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Inteligência competitiva

Muito tenho ouvido de amigos, reclamações sobre decisões dos dirigentes dos seus clubes do coração, sobre contratações, ou a falta delas, em busca da melhoria dos elencos e, consequentemente, da busca por títulos nas distintas competições.

Ao mesmo tempo, como torcedores inteligentes e críticos, sabem que os clubes também não devem realizar loucuras administrativas que ponham em risco o seu fôlego financeiro no médio-longo prazo.

Como resolver este impasse? Uma das respostas, um tanto óbvia, é investir na formação de jogadores em suas categorias de base. O problema, aqui, é o tempo que se leva para bons jogadores surgirem e se somarem aos elencos – a torcida, em geral, não tem paciência para esperar tal tempo…

Outro caminho é aproveitar oportunidades de mercado com jogadores experientes e que se encaixem no perfil desejado pelo clube, sem onerar o orçamento e, dentre outros obstáculos, sem concorrer em leilões com clubes de maior capacidade de investimento.

E como isso seria possível? Inteligência competitiva.

Segundo o site da Associação Brasileira de Inteligência Competitiva, ela é “um processo informacional proativo que conduz à melhor tomada de decisão, seja ela estratégica ou operacional. É um processo sistemático que visa descobrir as forças que regem os negócios, reduzir o risco e conduzir o tomador de decisão a agir antecipadamente, bem como proteger o conhecimento gerado. Esse processo informacional é composto pelas etapas de coleta e busca ética de dados, informes e informações formais e informais (tanto do macroambiente como do ambiente competitivo e interno da empresa), análise de forma filtrada e integrada e respectiva disseminação”.

Portanto, os diretores de futebol do seu clube deveriam buscar o máximo de informações possíveis sobre o mercado de jogadores no Brasil e, por que não, no exterior, com fontes que lhe sejam confiáveis, tais como treinadores, preparadores físicos, médicos, jornalistas, outros jogadores, para formar sua convicção quando tomarem uma decisão de contratar um candidato.

Normalmente, decisões como essa envolvem contratos de prazo longo e valores altos, razão pela qual devem ser minimizados os riscos em benefício da instituição.

E a maioria dos dados e informações são de acesso facilitado e público. Por exemplo, o próprio site da CBF informa sobre a vigência dos contratos dos jogadores com os clubes no Brasil.

Fernando Carvalho, respeitado ex-presidente do Internacional e que hoje desempenha função como diretor de futebol, revelou, recentemente, em entrevista, que possui uma caderneta onde anota e comenta todas as informações referentes aos jogadores que, supostamente, interessam ou podem vir a interessar ao seu clube. Também confirmou que seu processo de tomada de decisão passa por inúmeros conselhos dos profissionais citados acima. 

Resultados práticos em contratações onde a relação custo x benefício causou espanto positivo no mercado do futebol: Yarley (seguido desde quando atuava no Paysandu e contratado junto ao Dorados do México); Andrezinho (promissor no Flamengo e que veio ao final do contrato com o ex-clube coreano após quatro anos); Arilton (jovem lateral do Coritiba que despertou a atenção do dirigente na última partida disputa entre os dois clubes em 2008. Veio de graça, sem pagamento de transferência, pois o contrato havia terminado); Guiñazú (adversário de clubes brasileiros quando atuava pelo Libertad do Paraguai e se destacava pela articulação do jogo e vigor físico).

Portanto, no mundo dos negócios em que se encontra o futebol, a margem de erro nas decisões é cada vez menor. Nada será por mero acaso, sorte, azar. Será resultado de muito trabalho.

Inteligente. E ético. Procure essa palavra no texto, pois ela está aqui. 

Para azar do dirigente acomodado em sua cadeira e que dá meio-expediente no seu clube.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

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Impactos do videogame no ensino do futebol I: levantando as dúvidas

“Microsoft lança sistema para disputar mercado com Wii da Nintendo!”. 

Calma amigo, você não entrou em site errado, tampouco esse que vos escreve ficou louco (assim imagino).

A manchete que extraí de um portal de noticias de ontem fala sobre videogames que possibilitam o uso de movimentos corporais, sem o uso do tradicional (ou para ser mais preciso, antigo) controle com fios e um botão unicamente. 

As tecnologias modernas, hoje, lançam videogames e jogos que permitem o reconhecimento dos movimentos corporais, do rosto dos usuários e até mesmo da voz. Além das inúmeras ações e possibilidades referentes ao jogo, destacando-se ainda diversos games com a temática esportiva.

Aproveito para levantar alguns pontos (e apenas levantar as questões), não pretendo esgotar com poucas palavras, no texto de hoje, coloco-os para emitir alguns pensamentos e dúvidas que tenho acerca do tema, e para instigar o amigo que quiser emitir algum comentário a respeito.

Muitos autores estudam na Educação Física, a utilização das mídias no processo de ensino enquanto recursos e conteúdos do processo. Não conseguiremos falar de todos, mas entre eles, temos os professores Mauro Betti, Alfredo Feres Neto e Giovani de Lorenzi Pires, e me permito algum espaço na discussão sobre o tema, ainda que de forma periférica, em relação a tão experientes e estudiosos professores.

Assim, trago alguns pontos para o futebol, que acredito, podem ser discutidos sob a perspectiva dos integrados aos avanços tecnológicos, e sob um olhar apocalíptico, parafraseando Umberto Eco.

