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Teto de vidro

Semana passada, Luiz Gonzaga Belluzzo e Fabio Koff acenaram com a possibilidade de instituir um teto salarial para os clubes de futebol do Brasil, proporcional à receita de cada clube. Eles não explicaram muito bem como funcionaria isso, mas imagina-se por teto salarial um valor máximo que possa ser pago a um determinado jogador.

O discurso em prol do teto salarial é recorrente no mundo todo. Pudera, afinal, o maior custo de um clube de futebol sempre é, invariavelmente, o salário dos jogadores. Conseguir controlar essa despesa é essencial para o bom funcionamento financeiro de um clube.

O problema é que nunca dá certo.

Uma vez, tentaram instituir o teto salarial no Brasil. Foi no começo do século XX, quando havia a regra de que todos os jogadores deveriam permanecer amadores. Não deu certo. Começaram a pipocar os casos de pagamento por fora, para a família do jogador, entre outros benefícios, naquilo que ficou conhecido como ‘amadorismo marrom’. Deu no que deu.

Além da chance de pagamentos por fora, o teto salarial também implica na perda dos jogadores mais talentosos. Como o teto será só no Brasil, outros países poderão adquirir jogadores brasileiros ainda mais facilmente. Basta oferecer um valor um pouco acima do teto.

De qualquer maneira, a idéia é boa. Mas é inaplicável.

Se a intenção é controlar os gastos dos clubes, o melhor é instituir um sistema de licenciamento para as competições, como fazem a Bundesliga e a Uefa, que determinam um percentual da receita que pode ser gasto com salários e transferências.

Logicamente que isso afeta a competitividade do campeonato, uma vez que clubes mais ricos ficarão ainda mais em vantagem em relação aos clubes mais pobres. E também não é garantia de nada, ainda mais no Brasil.

Mas pelo menos estão se preocupando em controlar os gastos coletivamente. Já é alguma coisa.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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Rede de mentiras

Parabéns aos jogadores que insistem em se envolver em escândalos, enxergar apenas o dinheiro à frente e corromper a todos na família, esquecendo-se do seu papel como ídolos a serem seguidos pela massa de jovens e que contribuiriam para a formação de parte do seu caráter na vida adulta.   

Parabéns aos clubes que menosprezam o relacionamento com os seus torcedores, deixando de zelar por seus estádios; pela ausência de planos de sócios condizentes com o custo-benefício de se freqüentar espaços com conforto precário; que não fazem o mínimo esforço em revelar bons jogadores-cidadãos em suas categorias de base; que continuam deixando os rumos de sua gestão nas mãos dos verdadeiros torcedores, não nas mãos de verdadeiros profissionais; que desenvolvem parcerias sem transparência e que, quando não dão certo, vão-se os parceiros e restam dívidas.  

Parabéns à CBF e às federações que continuam quebrando contratos comerciais; que continuam com dificuldades em negociar calendários e horários de jogos compatíveis com os interesses dos seus torcedores/consumidores de forma equilibrada frente à TV; que são pródigas em elaborar regulamentos patológicos que devem ser resolvidos nos tribunais; que fazem vistas grossas às vistorias técnicas e de segurança sobre as condições dos estádios de futebol no país; que seguem desprezando o futebol feminino, da base ao topo.

Parabéns aos torcedores que se organizam em hordas violentas para brigar com rivais, brigar entre si, brigar; que compram produtos piratas, “gatos” de TV a cabo, por acharem que seu clube cobra caro os produtos oficiais que sustentam seu dia-a-dia; que elegem políticos de ocasião que se utilizam do reduto eleitoral junto à torcida e que, no mais das vezes, não conseguirão zelar nem pelos interesses do clube, menos ainda por interesses da sociedade em geral.

Parabéns aos empresários aventureiros que manipulam jovens e suas famílias de todos os rincões do país, prometendo-lhes fama e fortuna, no Brasil e no exterior e que, quando nada dá certo, sobram histórias tristes, jovens iludidos e uns trocados, passando longe do tratamento digno merecido por todos.

Parabéns aos meios de comunicação que tratam de forma irresponsável o poder da informação e a transformam em desinformação; que esperam os fatos para vender notícias e soluções superficiais a problemas estruturais, perpetuando modelos arcaicos de gestão e afastando-se de um mínimo de engajamento nas discussões que levariam o futebol brasileiro a um patamar evoluído.

Parabéns ao Poder Público que não cansa de desenvolver projetos com boas intenções, mas de implementação duvidosa; que não consegue articular idéias entre todos os envolvidos na condução de nosso futebol, com responsabilidade, fiscalização e aperfeiçoamento do ambiente socioeconômico e cultural em que nosso futebol está inserido. 

