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Fifa na contramão do mundo

Caro amigo, sabe quando um ator famoso, um político, ou mesmo um jogador de futebol, faz tanta, mas tanta besteira, que a gente até dúvida? E por vezes nos pegamos pensando se não o fazem pelo simples prazer de aparecer? E mais, já que não conseguem destaque só pelo que fazem de normal e coerente, acabam tomando atitudes que são totalmente contrárias ao bom senso?

Pois é. Imagino que a Fifa tenha adotado esta estratégia. Em nota do dia 21 de julho, a federação que rege o futebol divulgou que vai intensificar os testes com dois assistentes extras com vistas à melhoria da arbitragem.

Na nota referente ao encontro realizado no País de Gales na última semana, a International Football Association Board aprovou solicitações para a realização de testes com dois árbitros assistentes a mais no campo de jogo para as temporadas de 2010/2011 e 2011/2012.

Num mundo onde a capacidade intelectual, isto é, as pessoas (que aqui chamaremos de recursos humanos) está cada vez mais sendo valorizada e especializada, tirando-lhe o fardo de trabalhos que podem ser feitos com maior precisão e velocidade por recursos tecnológicos, a International Board vai na contramão.

Aqui faço um pequeno recorte no texto para justificar o parágrafo anterior. Muitas pessoas pensam, erroneamente, que a tecnologia vem substituir o ser humano. Seria um erro maior ainda atribuir essa afirmativa a incapacidade das pessoas de compreender o fenômeno, pois a primeira vista numa fábrica onde um computador substitui o trabalho de quatro funcionários, essa premissa estaria correta, concordam?

A questão é que devemos esquecer um pouco aquele pragmatismo que nossas professoras nos ensinaram nas tenras séries escolares, de que não era possível subtrair maçãs e somar abacaxis ao mesmo tempo.

Na verdade, o mundo contemporâneo exige que as maçãs subtraídas sejam comparadas com os benefícios dos abacaxis somados no processo. E antes que o amigo tome “guela abaixo” essa vitamina, explico. Quando um computador faz o trabalho de quatro funcionários, ele está fazendo o trabalho que podemos chamar de braçal, repetitivo, de pouco teor intelectual, ou ainda o trabalho complexo , que demoraria um bom tempo para nós seres humanos realizarmos (só lembrando que complexidade não é sinônimo de inteligência como infelizmente alguns pensam).

O que para alguns significaria a perda destes quatro funcionários, o mundo hoje deve encará-los como o ganho de quatro novos recursos intelectuais, ou seja, quatro pessoas que podem ser atualizadas e capacitadas para desempenhar atividades muito mais intelectuais do que braçais, envolvendo criatividade, solução de problemas, inclusive elaboração de novas máquinas e recursos tecnológicos.

E nesse sentido que a Fifa vai na contramão do mundo, ao invés de adotar recursos mais precisos e confiáveis do que o ser humano (embora alguns insistam em não perceber, o ser humano é passível de erro), prefere colocar novos assistentes ao e ignorar o fato de que a tecnologia é no mínimo um paradoxo do avesso.

Se para eles mais duas pessoas podem ajudar a minimizar os erros, como conduzir as diferenças nas interpretações de mais duas pessoas envolvidas no processo. Imaginemos uma bola que teria ultrapassado a linha de gol, dependo do ângulo, do posicionamento e da intenção do arbitro ou assistente, as opiniões serão diferentes ao passo que adoção de um recurso tecnológico tornaria o lance preciso e claro.

A entidade ainda fixou os seguintes critérios para o teste que visa a adoção dessa “inovação”, de acordo com o disponibilizado no próprio site da Fifa

1. Que ele seja realizado nas ligas e competições profissionais das federações nacionais ou em nível de confederação continental (apenas competições de clubes).
2. Que ele seja concluído a tempo de permitir que uma decisão seja tomada em 2012.
3. Que os custos adicionais de tal experimento sejam de responsabilidade da liga, federação nacional ou confederação continental em questão.
4. Que todas as partidas da competição em questão sejam apitadas com dois árbitros assistentes adicionais.

Para não nos alongar, me atenho a provocar o amigo a refletir sobre o item 3.

Um dos grandes argumentos daqueles que defendem é que a tecnologia não deve entrar na arbitragem por que encarece o futebol e seria privilégio apenas das ligas mais ricas, o que fere o tão transparente espírito democrático do futebol.

Assim que diferença tem em investir em desenvolvimento de tecnologia e aplicação do que adotar dois novos árbitros, em termos de custo um pode ser mais alto agora, mas ao longo do tempo é diluído já que o mais caro é o investimento inicial (tecnologia), enquanto o outro (dois árbitros) exige também custos de treinamento e capacitação num primeiro momento, mas não tem possibilidade de diluição ao longo do tempo.

Enfim, enquanto todos reduzem custos e aperfeiçoam processos, investindo em tecnologia e, consequentemente, em recursos intelectuais, o futebol descarta os recursos tecnológicos “investindo” em trabalho passível de erro, afinal, segundo dizem, o erro é um charme no futebol. Que não me venham falar isso quando meu time for prejudicado.

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

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Jornalismo declaratório

Uma das grandes coisas da internet foi possibilitar que a notícia se propagasse de maneira tão rápida quanto o rádio, mas acessível até mesmo para quem está no ambiente de trabalho. Afinal, desde que o computador virou instrumento de trabalho, a internet passou a ser um meio de acesso à informação em tempo real.

Só que a transformação da realidade na cobertura jornalística mudou a forma como o jornalista passou a se comportar. A busca pelo “furo” tem sido paulatinamente substituída pela busca por audiência e pela velocidade na publicação da informação. Ao mesmo tempo, as fontes se tornaram mais bem preparadas para evitar cair em armadilhas.

Isso tudo leva a um novo cenário. Jornalismo, hoje, virou sinônimo de reprodução das declarações das fontes. A apuração da reportagem ficou em segundo plano.

O caso Muricy Ramalho e CBF evidencia isso.

Ricardo Teixeira disse que já estava tudo certo, restando o ok do Fluminense. Muricy disse, em linhas gerais, o mesmo.

A imprensa em geral já dava como fato consumado a efetivação do treinador do Fluminense na seleção brasileira.

E o que aconteceu depois?

A essência do jornalismo é a apuração. Apurar não significa reproduzir as frases das fontes, mas ir além da superfície.

O jormalismo declaratório sempre permeou o trabalho do jornalista de economia. E, agora, invadiu o esportivo.

É preciso ter mais gente que saiba mergulhar…

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br

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Maldito FC

O mês de julho de 2010 é o mês dos técnicos de futebol.

