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Paixão na caverna

Arnaldo, o bagre cego, emagrecia a olhos vistos. Pairava na superfície do lago como a contar estrelas, que nunca viu. Oto, o morcego, já não aparecia para conversar comigo. Voava a esmo e deixava escapar até as mariposas mais lentas e suculentas.

– É paixão – disse-me Aurora numa madrugada de insônia. Eu não podia acreditar em tamanho disparate; Oto, o morcego mensageiro, ainda vá lá, voava por aí e volta e meia topava com lindas morceguinhas na flor da idade. Mas Arnaldo, como poderia estar apaixonado, sendo um bagre cego e confinado num lago escuro de uma caverna remota! Sua paixão por Ricardo Teixeira e Carlos Nuzman, que eu saiba, era de outro tipo.

– É paixão – insistiu Aurora, a coruja, numa outra madrugada, esta, linda, cheia de estrelas. – É melhor você averiguar.

Foi o que fiz. Tirei Arnaldo de sua flutuação letárgica com um cutucão e perguntei o que se passava. No fundo, o bagre é um tímido. Foi um custo fazê-lo falar, mas falou.

– Ah, meu amigo! Agora, quando me alcança a idade mais que madura, na fronteira da meia-idade, eis que meu coração se inquieta e bate forte, causando-me profundo desassossego – ele disse.

– Mas Arnaldo, o que acontece? Muito estranho. Você sequer vibrou com a convocação da nova seleção brasileira. Não ligou para o pronunciamento do presidente da CBF. Por quem bate, então, e de maneira descompassada, esse seu coração de peixe?

E o bagre me contou o inacreditável. Havia uma jovem bagre morando no lago. Como foi parar lá ele não sabia, e nem importava. Arnaldo descreveu-a como se a enxergasse. Jovem, excessivamente jovem e linda, uma ninfeta. Seu corpo ágil reluzia submerso. Suas barbatanas eram quase douradas e sua cabeça fina e delicada. Meu amigo bagre passava horas admirando suas evoluções e depois subia à superfície do lago e deixava-se flutuar enquanto, em sua cabeça de bagre, imaginava a ninfeta entre suas barbatanas, o que lhe causava profundas crises morais.

Não, pensava ele, ela é jovem demais para mim, eu não tenho o direito de tê-la. E eu dizia-lhe que sim, que tinha, e que a diferença de idade não importava, o que importava era o amor. Difícil era eu acreditar na existência de uma jovem bagre naquele lago. Como não a vira?

Quanto a Oto, o caso era parecido, mas o morcego, apesar das muitas cabeçadas nos estalactites, vibrava; a morceguinha correspondia aos seus sentimentos e o morcego já pensava constituir família. Convidou-me para padrinho!

O que é o amor! Creio que nada mais tiraria Arnaldo de seu entusiasmo pelos projetos do ídolo e guia espiritual para a Copa 2014. Ricardo Teixeira falou ao lado de Mano Menezes e o bagre sequer percebeu, todo sensações pela ninfeta bagre.

O morcego, de sua parte, soube que uma nova seleção brasileira era montada pela velha CBF, mas o quiróptero nem ligou, sua cabeça estava longe. Em quinze dias anunciava o noivado.

Comentei o caso com Aurora.

– Eu não disse? – ela disse – Os sintomas da paixão são evidentes!

E a coruja me contou que também foi assim com ela, quando conheceu seu marido, aquele que morreu vítima de um tirombaço, no exato instante em que pousou na quina do travessão, lá onde, dizem os locutores de futebol, mora a coruja. E seguimos madrugada adentro, Aurora lembrando histórias de jogadores prisioneiros da paixão, como tantos de nós, ela que acompanhou a carreira de muitos futebolistas ao longo dos anos em que morou em buracos à beira dos gramados brasileiros. Histórias de craques perdidos no turbilhão de paixões, sem saber que rumo tomar, mas confiando no poder do dinheiro, nos carros de luxo, quem sabe nas lindas mulheres que podem contratar, nas amizades com traficantes e outros bandidos, mas nada, nada disso os livrava da enxurrada avassaladora produzida pela paixão mal vivida, mal compreendida. Lembrou-me uma música do Paulinho da Viola, aquela que diz, “Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar”, pois, apaixonados, somos passivos, e não será o salário milionário, as cem mulheres contratadas ou os carrões na garagem que nos guiarão a um porto seguro. Os craques da bola não são craques da paixão e raramente sabem conduzi-la ao amor perene, ao amor que redime e salva, mesmo que não seja para sempre.