·         O jogo de futebol pelo videogame pode ser considerado uma vivência da modalidade?

·         Que impacto cultural tem a usabilidade e manuseio do videogame em relação ao conhecimento e compreensão do jogo?

·         Os recursos tecnológicos utilizados no desenvolvimento dos games são precursores, acompanham as tendências da tecnologia do esporte, ou nem podem ser comparados?

·         Pode o videogame ser um simulador e, como tal, um recurso do processo de ensino dentro de uma perspectiva da complexidade do jogo?

Enfim, são dúvidas que acredito possam ser aprofundadas e melhor repensadas com o debate e a reflexão. E encerro o breve texto de hoje com a motivação que me trouxe a escrever sobre esse tema: a pergunta de um aluno de graduação (que é estagiário de uma escolinha de futebol) sobre como proceder com um garoto que questionava suas opções táticas frente a premissas que defendia baseadas no videogame.

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

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Vitrine ou vidraça?

O Brasil deu ontem seu primeiro passo concreto para abrigar a Copa do Mundo em 2014. Após 19 meses de muito lobby político e quase nenhuma ação prática, o país definiu as 12 sedes do Mundial que será disputado daqui a cinco anos.

Propalada como uma “escolha técnica”, a definição das sedes foi pautada pela política. No final, surpreenderam as vitórias de Natal e Cuiabá, regiões com pouca tradição no futebol nacional e com diversas dúvidas sobre aproveitamento futuro da infraestrutura que uma Copa do Mundo obriga um país a ter. Da mesma forma, Manaus tem sua escolha muito contestada, mas o potencial turístico da região amazônica justifica a decisão “técnica”.

Abrigar uma Copa do Mundo é uma oportunidade única para o desenvolvimento de uma nação. Não apenas no futebol, mas em diversos outros setores do país. Só que é preciso ter o mínimo de dedicação e de planejamento para que o retorno seja obtido.

Já se passou um ano e sete meses do anúncio de que o Brasil abrigaria a Copa para que tivéssemos as definições das sedes. A Fifa, que no passado havia afirmado ser inviável uma edição de Mundial com mais de dez sedes, abriu uma exceção para o país e permitiu que fossem 12 cidades escolhidas. E, durante 19 meses, o que se viu foi um intenso jogo político para definir as vencedoras.

Outro ponto ainda em aberto é a definição do Comitê Organizador da Copa. Até agora não foi indicado quem será o diretor executivo do órgão, que é o meio-campo entre a Fifa e o país-sede, é quem teoricamente desburocratiza todo o processo dentro e fora do Brasil.

Tudo isso faz com que a oportunidade única de o país abrigar uma Copa, de ser uma vitrine para o mundo, seja colocada em xeque. O torneio fará com que o planeta volte seus olhos para cá pelos próximo cinco anos. Investimentos serão feitos, países estarão dispostos a mostrar seus serviços para o Brasil, que pode alavancar sua economia e revelar o grande país que tem potencial para ser.

Muito dinheiro será gasto na construção e melhoria de infraestrutura, e mais um punhado para erguer ou melhorar os estádios que farão parte da competição. Do jeito que a coisa está, porém, o Brasil pagará por mais de 30 anos a conta pelo sonho de ter feito uma Copa do Mundo. 

Sem o planejamento, a iniciativa privada está longe de fazer parte da história desse Mundial.

E a vitrine vai se tornando, a cada dia que passa, uma vidraça. E a pedra vem vindo em direção a ela com cada vez mais força. Daqui a cinco anos, estoura…

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br

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As equipes brasileiras vs o 1-4-4-2 com duas linhas de quatro

Por que as equipes brasileiras mostram dificuldades para jogar quando enfrentam equipes da América do Sul que jogam com “duas linhas de quatro jogadores”?

Essa pergunta foi feita por um dos notáveis, do Café dos Notáveis, logo após o 1º jogo entre Palmeiras e Nacional do Uruguai pelas quartas-de-final da Taça Libertadores da América 2009. O jogo terminou empatado (1 a 1). Muito interessante sob vários aspectos.

O futebol brasileiro vive um momento interessante. Do “passado discurso recente” de que no futebol não há mais nada para se “inventar” ao “presente discurso recorrente” de que temos coisas novas para aplicar, um sem número de discussões tem surgido para defender essa ou aquela tese. Jogadores de sucesso internacional vêm sendo repatriados, e tem se tornado comum que, vez ou outra, um deles defenda em público a idéia de que o futebol brasileiro está muito atrasado com relação ao europeu – fora de campo (nenhuma novidade!) e dentro dele.

O posicionamento desses jogadores sobre as questões táticas do jogo comumente causa polêmica. Aqueles mais intelectualizados (poucos!) sustentam facilmente seus argumentos e deixam jornalistas e “especialistas” esportivos sem espaço para seus devaneios “boleirísticos”. Os outros pensam que têm razão, mas não conseguem materializá-la em palavras, e logo são vencidos por retóricas mais incisivas.

Pois bem. Na pergunta inicial do texto, a evidência de um fato: equipes brasileiras têm dificuldades para enfrentar esquemas táticos que estruturam duas linhas de quatro jogadores para marcar. Mas como a questão voltou à tona em função do jogo entre Palmeiras e Nacional do Uruguai, ao invés de falar especialmente das dificuldades das equipes brasileiras em geral, vou falar da equipe do Palmeiras especificamente no jogo mencionado.