Não só aqueles que ocuparam os principais papéis na Copa do Mundo da África do Sul – Parreira, Dunga, Domenech, Löw, Del Bosque.

O espaço é também preenchido por Mourinho, cujos capítulos da história no Real Madrid recém começam.

Sem falar de Felipão, que retorna ao Palmeiras depois de alguns anos, onde obteve enorme sucesso, que o catapultou ao estrelato como treinador do Brasil e Portugal.

E que ocupa o primeiro lugar na preferência nacional – talvez da CBF – para assumir a vaga na seleção brasileira, até há pouco nas mãos do criticado Dunga.

Saibam todos que não há cargo profissional, na iniciativa privada, que receba mais pressão que a de técnico de futebol.

Seja de clube pequeno, médio ou gigante. Seja da seleção de Antígua e Barbados. Seleção nacional como Brasil, Argentina, Itália, Alemanha, Inglaterra então…

Nenhum presidente de empresa ou alto executivo tem receio de sair à rua, para os afazeres cotidianos, e ser interpelado – pacificamente ou de forma constrangedora – por fanáticos dos produtos da empresa, querendo satisfação sobre determinada estratégia de venda ou queda no balanço trimestral.

São e serão sempre ilustres desconhecidos do povo.

A trajetória de êxitos e fracassos na vida de um técnico de futebol é desvendada, brilhantemente, pelo filme inglês Maldito FC (Damned United), cuja inspiração foi a biografia de Brian Clough.

Brian foi um atacante mediano, apesar de sua média de gols por partida nos clubes que defendeu chegar a impressionar e que o levara ao English Team. Devido a uma séria lesão, interrompeu a carreira e passou anos difíceis de transição profissional até chegar ao cargo de técnico.

Seu grande feito fora levar o clube inglês Derby County ao título da segunda divisão do país em 1969, dois anos após assumir o trabalho. Em 1972, era campeão da primeira divisão e levava o clube à disputa da então Copa dos Campeões da Uefa.

De temperamento forte e, até mesmo, irascível, rompeu com o clube e seu auxiliar após as conquistas e passou certo período em baixa, para voltar em grande estilo em 1975.


 

O filme aborda o período no Derby County e no Leeds United – fracassado, de seis semanas – em 1974.

Brian aceitara o cargo de Don Revie, técnico que transformara o Leeds no maior clube inglês em seus 13 anos de comando e que assumiria o English Team.

Don Revie era o paradigma de sucesso e a obsessão de Brian ao mesmo tempo.
A obsessão por superar Revie lhe fez deixar de lado aquilo que o alçara ao estrelato: a convicção no seu método de trabalho, nos seus colegas de comissão técnica e no seu estilo de liderança.

Quis implementar muito rápido a transição entre o anterior e o novo. Não funcionou. O ser humano – e o jogador de futebol ainda mais – é dado à zona de conforto profissional…

Quando se deu conta dos equívocos, retomou as rédeas do sucesso e levou o Nottingham Forest, da segunda divisão à conquista de títulos na Inglaterra e, pasme, ao bicampeonato da Copa dos Campeões da Europa em 1979-1980.

Os extras contidos no DVD do filme exaltam as inovações e o pioneirismo no estilo de trabalho de Clough. Alguns ex-atletas comandados e dirigentes destacam o perfil vanguardista que adotava.

A equação para a montagem de uma grande equipe, como Dunga queria em 2010, como Mourinho e Felipão já alcançaram em sua carreira, necessita do fator equilíbrio.

Não bastam comprometimento, suor e inteligência. Pois, se a convicção do trabalho parte de premissas equivocadas, o resultado pode ser o precipício coletivo.

Brian Clough morreu em 2004 aos 69 anos.

Diz-se que ele era o melhor técnico que o English Team jamais teve…

Recomenda-se o filme para todos os técnicos. Do presente e do futuro.

Inclusive Felipão e José Mourinho. Conhecimento pela experiência dos outros também serve.

Recomendar para o Dunga seria óbvio demais.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

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O arco e a flecha, o futebol e o treino analítico

Recentemente no Café dos Notáveis, um visitante empolgado por conhecer lugar tão ilustre, após alguns minutos escutando de canto uma conversa entre dois seguranças do Café (dois “caras” que se vestem invariavelmente com ternos italianos de um botão, de cor marrom metálico, e sapatos bicolores – marrom e branco) – descrevo parte de suas vestimentas para ilustrar os carismáticos, engraçados e ácidos homens que cuidam da segurança do Café desde sua “fundação” – resolveu participar e fazer alguns apontamentos que representavam sua opinião sobre o assunto.

Os seguranças (nesse caso o Duk Dúvida e o Tom Certeza) falavam sobre como eram bons os arqueiros que disputaram o último campeonato de arco e flecha.

Para se ter ideia, na última rodada de flechadas, os três finalistas (que eliminaram juntos mais de 200 participantes) tiveram que atirar mais de 50 flechas cada um, em um alvo marcado a 30 metros, até que chegassem ao vencedor da competição.

Tom, que não tinha dúvidas comentava com Duk, que não tinha certezas, que ao certo aqueles arqueiros deviam atirar mais de 500 vezes em um dia, para ficarem com a “mira” refinada e quase tornarem impossível qualquer erro.

Duk, que tinha muitas dúvidas, achou desta vez que Tom devia estar certo; afinal, para acertar alvo tão minúsculo em considerável distância (segundo o entendimento deles) realmente o número de repetições que um arqueiro devia realizar em um dia de treinamento não poderia ser menor.

Repetir, repetir e repetir e só assim chegar à excelência, assim como disse certa vez Platão; ou Sócrates – talvez, quem sabe Aristófanes – pensou, mas sem certeza, o segurança Duk.

O fato é que o empolgado visitante, do qual não me lembro bem o nome, logo se intrometeu no debate entre Tom e Duk e, cheio de convicção, disse:

– Ora, senhores… É o que eu sempre digo sobre o futebol. Jogador para ficar bom tem que repetir os fundamentos até a exaustão. Tem que passar, chutar e cabecear duzentas vezes por dia se for preciso. Se os arqueiros para ficarem bons atiram quinhentas vezes em um dia de treino, tentando acertar o alvo, o mesmo vale para o nosso futebol!

E emendou:

Não é possível ensinar, trabalhar e aperfeiçoar passes ou qualquer outro fundamento, com jogos adaptados, reduzidos, direcionados, conceituais, específicos, ou seja lá quais forem… Tem que repetir o movimento e ponto!