Julgam que o dinheiro poderá conduzir a bom termo a aventura tempestuosa dos sentimentos indomáveis, mas talvez se percam exatamente aí. Querem uma mulher, mas contratam cem delas, sonham com um carro e enchem a garagem deles, ouvem falar de grandes vinhos, mas não aprendem a beber.

Dias depois, voltando de um passeio pelos arredores, surpreendi-me com Arnaldo absorvido, como tantas vezes o vi, pela voz que vinha da TV. Era seu ídolo, Ricardo Teixeira, que se pronunciava sobre a Copa 2014. O Morumbi, dizia ele, estava descartado, não cumprira as exigências da Fifa.

– Certíssimo – disse-me Arnaldo. – Não faltaram avisos. O São Paulo teve diversas chances e não aproveitou. A CBF não pode esperar indefinidamente pelo Tricolor. A cidade de São Paulo precisa construir um estádio à altura da importância do evento.

– E a jovem moradora do lago? – perguntei-lhe.

– Quem? Ah, aquela história que lhe contei. Sabe meu amigo, voltou-me a razão, foi-se a paixão. Aquilo foi fruto de uma fraqueza, um capricho da imaginação. Algo que pretendo esquecer, que me causa vergonha só de pensar.

Pobre Arnaldo. Terminaria os dias como tantos outros. Não teria sua Dulcinéia, e nem se permitiria tê-la em seus devaneios.

Nesse instante Oto passou voando desesperado à caça de uma suculenta mariposa.

– E então Oto, quando teremos o casório?

– Casório? Você está louco – falou, enquanto mastigava o pobre inseto.

Soube, por outros morceguinhos, que a morceguinha que se dizia apaixonada por Oto bateu asas e voou. Fugiu com outro, segundo ela, mais sério e responsável, um bom provedor.

Voltamos à velha rotina, eu com minhas conversas madrugada adentro com Aurora, Oto entusiasmado, ora por uma coisa, ora por outra, Arnaldo curvando-se em reverências aos seus ídolos de sempre, os do COB, os da CBF ou quaisquer outros que representem uma autoridade constituída. Melhor assim, prefiro a rotina. Na tela da TV o noticiário policial falava dos últimos casos envolvendo jogadores de futebol.

Para interagir com o autor: bernardo@universidadedofutebol.com.br

*Bernardo, o eremita, é um ex-torcedor fanático que vive isolado em uma caverna. Ele é um personagem fictício de João Batista Freire.

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Estratégia: o padrão de jogo e o modelo de jogo

Para os treinadores de futebol, a tomada de decisão e a escolha de uma estratégia de jogo, em detrimento de outra, pode definir o sucesso ou fracasso de sua equipe dentro do jogo.

Na imprevisibilidade das dinâmicas decorrentes do confronto de duas equipes de futebol em uma partida, terá mais chance de vencer aquela que apresentar dinâmicas que têm maior fluidez sobre as de sua adversária (que se encaixam melhor e respondem mais adequadamente aos problemas do jogo, sem muito gasto de energia).

São muitas as áreas da Ciência que estudam a arte da estratégia e do planejamento estratégico.

No futebol, ainda que muitas vezes seja de forma empírica e intuitiva, treinadores pelo mundo todo demonstram ser mestres no que diz respeito à elaboração e aplicação de estratégicas de jogo.

Sem contestar, ou deixar de dar grande importância a esse empirismo e intuição, é importante salientar que se avaliarmos as estratégias de jogo adotadas pelos diversos treinadores e equipes de futebol, Brasil à fora, notaremos que elas (as estratégias) podem estar associadas a níveis distintos da organização do jogo.

O jogo é imprevisível.

Há, porém, se olharmos para ele sob a luz da Teoria Sistêmica, dinâmicas individuais e coletivas, que em meio ao aparente caos, refletem um padrão de organização, que pode ser detectado, monitorado e até manipulado.

Essa “manipulação”, nada mais é, do que a ação individual e coletiva de uma equipe definida dentro de um plano estratégico, para tirar proveito ou vantagem desse padrão.

O grande “pulo do gato”, porém, está em entender que o padrão de jogo pode ser observado em níveis que vão desde a ação de um elemento do sistema (o jogador), operada por características singulares a ele, até a modelação coletiva da equipe em suas regras de ação ou maneira de estruturar o espaço de jogo.

E o que isso quer dizer?