Parabéns a todos nós pelo melhor futebol do mundo, amado e idolatrado, cantado em verso e prosa aqui e acolá.

Parabéns às ironias e mentiras do futebol brasileiro… Neste 1º de abril.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

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Caminhando para uma Teoria da Tecnologia Esportiva

 

Olá amigos. No último texto falando sobre a análise do técnico, voltamos a tocar no ponto da tecnologia a serviço do futebol.

Sabemos que muitos pontos devem ser observados à luz desse tema. Existe uma lacuna de estudos que pode servir de subsídio para uma Teoria da Tecnologia Esportiva.

E antes que alguns se apeguem ao termo “teoria”, explico que seu uso vem da necessidade de um conhecimento consolidado, aplicado ao futebol, que seja capaz de determinar os limites, usos e atribuições da tecnologia. Uma teoria no sentido de desmistificar e evitar que se tome o gato pela lebre.

No futebol, e não exclusivamente nele, quando surgem mudanças, elas não acontecem em bela e harmoniosa calmaria. Surgem em meio a tempestades e trovoadas. São mudanças de paradigmas. E, a cada mudança, a zona de conforto de quem está envolvido com o meio é afetada, e, em conseqüência disso, vêm as polêmicas e crises seguidas de adaptações e evolução.

Por meio de alguns e-mails recebidos ao longo da última semana, estabelecemos, junto a alguns amigos, um debate sobre o papel da tecnologia no futebol. Em síntese, dois focos:

1.    A tecnologia é entendida como aspecto importante e necessário ao futebol atual

2.    Existe uma série de aspectos que devem ser considerados no futebol que determinam o resultado e a tecnologia não pode ser o aspecto central

Acredito que ambas são opiniões que se complementam e caracterizam um ponto de compreensão para a tecnologia a serviço do futebol.

Um dos amigos, Ronald de Carvalho, tratou desses dois aspetos de uma forma que resume essa sincronia existente entre eles. Defendendo a qualidade e a importância que podem adquirir no papel do técnico, aponta como ressalva que o técnico  de qualidade “é aquele que sabe treinar uma equipe. Que escolhe bem seus jogadores dentro do elenco. Que retira de cada um deles, somente aquilo que eles realmente podem dar. Nem mais, nem menos. Que potencializa as qualidades de cada jogador, minimizando seus defeitos na organização coletiva de sua equipe. Que vê as falhas da sua equipe durante um jogo e tenta corrigi-las no seu desenrolar”.

Quando defendo a ciência e a tecnologia, estou ciente que ambas, por si só, não resolverão, assim como creio que a resistência que o futebol coloca sobre elas, sob a justificativa de sua imprevisibilidade ou de outras variáveis, são errôneas.

Concordo que saber montar um elenco, saber conduzi-lo sobre todos os aspectos é uma virtude que deve ser destacada. O que defendo e acredito é que todo detalhe pode fazer diferença em busca do resultado. E a ciência, seja ela exata ou não, porque em seu seio ela é por si mesmo falha, a ciência é uma verdade em busca de ser falseada.

Nessa teia complexa de fatores que influenciam o resultado do jogo, o menosprezo de boa parte dos envolvidos com o futebol é que incomoda. Porém, também vejo  culpa naqueles que defendem e pintam a ciência como salvadora do futebol. Afinal, o futebol não depende da ciência, e esse pensamento acaba corroborando para aumentar ainda mais o preconceito, seja por criar expectativa exagerada do que ela realmente é capaz ou por gerar desconfiança. Mas, a ciência e a tecnologia podem contribuir e muito com o futebol, desde que entendidas sobre suas reais atribuições.

Com base nesses dois pontos tentarei desenvolver uma sequência de textos nas próximas colunas que abordem um pouco essa questão, caminhando para uma Teoria da Tecnologia Esportiva, pensando muito mais em levantar aspectos de debates a luz de algumas experiências e observações, compartilhando com todos a postura frente à tecnologia que acredito necessária ao profissional moderno. Buscando identificar quais competências e habilidades devem ser desenvolvidas sobre a questão da tecnologia.

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

 

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A função da imprensa

Pelé disse que não falou aquilo. Robinho disse que tudo bem. E a imprensa no mundo todo noticiou a “reconciliação” entre o Rei do Futebol e seu súdito mais notório, pelo menos dentro da Vila Belmiro.

Na semana passada, uma troca de farpas entre Pelé e Robinho ocupou boa parte do noticiário em todo o mundo. Tudo porque, numa palestra, o ex-camisa 10 do Santos deu a entender que Robinho teria feito uso de drogas e, com isso, manchado a sua imagem.

