças. O Brasil, como ambiente de aprendizagem aplicada ao futebol, ainda pulsa. Podemos perceber atualmente muitas crianças e adolescentes apaixonados pelo jogo de futebol, fazendo dele a sua brincadeira predileta. Especialmente nas periferias dos grandes centros urbanos, nas cidades de interior ou no litoral, o futebol brasileiro raiz ainda sobrevive na cultura lúdica infantil. Do ponto de vista pedagógico não é supérfluo estudar este tema. Acredito que ele tenha sido um grande diferencial para que alguns jogadores brasileiros fossem admirados como gênios e artistas da bola e algumas de nossas equipes pudessem jogar um futebol arte e vencedor por décadas.

Portanto, continuo com a provocação de que estudar a forma como os brasileiros tradicionalmente aprenderam a jogar bola pode salvar o futuro do nosso futebol, mas não só! Pode salvar também a educação deste país! No próximo texto falaremos sobre como uma Pedagogia inspirada nesse ambiente de aprendizagem informal, que o Brasil criou aos montes, pode ensinar muito mais que futebol. Sabemos que ela não é só capaz de produzir grandes craques, pois, por mais admiráveis que sejam, eles não são suficientes para um país; ela pode e deve fazer muito pela educação integral das crianças, adolescentes e jovens brasileiros. E é disso que falaremos no texto da semana que vem.

Até lá!

(*) Veja mais em: Dos jogos tradicionais às técnicas corporais: um estudo a partir das relações entre jogo e cultura lúdica (SCAGLIA, FABIANI e GODOY, 2020). Clique para acessar.

(**) Veja mais em: Site do IBGE – Projeção populacional: diminuição da base da pirâmide etária. Clique para acessar.

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Precisamos falar sobre o interacionismo III – A Pedagogia do Jogo

‘O correr da vida embrulha tudo,

a vida é assim: esquenta e esfria,

aperta e daí afrouxa,

sossega e depois desinquieta’

O que ela quer da gente é coragem. Nossas últimas conversas buscaram evidenciar que mesmo a pedagogia aplicada ao esporte não está imune à ‘teoria da curvatura da vara’: ela, que antes pendia às abordagens do paradigma tradicional, de conotações inatistas e empiristas, parece ter sido encurvada a 180º e chegou tão ao outro lado, a ponto de flertar com a revirada a curva e retornar à origem. Por isso, a teoria do conhecimento interacionista se não bem cuidada, refletida e interpretada na prática, materializa outra coisa que não seus pressupostos e, então, o que vigoram são mutações didáticas e metodológicas, como o neotecnicismo e o neoescolanovismo. Embora saibamos que os opostos costumam se atrair, os extremos não são, exatamente, atraentes – no futebol, na pedagogia, na vida. Existem termos (que nem precisam ser meios) que soam mais interessantes.

Estudos mais recentes voltados à subárea da Pedagogia do Esporte consideram que abordagens pautadas no jogo constituem um grupo denominado ‘Game-Based Approaches’, as GBAs. Este grupo reúne modelos de ensino de esportes que abarcam preceitos teóricos do interacionismo pregando superação das dinâmicas previsíveis e analíticas do ensino-aprendizagem tradicional, cada qual com suas especificidades: existe um que se escora nas bases do Ensino dos Jogos Desportivos, elaborada pelo Prof. Júlio Garganta em Portugal; outro, denominado TGfU, ou Teaching Games for Understanding, de origem britânica; há também a Iniciação Esportiva Universal, estruturada pelo Prof. Pablo Juan Greco, da Universidade Federal de Minas Gerais; o CLA, ou Constraints Led-Approaches, braço da pedagogia não-linear; e a Pedagogia do Jogo, tema do papo de hoje.

Nem todo o jogo, na aprendizagem esportiva, caracteriza a Pedagogia do Jogo. Mas a Pedagogia do Jogo preza, em primeiro lugar e, com o perdão da redundância, pelo jogo ‘jogado’, devidamente contextualizado, dotado de um processo organizacional sistêmico, que propicie ambientes de jogo e de aprendizagem pela interação mútua entre o(a) jogador(a), ambiente e as tarefas da atividade. Que requer, por sua vez, empenho – e não desempenho. O jogo é assim, esquenta, esfria, afrouxa, sossega, embrulha, desinquieta, porque o que ele quer da gente é coragem, afinal. Se a licença poética afoita faz Guimarães Rosa se revirar no túmulo, serve (ou tenta), ao menos, para afastar a ideia de que a Pedagogia do Jogo deve ser ‘lúdica’ ou ‘legal’ e abraçar, a todo o custo, a positividade pedagógica, que enxerga qualquer tipo de incômodo como ameaça ao ensino ou o neotecnicismo resultadista e precoce. 

