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Você se lembra do ano 2000?
Eu lembro pouco. Minha memória, definitivamente, não é a minha melhor amiga. Aparentemente, tivemos algum affair no passado. Não me recordo.
Mas nada que a internet, esse bendito instrumento que substitui o cérebro, não consiga resolver.
Pois vamos lá.
O ano 2000 foi um ano peculiar. No momento em que ele começou, o mundo se sentiu mais leve. Afinal, o bug do milênio não aconteceu. As coisas não entraram em colapso por causa do calendário dos computadores. Todo mundo respirou mais aliviado.
Aliás, a tecnologia foi uma das grandes vedetes do ano 2000. Primeiro, não houve o Y2K. Depois, em compensação, houve o estouro da bolha da internet. Muita gente perdeu emprego e dinheiro. Um caos. Para restabelecer o balanço entre as coisas boas e as coisas ruins, o ying e o yang mundial, lançaram o Playstation 2. Entre uma internet superfaturada e um PS2, confesso que pendo para o lado do Winning Eleven.
Em 2000, foi o ano que eu entrei na faculdade, acredite. Naquela época eu não dava bola pra muita coisa que interessasse ao resto do mundo em particular. De importante para o meu universo, naquela época, é que então foi lançada a última tirinha do Charlie Brown, coisa que ninguém deve se lembrar e/ou sentir muita falta. Foi, também, o ano do No Limite, que rendeu horas de discussões acadêmicas bastante, muito, aprofundadas. Outro assunto que rendeu algum tempo de conversação foi a novela Laços de Família, muito por conta de um colega de sala que era algo como a versão bizarra do Miguel Soriano, papel interpretado por Tony Ramos. Foi nessa novela que a Carolina Dieckman raspou a cabeleira. Lembrou?
Ademais, em 2000 o presidente do Brasil ainda era o FHC e o presidente do Peru ainda era o Fujimori, que eventualmente acabou por renunciar o cargo. Nesse ano, Putin foi eleito presidente da Rússia, Bush foi eleito, ou não, presidente dos EUA, e Marta Suplicy pôde relaxar como prefeita eleita de São Paulo.
Foi também o ano em que a Ambev foi criada, que o garoto Elián González serviu de faísca para mais uma treta entre EUA e Cuba, que o genoma humano foi decifrado e que o ônibus da linha 174 no Rio de Janeiro foi seqüestrado.
No mundo esportivo, o Brasil acompanhava o desenvolvimento da CPI do Futebol, e Luxemburgo acompanhava o circo que se armava por causa das declarações da sua secretária, e por causa do fracasso da seleção nas Olimpíadas de Sidney. No começo do ano, Rivaldo foi eleito o melhor jogador do ano pela FIFA. No meio do primeiro semestre, Ronaldo estourou o joelho pela segunda vez no jogo da sua volta aos gramados pela Inter de Milão. No meio do ano, Guga venceu Roland Garros pela segunda vez e Rubinho conseguiu sua primeira vitória na F1 depois de 123 corridas. No fim do ano, a Fifa elegeu Pelé e Maradona como os melhores jogadores do século. Eu queria também dizer que no fim do ano o Vasco se sagrou campeão da Copa João Havelange, que em 2000 substituiu os campeonatos brasileiros, mas, como você bem deve saber, isso só aconteceu no ano seguinte.
Em 2000, por fim, o Brasil fez 500 anos. Teve festa e tudo mais. Pena que foi um desastre completo, que, bem verdade, era bastante previsível.
Agora, estamos em 2007. Fazendo as contas, de cabeça, são sete anos de separação. Sete anos de grandes transformações, de mudanças econômicas, políticas e culturais.
Sete anos, também, é o que nos separa de 2014.
Analisando o tempo de trás, é possível prever o que vem no tempo da frente. Ou, pelo menos, ter uma idéia do tamanho das mudanças que ocorrerão até lá. Sete anos é muita coisa. O mundo vai mudar, o país vai mudar e você também vai mudar. Você consegue se imaginar daqui sete anos?
Pois bem. Tudo isso para levar a você uma certa desconfiança que eu tenho com relação ao modo com que está sendo tratada a Copa de 2014. Não só pelos responsáveis diretos, mas por todos. Você, eu, todos.
Tenho ficado com a impressão de que paira a idéia de que a Copa já está pronta. Que é só construir, que é só investir. Ainda não vi alguém fazendo alguma previsão de como o mundo estará em 2014.