Duk, que não tinha certeza, depois de ouvir atentamente as palavras do visitante, pensou que talvez ele estivesse certo. Mas tinha muitas dúvidas, principalmente porque um arqueiro treina quinhentas vezes (ou seja lá qual for o número), a fazer exatamente aquilo que fará quando estiver competindo – exatamente o mesmo. É concentrar, mirar e atirar (sempre da mesma distância, com o mesmo equipamento, com as mesmas condições competitivas de luz e vento).

Então, colocou à prova seu breve pensamento e suas rápidas e incertas conclusões.

Tom, que também ouvira tudo com bastante atenção, olhou para o visitante e com toda calma que lhe é característica, disse que repetir gestos é diferente de repetir ações, e que no caso do arqueiro, gesto e ação estavam carregados de um único significado e intenção, que era o de acertar a flecha no alvo.

Disse que conhecia muitos arqueiros, inclusive um dos finalistas da competição, e que jamais havia visto um deles treinar quinhentas repetições de empunhadura do arco, separada das repetições de puxada da corda do arco, separada da própria flecha ou da mira ao alvo.

Concluiu que toda repetição se concentrava em torno do significado do movimento em sua totalidade e intenção, que era o de atirar a flecha, com o arco, no alvo.

E ainda acrescentou:

– Então, se formos transferir seus apontamentos sobre o arco e flecha ao futebol (disse ao visitante), esteja certo de que eles reforçam justamente a necessidade de que no futebol, para ensino e aperfeiçoamento das habilidades básicas do jogo, devemos nos atentar para ele (o jogo) e para as ações e seus significados. Isso quer dizer que ao criarmos jogos que exijam dos jogadores criatividade para resolver problemas específicos, parte fractal desta solução estará também na habilidade técnica básica que se manifesta no jogo como ferramenta para dar solução a eles (aos problemas).

– Isso quer dizer que “repetir” ações de jogo, com toda sua circunstancialidade e imprevisibilidade, pode melhorar, dentre outras coisas, as habilidades técnicas básicas? (perguntou Duk).

– Claro que sim!!! (respondeu Tom).

O visitante, que escutava tudo atentamente em silêncio, olhou para Tom e para Duk, deu um suspiro, fez uma cara de desconfiança e resolveu abandonar o debate. Afinal, pensou ele, realmente Pelé, Zico, Maradona, Romário, Ronaldos, Messi e tantos outros deviam ter aprendido o que sabiam nas peladas de rua ou de terreno baldio, e não repetindo passes dois a dois festejando a monotonia. Mas esses eram craques. Nasceram assim. Não precisavam de treino… E além do mais (continuando com suas introspectivas reflexões), explicar isso para dois seguranças não ia ser fácil…

Deixou pra lá e foi embora.

Tom olhou para Duk e, com ar sereno, disse:

– É, caro amigo Duk, a verdade está em como enxergamos o mundo que está ao nosso redor… Você já leu o “Pequeno Príncipe”?

– Aquele em que as pessoas acham que o desenho da cobra que engoliu um elefante é o desenho de um chapéu? (perguntou Duk).

– Esse mesmo. Para alguns sempre vai ser um chapéu. Para outros uma cobra que engoliu um elefante…

E assim encerraram a conversa para receber um dos Notáveis que estava a chegar…

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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Na mesma

No ano passado, eu fiz um estudo bem simples que projetava o balanço anunciado do clube de futebol com o maior faturamento no país no ranking das maiores empresas brasileiras produzido pela revista Exame. Na época, o São Paulo, com um faturamento de aproximadamente R$ 158 milhões, ficava na 1195ª posição, empatado com uma usina hidrelétrica mato-grossense que possuía seis funcionários. A idéia era mostrar que apesar de ser extremamente badalado, o negócio do futebol em si não é muito grande e está longe de gerar tanta receita quanto a maioria das pessoas tende a imaginar.

Um ano depois, o São Paulo não é o clube que mais fatura no país. Com a volta à Série A, Ronaldo e patrocínios, o Corinthians ultrapassou o seu rival e se tornou o clube que mais faturou em 2009, com R$ 181 milhões. O São Paulo caiu pra terceiro, com R$ 174,8 milhões, um acréscimo de 10% em relação ao ano anterior, e o Inter ficou em segundo, com R$ 176,2 milhões.

Apesar da evolução financeira, o São Paulo caiu de posição na projeção do ranking da Exame. Se em 2008 o clube foi a 1195ª organização que mais faturou no país, em 2009 ele foi ultrapassado por oito empresas e caiu para a 1203ª posição, ficando entre a Camaquã Alimentos, empresa gaúcha de 179 funcionários localizada a 130km ao sul de Porto Alegre e especializada em arroz parboilizado, e a Pioneiros Bioenergia, usina de derivados da cana-de-açúcar localizada no interior paulista.

O Internacional, que ficaria na 1201ª posição, faturou um pouco a menos que Rivelli Alimentos, empresa de Barbacena, Minas Gerais, que é especializada em frango e patrocinadora do América-MG, e um pouco a mais que a Sandvik Mgs, mineradora sueca com base em Guarulhos que, possivelmente por conta do desquecimento da economia mundial, teve uma redução de mais de 50% do faturamento em relação a 2008.

Curiosamente, apesar de o Corinthians ter faturado em 2009 R$ 23 milhões a mais que o São Paulo faturou em 2008, o clube ficou exatamente na mesma posição do ranking da Exame que o campeão de faturamento do ano passado, a 1195ª posição. Isso deixou o clube paulista entre a Alcoazul, mais uma usina de álcool, açúcar e biodiesel, que fica em Araçatuba, e o Hiper Moreira, de Goiânia, que, com uma única loja de 11 mil metros quadrados de área de venda divididos em dois andares, é, aparentemente, o maior hipermercado regional do Centro-Oeste do Brasil.

O fato de o clube que mais faturou do Brasil ter mantido a mesma exata posição projetada no ranking da revista em dois anos seguidos mostra que, se não houve grandes avanços comerciais no futebol brasileiro, pelo menos os clubes estão acompanhando o crescimento do mercado nacional. Ao mesmo tempo que isso é bastante positivo, o fato também consolida a ideia de que o mercado do futebol no país (e fora dele) é pequeno e gera muito mais exposição do que dinheiro.

Ademais, mostra que a preocupação da indústria do futebol brasileiro como um todo não deve ser pautada pelas possibilidades de ganhos financeiros, mas sim no controle crescente e desenfreado dos seus gastos, principalmente com salários e valores de transferência. Existe um nítido teto de receita que pode ser atingido pelos clubes de futebol do Brasil. O buraco dos custos e das dívidas, porém, parece ser cada vez mais profundo.