Isso quer dizer em primeiro lugar, que padrões de jogo podem ser identificados dentro e fora de um modelo de jogo, e que, em segundo lugar, é preciso ter clara idéia de qual é o nível exato da organização do jogo, que se quer intervir (ou ainda, qual é o melhor nível para se fazer a intervenção).

 

 

Então, olhar para um jogo, tentar identificar e entender o modelo de jogo que norteia a comportamento dos jogadores de uma equipe é apenas um dos passos para identificar um pedaço fractal de um padrão de jogo.

Da mesma maneira, a partir do melhor entendimento do padrão de jogo (individual e coletivo), deve-se ter clareza para definir com exatidão, em qual nível desse padrão é possível agir com maior eficácia.

É preciso que se entenda que o “modelo de jogo” é um subsistema do sistema “padrão de jogo”, e que esse é um subsistema do sistema “cultura de jogo” (que é por sua vez subordinado ao jogo).

Toda e qualquer decisão estratégica, vai de certa forma, mexer com os níveis de organização de uma equipe e de sua forma de jogar.

 

 

Então, seja para agir diretamente sobre a operacionalização coletiva das ações, sobre a estruturação coletiva do espaço de jogo, sobre a ação específica dos elementos do sistema, ou ainda, sobre suas inter-relações ou suas interdependências, é importante que o “tiro” seja certeiro, e que haja o entendimento de que a ação sobre qualquer uma dessas variáveis, afetará diretamente a outra, com maior ou com menor magnitude.

Identificar padrões de jogo em distintos níveis não é tarefa das mais fáceis, porque requer muitas vezes observação repetida de um mesmo jogo, ou de diversos jogos de uma mesma equipe.

De qualquer forma, vale salientar que muitos treinadores pelo mundo, inconscientemente ou não, acabam por tomar decisões estratégicas sempre atuando sobre o mesmo nível organizacional e sempre (ou quase sempre) sobre a mesma variável da organização sistêmica.

Isso quer dizer que muitas vezes, entendendo o tipo de decisão estratégica que um treinador toma, é possível entender também com quais óculos ele enxerga o jogo, e aí talvez, seja possível vencer sua equipe antes mesmo de conhecer seus padrões.

Com que óculos você enxerga o jogo?

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br  

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O futebol como ferramenta para a educação

*Uma das grandes funções do esporte é a educação. A educação, aliás, é a base fundamental da sociedade. Sem uma educação adequada, os demais sistemas (de saúde, segurança, econômico, etc) não funcionariam de forma apropriada.

Segundo a nossa Constituição Federal de 1988, Art. 217, II, “é dever do Estado fomentar práticas desportivas (…) observadas a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional (…)”.

O futebol, sendo o esporte mais popular no Brasil e de maior interesse entre as crianças e jovens (tanto para assistir como para praticar), tem um papel fundamental nessa função do esporte.

A questão que nos salta aos olhos é: será que o Estado reconhece esse dever previsto no texto constitucional transcrito acima, e destina prioritariamente fundos para o esporte educacional? Ou será que o esporte de alto rendimento ganha do esporte educacional nessa preferência governamental?

Os programas de incentivo ao esporte não mencionam o esporte como educação. As loterias criadas não têm a destinação específica de auxiliar as escolas deste país a terem mais quadras esportivas e professores de educação física qualificados.

Na verdade, o que vemos é um desenvolvimento quase que orgânico das práticas esportivas entre as crianças deste país. A famosa pelada na rua com bola de meia, que tanto foi dita por Pelé como seu início no esporte, é de fato como a maioria das crianças praticam o futebol no Brasil.

As escolas, principalmente as públicas, raramente possuem mais do que uma quadra poliesportiva de cimento, com linhas demarcatórias que quase não se percebem e traves enferrujadas.

E mesmo assim o Brasil é o país que mais revela jovens jogadores de futebol ao mundo. Mas isso, na minha opinião, é obra divina, e não das nossas políticas de esporte educacional.

*Esta coluna é dedicada ao pequeno Alexandre, que hoje completa seu primeiro ano de vida.

Para interagir com o autor: megale@universidadedofutebol.com.br

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Manter é preciso

Na sua coluna dessa semana na Folha de São Paulo, Tostão destacou a importância que tem o gramado no futebol. O gramado é, sem qualquer dúvida, muito importante na qualidade do futebol jogado. Não é preciso ser um ex jogador de tamanha importância como o Tostão pra saber disso. Mas é impressionante como os gramados de alguns estádios no Brasil são mal cuidados.