Em sete anos, como visto aqui, muita coisa vai mudar. Novas coisas serão inventadas, outras tantas coisas serão abandonadas. Não vejo, pelo menos até agora, nenhum plano que considere um cenário mais abrangente ou que leve em conta alguma medida de contingência. E se o Brasil não se classificar para a Copa de 2010, como vai ficar a Copa seguinte? E se em 2014 estivermos em 12º lugar do ranking da FIFA, as pessoas ainda vão se importar com a seleção? E se não gostarmos mais de futebol e preferirmos assistir partidas sangrentas de Rollerball? E se o Chávez invadir o Brasil e tornar o beisebol e o concurso de Miss os esportes nacionais?
Na nossa cultura imediatista, de curto prazo e populista, essa falta de planejamento de ações públicas e de análise de tendências de cenários são bastante comuns. Nada que leve muito alarde à população. Porém, do jeito que as coisas parecem estar indo, corremos o risco de ter uma Copa realizada em 2014, mas com a cabeça do ano de 2007.
P.S.: Nunca tinha reparado nisso, mas você também percebe uma certa semelhança nos preparativos pro Pan com os preparativos para as cerimônias de 500 Anos do Brasil? Deu no que deu. Era de se esperar que tivessem aprendido com alguma coisa.
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O que é o futebol?
Será que conhece futebol quem sabe de cor a escalação do seu time? Ou aquele que sabe as características, fraquezas e virtudes de vários times e jogadores? Ou ainda aquele que conhece todas as suas 17 regras e, além disso, conhece os fundamentos técnicos e táticos do jogo?
Afinal, o que é saber de futebol?
Seguramente, não é apenas acompanhar o dia-a-dia dos clubes e dos ídolos. Tampouco apenas conhecer os aspectos técnicos, os fundamentos, ou mesmo saber distinguir as diferentes táticas das diferentes equipes.
O futebol é mais do que isso. Bem mais.
Para compreendermos o futebol é preciso, antes de tudo, perceber que por trás de um atleta há sempre um ser humano. Um ser sensível, emotivo, que chora, que ri, que sente dores e tem, enfim, necessidades biológicas, psicológicas e sociais.
É neste sentido que o filósofo português Manuel Sérgio, inspirador de alguns conceitos adotados pelo destacado treinador de futebol José Mourinho, costuma dizer que “quem quiser saber de futebol apenas estudando futebol, jamais saberá o que é futebol”. Isso significa dizer que para entender de futebol, ou melhor, para entender o futebol, não basta conhecer alguns elementos técnicos do jogo, mas sobretudo é preciso buscar a compreensão da complexidade humana e social que está por trás dessa fascinante modalidade esportiva.
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Papéis invertidos
Qual a influência das câmeras de TV no comportamento espetacular de treinadores à beira do campo durante uma partida de futebol? Sinceramente, esse sempre foi um questionamento que fiz ao longo da vida, primeiro como torcedor e, hoje, como profissional de imprensa, principalmente após participar da transmissão de jogos.
Sempre achei que treinador ficasse de ouvidos atentos para o que diziam os comentaristas antes, durante e após as partidas. Seja por meio de informantes, seja por conta própria, ao chegar em casa após um jogo e decidir revê-lo, dessa vez tendo mais opiniões de gente que estava noutra posição assistindo àquela partida.
E, nessa dança de querer ficar bem informado sobre a opinião que o torcedor em casa iria ter, o treinador parece encarnar um personagem, que começa a não se contentar em ficar quieto à beira do campo. E daí o teatro começa…
Na noite da última quarta-feira, porém, todo o romantismo que cercava essa minha curiosidade caiu por terra. Já havia visto, diversas vezes, Vanderlei Luxemburgo em conversa ao pé do ouvido com repórteres de campo para monitorar os lances duvidosos de um jogo. Mas, na vitória que teve resultado de derrota do Santos para o Grêmio, na quarta, Luxemburgo extrapolou qualquer limite do aceitável.
Ao término da partida, quando foi questionado sobre a vitória/derrota do Santos, o treinador foi enfático: “Só tenho uma coisa a dizer ao José Roberto Wright. Quando que uma falta não é importante num jogo? O lance do gol do Grêmio foi falta em cima do meu jogador. O árbitro não deu. E aí? O jogo era (sic) 3 a 0 e nós estávamos classificados. E você vem dizer que falta não muda o jogo Wright?”.