Sim, a equipe brasileira teve dificuldades contra o 1-4-4-2 com duas linhas de quatro da equipe uruguaia. Jogadores foram substituídos, mudanças foram feitas e de resultado efetivo… nada!

Em primeiro lugar eu diria que os problemas palmeirenses não estiveram presentes especificamente nas “linhas de quatro” uruguaias, mas sim no fato de que elas (as linhas) foram construídas tendo referências zonais; e aí a minha antiga tese: como confundimos marcação zonal com marcação individual por setor, não sabemos exatamente o que fazer contra marcações zonais – diagnóstico equivocado, remédio errado; como confundimos marcar à zona com jogar à zona, centramos o problema na construção defensiva do adversário e não no jogo em si.

Quando uma equipe constroi em seu sistema defensivo referências zonais, passa a ter como norte para a ação dos jogadores a ocupação inteligente dos espaços do campo de jogo, porque a preocupação fundamental dela está em marcar esses espaços, fechando linhas de passe e protegendo setores específicos do campo. Então, o problema primário dessas referências não está em não deixar o jogador adversário sozinho em zonas de risco, mas sim impedir que a bola efetivamente chegue até ele em condições reais de perigo.


Quando a referência zonal, em um 1-4-4-2 está estruturada em duas “linhas de quatro”, solicita-se à equipe que o aplica uma manutenção permanente das linhas, flutuando de um lado ao outro do campo de jogo de acordo com a posição da bola, sem permitir que elas se quebrem, sofrendo apenas algumas conformações em função das situações criadas pelo adversário.

Uma de suas fragilidades está no espaço “vazio” que surge entre as duas linhas (que é um espaço de responsabilidade dos jogadores das duas linhas, e que por ser uma área de transição entre elas, traz possibilidades de indecisão e quebra na estrutura por parte de quem marca), que se torna, portanto, região intensamente protegida para impedir que a bola penetre nela.

A equipe do Palmeiras aproveitou muito mal essa fragilidade. Foram raros os momentos em que um de seus jogadores ocupou esse espaço (sendo àquele que medianamente o fazia [Keirrison], dando um pouco mais de trabalho à equipe uruguaia, substituído por Luxemburgo).

Para não ter dificuldades em estruturar as suas linhas zonais sem bola no campo de defesa durante as transições defensivas, o Nacional, quando tinha a posse da bola no seu campo de ataque, também se estruturava de forma zonal, mas aí, ao invés do 1-4-4-2 em linha, construía um 1-4-4-2 com um quadrado na “linha” do meio-campo (que era rapidamente desmanchado para transicionar à linha propriamente dita).

A opção pelo 1-4-4-2 em quadrado (em equipes que marcam no 1-4-4-2 em linha) se deve principalmente ao fato de que essa estrutura, comparada ao 1-4-4-2 em linha, propicia um balanço defensivo mais sólido na transição ataque-defesa, especialmente pela melhor ocupação da faixa central do campo de jogo.

Então outro aspecto que tem se tornado marca no Palmeiras, que é a construção de contra-ataques incisivos quando recupera a posse da bola, acabou por se dissolver na boa estrutura de transição defensiva da equipe uruguaia, que, para as bolas curtas, apostou no seu quadrado zonal do meio-campo e nas bolas longas no posicionamento congruente de seu goleiro, que foi elemento efetivo da composição do sistema defensivo do Nacional (possibilidade aproveitada por poucos treinadores no Brasil).

Na equipe do Palmeiras, por exemplo, o posicionamento do goleiro não esteve associado à estrutura do balanço defensivo, porque na grande maioria das vezes em que isso poderia se evidenciar acabou não se mostrando regra. Vale destacar, claro, que essa não participação efetiva e permanente do seu goleiro no balanço defensivo, apesar de não representar problema visível no nível da estratégia (especialmente pela forma com que se construiu o jogo), pode atrair os padrões de auto-organização coletiva da equipe do Palmeiras a direções não desejadas.


E como se não bastassem os problemas que o jogar zonal da equipe uruguaia trouxe ao jogar da equipe brasileira, escapou ainda ao Palmeiras a compreensão para identificar princípios operacionais e regras de ação mais adequadas para a construção do seu atacar, defender e transicionar (por exemplo, apesar de ter como princípio operacional ofensivo a progressão ao ataque – o que poderia parecer adequado para confrontar o princípio operacional de defesa da equipe uruguaia, especialmente a partir da “linha 3”, que era o de impedir progressão – o Palmeiras errou na maior parte do tempo adotando como prin
cípio operacional de transição ofensiva retirar a bola da zona de recuperação/pressão; isso fez a equipe perder tempo para construir sua fase de ataque, permitindo ao Nacional ocupação do espaço equilibrada para cumprir sua organização de defesa).

A partir daí, só restou ao Nacional, direcionar a equipe brasileira para as faixas laterais do campo, ora para forçá-la a circular a bola sem objetividade, ora para encaixar a marcação e recuperar sua posse.