Estamos passando por uma onda de projetos de novos estádios no Brasil. Planos pra aqui, plano pra lá e planos pra acolá. A moda agora é construir estádios. Novinhos em folha. Tinindo. Mesmo que sua cidade não tenha clube profissional. O esquema é construir. E isso é muito bom pra indústria. Desde que, é claro, os projetos estejam sendo de fato sendo feitos com um mínimo de planejamento. Afinal, construir um estádio é uma coisa. Mantê-lo é algo completamente diferente.

E a ciência do gramado é basicamente essa. Não adianta apenas plantar, tem que manter e, eventualmente, trocar. E se não fizer isso, aos poucos a coisa vai se deteriorando, como fica claro no exemplo do Engenhão, um projeto muito bacana, novinho em folha, e com um gramado deplorável. Antes de fechar para reformas, o Maracanã estava igualzinho, tal quais tantos outros estádios ao redor do país. Sinal evidente da falta de planejamento de manutenção do campo.

Manter um gramado, porém, não é barato. Custa bastante. Muitas vezes é preciso manter uma equipe de profissionais dedicada exclusivamente a isso. E justamente por custar um certo dinheiro é que os clubes tendem a não se preocupar muito em manter um padrão elevado de qualidade. Isso porque ao destinar verba para isso, você necessita diminuir verbas para salários. Vinte mil reais para cuidar do gramado representa um jogador com salário de vinte mil reais a menos no time, o que, para boa parte dos clubes brasileiros, é um jogador de média qualidade, para compor o elenco, mas que pode ser muito importante em caso de lesões e suspensões.

A solução, mais uma vez, passa por quem administra o campeonato. Não dá para esperar que os clubes sozinhos irão cuidar por conta própria dos seus gramados. Como não existe requisito mínimo de qualidade do campo para a disputa de uma partida, nem todos os clubes gastam dinheiro com manutenção do gramado, o que deixa o clube que se preocupa com isso em desvantagem competitiva por ter uma verba reduzida para o pagamento de atletas. A única solução é estabelecer um piso orçamentário obrigatório para a manutenção e um padrão mínimo de qualidade do gramado, sob pena de perda de mando de campo, multa ou perda de pontos. Assim, os clubes são obrigados a se preocupar em deixar os campos menos esburacados. Com menos buracos, além de diminuir riscos de lesões, jogadores conseguem também elevar o seu próprio nível de precisão, contribuindo com a melhoria estética do jogo e diminuindo a incidência de acasos não relacionados aos times na construção do resultado final de uma partida (vulgarmente conhecido como morrinho-artilheiro).

A ideia sempre defendida e bastante disseminada de que a capacidade de improvisação do futebol brasileiro é proveniente dos campos esburacados em que as crianças aprendem a jogar bola é até um pouco lógica. Ela só não precisa ser estendida para os gramados do futebol profissional. 

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br  

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Brasileiros e o profissionalismo

Muricy Ramalho, técnico do Fluminense, no último fim de semana (26-set), suscitou uma polêmica que se transformou em uma grande discussão nos principais meios de comunicação do país: trata-se da diferença de comportamento de jogadores brasileiros em comparação aos argentinos, entoando um coro em favor do profissionalismo apresentado pelos “hermanos” à equipe que representam.

Tomo por base uma reportagem de capa do jornal esportivo espanhol “Marca”, do dia 17 de janeiro de 2007, cujo título era o seguinte: “El ‘Real Brasil’ deja paso al ‘Madrid de los pibes’: menos samba y más ‘trabajar'”. Pelo título da reportagem não é preciso mais delongas, contando a trajetória da época do Real Madrid que se transformou completamente com a saída de jogadores brasileiros da era Luxemburgo para a chegada de atletas argentinos com Fábio Capello.

O texto constata, em suas últimas linhas, que os argentinos proporcionaram claramente um futebol comprometido, prático, solidário e tático e compara o perfil de ambos da seguinte maneira:

É possível ver que esse debate trazido pelo Muricy não é de hoje, defendendo que o resultado do sucesso de Conca no Brasil está diretamente relacionado com o seu comprometimento ao treinamento.

Na Europa, os clubes já se auto questionavam há algum tempo sobre esse tema, o que talvez explique superficialmente que, mesmo havendo inúmeros clubes dedicados à exportação de craques para o futebol internacional aqui no Brasil, a Argentina, com uma população cinco vezes inferior, conseguiu superar nosso país em número de transferências internacionais no ano de 2009, de acordo com pesquisa divulgada no Estadão em 17 de setembro – foram 1.716 argentinos para o exterior ante 1.443 brasileiros.