*****
Depois de uns quatro anos escrevendo neste espaço quase que ininterruptamente, vou pegar umas pequenas férias de três semanas. No interim, você pode acompanhar alguns devaneios de 140 caracteres pelo Twitter em @oliverseitz. Nos vemos em breve. Até.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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Breves comentários: fim de Copa e retorno dos campeonatos

Fim da Copa. Hora de refletir e avaliar o que foi feito e os impactos que serão deixados pelo mundial.

Tecnologia

Talvez, e apenas uma mera especulação, a tecnologia pode ser a grande beneficiada com a Copa que se encerrou. Não por ter sido a grande sensação, ainda que tenhamos que avaliar a repercussão das transmissões em 3D e outras questões mais voltadas para a linha do entretenimento. Mas com certeza, sua ausência em meio a tantos lances polêmicos já exerce uma pressão pública muito forte em cima da Fifa.

Entidade essa que até admite rever e discutir algumas possibilidades, mas que deixa bem claro que o erro humano é o que move o futebol.

Enquanto o mundo inteiro (a exceção do futebol) procura através de recursos diferenciados aperfeiçoar seus serviços e minimizar o erro humano, o futebol, nas palavras de Blatter, se vangloria de ter o erro humano como grande “atrativo”. Mas ainda assim o presidente da Fifa promete encaixar a discussão na próxima reunião.

Já discutimos isso, mas é inevitável falarmos de novo, o torcedor gosta de polêmica com certeza, mas será que ele colocaria uma eliminação injusta por erro de arbitragem em segundo plano? Lembro da coluna recente na qual pedimos fair play para a Fifa.

Retorno dos Campeonatos

Agora retornaremos aos campeonatos de clubes. Uma inter-temporada maior que a própria pré-temporada. Com um recheio para lá de interessante, que foi justamente a Copa, possível de ser analisada e avaliada em termos de novas tendências táticas de estilo de jogo e outras coisas mais.
Será que os técnicos brasileiros se atentarão a isso. Por enquanto li apenas o Mano Menezes comentar sobre o legado do estilo de jogo alemão e espanhol.

“Espero que surta efeito, principalmente para ver laterais jogando como laterais, zagueiros jogando como zagueiros, com a linha de quatro jogadores atrás, que há dez anos é uma realidade muito forte na Europa e aqui ainda andamos na contramão”, disse Mano Menezes à Gazeta Esportiva.

Mas será que (aqui peço desculpas pela generalização) os técnicos que nem sequer avaliam e estudam seus oponentes estão preocupados em entender tendências da Copa. Muitos ainda acham que mais vale chutar uma garrafa de água no vestiário para motivar os jogadores no segundo tempo, imagine falar em tendência e análise de jogo.

Contudo, esperamos que essa excelência tática que uma Copa do Mundo às vezes traz, possa cria na cabeça de alguns técnicos uma preocupação com aspectos voltados a análise do jogo.

E lembro: análise de jogo não é só observar, precisa aliar conhecimento, experiência, critérios e intervenção. Pois se só olhar resolvesse, a coruja ocuparia o trono do leão como Rei da selva.

Vejamos então o que acontecerá com a tecnologia no futebol como ferramenta de auxilio da arbitragem e também como os treinadores se comportarão com a questão das tendências táticas da Copa.

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

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O legado da Copa africana

A África do Sul ficou para trás. E o que fica como exemplo da primeira Copa do Mundo em território africano, do Mundial com um campeão inédito, do torneio que pela primeira vez teve o time anfitrião fora da fase eliminatória?

Durante quase 40 dias em território africano, deu para perceber que o maior legado deste Mundial está muito longe de ser esportivo. Ainda há muitos pontos de interrogação sobre o futuro de pelo menos oito dos dez estádios que foram usados nesta Copa [Ellis Park, em Johanesburgo, e Moses Mabida, em Durban, talvez sejam os dois locais com maior chance de reutlização após o torneio], além do improvável crescimento do futebol em território sul-africano por conta do Mundial.

No final das contas, o maior benefício de termos um torneio da magnitude de uma Copa do Mundo na África do Sul foi mostrar às pessoas como é a África do Sul em seu cotidiano. A imagem de um país sub-desenvolvido, pobre, pouco civilizado e inseguro virou história. Pelo menos para aqueles que tiveram a chance de conhecer o país do Mundial.

É improvável achar que o sul-africano vai ficar mais próximo do futebol por conta da Copa. Talvez até haja uma pequena disposição para acompanhar a bola redonda no lugar da oval nos próximos anos. Mas a cabeça do europeu em relação ao país, certamente, mudou.

E aí está um dos maiores benefícios de se organizar um evento do tamanho de uma Copa do Mundo. É a chance de fazer com que as pessoas comuns tirem seus pré-conceitos sobre um país, um povo, etc. Foi assim na África do Sul. Durante os 40 dias em território sul-africano, foi possível conhecer um povo alegre, feliz, machucado por um triste passado, mas que mira um futuro melhor.

Hoje, o Brasil é muito menos “desconhecido” dos outros países. São poucos os que acham que Buenos Aires é nossa capital, muito menor é o contingente de pessoas que acredita que vivemos em cima de árvores.

Foi para acabar com esse pré-conceito que o povo sul-africano se uniu em torno da Copa. Negros, brancos, amarelos, azuis, cor-de-rosa. Todos eles compõem uma África do Sul unida, com problemas, mas preparada [a seu modo] para receber pessoas de todo o planeta.

O legado do primeiro Mundial no continente africano é a mudança na percepção da imagem de um país. Se tem algo que a África conseguiu fazer, foi acabar com qualquer preconceito sobre o seu país. E era exatamente esse o propósito sul-africano quando decidiu receber a Copa do Mundo, há cerca de 15 anos.

O Brasil precisa, urgentemente, entender qual o papel de Copa do Mundo e Jogos Olímpicos para formar uma percepção de imagem do país para o mundo. Melhor oportunidade, não há.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br

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Um plano simples

O que você faria se encontrasse US$ 4 milhões dentro de um avião soterrado pela neve? Ou melhor, o que essa montanha de dinheiro faria com você?

Talvez, tentar responder à segunda pergunta faça mais sentido diante da história contada no filme Um plano simples, adaptação para o cinema do livro homônimo do autor americano Scott B. Smith, cujo roteiro para as telas foi feito pelo próprio autor do romance.

Sob a direção de Sam Raimi, o filme trata de uma temática bastante recorrente na história do cinema: o conflito entre o lado moral do ser humano, que permeia o convívio social, e as provações às quais se sujeita o caráter das pessoas diante das maravilhas que perpassam os olhos de quem encontra dinheiro fácil.

Hank Mitchell (Bill Paxton), seu irmão, Jacob (Billy Bob Thornton) e o melhor amigo deste, Lou, (Brent Briscoe), descobrem, por acaso, um avião encoberto pela neve com 4 milhões de dólares dentro e o corpo do piloto.