Pois é. Enquanto apostamos no surgimento de novos talentos, craques e fenômenos ao prazer do acaso (já que, em geral – ainda que haja exceções -, o trabalho de base no Brasil, com aplicação efetiva de Ciência, quase não existe), outros países têm investido cada vez mais em processo de formação e conhecimento (de jogadores e treinadores!). Claro, poucos são os que podem se dar ao luxo de ter muitos milhões de praticantes de futebol, para que mesmo “aos trancos e barrancos” apareça alguém especial.

E o pior de tudo é que não percebemos que não é só na Europa, mas alguns de nossos vizinhos já passaram à nossa frente; em modelos, métodos e meios de trabalho. Mas fazer o quê, enquanto tivermos nossos grandes jogadores resolvendo os problemas, que não são deles (no jogo e fora dele), continuaremos ainda perdendo e ganhando sem saber realmente por quê. E aí, bom, aí deixa pra lá…

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Os números da bola

Caros amigos da Universidade do Futebol,

Gostaria de utilizar o espaço desta semana para destacar o trabalho de Casual Auditores, que já vem se consolidando como uma contribuição rotineira e fundamental nas temporadas desportivas do futebol profissional brasileiro.

A cada semana expressamos aqui o nosso desejo de ver um futebol no Brasil tão profissionalizado e organizado como na Europa. Temos um mercado consumidor com grande potencial e a grande maioria dos talentos do futebol mundal.  Então, o que falta para termos um campeonato local tão valorizado como é o caso de certas ligas européias nacionais, como a inglesa, a alemã, a italiana, a espanhola, a francesa, etc.

Falta força financeira e, certamente, maior governança corporativa, tranparência, acesso à informação, etc.

Nesse cenário, relatórios comparativos, análises financeiras e publicações especializadas são fundamentais não só para alertar a todos sobre a atual realidade dos clubes, mas como, principalmente, para auxiliar os atuais dirigentes a melhor visualizarem um planejamento estratégico adequado.

A Casual Auditores acaba de publicar um documento preliminar de seu costumeiro exame anual extensivo, contendo já importantes números sobre os clubes nacionais, com comparativos entre a atual temporada e temporadas passadas.  Essa já é a quinta edição de tal publicação (a publicação integral está previsata para julho deste ano).

O estudo mostra a manutenção de São Paulo e Inter como os clubes mais poderosos em termos financeiros, com leve redução quando comparada com o ano passado. Mostra também a evolução de Palmeiras e Flamengo. Indica ainda o sucesso de novos clubes, com o caso do Barueri que, apesar de uma pequena redução frente a 2008, já está conquistando seu espaço definitivo entre os grandes clubes do futebol brasileiro.

No âmbito regulatório, essa análise é de igual importância. Não podemos pensar em reformas legislativas ou regulamentares que visem melhorar a condição dos clubes, se não soubermos com precisão quais são os reais problemas, e qual é a real situação das agremiações. 

É com base nesses números, podemos avaliar, por exemplo, se a atual distribuição de recursos obtdidos com a comercialização dos direitos televisivos dos diversos campeonatos em nosso país merece ou não ajustes. Se é preciso haver maior solidariedade com os clubes menores e com clubes preponderantemente formadores, que estão na base da pirâmide.

A viabilidade econômica também é algo que pode ser “gerenciada” por meio da análise aprofundada do estudo. Sabemos que clubes que dependem de transferência de seus jogadores ao exterior (fonte variável de receita) sempre andam “na corda bamba”.  O estudo em comento mostra, por exemplo, o Grêmio, que teve uma redução nas receitas com jogadores, mas que conseguiu solidificar suas finanças por meio de fontes alternativas. Segundo a análise da Casual, o Grêmio “registrou uma melhora significativa nos recursos gerados com bilheteria, sócios e royalties, que atingiram R$ 4,1 milhões, evolução de 450% em comparação com 2007”.

Esperamos que os nossos dirigentes, de fato, utilizem essas informações para o bem de seus clubes, e, indiretamente, para o bem do futebol brasileiro.

Para interagir com o autor: megale@universidadedofutebol.com.br

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Os desafios da BMW

Esqueçamos por um minuto do Barça, do Manchester e dos gladiadores com roupas estranhas da Champions League. Muito do que se pode falar sobre o jogo já foi ou será falado nos próximos dias. Sem razões, portanto, para eu me delongar sobre o assunto. Talvez apenas sobre a roupa estranha do gladiador.

Muito mais importante do que a Champions League foi o que aconteceu no final de semana. Em particular com três clubes, cujas iniciais ilustram o título da matéria. O B é o Burnley, clube de uma cidade de 70 mil habitantes que conseguiu ganhar o jogo mais caro do mundo, dizem, que é o play-off da Championship da Inglaterra, a segunda divisão. O clube que ganha a partida leva para casa automaticamente 60 milhões de libras, valor da cota de televisão para o ano seguinte na Premier League. 

O desafio agora é saber o que fazer com o dinheiro. Afinal, Burnley é uma cidade realmente pequena. Posso falar porque estive lá, visitando o clube no ano passado. Tem um bom restaurante italiano, no qual fui confundido com um potencial reforço brasileiro para o clube. A cidade é uma espécie de subúrbio de Blackburn, que por sua vez é uma espécie de subúrbio de Manchester. Apesar de simpática, a economia não é das coisas mais desenvolvidas. Até por isso, o clube sabe que estar na Premier League é um luxo do qual não vai poder desfrutar por muito tempo. 