Os ambientes de jogo e de aprendizagem, conduzidos didaticamente pelo(a) treinador(a), devem fomentar tomadas de decisão e autonomia a quem joga pela lógica da imanência: é ela quem, por meio do princípio metafísico da transcendência, que configura a natureza autotélica do jogo. O jogo, pela Pedagogia do Jogo, não tem um fim em si mesmo: vislumbra, antes de mais nada, explorar o que está por vir, imprevisível que é. Ao jogar, (nos) descobrimos.

Ok, muito bonito. Mas como construir esses ambientes ‘na prática’? Identificar as ‘fontes’ de onde a Pedagogia do Jogo ‘bebe’ nos parece um caminho. O Prof. Roberto Rodrigues Paes, uma das grandes autoridades dos estudos sobre Pedagogia do Esporte em âmbito nacional costuma dizer que, além de intervém no ensino, vivência, aprendizagem e treinamento das práticas esportivas em suas várias manifestações e sentidos, o(a) pedagoga(a) esportivo(a) tem a incumbência de interpretar as teorias do conhecimento que sustentam as práticas pedagógicas, de forma minimamente coerente.  O que significa que a aplicação da Pedagogia do Jogo – como de qualquer outro modelo de ensino – pressupõe compreender que epistemologias, teorias, autores e autoras a sustentam e quais as nuances de sua origem.

A Pedagogia do Jogo, pois bem, nasceu no meio da rua e nela muitas das respostas à sua aplicabilidade são encontradas. Lá se vão quase quatro décadas desde a hipótese aventada pelo Prof. João Batista Freire nos corredores da, então recém-construída Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas: a rua como riquíssimo ambiente de aprendizagem esportiva. Dos jogos e brincadeiras tradicionais, pertencentes à cultura lúdica infantil, desprovida de regras, havia algo ainda não identificado pelo pragmatismo da intervenção adulta: uma pedagogia. A pedagogia da rua.

Atenção, contudo: a rua, propositalmente em itálico, não é, simplesmente, aquela da minha ou da sua casa, a via pública de circulação, rodeada de casas, prédios e estabelecimentos comerciais. Pode até ser, mas não necessariamente. A rua, na verdade, é o terreno baldio. E a garagem. E o quintal. E a terra batida. E o mato abandonado. E o asfalto remendado. E o campinho de areia. Até a quadra da escola ou de condomínio fechado pode ser rua. Porque ela, no fim das contas, não é lócus e, sim, metáfora. A rua é o ambiente informal, construído pelos(as) próprios(as) jogadores(as), que contempla desequilíbrio, imprevisibilidade e desafio inerentes à natureza do jogo. Desconfio que o Hudson Martins tenha falado algo parecido por aqui, dia desses.

A pedagogia da rua, portanto, está no Henrique, quando ele rebate a bola na parede para agarrá-la, na sequência, como o goleiro do seu time. Ou quando ele propõe à sua irmã, Maria Júlia, uma competição de embaixadinhas. Da informalidade, significativas oportunidades de aprendizagem emergiram e contribuíram um bocado para formação e constituição de saberes dos atletas de futebol, de Pelé a Neymar, de Sissi à Marta.

O anseio em controlar o incontrolável e racionalizar e simplificar o complexo faz com que, mesmo os(as) bem-intencionados(as) deturpem o sentido da rua e das

pedagogias de conotação interacionista. O ambiente informal da rua não é reproduzido, pura e simplesmente, nas categorias de base de um clube voltado ao alto rendimento esportivo – nem tanto pela qualidade do terreno, o gramado aparado, por vezes sintético, bem menos problemático, bastante pela vigilância simbólica do(a) treinador(a) que violenta a espontaneidade. Há também quem associe a rua, de forma pejorativa, ao anarquismo pedagógico. Conceitualmente, nem seria tão errado fazê-lo, visto que o jogo, em essência, é anárquico, caótico e sistêmico, como alude a pedagogia não-linear.