O ex-número 7 do mesmo Santos ameaçou processar Pelé num texto publicado em seu site oficial. Depois da repercussão do episódio, que forçou o Rei a cancelar um evento (com a devida cobertura da imprensa) que teria com o presidente mundial da Puma, o recuo veio na mais manjada das desculpas:

Não foi bem aquilo que eu disse. A imprensa deturpou o que eu falei”…

Menos, Pelé, menos. Não só porque o seu passado de frases antológicas o condena, mas porque você, mais do que ninguém, tem de saber muito bem qual a função da imprensa no cotidiano de um esportista, ainda mais alguém tão famoso quanto Pelé.

Qualquer evento que tenha Pelé terá a presença de pelo menos um representante da mídia. E qualquer frase que ele disser será estampada nos jornais, sites, revistas, canais de TV, emissoras de rádio, sinais de fumaça ou qualquer outro meio de comunicação existente.

Porque Pelé é notícia. Em qualquer circunstância. Por isso mesmo ele deve ter dito o que disseram que ele disse na semana passada. E depois quis jogar a culpa na imprensa “sensacionalista”, que busca sempre “vender jornal”.

Ora, a essência do ser humano é sempre retratar aquilo que foge do comum quando encontra um conhecido. No caso de vermos um acidente na rua, logo saímos contando, nos mínimos detalhes, aquele fato que nos tirou do cotidiano.

A imprensa é o termômetro disso. É a fuga do cotidiano repetitivo das pessoas. E, para alguém como Pelé, ou mesmo Robinho, qualquer deslize pode ser “fatal”.

Não cola mais dizer que a imprensa deturpou uma frase, colocou-a fora do contexto ou qualquer coisa do gênero. Não porque de uma hora para outra a mídia se tornou o exemplo mais bem acabado de racionalidade e correção. Muito pelo contrário. Porque Pelé já sabe há 50 anos o que é ser o alvo da mídia durante 150% do seu tempo.

O esporte tem de saber começar a usar a imprensa a seu favor, em vez de criticá-la depois de uma frase fora do eixo ou de um comportamento infeliz. Se não for a mídia dando atenção para um atleta ou uma modalidade, muitas vezes o ostracismo chega para engoli-los. 

Com um pouco de preparo e muita atenção nos atos e frases, Pelé não correria nunca o problema de ter de desmentir algo que fez. Pelo contrário, sempre seria visto como uma pessoa infalível, ganhando ainda mais poder de barganha em diversas coisas que faz.

Robinho poderia, por exemplo, aprender com atos bonitos do maior ídolo do futebol mundial. E não sair facilmente transferindo a culpa para a “imprensa”, como se não fosse também dela uma parte da responsabilidade do grande sucesso que essas duas figuras tiveram.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br

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Scout analfabeto

 

Hoje, vou mais uma vez falar um pouco sobre “scout quantitativo”, ou melhor, das ferramentas quantitativas que são utilizadas por equipes, especialistas e mídias envolvidas de alguma forma com o futebol.

Infelizmente, ainda tem se tentado explicar o jogo de futebol por meio de números que representam um diagnóstico “do mundo da lua” e que pouco se relacionam com a realidade da complexidade inerente ao jogo.

Partidas são vencidas e perdidas sem que os sintomas das ferramentas quantitativas apontem o caminho concreto daquilo que os gerou.

Obviamente a culpa não é dos números, e sim, como chamaria John Allen Paulos, de um “analfabetismo em matemática” e de uma – como eu completaria – falta de entendimento do jogo como fenômeno complexo.

Vivemos num país em que o futebol faz parte do dia-a-dia dos cidadãos, onde sua força está impregnada com muitas fincas na cultura do povo. Seu papel na sociedade vem ao longo do tempo tomando formatos diferentes, mas sua presença nunca andou um milímetro para trás. Milhões de brasileiros adotam a postura de “entendidos do assunto” e vestem a cada partida de suas equipes a camisa de treinador (perspicaz, que para tudo têm solução). Os treinadores, os “verdadeiros”, de profissão, têm então junto de si, a sombra dos companheiros de trabalho e daqueles que se colocam como donos da verdade (os milhões de “torcedores-técnicos”), que bem ou mal, fazem parte de uma máquina (que funciona como uma cadeia alimentar) que gera informação, necessidade e consumo.

O mau entendimento do jogo leva muitas vezes então, não só a intervenções equivocadas por parte de quem atua profissionalmente no futebol, mas também em todas as dimensões que de maneira direta ou indireta, próxima ou distante interferem nele.