O Burnley tem planos para reformar o seu estádio e o seu centro de treinamento, o que deve consumir aproximadamente um quarto do novo dinheiro. Precisa também pagar algumas dívidas, uma vez que, todo ano, o clube fecha no vermelho e é parcialmente financiado pelos seus próprios donos. Nisso tudo vão mais uns 5 milhões de libras. Sobram 40 milhões pra montar um time pra Premier League. É muito pouco. A possibilidade do Burnley voltar pra segunda divisão no ano que vem é muito grande, e seus dirigentes sabem disso. A tendência agora é que o clube capitalize com a venda de alguns jogadores e monte um time modesto com parte da nova verba. O resto deve ficar como contenção. Apostar as fichas em um bom desempenho do time que representa a menor cidade a fazer parte da Premier League na história certamente não é uma boa ideia.

O W é pro Wolfsburg, clube duma cidade de 120 mil habitantes que foi campeão da Bundesliga meio que sem querer. Nem o técnico acreditava nisso. Aliás, ninguém devia acreditar, principalmente porque o clube virou o meio da temporada em uma posição intermediária na tabela. Mas aí o time encaixou, o Grafite descambou de fazer gols, e eles foram campeões. O que fazer na temporada que vem? Investir no time para fazer bonito na Champions League e tentar o bi no Alemão ou tentar capitalizar ao máximo para permitir que o clube tenha desempenhos respeitáveis pelos próximos anos? Se eu bem conheço a cultura alemã, a torcida do Wolfsburg não deverá invadir o gramado no ano que vem. Pelo menos, não para comemorar um título.

E o M é pro Newcastle. Certo. Newcastle não começa com M. Mas o título perderia a graça se eu colocasse um N. Além do mais, o Newcastle também é conhecido como Magpies, então o M acaba não ficando tão perdido assim. De qualquer maneira, o Newcastle é da cidade de Newcastle upon Tyne, que tem aproximadamente uns 200 mil habitantes. É um dos piores lugares do mundo pra morar. Diz a lenda que quando o Kluivert foi jogar lá, a mulher dele começou a chorar quando eles foram procurar um lugar pra morar. E não foi de alegria.

De qualquer maneira, o Newcastle está ferrado. É um clube que há tempos não consegue jogar bem, apesar de contar com jogadores bastante renomados, como Owen, Martins, Butt, Viduka, Duff e … Caçapa. A folha salarial na temporada que acabou consumiu cerca de 70 milhões de libras. Por conta do rebaixamento, a receita deve cair aproximadamente os mesmos 60 milhões que o Burnley vai ganhar. Para piorar, nenhum dos jogadores possui cláusulas de reduções de salário por conta do rebaixamento, o que significa que ou o clube vende e renegocia salários, ou a quebradeira é certa.

Os desafios para esses três clubes são enormes, principalmente agora que é o período do planejamento da próxima temporada. É certo que hoje clubes estão mais cautelosos com suas finanças, mas vai ser curioso observar qual será o comportamento desses três clubes citados acima. Dependendo do que acontecer, qualquer um deles pode ser o próximo Leeds United rapidinho. E o que os dirigentes precisam ter na cabeça é que independente do que eles decidirem, dificilmente eles poderão ser o Barcelona de amanhã.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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Pesquisa e desenvolvimento

O Internacional desenvolveu e produziu, no fim de 2008, um boneco em miniatura do seu capitão e ídolo da torcida, o argentino Guiñazu. Resultado: vendeu 5.000 unidades em cinco meses ao custo de 50 reais cada, com faturamento de R$ 1.500.000. Na esteira deste sucesso comercial, o clube acaba de lançar a miniatura de outro craque argentino de seu elenco, D’Alessandro.

O Flamengo também anunciou, neste mês, o lançamento de bonecos de ídolos históricos, a começar pelo folclórico Nunes, chegando ao recém-aposentado Fabio Luciano e ao “Imperador” Adriano.

Confesso que não sei se já virou notícia, mas é provável que a estas iniciativas se somem o mini Ronaldo Fenômeno do Corinthians muito em breve…

Agências de turismo especializadas nas viagens do clube e de seus fãs também podem servir como ótimos exemplos (no Brasil, já percebemos esta realidade em alguns deles).

O licenciamento de produtos dos clubes sob esta forma de brinquedos e ícones dos ídolos não é inédito. Clubes europeus têm tido êxito com uma vasta gama de produtos licenciados, geralmente fabricados na Ásia (China), o que acaba aumentando ainda mais suas margens de lucro – ressalvas sobre direitos humanos à parte… Eu mesmo pude ver na Europa coleções completas dos melhores jogadores de Barcelona, Valencia e Real Madrid à venda nos principais magazines, com preços e tamanhos variados. 

Tais exemplos são significativos do potencial de geração de novas fontes de receita para os principais clubes do futebol brasileiro.

Entretanto, para que se possam ampliar os efeitos positivos desta segmentação de mercado, os clubes deveriam dedicar atenção à criação de um setor especializado em pesquisa e desenvolvimento de produtos, serviços e projetos, que poderia ser vinculado diretamente ao seu departamento de marketing.