É bem verdade que a mesma reportagem discute o fato de os atletas do país vizinho têm saído cada vez mais cedo para o exterior face às enormes dívidas acumuladas pelos clubes, causando um enfraquecimento de seus campeonatos, fato que o Brasil tem conseguido superar ano após ano.

Mas essa declaração do Muricy pode ser analisada com maior profundidade por sociólogos, se pretendêssemos chegar a uma explicação mais precisa a partir de uma informação empírica. Arrisco-me uma a divagação por números clássicos sobre economia e desenvolvimento humano:


* De acordo com o Fundo Monetário Internacional
** índice de Desenvolvimento Humano – de acordo com a ONU

 

Essa disparidade entre o Brasil econômico e o Brasil social já foi tratada em muitas situações e reflete bem a negligência sobre a educação e a saúde em nosso país. Talvez isso explique um pouco o comportamento de muitos astros do futebol nacional que, mesmo ganhando mais em comparação com os argentinos, não são devidamente preparados pelos clubes e pela sociedade como um todo para serem as estrelas que são.

A educação é elemento-chave na gestão de carreira de jogadores, apesar de ser deixada como segundo plano em muitos programas de formação de atletas. O valor desse tipo de discussão serve para gerar novas reflexões e uma postura de mudança partindo dos clubes para oferecer melhores cidadãos para o mundo, profissionais mais dedicados e empenhados às suas funções, ou seja, “atletas profissionais” de fato, pela acepção da palavra. Pelo menos é isso que esperamos.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br  

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Adilson Batista e o uso da tecnologia: podemos mais…

Em notícia recente no site Globoesporte.com o técnico Adilson Batista revelou usar recursos tecnológicos na preparação da equipe.

“Como eu sempre faço, mostrei para os jogadores algumas jogadas no computador. Mostrei fotos com o posicionamento dos adversários e situações que poderiam acontecer no jogo. Acabou dando certo contra o Santos – explicou o comandante alvinegro.”*

Para nós, que defendemos o uso dos recursos na preparação da equipe, poderia ser uma grande notícia. Mas devemos ser críticos e não superficiais.

Mérito de Adilson, sem dúvidas. Talvez esteja aí um dos motivos que o projeta como um dos treinadores de ponta para os próximos anos. Um dos motivos, não o único.

Ao reconhecer que seu trabalho pode ser ajudado pelos recursos, o Adílson dá sinais de que tem humildade suficiente para assumir que ele sozinho não é o senhor de todo os métodos e conhecimentos, como há muito vemos no futebol. Além da humildade, o comandante alvinegro apresenta uma capacidade rara aos treinadores, que é a habilidade de tirar proveito dos recursos para aperfeiçoar seus métodos.

Isso porque além daqueles que se julgam superiores a tudo, inclusive mais rápidos, mais dinâmicos e com memória maior do que o mais incrível computador já feito pelo homem (não estamos falando de inteligência, essa sim exclusiva do homem), existe uma outra leva de profissionais que criticam ou recriminam o uso da tecnologia pelo simples fato de criar expectativas erradas, ao esperar que um notebook entre na área e mande a bola para o gol após uma cobrança de escanteio.

Assim, ressalto a capacidade de Adilson em entender os recursos como auxiliares, ferramentas de otimização de seu trabalho. Mas ainda aproveito a notícia para levantar uma reflexão.

Apenas o uso de imagens pode ser considerado como grande avanço tecnológico? Será que os recursos hoje disponíveis no mundo não podem ser mais bem utilizados ou ainda melhores desenvolvidos para servirem aos técnicos?

Julgo então, que uma notícia com esse teor, ganhar o destaque que ganhou, é preocupante para nós que trabalhamos com a tecnologia no futebol e defendemos seu uso. Isso porque já imaginávamos que a tecnologia a serviço dos técnicos estivesse alcançando outros níveis de maturidade em alguns casos.

E o problema não está na escassez de recursos ou tecnologias disponíveis para desenvolver ferramentas cada vez mais práticas e importantes para os técnicos. Falta para alguns a consciência e tranquilidade que Adilson teve para assumir a “ajuda” tecnológica, entendendo que ela não desmerece nem desqualifica seu trabalho, e falta também a competência para transformar os dados em conhecimento.

Porque computadores trazem dados, já o conhecimento é parte do homem. É nesse sentido que precisamos caminhar, pois só imagens com ângulos, focos, ou replays variados estão longe de atingir a capacidade do ser humano em usar a tecnologia.

Finalizo com a frase que sintetiza isso, que já utilizei em outros momentos.