E é aí que o que deveria ajudar, acaba por vezes atrapalhando mais.

Especialistas, imprensa, equipes e treinadores usualmente acabam por dispor da ferramenta que chamam de “scout”, e através de índices estatísticos tentam entender e relacionar desempenho de jogadores e equipes. Há muito tempo estes índices vêm sendo usados. Não existe um padrão definido para formatação dos dados que esse tipo de ferramenta oferece, e o que se observa é sua representação feita de acordo com as preferências de quem o faz ou utiliza.

Como os números, de maneira mal trabalhada, podem nos induzir a conclusões não verdadeiras, não é incomum que emirjam e predominem muitas vezes as conclusões “não verdadeiras”.

Paulos (1994, p.69), usa um exemplo muito interessante para descrever as ciladas que os números, colocados de maneira errônea, podem nos pregar. Este exemplo está descrito em seu livro “Analfabetismo em matemática”. Vejamos:

“Suponha que um teste para câncer que tem precisão de 98%, isto é, se uma pessoa tiver câncer o teste será positivo 98% das vezes, e, se não tiver, o teste será negativo 98% das vezes. Suponha, além disso, que 0,5% – uma em duzentas pessoas – realmente tem câncer. Agora, suponha que você fez o teste e que seu médico lhe anunciou lugubremente que seu teste deu positivo. A pergunta é: qual deve ser o seu nível de preocupação? A resposta surpreendente é que você deveria ficar cautelosamente otimista. Para descobrir por que, vamos dar uma olhada na probabilidade condicional de você ter câncer, dado que seu teste foi positivo.

Imagine que 10 mil testes para câncer são realizados. Destes, quantos são positivos? Na média, cinqüenta dessas 10 mil pessoas (0,5% de 10.000) terão câncer, e assim, uma vez que 98% delas terão teste positivo, teremos 49 testes positivos. Das 9.950 pessoas que não têm câncer, 2% terão teste positivo, para um total de 199 positivos (0,02×9.950=199). Portanto, do total de 248 testes positivos (199+49=248), a maioria (199) são falsos positivos, e assim a probabilidade condicional de se ter câncer dado que o próprio teste é positivo é somente 49/248, ou cerca de 20% (este percentual relativamente baixo deve ser comparado com a probabilidade condicional de se ter um teste positivo dado que se tem câncer, que por hipótese é 98%)“.

Numa análise inicial, realmente nossa tendência em acreditar nos números sem entendê-los é muito grande, e por muitas vezes eles nos servem de argumento indiscutível para afirmações que fazemos. Muitas vezes nos deixamos levar por eles, em uma súbita necessidade inconsciente de termos uma explicação plausível para dado acontecimento. No esporte em geral, e particularmente no futebol isso acontece bastante.

Se a proposta de uma ferramenta como essa (o scout) é dar informações relevantes sobre o jogo, deveria ela antes de mais nada garantir alta correlação com o comportamento das equipes e jogadores enquanto jogam, de maneira que possa expressar não o volume de ações ou eventos e sim seus significados.

Caso contrário, corremos o risco de mergulhar não mais somente num analfabetismo de números, mas também em um rio de analfabetas verdades, que não são reais, simplesmente porque não existem…

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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O poder dos grandes clubes – Parte 2

Caros amigos da Universidade do Futebol,

Na coluna da semana passada discutíamos o poder dos grandes clubes de futebol, em vista dos últimos acontecimentos no mundo do futebol profissional na Europa, nomeadamente as reuniões do conselho executivo da Fifa e da Uefa, e dos rumores na mídia sobre uma eventual criação da chamada “super league”, uma liga independente dos principais clubes europeus.

Discutíamos também qual seria o efeito prático da criação de uma liga independente das federações. Quem teria mais poder?

Essas discussões são bastante teóricas, e muito longe de um acontecimento real, na prática. Isto porque, em nossa opinião, nenhum dos dois lados da balança (clubes de um lado e federações do outro) dariam um primeiro passo nesse sentido, o que certamente traria consequências negativas para muitos envolvidos, atletas e torcedores, entre outros. O risco seria muito grande.

O fato é que, coincidência ou não, tivemos um anúncio público ontem, entre Uefa e ECA (Associação dos Clubes), em que foi externado um aumento das verbas a serem repassadas aos clubes com relação às receitas da Liga dos Campeões. 

As verbas que aumentam são, especificamente, para clubes que não participam da competição e também àqueles que são eliminados na fase de grupos. 

Quem ganha é o futebol como um todo, já que clubes menores terão maior acesso (ainda que pouca coisa) a verbas da competição para melhor estruturarem suas categorias de base.