Como poderia Luxemburgo saber o que estava se passando na cabine da única emissora a exibir a partida ao vivo para a TV aberta do Brasil? Ele preferiu extravasar toda a sua ira por uma doída derrota no comentarista de arbitragem da TV Globo, esquivando-se da pergunta sobre o desempenho de sua equipe dentro de campo.
Mais do que isso, ele reclamou de um suposto comentário feito durante a transmissão do jogo que tinha acabado de se encerrar. Muito mais importante seria ele questionar seus zagueiros de por que se deixou repetir a mesma jogada que resultou no pênalti do primeiro gol do Grêmio em Porto Alegre? Ou melhor, ele já deveria ter preparado os seus atletas para não caírem na mesma armadilha do jogo no Sul.
Não, mas o espetáculo parece, infelizmente, que cada vez mais é o fundamental numa partida maravilhosa e cheia de emoção como foram os dois jogos entre Grêmio e Santos. A TV desempenha hoje um papel tão preponderante na transmissão do futebol que o treinador primeiro quer questionar o comentarista de arbitragem, esquecendo-se dos erros simples de marcação que derrubaram o Santos na Vila Belmiro e, uma semana antes, no Olímpico.
Sim, de fato o auxílio tecnológico que a transmissão esportiva dá ao evento é inegável. Mas os atores do espetáculo devem entender que, mais importante do que a TV, é o esporte. O restante é um faz-de-conta, que infelizmente cada vez mais se torna o ponto de debate, e não o local para ele.
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Ausência
Caro leitor,
Por motivo de viagem, o colunista Oliver Seitz não poderá publicar nesta quinta-feira o texto semanal.
Pedimos desculpas e garantimos que tudo voltará ao normal na próxima semana.
Sem mais,
Equipe Cidade do Futebol
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Futebol: Acorda Brasil
A evolução do futebol brasileiro é caracterizada por um paradoxo. Se por um lado nossa cultura é capaz de produzir atletas talentosos e criativos em profusão, por outro não conseguimos modernizar nossas estruturas para que, em épocas que exigem mudanças, possamos continuar na vanguarda do futebol mundial.
O que ocorre, na verdade, é bem o contrário.
O conservadorismo continua a marca registrada de nossas instituições no futebol. Estamos, a olhos vistos, perdendo as oportunidades que o mundo, tão simpático à eficácia e principalmente à plástica e arte do nosso futebol, nos oferece.
E esta resistência à modernidade nos faz lembrar uma história clássica contada em cursos e palestras de administração, sobre paradigmas e como as resistências às mudanças podem nos criar dificuldades no futuro.
Conta a história que os suíços até o final da década de 60 tinham o domínio mundial na fabricação e comercialização de relógios analógicos, com 80% dos lucros neste mercado.
Em 1967, os próprios pesquisadores suíços, que trabalhavam para as fábricas de relógio, trazendo inovações e melhorias, inventaram o relógio digital. Mostraram sua invenção aos patrões que desprezaram a idéia. Achavam eles que tal invenção jamais iria substituir o verdadeiro relógio. Resumindo: os japoneses apostaram na idéia e em 10 anos os suíços perderam mais de 50% do mercado.
Os incrédulos de plantão vão dizer que este exemplo vale para os suíços, para os relógios, para a indústria, mas não vale para o futebol. Futebol é outra coisa.
Enquanto isso vemos nossas estruturas e instituições futebolísticas cada vez em situação mais desvantajosa em relação a outros países e o mercado mundial.
Será que vamos despertar a tempo de recuperarmos a competitividade que nos manterá na vanguarda do futebol mundial?
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A discussão do "merchan"
Não, esta coluna não é mais uma daquelas críticas feroz ao jornalista que troca as bolas e decide fazer propaganda. Não acho que essa discussão ainda seja válida no meio do jornalismo, principalmente do jornalismo no esporte.
A questão é simples: na profissão de jornalista, o maior negócio é ter credibilidade. E isso, sem dúvida, o merchandising não assegura. No longo prazo, ele arranha a credibilidade de uma pessoa, que pode faturar alto no começo dessas ações, mas depois, sem dúvida, não ganha tanto quanto se estivesse no auge de sua carreira.
O questionamento é muito mais do lado da propaganda. Sinceramente, qual a eficácia do “merchan”, especialmente daquele praticado no meio dos programas de debates do domingo?
Na semana passada, na TV Gazeta, em São Paulo, o merchan deu o ar da graça justamente em meio a uma interessante discussão entre Vampeta, Caio Júnior e Marco Aurélio Cunha sobre o quanto a tecnologia tem atrapalhado as concentrações no futebol.