“Nossa tecnologia passou a frente de nosso entendimento, e a nossa inteligência desenvolveu-se mais do que a nossa sabedoria.” (Roger Revelle)

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

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Descontrole

O futebol brasileiro, em 2010, está mais rico do que provavelmente já esteve em toda a sua história. Contratos melhores de patrocínio, aumento do interesse das empresas em investir no futebol e uma melhor noção por parte dos clubes de que eles são marcas valiosas contribuem para esse cenário de aparente crescimento na geração de receitas.

Só que, neste mesmo ano de 2010, os clubes brasileiros estão sendo tão irresponsáveis em sua gestão quanto há muito tempo não se via. Pode ser que seja por ter mais dinheiro em caixa, investir mais e, por conta disso, aumentar a exigência pelo resultado. É apenas uma teoria, mas que infelizmente mostra cada vez mais seu lado cruel de ter mais dinheiro só que não ter conhecimento suficiente para como gerenciá-lo.

Neste Campeonato Brasileiro, apenas Fluminense, Botafogo e Guarani não trocaram de treinador, enquanto o Corinthians foi forçado a procurar um novo técnico com a ida de Mano Menezes para a seleção brasileira. Além do Timão, o Santos pode ser colocado como outro ponto fora da curva com a polêmica Dorival Jr.

Mas o fato é que há uma pressão enorme hoje para que o clube mostre resultados imediatos dentro de campo. E um dos motivos é o investimento cada vez maior em equipes caras, que custam alguns milhões por mês para o clube. Dinheiro que existe e pode ser gasto, é verdade, mas que mostra aos poucos ser um produto que pode entrar em escassez novamente.

No início da década de 2000, os times do Brasil tiveram de aprender, na marra, a reduzir os seus custos num período em que o dinheiro rareou. Agora, alguns clubes começam a ter mais dinheiro para gastar, e geram um descontrole em outros num estágio não tão avançado financeiramente.

O maior problema de ter mais dinheiro circulando no futebol é não termos gestores preparados para momentos de abundância financeira. Em vez de segurar a onda de gastos e se preocupar em investir em outras áreas além do time de futebol (infraestrutura é uma delas, por exemplo), os clubes injetam tudo o que têm (e, com isso, também o que ainda não têm) na contratação de jogadores capazes de resolver os problemas.

O reflexo mais imediato disso é esse vai-e-vém de treinadores. No longo prazo, o buraco é mais profundo, podendo gerar um sério problema administrativo no clube, com tantas contas a pagar de pessoas que já não estão mais trabalhando para ele.

Claramente, a pessoa que trabalha na gestão dos clubes, tal qual um jovem que acaba de ficar milionário, ainda não está preparada para trabalhar com tanto dinheiro assim.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br 

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Wall Street

“Ganância é bom”, dizia Gordon Gekko, o personagem de Michael Douglas no filme Wall Street – Poder e Cobiça, dirigido por Oliver Stone na década de 1980.

“Ela clarifica e captura a essência do espírito evolutivo”, dizia o megainvestidor para o pupilo interpretado por Charlie Sheen.

O enredo do filme, que se tornou cult entre os que orbitavam nas bolsas de valores, corretoras e afins pelo mundo todo, tornava evidente a avidez por dinheiro rápido e um estilo de vida agressivo – na linha de sexo, drogas, rock and roll e pregões.

Nesta semana, pude acompanhar duas coisas muito interessantes ligadas à gestão e às finanças de clubes de futebol.

Na primeira, o programa Arena Sportv debatia, entre jornalistas e alguns dirigentes, os números do balanço dos principais clubes a partir do estudo da Crowe Horwath Auditores.

Sem entrar nos detalhes, percebe-se que o faturamento global aumentou bastante nos últimos anos, assim como as dívidas permaneceram estabilizadas e ou aumentaram em alguns casos.

Patrocínios, licenciamentos, venda de jogadores, até bilheteria, puxam o cenário favorável. Resta deixar o balanço no verde. Aliás, apenas três dos clubes abordados apresentaram superávit.

Na segunda, li a interessante reportagem da Fut Lance, sobre o Lyon, clube francês que, em 10 anos, foi alçado ao patamar dos principais clubes da Europa.

Um clube que nunca havia faturado nenhum título e passou a enfileirar sete ligas nacionais e figurar nas fases finais da Uefa Champions League.

A reviravolta se deu a partir de 1987, quando Jean Michel Aulas assumiu o clube, que dispunha de um orçamento de três milhões de dólares anuais.