Ao final das contas, vemos que clubes e federações na Europa continuam cooperando, o que distancia ainda mais qualquer hipótese de “super league”.

De toda forma, há que se ressaltar a força dos clubes no anúncio em questão. Afinal, os rumores tiveram uma motivação específica? E tiveram o sucesso esperado? Ou foi tudo mesmo coincidência?

Perguntas que ficarão sem respostas.

Para interagir com o autor: megale@universidadedofutebol.com.br

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A consequência da violência para os clubes de futebol

Nessas duas últimas semanas muito tem se discutido sobre a violência nos estádios de futebol. Ótimo. É um sinal da sociedade clamando por mudanças, que – mesmo que sejam implementadas imediatamente – possivelmente ainda tardarão a apresentar resultados mais visíveis.

Isso porque há um claro desentendimento nos discursos apresentados. Cada um corre para um lado, sem que haja um consenso nas causas, medidas e consequências sobre o assunto. De um lado, o governo fala uma coisa. De outro, a federação. Noutro, os clubes. Em ainda outro, a mídia. E, se não bastasse, ainda tem os torcedores. Em um assunto onde deveria haver um consenso linear, o que se vê é um complexo poligonal com pequena tendência de convergência.

Quem tem falado mais alto, até o momento, é o governo. Até porque a violência dentro dos estádios, e é preciso frisar a delimitação do espaço ao estádio de futebol, parece ser assunto de segurança pública. Mas não é. Ela é um assunto que ganha contornos massificados pela onipresença esportiva do futebol no país. Só que, fazendo as contas, ela interessa muito menos à totalidade da população do que pode parecer.

Considerando que a média de público por jogo da Série A do Campeonato Brasileiro de 2008 foi de aproximadamente 17 mil torcedores e da Série B 6 mil, e que cada uma das competições tinha, na maioria das vezes, dez jogos por final de semana, pode-se concluir que os estádios de futebol do Brasil receberam aproximadamente 230 mil torcedores por rodada, o que representa apenas 0,12% da população brasileira. Longe, portanto, de ser considerado um problema que assola todo o país ou que deva despertar tanta atenção do poder público.

Os maiores interessados em resolver esse problema são os clubes e suas consequentes associações, seja uma federação ou uma liga, uma vez são eles que tem no futebol a sua principal razão de existência. A violência nos estádios deveria importar muito mais a eles do que ao governo, portanto. Mas não é o que aparenta acontecer.

O problema é que o efeito da violência e da insegurança nas receitas dos clubes é avassalador. Todos, absolutamente todos os canais de receita são, com maior ou menor intensidade, afetados. Vamos a eles:

Dia de jogo

Nesse canal de receita, os efeitos são os mais óbvios. Quanto menor for a segurança e maior for a violência dentro do estádio, menos pessoas vão aos jogos, seja na arquibancada, na cadeira, ou no camarote. Aqueles que vão, o fazem ciente dos riscos e, portanto, tendem a não estender a sua estada dentro do estádio, o que – em conjunto também com uma menor disposição do indivíduo a levar maiores somas de dinheiro – limita o poder de consumo, seja de comida, bebida ou outros produtos. Com o sentimento de insegurança generalizado, existem também as proibições da venda de bebidas alcoólicas, que, depois do jogo em si, é o principal produto de consumo em uma partida.

Receita de patrocínio

Um dos principais motivos que levam empresas a patrocinar um esporte, no caso o futebol, é a oportunidade de conectar sua marca a uma imagem de saúde e bem-estar, benefícios da prática esportiva. Quando a marca de uma empresa aparece no momento de uma briga, a empresa acaba transmitindo uma imagem oposta àquilo que ela deseja. Logicamente que esse risco tende a afastar patrocinadores, principalmente os mais conservadores, o que diminui a concorrência e, consequentemente, o valor do patrocínio.

Receita de licenciamento

A maior parte da receita de licenciamento de um clube vem da venda de camisas oficiais. A insegurança e a violência inibem a venda de camisas, uma vez que usá-la no estádio ou fora dele se torna um risco à integridade do torcedor. Como produtos licenciados são essencialmente bens simbólicos – eles valem muito mais por aquilo que eles representam do que por aquilo que eles fazem – o torcedor pode vir a substituir a camisa por produtos mais reservados, como xícara e chaveiro, que são também muito mais baratos e com distribuição bem mais limitada.

Receita de transferência de jogadores

Mais violência e menos dinheiro significa menor poder de competitividade no salário de jogadores, o que tende a reduzir o poder de barganha do clube na negociação com outros clubes que queiram contratar seus atletas. Além disso, a insegurança pode motivar o atleta a querer deixar o clube, o que também influencia no valor final da venda e, possivelmente, na sua performance em campo, que acaba também diminuindo o seu valor.