Inicialmente, Hank é contra a idéia de se apoderar do dinheiro, mas, desde logo, as vidas simples destes pobretões de uma cidadezinha do meio-oeste americano sofreriam com as investidas da ganância. Sua integridade moral, que até então passava incólume perante a comunidade local, a não ser pelo beberrão Lou, agora se equilibrava no fio da navalha – única divisão entre o passado exemplar, o presente tentador e o futuro tranquilo.

Pois, os envolvidos na trama passam a confabular um plano, aparentemente singelo, que consiste simplesmente em esperar o castigante inverno da região passar, ao mesmo tempo em que esconderiam o dinheiro do alcance dos olhos dos habitantes da cidade.

A esposa de Hank, Sarah (Bridget Fonda), acha que eles devem devolver o dinheiro, até se deparar com o montante sobre sua mesa e ao pensar o quanto ele poderia modificar suas vidas.

As coisas podem ser simples. Mas, nem sempre, são fáceis.

Nesses casos, difícil é manter a razão. Alguns ditados afirmam que as coisas mudam, as pessoas não.

No futebol, há até os que defendam que esse esporte não forma o caráter das pessoas, antes, o revela.

O recente caso envolvendo o goleiro Bruno, do Flamengo, acusado como principal suspeito do desaparecimento – e possível homicídio – de uma amante e mãe de um filho seu, traz à tona a discussão sobre a discrepância entre o caráter e formação moral dos jogadores e os altíssimos salários, permeado pelas suas origens sociais, culturais e econômicas.

Algo arquitetado de forma simples. Dar um susto. Ameaçar uma pessoa, fazendo uso do poder efêmero conquistado pelo status de estrela do futebol nacional.

Um plano simples, mas que não deu certo.

Perde-se a referência das coisas que realmente importam na vida de um ser humano. E que, normalmente, são construídas dia após dia, dando-lhes o real sabor de vitória, sucesso e, por que não, derrota.

Muitas vezes, isso ocorre no espaço curto de um ou dois anos. Cedo ou tarde, para muitos, vem a cobrança da conta.

No caso do goleiro Bruno, a conta pode ser muito alta.

Não em reais, que corresponderiam à pensão que garantiria o sustento do filho tido fora do casamento e que lhe são assegurados por lei.

Mas em anos. Talvez 30. Cumprindo pena na cadeia.

O Brasil não merece, não pode premiar e deve combater esses planos simples.

 

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Holanda vs Espanha, e a final da Copa: acidente de percurso, ou sinal dos tempos?

A Copa do Mundo Fifa de Futebol 2010 chega ao fim trazendo muito conteúdo para reflexão.

Como é o evento que reúne, em tese, as melhores seleções e os melhores jogadores do mundo, talvez possamos, treinando nossos olhares, aprender coisas muito importantes sobre o futebol (em todas as suas dimensões!).

No início da competição, muitas apostas no Brasil (quase como sempre). Grupos de investimentos davam como certo, que a Copa seria mais uma vez do selecionado brasileiro – com grande “vantagem” da equipe verde e amarela, sobre, segundo os mesmos grupos, Espanha (segunda com mais chances) e Inglaterra (a terceira da lista).

No final das contas, um famoso polvo alemão (que aponta vencedores e perdedores em jogos da seleção alemã; e acerta – inacreditável!), que vive em um aquário na Alemanha, parece ter tido mais sucesso com os resultados, mesmo sem fazer contas ou levar a sério palpites, do que os grupos de investimentos e seus cálculos mirabolantes.

Pois é. Nada de Brasil e muito menos de Inglaterra.

Espanha e Holanda chegaram à final, desbancando seleções que durante a competição foram se tornando favoritas, e que ficaram pelo caminho sem fazer jus às qualidades que lhes foram atribuídas pelos “pseudo-especialistas” de plantão.

As equipes sul-americanas, que passaram também a usufruir de algo que somente antes Brasil e Argentina usufruíam (explico: nesta Copa definitivamente, as equipes sul-americanas tiveram em seus times principais ou titulares, maior número de jogadores que hoje moram e jogam na Europa, treinando sob métodos e condições distintas daquelas de seus países de origem – privilégio (ou não?!) até pouco tempo, apenas de Brasil e de Argentina), e que em dado momento tiveram suas campanhas e performances festejadas, foram caindo aos poucos, até que sobrasse apenas a quase européia seleção uruguaia.

Algumas equipes com uma forte cultura para determinando modelo de jogo, nesta Copa, surpreenderam com mudanças – algumas com sucesso e outras nem tanto (algo que há tempos não se via). Para as que fracassaram (claro!), críticas, acusações e culpas. Para as que foram mais longe do que outrora, aplausos, elogios e heróis.

E a ciência da altíssima performance, necessária e contada pela tecnologia das filmagens, dos recursos de análise de imagem, da medicina que opera milagres e cura ossos quebrados, chegou à final, representada pela pedagogia do esporte, do treinamento desportivo integrado, onde o que é tático, físico, técnico, psicológico e sócio-cultural não se separa. Chegou à final representada pela seleção da Espanha, país que tem estudado e pesquisado a fundo questões que envolvem meios e métodos de treino no futebol, onde treinadores e cientistas se confundem em uma coisa só, onde teoria e prática não se separam; lugar em que o futebol é um ambiente riquíssimo para se aprender e produzir coisas novas.

Espanha e Holanda não chegaram à final por obra do acaso (certo Einstein?). Enquanto uma vem se construindo com bases sólidas em uma ciência que vê pelos óculos da complexidade, a outra faz do investimento em sua cultura de jogo, temperada por novas idéias e princípios, o ponto forte de sua jornada invicta.

Vença quem vencer, já ganhou o futebol, onde muitos ainda acreditam, não há mais nada para se “inventar”…

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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Guerra e paz nas Copas do Mundo

Por diversas vezes, devido a seus excessos de euforia, socorri Arnaldo, o bagre, estrebuchando fora do lago, sufocando; episódios perigosamente recorrentes após pronunciamentos de Ricardo Teixeira, da CBF e de Carlos Nuzman, do COB, de quem ele é admirador compulsivo e incondicional. Na última terça-feira, 11 de maio, aconteceu novamente. Voltava eu de uma caminhada pelos arredores, quando me sobressaltou a gritaria dos morceguinhos, alvoroçadíssimos porque Arnaldo, de tanto dar cabriolas, caíra fora do lago e já lhe faltava o fôlego. Corri e empurrei-o de volta à água, onde ele pôde respirar. Eu até havia esquecido que Dunga convocaria a seleção brasileira para a Copa da África do Sul na tarde de terça e esse foi o motivo do entusiasmo superlativo do bagre. Quando recuperou o fôlego, Arnaldo disse ao meu ouvido, de maneira quase inaudível: “Graças a Deus, ele manteve o grupo”.