E o presidente reconheceu que o sucesso havia sido alavancado pelo fato de o clube se tornar especialista no mercado de transferências de jogadores, tal qual na bolsa: comprar na baixa, vender na alta e, se possível, antes dos competidores, amparado em muita informação. E quanto mais dinheiro, mais títulos o Lyon ganharia, segundo ele.

Gekko, numa das cenas, fala a seu pupilo coisas pessoais sobre o jovem que o surpreendem na hora. E Gekko emenda: “Para mim, informação é a commodity mais valiosa”.

São estas as principais leis de Aulas na sua receita de sucesso:

1. Novos técnicos desperdiçam dinheiro com transferências. Corte as asinhas deles.
2. Astros de Copa do Mundo ou da Libertadores estão sobrevalorizados. Ignore-os.
3. Jogadores mais velhos são mais caros. Peça descontos ou, melhor, evite-os.
4. O melhor momento para comprar um jogador é quando ele tem 20 e poucos anos.
5. Venda qualquer jogador quando outro clube oferecer mais que ele vale.
6. Substitua seus melhores jogadores antes mesmo de vendê-los.
7. Ajude seus jogadores a se adaptarem.

A revista ainda tece o comentário que “costumamos achar um time lucrativo meio sem graça”, como torcedores, associando futebol e dinheiro a um tabu.

Jean Michel Aulas é o Gordon Gekko do futebol mundial.

E olha que ele nunca foi o típico cartola de futebol, tido no Brasil como alguém que se diz apaixonado pelo clube e faz tudo por amor e voluntarismo, como se a irracionalidade fosse determinar o êxito ou o fracasso na gestão.

Na juventude, ele jogava handebol.

E ainda não vi o novo filme Wall Street, cujo subtítulo é bem provocante: O dinheiro nunca dorme.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

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Compensações táticas

Depois de uma recente palestra sobre “dinâmicas táticas de ataque”, em que falei de estruturas táticas “móveis” e “fixas”, recebi algumas mensagens pedindo para que escrevesse algo sobre o que são as “compensações táticas” do jogo de futebol.

Pois bem. Como na última semana esse conceito esteve à tona em um encontro de treinadores promovido pela Uefa, creio que valha a pena aproveitar o ensejo e falar um pouco sobre o tema.

Ainda que possa não parecer muito óbvio, o conceito de “compensação tática” é, até certo ponto, bem fácil de entender.

Imaginemos uma mesa com quatro apoios (quatro “pernas”), que carrega sobre ela 20 livros de mesmo tamanho e massa. Aceitemos que essa mesa é retangular, e que os livros estão distribuídos em sua superfície em quatro montes iguais, em cada um dos seus cantos.

Se retiramos da mesa uma das suas “pernas”, e mantivermos os livros distribuídos em montes iguais por seus quatro cantos, é possível que a partir de um desequilíbrio momentâneo a mesa venha ao chão com todos os livros.

Então, para evitar que isso aconteça, antes de retiramos um dos seus apoios, é preciso que remanejemos os livros pela superfície da mesa, de maneira a conseguirmos encontra uma posição de equilíbrio, que permita que a mesa, mesmo com apenas três “pernas”, permaneça “em pé”.

Esse remanejamento de livros na busca pelo equilíbrio é o que podemos chamar de compensação (eu compenso a falta de uma perna na mesa com uma realocação dos livros sobre ela, de maneira a equilibrar as massas e manter a mesa “em pé”).

A ideia sobre compensação tática cabe bem na analogia da mesa. Ela quer dizer, no futebol, uma readequação posicional e/ou de operação, que permita, sob o ponto de vista organizacional, manter o equilíbrio da equipe (seja para estruturar o espaço de jogo, seja para fazer valer uma regra de ação).

Então, se uma equipe quer atacar com boa amplitude e manter, por exemplo, cinco jogadores, mais o goleiro atrás da linha da bola, desenhando um balanço defensivo, precisará fazer compensações específicas, que podem ser iguais ou diferentes quando estiver jogando em um 1-3-5-2 ou em um 1-4-3-3.

Isso quer dizer que se em um 1-3-5-2 uma equipe mantém boa amplitude, utilizando-se dos alas bem abertos, e para seu balanço defensivo com cinco jogadores mais o goleiro, posiciona os três zagueiros mais os seus dois volantes (ou um volante e um meia) atrás da linha da bola, deverá, jogando em um 1-4-3-3, ter outros jogadores mantendo os mesmos posicionamentos.