No meio de opiniões sérias, bem colocadas e informativas (especialmente aquelas trazidas pelos três convidados), eis que o âncora Flávio Prado interrompe a discussão para que o comentarista Chico Lang nos desse uma “importante mensagem”.
O ritmo da conversa foi quebrado para a propaganda de um “revolucionário” produto. Ninguém mais conseguiu retomar o debate no mesmo nível de antes. E o telespectador, muito provavelmente, voltou a usar o controle remoto para procurar uma “mensagem mais importante” em algum outro canal.
Mudando de canal, caindo na TV Record, felizmente não tive o mesmo problema. Nenhuma conversa foi brecada para que se passasse uma mensagem comercial. O único problema é que, pelo esquema do programa, o merchan é feito exatamente antes dos intervalos comerciais. Ou seja, o telespectador sabe que, quando vai começar o merchan, ele pode mudar de canal e voltar depois de uns cinco minutos.
E, nessa dança toda, como ficam os anunciantes? A média de investimento num merchan é de 3 a 10 mil reais por programa para as inserções. Mas será que ele, de fato, é prático? Sinceramente, cada vez menos o que conseguimos ver é o telespectador se lembrar da propaganda que é veiculada dentro do programa.
Do jeito que as coisas se encaminham, a discussão sobre o merchan deverá deixar as escolas de jornalismo e invadir as salas de aula de publicidade. Discutir se jornalista deve ou não fazer propaganda já ficou no passado…
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Amanhã, sexta-feira, o Brasil disputa uma partida amistosa com a seleção da Inglaterra. Será uma partida bastante simbólica, bem dizer. É a primeira partida entre seleções principais no recém-inaugurado estádio de Wembley, aberto ao público depois de uma saga de atrasos e estouros de orçamento. O estádio é bonito, coberto, moderno e elegante. É o mínimo que se pede, uma vez que custou mais de 3 bilhões de reais. Ainda assim, críticas recaem sobre a qualidade do gramado, muito solto, que certamente não condiz com 3 bilhões de reais. Dizem que o mínimo que se pode exigir de um estádio é uma grama decente, não importa o que o circunde. De nada adianta ter um bom lugar para sentar se não há um bom lugar para se jogar.
O que você prefere: Um Wembley atrasado, superfaturado e com problemas no solo ou um Pan atrasado, superfaturado e com problemas no solo?
De qualquer maneira, o simbolismo do Brasil quebrar a champagne de partidas internacionais no casco do novo Wembley, nem de perto tem a importância real que um outro símbolo representado por essa semana de amistosos da seleção. O jogo seguinte à partida de Wembley, em Dortmund, Alemanha, contra a seleção da Turquia, será a vigésima partida seguida da seleção principal fora do país. O último jogo em território nacional foi em 2005, no dia das crianças, 12 de outubro. E só jogou porque foi obrigado, diga-se, uma vez que a partida contra a Venezuela foi pela Eliminatórias da Copa de 2006. A última partida não oficial do Brasil em sua terra de origem foi contra a Guatemala, no dia 24 de abril de 2005, mais de dois anos atrás, realizada em celebração ao aniversário de 40 anos da Rede Globo.
Nada disso é surpresa. A seleção brasileira é uma marca global, e certamente possui mais demanda externa do que interna. Mais certo ainda é a superioridade da disposição de gasto do mercado externo em relação ao mercado interno. Quem paga mais, leva. Regra de mercado.
Também não é surpresa que Londres será palco da seleção pela quarta vez nos últimos nove jogos. Afinal, não existe outro lugar do mundo em que se gaste tanto dinheiro com futebol. E, também, não há outro lugar no mundo, tirando o Brasil, que tenha tanto brasileiro junto. Estimativas sugerem algo entre 80 e 100 mil cidadãos brasileiros morando em Londres. Como uma boa parte desse montante é ilegal, ninguém sabe ao certo. É possível que Boston tenha mais imigrantes brasileiros, mas como por lá não existe futebol, desconsidere-se.
A surpresa, no entanto, fica para a repercussão desse fato. Não é preciso que eu diga aqui que a seleção brasileira não joga há tempos no Brasil para que você perceba isso. Todo mundo sabe que faz tempo que não tem um amistoso por essas bandas. Porém, aparentemente, ninguém se importa muito. O público não se manifesta, a imprensa não fala nada, e o presidente – ou qualquer representante do Estado – sequer comenta. Um comportamento bastante estranho para quem há alguns anos atrás defendia a investigação do poder público na esfera do futebol, a CPI do Futebol, sob a justificativa que “devemos recordar que a importância do futebol em nosso País e o fato de que todos os brasileiros devemos muito a esse esporte – que nos projetou no cenário internacional – impõe-nos a obrigação de cuidar para mantê-lo no elevado patamar que alcançou com a dedicação, o esforço e o suor de muitos compatriotas” (CPI do Futebol, Volume 1, página 12).