Receita de direitos de transmissão (televisão, internet, etc.)

Com estádios vazios e sem atmosfera, com poucos jogadores importantes e com patrocínios escassos, o valor do futebol como entretenimento televisivo é bastante reduzido. As matérias veiculadas pela imprensa em geral também denigrem a imagem do jogo, o que também acaba afetando o seu valor. Com a diminuição do valor televisivo de um campeonato, poucos canais se dispõem a disputar a exclusividade dos seus direitos, o que também diminui substancialmente o montante arrecadado com a venda de um campeonato.

Como é possível perceber, o peso da insegurança e da violência na arrecadação de um clube de futebol é enorme. Daí, portanto, a razão pela qual os grandes interessados em acabar com ela devem ser os clubes, e não tanto o governo. Cabe ao Estado fiscalizar e incentivar a idéia, mas não cabe a ele puxar a responsabilidade toda para si. Seria possivelmente muito mais efetivo que o governo enrijecesse o controle fiscal sobre os clubes para que eles começassem a perceber o quanto que a insegurança afeta na sua própria arrecadação, e consequentemente na sua performance esportiva, e tomar medidas práticas e constantes que busquem a melhoria das estruturas dos seus estádios e o maior controle sobre o comportamento da sua própria torcida.

Enquanto o governo for o único a se mexer e os clubes não perceberem o quanto esse processo afeta o seu próprio bolso, o futebol brasileiro estará fadado a enfrentar ciclos de ações contra violência com prazo de validade bastante limitado.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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Sempre com a bola nos pés

Assisti neste fim de semana, nos arquivos do ESPN 360, fantástico site dos canais ESPN, a entrevista de Jorge Valdano para o programa “Bola da Vez”.

Valdano não chegou a ser craque, mas teve uma carreira exitosa como jogador da seleção argentina, campeã mundial em 1986 e, principalmente, nas fileiras do Real Madrid.

Tornou-se craque, sim, fora de campo, como treinador do Tenerife, da Espanha, e diretor de futebol o clube merengue, onde permanece à frente do programa de MBA em Gestão Esportiva oferecido em conjunto com Universidade Européia em Madrid e que acaba de chegar ao Brasil, em parceria com a Anhembi-Morumbi de São Paulo.

Na estupenda entrevista, Valdano, um fora-de-série na mediocridade de idéias e posicionamento que ainda impera entre nossos atletas e ex-atletas, relata um episódio ocorrido ao longo da campanha vencedora da seleção argentina em 1986, envolvendo Maradona.

O treinador da equipe, Carlos Bilardo, defendia a tese de que “o jogador sempre deveria estar com a bola nos pés, pois nunca deveria deixar de se aperfeiçoar em seus fundamentos”. 

Não importava onde. Para Maradona, nem como…

Maradona, ao que parece, teria dado ouvidos ao mestre e, desde sempre, conta Valdano, preparava-se arduamente para ser o melhor jogador do mundo.

Eis que Maradona, em tom de brincadeira, resolveu percorrer todo o trajeto de seu quarto ao restaurante do hotel, controlando uma bola nos pés. Passou pelo elevador, corredores, saguão, até chegar aos companheiros no restaurante.

Ao avistar a cena, Bilardo disse a todos, rindo e premiando o pupilo: “Vê, é por isso que ele é o Maradona…”.

É mais do que surrada a noção de que a prática conduz à perfeição. No futebol, diria que tanto dentro quanto fora de campo, nos respectivos exemplos de Maradona e do próprio Real Madrid, esse aforismo é ainda mais visível e acompanhado por todos.

A evolução em ambos os casos jamais se deu ou dará espontaneamente, ao acaso. Isso é fruto de sucessivos esforços visando melhorias contínuas, ora imperceptíveis a olho nu que, somadas, em médio-longo prazo, explicam o porquê do sucesso de uns, dificuldades de outros.

Tome-se o exemplo de um ícone nacional, o São Paulo Futebol Clube. Os menos atentos podem achar que os seis títulos nacionais, três da Libertadores, e três Mundiais, sempre estiveram umbilicalmente ligados à sorte.

Engano. O clube, além de um elenco de jogadores valorizados e de alto nível, possui estádio particular muito bem servido, CT para a equipe profissional e para as categorias de base, o Reffis, além de departamentos de marketing, jurídico, administrativo e técnico extremamente competentes e atuantes, com profissionais de destaque em todas as posições – do cozinheiro ao ponta-esquerda, passando pelo presidente.