Por exemplo, no 1-4-3-3, pode manter a amplitude com um dos laterais e um atacante, e desenhar o balanço defensivo com o goleiro, dois zagueiros, um lateral e dois volantes (ou um volante e um meia).

Vejamos as figuras:


 

Dentro de um mesmo esquema tático, por exemplo, o 1-4-3-3, se a equipe utilizar-se de uma ocupação espacial com estruturas móveis, também poderá fazer múltiplas compensações, de acordo com as necessidades das situações do jogo.

Então, da mesma forma que em esquemas táticos diferentes é necessário que haja compensações para manter a boa estruturação do espaço, para um mesmo esquema tático, em circunstâncias diferentes, também é necessário que elas (as compensações) aconteçam, para que uma equipe possa fazer valer sua geometria de ocupação (de acordo com as premissas de seu modelo de jogo).


 

Por hoje é isso!

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br  

*As figuras utilizadas nesta coluna foram desenhadas no Tactical Pad, da Clan Soft

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Instinto falho

Aos 15 anos de idade, Neymar da Silva Santos Júnior já era apontado como uma grande promessa do futebol brasileiro. Destaque das categorias de base do Santos, recebia salário, comida em roupa lavada em sua cobertura, que – ao que tudo indica – ganhou com treze anos.

Durante seu período na base do Santos, Neymar foi convocado diversas vezes para a seleção brasileira de base e com 17 anos estreou no time profissional do Santos. Demorou pouco para Neymar começar a se destacar. No seu primeiro ano como profissional, ainda aos 17, foi eleito o melhor jogador do campeonato paulista.

No ano seguinte, em julho de 2010, aos 18 anos, foi convocado para a seleção brasileira adulta. Apontado, e apontando-se, como a grande revelação do futebol brasileiro nos últimos anos, recebeu uma proposta de 35 milhões de Euros do Chelsea em agosto de 2010 e recusou.

Em setembro do mesmo ano, envolveu-se em uma série de polêmicas que culminou com ofensas públicas ao seu técnico durante uma partida, que acabou gerando a demissão do mesmo técnico. Na convocação seguinte para a seleção brasileira adulta, seu nome não apareceu.

Aos 15 de idade, Tiago Manuel Dias Correia perambulava livremente pelos becos de Lisboa, sem lá grandes perspectivas para vida. Abandonado pelos pais desde muito cedo, havia sido inicialmente cuidado pela vó, mas uma ordem judicial o obrigou a se mudar para um abrigo administrado por uma igreja na periferia lisbonense aos doze anos de idade. Logo depois da mudança, começou a treinar em um clube amador das redondezas, mas sem despertar maiores atenções.

Aos 19 anos, foi convidado, junto com outros sete colegas de abrigo, a integrar o time da CAIS, uma ONG portuguesa que trabalha na melhoria das condições de vida de pessoas sem-teto, que viajaria para a Bósnia para participar do campeonato mundial de futebol de rua. Em seis jogos, Tiago marcou 40 gols. Logo em seguida, quase foi convocado para participar do campeonato mundial dos sem-teto, mas, no mesmo ano, acabou indo parar no Estrela da Amadora, clube da segunda divisão portuguesa.

Depois de uma temporada em que marcou quatro gols em 26 jogos, Tiago assinou de graça com o Vitória Guimarães, uma vez que o Estrela não pagou seus salários. No Vitória Guimarães, Tiago não jogou nem uma partida oficial sequer. Depois de uma impressionante pré-temporada em que marcou cinco gols em seis partidas, Tiago mudou de time.

Ontem, Tiago, o Bebé, fez sua estréia oficial com a camisa do Manchester United, que pagou mais de sete milhões de libras para contratar um jogador que a pouco mais de um ano estava disputando um torneio de futebol de rua no time de uma ONG que cuida de sem-teto.

Neymar pode se tornar o maior jogador brasileiro de todos os tempos. Bebé pode se tornar uma aposta romântica, mas fracassada de Alex Ferguson. Mas Neymar pode se tornar mais uma promessa brasileira que não vingou e Bebé pode vir a ser o maior jogador português da história. Ninguém sabe dizer ao certo. A complexidade humana impede qualquer prognóstico razoável sobre o que torna um jogador bom ou ruim. É tudo baseado em percepções intuitivas que nos levam a determinar fatos e ações. Mas a nossa intuição é bastante falha. Um ano e meio atrás, Neymar morava em uma cobertura e Bebé morava em um abrigo para sem-teto. Quem consegue prever qual será a situação um ano e meio pra frente?

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