A rua é, sim, libertária: porque articula, entre os pares, possibilidades tático-técnicas ilimitadas e experiências que inflamam, também, a formação moral. Delas, a Pedagogia do Jogo fundamenta seus vínculos com a pedagogia freiriana, não a do supracitado João Batista e, sim, a de Paulo, patrono da educação brasileira, pelo conceito dos ‘temas geradores’, oriundos do método voltado ao processo de alfabetização.

Aí, entra o(a) treinador(a): a partir dos jogos tradicionais de bola com os pés, levantar competências e habilidades demonstradas neste universo conhecido e cheio de significados para, em seguida, imprimir a compreensão dos princípios operacionais ofensivos e defensivos e as invariantes que regem um jogo esportivo coletivo, como o futebol. Mais: estar comprometido(a) com a democratização do ensino e com a práxis (prática pedagógica intencional, provida de diálogo, afeto e sentido teórico) para que os indivíduos não apenas joguem futebol, mas pensem, ajam, sintam melhor, entendendo a realidade social, econômica e histórica da qual os(as) jogadores(as) fazem parte. Que contribua para que encontrem, em suma, seu lugar no mundo.

Por fim, qualquer conotação idílica e romântica atribuída à Pedagogia do Jogo, é descabida: o que foi, por muito tempo, hipótese, está hoje em ‘outro patamar’, chancelada que foi pela ciência. A mais recente das investigações científicas, inclusive, ratifica as possibilidades e potencialidades técnico-táticas advindas do bobinho, da rebatida e do artilheiro, jogos e brincadeira tradicionais da cultura lúdica. Uma pedagogia esportiva, portanto, regido pela teoria epistemológica interacionista, centrada no aluno, pautada no jogo e inspirado na pedagogia da rua é factível. 

O que ele quer da gente é coragem.

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A ponte entre o velho e o novo mundo do futebol

Com a seleção brasileira parada por tanto tempo havia pouco o que falar do técnico Tite, do seu trabalho e dos seus ‘selecionáveis’. Serão quase sete meses sem atuar. Mas com as Eliminatórias voltando e a convocação da última sexta-feira, não fica mais tão ‘forçado’ falar do comandante do time pentacampeão.

Isso porque Tite deu uma ‘sumida’ intencionalmente – nada do que ele faz é sem intenção (e isso é formidável!) – porém até o final do próximo ano, com a Copa do Mundo no Qatar, ele estará na ‘berlinda’.

Pra começo de conversa Tite é atualmente o melhor técnico nascido no Brasil. Disparado. Nem consigo pensar em quem é o segundo, tamanha a diferença que há. Isso não quer dizer que eu concorde com tudo que ele faz. Por exemplo, eu jamais convocaria Everton Ribeiro, do Flamengo. Não o vejo como jogador de seleção. Mas tudo bem…Mesmo com Tite fora dos holofotes, tenho recorrido ao trabalho dele em minhas reflexões sobre o momento do futebol e dos técnicos brasileiros. E a trajetória de Tite é algo muito interessante e que traz diversas lições. Mais do que saber cair e se levantar rapidamente – até porque a maioria dos treinadores também tem que obrigatoriamente possuir essa característica – a maneira com que ele reage aos reveses é digna de reflexão: Tite volta melhor depois de baques e decepções! 

No início dos anos 2000, as passagens dele por Grêmio, São Caetano, Corinthians, Atlético-MG, Palmeiras e Inter já demonstravam uma profunda assimilação dos erros cometidos e uma rápida correção de rota. E isso pra mim é louvável: quantos técnicos são demitidos sumariamente e voltam com o mesmo estilo de jogo, com as mesmas ideias, a mesma comunicação, estilo de liderança e até as mesmas entrevistas? 

O auge disso tudo é quando Tite ganha a Libertadores e o Mundial com o Corinthians em 2012 e após não ir para a seleção brasileira em 2014 como todos esperavam: ele de fato foi estudar em um ano sabático (e não apenas fazer selfies em CTs europeus). A prova é que voltou ganhando o Brasileirão de 2015 pelo próprio Corinthians, jogando um futebol melhor e com mais ideias do que o próprio time que havia batido o Chelsea no Japão três anos antes. A própria seleção brasileira atual mostra uma busca incessante de Tite em agregar os conceitos de jogo mais modernos ao seu repertório.