No meio disso tudo, o clube investe continuamente nos processos de gestão, que não costumam contar com a sorte para a tomada de decisão sobre o que foi planejado exaustivamente. 

A sorte, o aleatório existem sim. Mas, se pode passar uma vida inteira esperando por ela. Mas ela pode resolver se albergar na competência do vizinho.

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Zezinho do Scout analisando o técnico: Mano Menezes e as substituições

Olá amigo, ainda que todos estejam na onda do clássico, não vamos fazer uma análise do jogo Ronaldo x Neymar, ops… Corinthians x Santos.

Uma semana de muita divulgação, de criação de expectativas e da individualização no chamado duelo de gerações. Que pesem os exageros para ambos os lados e a qualidade de tais jogadores, o jogo demonstrou em si, para a tristeza dos noticiários da semana (ou não), que não era restrito apenas ao combate entre Ronaldo e Neymar.

– Os técnicos

Na análise de hoje, vamos fazer uma avaliação da atuação deles! Os tão badalados e comentados… técnicos! Sim, isso mesmo. Normalmente, nos atentamos especificamente às ações do jogo que muitas vezes decorrem da ação dos técnicos, mas, no texto de hoje, mudamos um pouco foco, vamos analisar os técnicos do ponto de vista da conservação de idéias, da filosofia de jogo e da atuação do ponto de vista de intervenção na partida com base sempre nos dados, em nada mais.

Vamos focar no trabalho de Mano Menezes. Vagner Mancini, que cada vez mais ganha minha admiração, será tema de outro texto, em breve.

Mano Menezes tem seu trabalho reconhecido pelo que fez no Grêmio e no Corinthians, mas adquiriu um recente estigma de não ganhar clássicos em São Paulo. O treinador mostra que tem um planejamento bem elaborado, mas apresenta algumas dificuldades (normais no decorrer de uma temporada) que ganham proporções diferenciadas em se tratando de Corinthians.

Sabemos que clássico tem impactos diferentes e repercussões mais significativas. O próprio Mano reconheceu isso na última semana, mas resolvemos fazer uma análise simples, crua, apenas como curiosidade sobre a ação do Mano, do ponto de vista de substituições e relação com o tempo do jogo.

Consideramos os três clássicos (Santos, Palmeiras e São Paulo) e outros três jogos do paulista (Santo André, São Caetano e Marília), fazendo uma observação no tempo das substituições.

Realizando uma média simples (lembrando que média pode ser muito enganosa, como, por exemplo, a história de que se um amigo comer dois bifes e o outro nenhum, na média comem um bife cada, porém, um ficará obeso e outro desnutrido), mas vamos lá: Mano, nos clássicos, demora mais a fazer uma intervenção direta no jogo por meio de uma substituição.

Veja o quadro das substituições e do tempo (em média):

 

1º substituição

2º substituição

3º substituição

Clássicos

57 min.

72 min.

79 min.

Outros Jogos

45 min.

64 min.

81 min.


A primeira substituição nos clássicos demora mais e a segunda substituição tem um intervalo ligeiramente menor em relação à primeira, o que não acontece nos  jogos contra os ditos pequenos.

Podemos questionar, indagar a validade da análise, a profundidade, e até mesmo a relevância para o jogo em si. Mas, o fato é que o Mano apresenta um padrão, uma filosofia de atuação e intervenção que apresenta diferenças entre um jogo “normal” e um clássico. Podem dizer os mais românticos que clássico é clássico e vice-versa. Enfim, é uma maneira de atuar do treinador, não queremos neste momento entrar no mérito.

No quesito qualidade das substituições, utilizamos o seguinte critério, avaliar a função do jogador que entrou em relação ao que saiu, resumindo as funções em zagueiro (englobando laterais), volantes, meias e atacantes. Definindo ainda como ação de recuo (entrada de um jogador mais defensivo em relação ao que saiu), manutenção (jogadores de mesma função) e avanço (entrada de jogador mais ofensivo).

 

 

Recuo

Manutenção

Avanço

Clássicos

2

4

3

Outros Jogos

4

1

4

 


Do ponto de vista comum, pode não representar muita coisa, mas à medida que um adversário, de posse dessas informações, aprofundando em volume de jogos, e, sobretudo, utilizando instrumentos mais adequados para a análise do que a simples média utilizada aqui, é possível antecipar algumas ações no jogo.