Deixei-o. Às vezes perco a paciência com Arnaldo e sua obsessão por autoridades, isto é, por algumas delas. Atualmente é Deus no céu e Dunga na terra. O bagre nunca me perdoou ter criticado a contratação de Dunga, pela CBF, para ser o técnico da nossa seleção; alguém que nunca tinha sido técnico de coisa alguma antes. Ele, que agora alega não convocar alguns craques por faltar-lhes experiência, a mesma que não tinha quando assumiu o comando da seleção.

Dei de cara com minha amiga coruja, surpreendentemente feliz.

– O que houve Aurora, gostou tanto assim da convocação do Dunga? – perguntei.

– Não, gostei da convocação do Felipão – ela respondeu.

– Como assim?! Que eu saiba, o Uzbequistão, onde ele é técnico, não vai à África do Sul.

Aurora me contou que assistiu à convocação da seleção brasileira de futebol pelo canal Z33 de sua TV, aquele que transmite só o que a gente quer, que realiza nossos sonhos e desejos. No gol, Júlio Cesar, Marcos e Rogério Ceni. Depois Maicon, Daniel Alves, Michel Bastos, Roberto Carlos (Daniel Alves poderia jogar pela direita ou pela esquerda), Lúcio, Juan, Miranda, Tiago Silva, Hernanes, Felipe Melo, Lucas, Ganso, Kaká, Elano, Diego, Robinho, Luis Fabiano, Nilmar, Neymar e Messi (na TV Z33 Messi é brasileiro… e Deus também). O técnico da seleção brasileira, Felipão; Dunga, o da Argentina.

– Soube da última invenção de moda dos morcegos? – perguntou Aurora.

– Não, não soube – respondi.

– É melhor você se informar. Essa euforia sobre Copa do Mundo na África do Sul, você sabe como os morceguinhos são fanáticos, mais os arroubos patrióticos de Arnaldo, resultaram na ideia de fazer, aí na sua caverna, um grande campeonato de fruitbol – disse a coruja.

Fui me informar com Oto, meu amigo morcego. Era verdade, e mais grave do que eu pensava. Inventaram de fazer uma Copa do Mundo de fruitbol, aquele jogo que já descrevi anteriormente, em que os morceguinhos passam uma frutinha redonda de boca em boca, de asa em asa, tentando encaixá-la num buraco da parede da caverna. A sede seria em nossa região, pelo pioneirismo da iniciativa. E, pior: as tratativas para o evento vinham de longa data, desde que o Brasil se classificou para a Copa da África do Sul. Emissários haviam sido mandados a todos os continentes. Oto e seus amigos morcegos pediram ajuda aos trinta-réis. Esses pequenos pássaros concordaram (porque também são apaixonados por esporte) em desviar alguns emissários de sua rota norte- sul-norte, para a Europa, Ásia, África e até Oriente Médio. Para surpresa da morcegada nativa, seis equipes européias confirmaram participação, além de duas asiáticas, uma do oriente médio e quatro africanas. Somadas às delegações dos Estados Unidos, México, Paraguai, Brasil e Argentina, teríamos uma Copa do Mundo de Fruitbol com 18 seleções. Era preciso, portanto, convocar a seleção brasileira.

– Mas Oto – choraminguei -, e vocês nem me consultaram?

– Olha Bernardo, você seria contra, a gente sabe. Então decidimos fazer tudo sem você saber, até não ser mais possível voltar atrás. Já providenciamos tudo – respondeu o morcego.

E o técnico, quem seria o técnico? Para minha surpresa, Oto revelou que seria Arnaldo, o bagre cego, porque, para a maioria dos morcegos, reunia diversas qualidades: era cego, não era morcego, de meia-idade, disciplinador e cauteloso. E carregava na bagagem a experiência de observador privilegiado de diversos jogos da Cavernada, aquele campeonato entre os morcegos das cavernas de nossa região. Bem que alguns dos morceguinhos de nossa caverna, bairristas, tentaram impor Oto, meu amigo e mensageiro morcego, afinal, o técnico campeão da Cavernada, mas os outros quirópteros viram isso com desconfiança.

Hora de fazer a lista de convocados. Arnaldo pediu informações sobre jogadores de outras regiões. Quem mais praticaria fruitbol neste país? Observadores foram enviados. Que o Rio e São Paulo fossem observados especialmente, depois Rio Grande do Sul e Minas. A lista chegou uma semana depois: só uma equipe em São Paulo, uma em Minas e nenhuma no Rio ou Rio Grande do Sul. Vinte e três morcegos seriam chamados. Clima tenso, Arnaldo isolou-se, as cobranças vinham de todos os lados, cada qual tinha seus jogadores favoritos. Finalmente o bagre me chamou e anunciou que a lista seria proclamada na noite da próxima quinta-feira. Avisei os mamíferos voadores e os mensageiros saíram anunciando a boa nova.

Quinta-feira, nove da noite, o salão da caverna repleto. Arnaldo mandou dizer que não daria entrevistas, apenas anunciaria os nomes e mergulharia no lago. Com voz cavernosa definiu, um a um, cada posição e os jogadores correspondentes convocados. Gritaria geral, protestos; vários jogadores aclamados estavam fora da lista, principalmente os dois grandes craques da caverna de baixo, dois jovens talentos. Arnaldo não conseguiu evitar uma coletiva; os morcegos davam rasantes sobre o lago e faziam tal agitação que ele teve que subir e atender os postulantes
.
Está bem – ele disse, – escolham dez representantes, cada um com direito a uma pergunta.

– Estou plenamente de acordo com sua convocação Arnaldo – disse o primeiro representante -. Quando vocês começam os treinos?

– Assim que chegarem os três convocados dos outros Estados – disse Arnaldo, – provavelmente, semana que vem.

– Por que você deixou fora da lista os dois meninos da caverna de baixo, um deles o artilheiro da Cavernada, o outro, o melhor armador que já surgiu no fruitbol? – perguntou o segundo representante.

– Ora, como vou me fiar em meninos que se destacaram ainda ontem? Como saber que não se trata apenas de um entusiasmo momentâneo, como tantos outros que, no futebol, surgem e desaparecem? Prefiro manter os jogadores mais tarimbados, gente que já provou ser de confiança – respondeu o bagre.

– Ser experiente foi seu principal critério para a convocação Arnaldo? – perguntou o terceiro representante?