Para corroborar com o cenário favorável, os clubes podem realizar pesquisas de forma privilegiada, principalmente junto aos torcedores ou sócio-torcedores, cuja avidez em fazer parte da vida cotidiana do clube é notória. Isso possibilita o desenvolvimento de produtos com risco de insucesso minimizado e não deixaria o clube refém de lançamentos de “oportunidade”, muito condicionados ao timing correto.

Os sócio-torcedores e torcedores representam o melhor perfil de consumidor, pois advogam em favor da marca do clube e multiplicam os efeitos do posicionamento dos produtos e serviços junto às suas redes sociais.

Somem-se a isso as maravilhas do e-commerce atualmente e o mercado poderá vivenciar taxas exponenciais de crescimento.

Não obstante, os processos de desenvolvimento de novos produtos e serviços demandam análise aprofundada de informações e fatores de influência, tais como dados demográficos, socioeconômicos, mercado consumidor, custos de produção, capacidade de produção, de distribuição, de promoção e de comercialização.

Portanto, cumpre destacar que o termo consagrado no mundo dos negócios, e que o futebol deve obedecer é, nessa ordem, pesquisa e desenvolvimento – não o contrário.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

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Poupar ou não poupar jogadores: crítica aos críticos

Nas últimas semanas, o que mais se discutiu na imprensa, na chamada “falação esportiva” dos meios de comunicação, termo cunhado por Umberto Eco, foi uma dúvida quase que Shaksperiana sobre os times mistos e poupados das equipes que se dividem entre Libertadores ou Copa do Brasil junto ao Brasileirão: poupar ou não poupar? Eis a questão.

A seguir as frases de três semifinalistas da Copa do Brasil em momentos de justificativa ou explanação sobre o poupar jogadores no Brasileirão.

“O jogador muitas vezes quer entrar em campo, mas alguns deles mostraram, 48 horas depois da partida de quarta-feira, um desgaste de 300% acima do normal, e isso é lesão na certa”. (Mano Menezes antes do jogo contra o Inter)

“Acho que a medida foi certa. Perdemos o jogo, deu tudo errado, mas a medida foi certa” (Renê Simões antes de jogo contra Ponte Preta)

“Passa pela nossa cabeça (poupar jogadores) e, nesta quinta-feira, vamos fazer uma reunião para analisar a condição dos jogadores e decidir o que vamos fazer” (Tite antes do jogo contra o Palmeiras)

Seria muito oportunismo nosso lembrar que os três times pouparam seus atletas e alcançaram seus objetivos na Copa do Brasil, mas deixemos isso para o papo de bar, templo sagrado das discussões de torcedores e polêmicas do futebol.

Há quem diga que o Inter fez melhor, pois mesclou mais, outros que defendem todos e outros que criticam. Ah! Mas pergunto ao amigo leitor se (ainda que o termo “se” não nos dê a devida credibilidade) o Inter não estivesse com três vitórias em três jogos, os que elogiam suas ações permaneceriam assim? Ou ainda, se o Corinthians tivesse tropeçado no Barueri, quais seriam as repercussões?

Enfim, por isso, o futebol é polêmico. Mas com esses exemplos pretendo refletir sobre muitos jornalistas que assumem posições, tomando posse de uma informação (que incessantemente é transformada em verdade) sem ser no mínimo construtiva e até com total ausência de conhecimento de fatos inerentes ao objeto que explica.

Estudar as funções e analisar a imprensa não é minha especialidade, para tanto, convido-os a observar importantes textos do nosso colega Erich Betting sobre o tema, muito mais enriquecedor que minhas simples observações, que nada mais são do que os meus olhares, olhares de um leigo em jornalismo esportivo, mas que cobra das pessoas envolvidas com o futebol um profissionalismo pautado por processos e recursos coerentes, pilares da tecnologia e da ciência do esporte, as quais busco na minha atuação.

Para ser breve nessa complexa relação, me apego na frase dita por Mano Menezes referindo-se a 300% de desgaste acima do normal de seus atletas.

Busquei as fontes para colocar para os colegas, mas, infelizmente, não consegui achá-las para reproduzi-las aqui, porém, são baseadas em reportagens e comentários exibidos no programa Redação Sportv, e no programa Bate Bola da ESPN Brasil. Lembro que não faço aqui uma crítica a ambos veículos, importantes difusores da informação esportiva no Brasil, mas represento o que é possível encontrar também em jornais impressos, radio e na internet. Informações e criticas muitas vezes sem um fundamento sólido, o qual julgo primordial para a qualidade e fidedignidade da informação.

Mas, de forma geral, as criticas que o treinador recebeu ironizavam com o seguinte argumento: “Como pode alguém chegar a 300% de desgaste, oras, se chegou a 100% já esta completamente desgastado!”. Criticas similares sofridas por Tite pela imprensa local, antes dos jogos, sob o seguinte argumento. “Se o fisiologista é tão importante ele é que deveria ser o técnico e não o Tite”, tendo após a consolidação das três vitorias no Brasileirão mais a classificação na Copa do Brasil, o comentário: “Tite está sabendo mesclar muito bem o elenco que tem na mão”.

Voltando para os 300% de Mano Menezes sabemos que existem diversas formas de avaliar o desgaste de um jogador, uma bem desenvolvida hoje é o mapeamento de marcadores bioquímicos que indicam desgaste, e para aquele que julga demagogia falar em 300%, simulemos tal conta:

Jogador Fulano tem índice de desgaste de 50 micro-unidades de determinada substância, se ao fazer a mensuração o índice for 150, ele alcança um índice de 300%, mas deixamos isso com os especialistas, assim como tão bem fizeram esses técnicos.