Se fosse para destacar a principal competência de Tite em um resumo dessa incrível carreira que ele tem, eu colocaria as relações interpessoais. No meio do futebol é muito difícil encontrar alguém que não goste dele. Tite tem a maestria em fazer as pessoas e o ambiente trabalharem a favor dele. E isso ao passo que não é trivial de se conseguir é fundamental para sedimentar conquistas. Entretanto, quero destacar essa busca dele por melhorar. Em ir atrás do conhecimento e fazer diferente sempre. Que Tite seja um exemplo de que a inércia e a incapacidade de refletir são as grandes inimigas da evolução contínua.

*As opiniões de nossos colunistas parceiros não refletem necessariamente a visão da Universidade do Futebol

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Adriano – O futebol tem medo das pessoas?

O texto de Adriano no Player’s Tribune é o texto da semana. Para quem, como muitos de nós enxerga o futebol com a paixão de um torcedor ou de um jogador frustrado, as trajetórias de atletas como ele, o Imperador, e Ronaldinho Gaúcho, que atingiu o topo e não fez a menor questão de continuar por lá e tantos outros, sempre doem pelo que “poderia ter sido”, os relatos de Adriano ajudam a ter uma visão menos “nossa” e um pouco mais empática sobre os caminhos que esses e outros jogadores escolheram tomar.

Adriano começa o seu texto falando sobre como chegar ao topo do futebol mundial foi um teste ininterrupto de sobrevivência, o que lembra, inclusive, outra experiência de vida compartilhada no Player’s Tribune a de Romelu Lukaku. Não há espaço no processo de se tornar jogador para pensar ou se preocupar com o outro, a cada jogo você deve se destacar, a cada ano, dezenas de colegas ficam pelo caminho, é matar ou morre, às vezes quase literalmente. O quanto isso impacta na maneira como esses jogadores entendem o jogo? O quanto o senso de equipe vem sendo incentivado nos jogadores brasileiros? O texto de Adriano nos estimula a pensar sobre isso.

Outro ponto alto do texto é a montanha russa de emoções que o atacante viveu em 2004, entre a virada inesquecível sobre a Argentina na final da Copa América e a morte do pai, nove dias depois. Como conta Adriano, após o ocorrido, o futebol e a vida perderam o sentido, e a partir daí sua carreira tomou um rumo completamente diferente do que jornalistas e o público esperavam.

“Sim, talvez eu tenha desistido de milhões. Mas quanto vale a sua paz de espírito? Quanto você pagaria para ter de volta a sua essência?”

“Fiz uma coisa que eu quis fazer porque sabia que estava precisando” – Explica Adriano

Fundamental aqui fazer uma ressalva em relação à saúde mental dos jogadores, e de todos. Com um maior suporte nesse sentido Adriano teria encontrado razões para seguir jogando em alto nível por mais tempo? Jamais saberemos, mas o ponto é que Adriano, ao contrário das expectativas criadas ao redor de um jogador escolheu pelo que lhe fazia feliz, por sua essência nas palavras dele. Isso assusta demais quem quer ter os jogadores na palma de sua mão, sejam eles dirigentes, diretores de federações, agentes, ou patrocinadores. Um jogador “indomável” significa uma ameaça real à estrutura estabelecida que, obviamente é conveniente para todos os que se encontram em seus postos de comando.

O raciocínio aqui é parecido com o que já apresentamos sobre combatividade, muitas vezes excessiva, utilizada para analisar a trajetória de Maradona, que em muitas passagens de sua carreira foi uma pedra no sapato de quem comanda o futebol e escolheu mais por sua felicidade do que pelo que se esperava dele. Da mesma forma, causaria um baita incomodo jogadores se recusarem a atuar sob condições inaceitáveis como as que aconteceram ontem na partida entre América de Cali e Atlético, quando protestos ocorriam a metros do estádio, que teve que ser interrompida diversas vezes por conta do gás utilizado para conter os manifestantes que frequentemente invadia o campo, não havia nem condições nem clima para se jogar futebol ali!

Agora imagine o tamanho da encrenca se mais jogadores escolhessem pela sua “essência”, mais do que por mais dinheiro ou troféus? Messi, por exemplo, está cada vez mais próximo do fim do seu contrato com o Barcelona, o que o impede de realizar o sonho de sua infância e escolher defender as cores do Newell’s Old Boys, da cidade argentina de Rosario?

Quem perde e quem ganha com a realização de um sonho desse?