– Não, além disso, valorizo muito o compromisso. O jogador tem que mostrar comprometimento. E tem que gostar da camisa, gostar do Brasil. E quero aproveitar para dizer que, daqui por diante, todos vocês têm que mostrar patriotismo, ser brasileiros, torcer por minha seleção – enfatizou Arnaldo.

– Não concordo com sua convocação Arnaldo. Ela é conservadora e seu time é retranqueiro. Você deixou de fora os dois melhores jogadores que temos no momento – disse o quarto representante.

– Vamos jogar como o time que venceu a Cavernada. O que importa é o resultado. Esse negócio de arriscar, de jogar bonito, não ganha campeonato – respondeu o bagre, com um sorrisinho irônico.

Os representantes se sucederam, alguns a favor, outros contra. Arnaldo manteve o sorriso irônico e instou todos a mostrarem patriotismo, apoiando a seleção. Para Arnaldo, não torcer contra a seleção é ser antipatriótico. Terminou dizendo que mandaria emissários especiais para convidarem o presidente da CBF e o do COB para assistirem à abertura e à final da I Copa do Mund
o de Fruitbol. Em meu canto, calado, calado fiquei, sabendo que tão nobres e atarefadas criaturas não poderiam deixar seus afazeres por um humilde joguinho de morcegos.

Os treinos começaram, secretos. Claro que Arnaldo só poderia dar treinos no salão principal de nossa caverna, pois do lago ele não poderia sair. Isso é o que eu pensava, pois logo ele providenciou com os morcegos mais fanáticos, um recipiente de vidro, um tipo de aquário, que poderia ser transportado sem muito esforço, para onde ele quisesse. Mais de duzentos morceguinhos se revezavam nessa tarefa. Foi assim que os treinamentos foram marcados para um salão mais profundo da caverna, longe dos olhares dos curiosos, principalmente, dos olhares suspeitos da imprensa especializada. A fantasia dos quirópteros viajava longe. Os olhos do mundo estavam todos voltados para a África do Sul, onde Dunga escondia-se da imprensa e soltava, todos os dias, dois de seus craques, devidamente instruídos, para responder aquilo que ninguém perguntava.

Entre os morcegos, também havia os encarregados da comunicação. Captada a notícia, ela era passada de guincho em guincho, atravessava as fronteiras do estado, e até mesmo do país. A ânsia por notícias era cada vez maior. Todos queriam saber da preparação de suas seleções, especialmente a da brasileira. E Arnaldo escondia-se; quando muito, deixava que os morcegos jornalistas olhassem pedacinhos de poucos minutos de cada treino. Em suas raras aparições, era resguardado pelos morcegos de sua guarda pessoal, os hematófogos, vulgarmente chamados de morcegos-vampiros.

Lá na África do Sul a Copa do Mundo de Futebol, a primeira realizada em continente africano, começou. Aqui na nossa caverna também. Eu já não tinha mais sossego e recorri a Aurora para me ajudar a encontrar um lugar onde pudesse dormir em paz. Durante o dia, eventualmente eu olhava estarrecido a algazarra em torno daquela competição de fruitbol. Assistia a alguns jogos e depois me refugiava na caverna de Aurora, assistindo à Copa do Mundo de Futebol pelo canal Z33, aquele que só mostra o que a gente quer ver.

Os quirópteros organizaram, para dezoito equipes, seis grupos de três equipes em cada. Isso tornaria o evento menos longo. Cada equipe, na fase de classificação, jogava duas vezes dentro de seu grupo. Porém, somente uma seria eliminada, restando doze para a próxima etapa, quando seriam formados quatro grupos de três, todas jogando entre si. Novamente uma delas seria eliminada, de modo que, na próxima fase, oito seleções restariam, jogando as quartas de final e semifinais em regime de mata-mata. As duas restantes jogariam a final.

Foi uma guerra. Não na primeira etapa, a de classificação. De fato, havia equipes muito fracas, logo desclassificadas, e ninguém ligou para isso. Porém, a partir da segunda etapa, os ânimos se acirraram. Nossa equipe perdeu dois jogadores, contundidos pela violência dos adversários europeus. Uma das partidas teve que ser suspensa por causa da violência na torcida. Vários torcedores morcegos tiveram que receber atendimento de emergência.

Na África do Sul a Copa seguia morna. Raros gols. A Jabulani deprimia-se, saudosa das redes. Técnicos viravam estrelas, ofuscando os craques; supremos, tudo se fazia à sua vontade. As seleções não eram mais dos seus países, mas de seus técnicos, como bem o disse o técnico brasileiro. E eles determinaram que o futebol mudou; já não é mais um esporte para fazer gols, mas para não tomar gols.

Na caverna, chegamos ao mata-mata. O que estava ruim, pior ficou. O time brasileiro fechava-se na defesa. No primeiro jogo das quartas de final, contra os morcegos holandeses, perdemos nosso volante, vítima da violência laranja. Dois holandeses foram expulsos e terminamos com uma vitória de dois a um na prorrogação. O jogo entre Estados Unidos e Iraque teve que ser adiado, tal a violência em campo, que descambou em pancadaria nas arquibancadas. Terminou no dia seguinte, com a vitória iraquiana, a portas fechadas, bem no fundo da caverna.

A Copa de Mundo de Futebol no continente africano chegava à fase decisiva. Os brasileiros caíram diante dos holandeses. Num momento de distração de Deus, em cujas mãos nossos heróis depositaram sua sorte, os laranjas marcaram duas vezes e mandaram os canarinhos para casa. A rede de televisão que acha que pode dizer o que os brasileiros pensam, guilhotinou Felipe Melo; precisamos de culpados. Arnaldo não pôde ocupar-se muito da seleção canarinho, ocupado que estava preparando a seleção brasileira de fruitbol. Porém, teve tempo para eximir Dunga e Ricardo Teixeira, seus ídolos, de qualquer culpa. Na coletiva dada aos mensageiros morcegos, reiterou sua disposição de seguir os passos do mestre Dunga. O time é meu, disse Arnaldo, vou trazer o caneco e calar a boca de todo mundo. No canal Z33, Felipão comemorava, com seus discípulos brasileiros, o hexacampeonato mundial de futebol. Na final, contra a Argentina, o Brasil fez um a zero, gol de Messi, nosso principal atacante. Refugiado na toca de Aurora, eu e a coruja vibramos com a conquista.