Isso, pessoal, pode fugir um pouco dos temas que abordamos aqui na coluna, e se pararmos para pensar, talvez, fosse desnecessário dar ênfase a ele. Mas confesso que é um ponto que incomoda, porque defendemos tanto a ciência, a tecnologia, a tal interdisciplinaridade no futebol e, quando nos deparamos com alguns treinadores utilizando de algumas estratégias científicas, e, sobretudo, de planejamento, de coerência interdisciplinar, acabamos por ver uma avalanche de criticas e descrédito. E podem apostar, muitos estão à espera das derrotas e sequências negativas dos times mistos ou da desclassificação nos campeonatos priorizados para por as “garras de fora”. É esperar para ver…

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Se bobear, vira santo

Esse foi o título de uma coluna que escrevi, em 2003, para o diário “Lance!”. Naquela ocasião, chamei a atenção para o fato de ter se encerrado o primeiro Campeonato Brasileiro disputado em pontos corridos na história. E, mais do que isso, da certeza que tínhamos de que, no ano seguinte, a forma de disputa do torneio se repetiria pela primeira vez em 32 anos.

Mas o fator que levaria à beatificação de Ricardo Teixeira seria outro. A tão propalada Copa do Mundo no Brasil. 

Não interessariam mais os resultados e, mais do que isso, as investigações das CPIs. Não importaria o estado calamitoso de muitas coisas no futebol do Brasil, entre elas, como se vê agora, a do futebol feminino, abandonado e jogado às traças.

Hoje, Ricardo Teixeira é o centro das atenções no país. Ele é o homem-forte não só do futebol brasileiro, mas também da política nacional.

Nesta semana que entra, o terceiro mandato ou a Dilma Roussef não serão os temas mais importantes nos corredores da política. Tudo estará ligado à Copa do Mundo no Brasil.

Quem será escolhida? Quem pode ser uma sub-sede? O que a Fifa pede para ser feito? Quando começam as obras?

No próximo domingo a Fifa dirá quem serão as 12 sedes (se é que serão 12 mesmo) da Copa do Mundo de 2014. A decisão é importante para o país. E, mais do que isso, crucial para os políticos, que terão a oportunidade de serem os comandantes dessas cidades ou desses estados justamente num período que será marcado por aumento de emprego, mais investimentos, sensação de euforia por uma Copa do Mundo, etc.

Há dez anos, começavam as investigações que culminaram nas CPIs que vasculharam a podridão do futebol brasileiro. Hoje, não há praticamente vestígio de tudo o que foi levantado. Se há, nada como uma boa escolha de sede para aplacar os ânimos.

Ricardo Teixeira já foi elevado aos céus pelos políticos do país. E os jornalistas, anestesiados pelos pontos corridos, pela mudança de posicionamento da CBF perante a imprensa, pela proximidade da Copa do Mundo e pela vontade de tê-la aqui no país, também fazem tudo para que Teixeira se transforme em santo…

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br

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O futebol é um jogo defensivo

O carnaval foi bem engraçado por aqui. Nós o comemoramos em abril. Oto, meu morcego de estimação, surpreendeu. Sua banda, a Sangue Bom, entre morceguinhos de nossa caverna e convidados, desfilou com mais de dez mil componentes. Arnaldo, o bagre cego, assistiu, ou melhor, ouviu as reprises dos desfiles de escolas de samba de São Paulo e Rio; não desgrudou os ouvidos da telinha. Delirava, de se revirar todo, sempre que a telinha anunciava algum famoso nos camarotes. E Aurora, a coruja, fantasiou-se de águia e voou solitária pelos céus que lhe cabem, de fato e de direito, em alegres evoluções.
 
Terminada a folia de Momo, procurei-os e disse-lhes que já me davam saudades as conversas sobre futebol.
 
– Carnaval é bom, mas cansa se passar de três dias – eu disse. – E já se passaram quatro. Futebol, esse pode ser o ano todo, se depender de mim. E eu queria a opinião de vocês sobre uns assuntos que me tiram o sono.
 
Havia coisas do futebol, que eu, por mais esforço que fizesse, não entendia. Oto estava de ressaca e não quis conversa; Arnaldo ouvia a televisão.
        
– Por exemplo? – perguntou Aurora.
 
– Não me conformo com essa excessiva preocupação de só defender, defender, defender – eu disse – como se todos, jogadores, técnicos e comentaristas, fossem golfóbicos.
 
E acrescentei que, ouvindo e lendo o que pensam sobre o futebol, percebo que falam o tempo todo sobre sistemas de defesa.
 
– Pois, para mim – disse Aurora – agem dessa maneira porque evitam o verdadeiro problema. Falam do óbvio, daquilo que está mais ao alcance de todos, do banal.
 
– Como assim? – distraí-me com o barulho da TV e não entendi bem o que a coruja disse.
 
– Que barulho é esse – ela me perguntou – vindo do fundo da caverna?
 
– É o Arnaldo ouvindo de novo aquele programa da ESPN sobre a pretensão do Brasil de ser sede das Olimpíadas em 2016. Cada vez que Carlos Nuzman fala, ele baba e faz essa barulheira.  
 