Ora, se consigo antecipar meu adversário, é uma vantagem que adquiro. E aqui vale uma explanação mais detalhada. Esse antecipar não significa agir antes do adversário no campo do jogo apenas, mas sim, antecipar estratégia, treiná-las, preparar os jogadores para possíveis alterações na dinâmica de jogo do seu adversário. Sim meus amigos, futebol é imprevisível, mas também é uma repetição em muitos momentos. Se consigo evitar me surpreender com o que já pode ser conhecido e antecipado do ponto de vista de treinamento, melhor. Não acham?

É nesse ponto que podemos transformar uma informação despretensiosa em intervenção estratégica.   Assim como um nadador dá atenção a cada item que pode diminuir atrito e melhorar a flutuabilidade. Assim como o boxeador estuda a sequência de golpes predominantes de seu oponente, compreender que o técnico adversário apresenta um padrão de substituição (lógico que em situações especiais existe a exceção, a imprevisibilidade), é adquirir informação diferenciada a respeito do jogo.

Mas ressalto, se é possível antecipar no treinamento as eventuais alterações do adversário que interferem na dinâmica do jogo, a chance de ser surpreendido com algo conhecido é menor. Ainda que possamos lembrar de Garrincha  que conseguia fazer o previsto ser imprevisto.

É um detalhe que se soma a outros, e pode trazer ou evitar outros detalhes como gol (detalhe difundido por Parreira, e muito mal compreendido pelos seus críticos).

Bom, existem muitos outros pontos para se estudar na atuação de um técnico, os quais traremos em breve, buscando o perfil de alguns treinadores para exemplificar como podemos utilizar a tecnologia da informação como aliada no estudo do adversário. E você o que acha?

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

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Estado de choque. De novo

O título não é original, tampouco já se fez presente em outras colunas por aqui. Mas mais uma vez não poderia deixar de ser lembrado depois das cenas assistidas em mais um clássico pelo país.

A pancadaria entre torcedores e policiais no estádio do Pacaembu, após Corinthians 1×0 Santos, é daquelas que dá raiva do ser humano. A que ponto chega a covardia, o abuso de autoridade e a falta de respeito?

Ânimos exaltados após a derrota no clássico, ao que tudo indica os santistas decidiram agredir verbalmente o presidente Marcelo Teixeira, que estava próximo da massa alvinegra. Do staff do dirigente máximo do Santos partiu um copo para cima dos revoltosos, e aí a coisa estourou.

Somando-se à brutalidade e à imbecilidade de ambos, chegaram policiais militares. Daí para o início de uma pancadaria generalizada, em que o que mais se via era a audácia dos torcedores e a covardia dos policiais, foi um piscar de olhos.

Mais uma vez um clássico entre grandes torcidas no país termina em briga. De novo, a confusão não envolve as torcidas dos dois times, mas torcedores de uma das equipes e os policiais militares.

Mas por que será que isso acontece?

Sem dúvida que um dos principais problemas está no tratamento que é dado ao torcedor quando ele vai assistir a um jogo de futebol. O que justifica o comportamento brutal dos policiais que em tese estão lá para dar amparo ao torcedor?

Talvez a melhor explicação esteja no tipo de policial que é responsável pela “segurança” nos estádios de futebol do país. Por definições que não se sabe quando aconteceram, os jogos de futebol contam com a “proteção” do Batalhão de Choque das polícias militares municipais. 

Bom, na essência, o batalhão existe para “agir em ações de Controle de Distúrbios Civis”. Ou seja. O policial destacado para cuidar do torcedor no estádio é aquele que tem, em seu treinamento diário, que estar preparado para as piores situações de descontrole social.

Evidentemente, é esse policial quem não está preparado para tratar o torcedor de futebol como uma pessoa, mas como um desordeiro. E, a partir desse princípio, sempre o que se vê é o torcedor “comum” receber uma série de pancadas em nome da “ordem”.

Na Inglaterra, berço da civilização do torcedor baderneiro, era também o batalhão de choque o responsável, lá no passado, em cuidar da segurança nos estádios de futebol. Até que, no início dos anos 90, os ingleses decidiram dar uma atenção específica ao fã que ia aos estádios. 

E foi assim que se criou uma polícia especial, preparada para lidar com as especificidades do torcedor que frequenta o estádio. Além disso, a polícia inglesa se preparou melhor para evitar que o torcedor já condenado por ter provocado distúrbios em outros jogos tivesse o direito de entrar numa partida de futebol pós-condenação. Com o tempo, o “hooligan” perdeu seu espaço dentro dos estádios britânicos. Não quer dizer que eles não existam mais, porém a sua força de atuação é cada vez menor.

Sem treinamento adequado e fiscalização eficiente, é muito difícil conseguir tirar os estádios de futebol do país do estado de choque permanente em que ele se encontra.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br