Em nossa caverna, a próxima partida seria pela semi-final, contra a forte e agressiva equipe argentina. Não assisti ao jogo, mas ouvi os guinchos; davam medo. Instaurava-se um clima de guerra. Eu temia o pior. Confessei meu temor a Aurora. Longe do chamado mundo civilizado, eu morava na caverna para viver em paz. Se aquilo continuasse assim, eu nunca mais teria paz. Aurora chamou-me e entrei com ela em sua toca. Sintonizado no Canal Z33, a TV transmitia uma entrevista de Mandela, coisa antiga, do tempo em que, libertado da prisão após vinte e sete anos, ele pacificava seu país.

– Vamos trazer Mandela para cá – disse a coruja. – Ele pacificaria nossos morcegos.

– Isso é impossível minha amiga. O Canal Z33 é só uma ilusão, é só aquilo que a gente quer que seja, e não o que é.

– Não importa – prosseguiu Aurora, – vamos convidá-lo. Podemos mandar um convite como se manda um emeio, e isso pode ser feito pelo Z33.

O jogo contra a Argentina terminou com a vitória brasileira, três a dois, mas o saldo foi trágico. Quatro torcedores morcegos mortos e vários feridos. Nossa equipe perdeu dois jogadores contundidos e um expulso. Para a Argentina foi pior: três de seus morcegos jogadores foram eliminados pelo árbitro, e um saiu contundido.

A final seria três dias depois. Como adversários teríamos a poderosa equipe do Paraguai. As torcidas se armavam, literalmente. Morcegos vampiros foram convocados de ambos os lados. Procurei Arnaldo e o adverti, mas ele estava mais cego que nunca. “Deus está do nosso lado”, ele disse. Tentei convencê-lo de que Deus não toma partido, não torce, não está nem para um lado nem para o outro, mas Arnaldo fechou-se, enrolado na bandeira brasileira. Se eles quiserem, terão, vociferou Arnaldo. Percebi que aquele campeonato não terminaria. Foi um erro fazê-lo, maior ainda de minha parte, que consenti. Imaginei que certos traços de caráter eram exclusivamente humanos. Procurei Aurora.

– Recebi resposta – disse Aurora, – e ele virá. Veja – e ela me levou à sua toca e mostrou na tela a resposta de Mandela.

– Como? – eu perguntei.

– Não se preocupe, ele virá.

Corri para a caverna e conversei com Oto. Alguma coisa de sua generosidade deveria ter restado. Eu estava certo. Oto confessou-se arrependido por ter tomado a iniciativa de realizar o mundial de fruitbol. O conflito extrapolava o campeonato e chegava aos países. Morcegos de ambas as nacionalidades se armavam. E não era só Oto que se preocupava, eram vários os morcegos que pensavam como ele. Formaram uma comissão para organizar a chegada de Mandela.

Dois dias depois estava tudo pronto. Enquanto, do lado dos contendores, uma verdadeira guerra se armava, do lado dos morcegos pacifistas, um ambiente favorável à recepção de Mandela criava-se. Um pequeno tablado do lado de fora da caverna foi montado, numa linda e arborizada colina. Eu só não sabia como o
líder sul-africano chegaria a nós, mas confiava em Aurora.

Três horas para o início da final, ou da guerra, como se previa. Morcegos de todos os tipos esvoaçavam na entrada da caverna. Arnaldo estava incomunicável, protegido por forte guarda de morcegos hematófagos. O sol se punha. De repente, uma nuvem escura, um leve farfalhar de asas. Tão grande e impressionante era aquela nuvem, que chamou a atenção de todos, os do lado da paz e os do lado da guerra. E aquela imensa nuvem pousou suavemente sobre a colina, e dela desceu uma figura majestosa. Era Mandela. Sorridente ele se posicionou sobre o pequeno tablado de madeira. O silêncio cobriu a região. Todos acorreram ao local. Notei que trouxeram o aquário de Arnaldo. Olhando fixamente os morcegos, como se pudesse olhar dentro dos olhos e do coração de cada um deles, Mandela repetiu os versos de William Ernest Henley:

– Não importa o quão estreito seja o portão e quão repleta de castigos seja a sentença, eu sou o dono do meu destino, eu sou o capitão da minha alma.

– Tirem essa cara daí! Quem ele pensa que é para atrapalhar nosso campeonato? – gritavam os morcegos, enquanto alguns sussurravam para outros, É o Mandela, é o Mandela, aquele do filme, eu sei por que passou no cinema onde às vezes vou caçar mariposas. E Mandela, impávido, prosseguiu:

– Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar.

– Conversa – gritou um hematófago – olha só o preconceito que os morcegos têm com os hematófagos, só porque a gente gosta de sangue, mas a gente não faz mal a ninguém. E esses paraguaios, o tanto que já judiaram da gente. Hoje é o dia da vingança.

Mandela olhava para todos eles quase sem piscar. Olhava dentro dos olhos deles. Olhava diretamente para o morcego que gritava. Até que o hematófago foi se acalmando, silenciando, e se aquietou. Então o grande líder prosseguiu:

– Não é valente o que não tem medo, mas sim o que sabe dominá-lo.

– Valente é quem tem coragem de enfrentar os paraguaios, quem não afina – disse um morceguinho.

– Sonho com o dia em que todos levantar-se-ão e compreenderão que foram feitos para viver como irmãos. O amor chega mais naturalmente ao coração do que o seu oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser oculta, jamais extinta – disse Mandela, e falou isso lentamente, pausadamente, dirigindo-se, não mais aos ouvidos afiados dos morcegos, mas aos seus corações. E isso fez com que todos se calassem, e ninguém quis mais falar.

Em seguida Mandela disse que precisava se retirar, ir embora, ele estava cansado. Mas queria que os morcegos se misturassem, que jogassem fora as armas. Se quisessem jogar brasileiros e paraguaios, que não fossem brasileiros contra paraguaios, mas uns com os outros.

Nesse momento notou-se um movimento maior entre os morcegos, mas um movimento calmo, lento. A comissão técnica do time brasileiro trouxe para perto de Mandela o aquário de Arnaldo. Ao lado estava o técnico da equipe paraguaia. E, nas asas de alguns deles, a taça, o troféu que caberia ao campeão. Os pequenos morcegos levantaram vôo com a taça nas mãos e a entregaram a Mandela. Disseram que jogariam, jogariam sim, mas não mais pelo troféu, mas por outros motivos, por coisas maiores, para que o fruitbol fizesse bem a eles, para que fosse uma festa. Mandela apenas sorriu, pegou a taça nas mãos, a nuvem escura envolveu o grande líder africano e levantou vôo com ele. Lentamente a multidão de morcegos, todos misturados, entrou na caverna e jogaram seu jogo final em paz. Eu nunca soube quem venceu.

*Bernardo, o eremita, é um ex-torcedor fanático que vive isolado em uma caverna. Ele é um personagem fictício de João Batista Freire.