Com o bico, Aurora puxou-me para fora da caverna, evitando, assim, o barulho, e expôs seu ponto de vista. Para ela, o futebol é um esporte defensivo, isto é, um jogo que privilegia, por suas características, a defesa. A coruja acha que ter que controlar a bola com os pés favorece mais a destruição das jogadas que sua criação.
 
Nos jogos em que a bola é controlada com as mãos, há mais gols. É só tomar o exemplo do basquetebol e do voleibol; neste último, em que a bola não tem contato com o chão, a não ser na finalização da jogada, as mãos são soberanas, o que resulta em uma vitória retumbante do ataque sobre a defesa. No futebol, ao contrário, a pouca habilidade dos pés comparativamente à das mãos, faz com que os jogadores controlem a bola com muita dificuldade; além disso, um dos jogadores de cada equipe, o goleiro, o mais defensivo de todos, tem autorização para utilizar as mãos. Seu poder de destruição de ataques é imenso.
 
Perguntei a Aurora se ela acreditava mesmo nisso.
 
– Sem dúvida, Bernardo. Você já teve a curiosidade de contar quantos ataques realiza cada equipe em um jogo de futebol? Faça isso. Em noventa minutos, cada time realiza perto de noventa. No entanto, em quase todos os casos, a defesa supera o ataque. Ocorrem, em cada partida, cerca de três gols em média. Considerando que os dois times juntos realizam algo em torno de cento e oitenta ataques, são, em cada partida, cento e setenta e sete vitórias da defesa.
 
– E você já teve a paciência de fazer essa contagem, Aurora? – perguntei
 
– Sim, recentemente, em um jogo do Campeonato Espanhol. Em quarenta e cinco minutos, uma das equipes realizou exatamente quarenta e cinco ataques. Considerei ataque as ações realizadas pelos jogadores no campo adversário, partindo de seu próprio campo, ou após uma falta, um lateral ou escanteio.
 
– Então, na sua opinião, é muito mais fácil defender que atacar – concluí.
 
– Exatamente – confirmou a coruja – tirar a bola dos pés de um jogador é muito mais fácil que tirá-la das mãos. Além do que, a bola geralmente vai ao jogador rolando sobre um terreno irregular, tornando o controle mais difícil ainda.
 
Os pés são órgãos de locomoção; no futebol, e só no futebol, transformam-se em órgãos de manipulação. As mãos fariam isso incomparavelmente melhor. Não bastasse, os defensores podem defender suas equipes chutando a bola para qualquer lado, ao passo que os atacantes são obrigados a visar o pequeno espaço de 7,32m entre uma trave e outra.
 
– Mas, o futebol, então, é uma aberração? – perguntei.
 
– De maneira alguma – respondeu a coruja calmamente – é somente um jogo, e assim são os jogos, muitos deles, aberrações consentidas e maravilhosas.
 
Para Aurora, o problema do futebol não está na defesa, mas no ataque. Os especialistas não se preocupam com ele, não sabem como atacar. Uma pena, porque, quando eu era menino, sentia-se importante aquele que era atacante. Todos queriam ser centroavantes ou meias avançados. Ocupavam a posição de zagueiros os grossos, os canelas de pau. Na frente, ficavam os mais habilidosos. A coruja acha que os técnicos não sabem o que fazer para atacar, portanto, ocupam-se com o que é mais fácil: aumentar o poder de destruição dos defensores.
 
– Repare no que ocorre no basquetebol, Bernardo, um esporte em que ataque e defesa são bastante equilibrados. O atacante é protegido pelas regras; qualquer empurrão, com as mãos ou com o tronco, de quem defende, é considerado falta. No futebol os juízes fazem vista grossa para essas coisas; na dúvida, beneficiam os faltosos.
 
Para a minha amiga de penas, tanto faz um placar de um a zero ou cinco a quatro. O pavor de tomar gols, no entanto, volta as atenções quase todas para a defesa, atribuindo ao ataque ao papel de coadjuvante de terceira categoria. Esse pavor diminui os investimentos e planos de ataque, tornando escassos os jogadores habilidosos e super-povoando os campos de beques truculentos.
 
– As defesas tomarem gols não seria um grande problema – disse Aurora -, se os ataques os fizessem em boa quantidade. Nossos estrategistas não estudam boas fórmulas para
aumentar a eficiência dos ataques, daí a escassez de gols. Chega a ser ridículo ver, quando dos escanteios e faltas cobradas das laterais, a ida à área adversária, dos zagueiros, como se as equipes não tivessem atacantes.

Aurora queria dizer, resumindo, que os técnicos e outros especialistas, evitam lidar com o verdadeiro problema do futebol, que é atacar. Um esporte que favorece tanto a defesa como o futebol, só poderia ter como maior problema, atacar. Esse é o obstáculo maior a superar. Defender é fácil; os zagueiros ajudam a defender, a grama ajuda a defender, os encontrões, os esbarrões, as faltas, a dificuldade de controlar a bola com os pés, e os juízes, ajudam a defender. Os especialistas apenas pegam carona em tudo isso.

* Bernardo, o eremita, é um ex-torcedor fanático que vive isolado em uma caverna. Ele é um personagem fictício de João Batista Freire.

Para interagir com o autor: bernardo@universidadedofutebol.com.br