Tudo bem que é cada um com seus problemas, e o governo brasileiro ultimamente tem tido bastante, mas ainda assim a passividade da população de um modo geral espanta.
Espanta, mas também sugere.
Uma análise fria sobre esse fenômeno – seleção jogando fora e ninguém reclamando – indica que talvez alguns paradigmas estejam sendo quebrados, na medida em que o país e sua sociedade evoluem. Futebol no Brasil, em especial a identificação com a seleção nacional, não surgiu naturalmente, mas foi uma coisa imposta a todo mundo, principalmente a partir da metade do século XX. Na medida em que o tempo foi avançando, essa imposição estatal do futebol foi diminuindo. Novos esportes, novas condições de acesso e novas tecnologias permitiram que o interesse do cidadão brasileiro fosse sendo diluído em diversas segmentações, raramente compondo um elemento de massa maior. Adicionando a isso uma série de outros fatores, é natural que a identificação do país com a seleção venha sendo diminuída com o passar dos anos.
Concomitantemente a esse fenômeno, houve uma explosão mercadológica global da marca da seleção brasileira. Em tempos de globalização, glocalização e cosmopolitização, nada mais natural que a demanda externa baseada em mercado se superasse a demanda interna baseada em instrumentos simbólicos.
A sociedade brasileira está passando por um intenso processo de mudança, dia após dia.
Essas mudanças podem ter influência direta na demanda pelo futebol.
Um dia, os brasileiros podem deixar de gostar de futebol.
Um dia, os brasileiros podem preferir jogar peteca.
Seria um dia bastante simbólico.
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Os perigos da altitude
A Federação Internacional de Futebol (Fifa) vetou a realização de jogos oficiais internacionais em estádios que estejam situados a mais de 2.500 metros de altitude.
A decisão provocou reações de praticamente todos os países que usufruem da vantagem de jogar em condições que dificultam em graus distintos os jogadores adversários, dependendo da altitude e do perfil biológico e psicológico de cada atleta.
Os estudos que tentam demonstrar os malefícios da prática de exercícios físicos intensos, por pessoas sem adequada adaptação à altitude, variam. O leque vai desde leves sintomas como fadiga excessiva, náuseas, tontura, enjôo até alegação de riscos de morte.
A Bolívia, que possui estádios como o de La Paz, com mais de 3.500 metros, está protestando bastante. Até seu presidente Evo Morales, aficionado pelo futebol, fez um pronunciamento oficial condenando a atitude da FIFA. Já o presidente da Federação Boliviano de Futebol chegou a afirmar que a medida tem conotações políticas e nitidamente discriminatórias.
Peru, Equador, Colômbia e México, em situação semelhante ao da Bolívia, também reclamam da medida que consideram arbitrária.
A Fifa alega que a decisão foi tomada apoiada por razões médicas e que a intenção é proteger a saúde dos jogadores.
O interessante, entretanto, é que o próprio presidente da Fifa, Joseph Blatter, em fevereiro de 2000, defendeu o direito de a Bolívia jogar na altitude. Afirmou ele: “Eu nasci nas montanhas. Meu povo na Suíça está diante das montanhas mais altas da Europa. Por isso não tenho medo da altura”. Esta frase está escrita em uma placa colocada em frente ao Estádio Hernando Siles em La Paz.
Embora quem acompanhe de perto o futebol saiba que alguns atletas enfrentam, de fato, problemas sérios quando vão jogar na altitude, não há como deixar de dar razão aos argumentos de que a medida da Fifa tenha sido discriminatória e arbitrária.
Afinal se é para proteger a saúde dos jogadores por que permitir jogos em Copa do Mundo em horários onde a temperatura ultrapassa os 40 graus?
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Relações perigosas
Eles não podem errar. Têm mais de dez câmeras em cima deles no jogo, esperando o momento de deslize para fazer o julgamento. E, num instante, a vida deles pode virar um inferno por causa de cinco centímetros de diferença.
Com o desenvolvimento da tecnologia no futebol, o trabalho do trio de arbitragem ficou ainda mais difícil. Sem dúvida que erros como aqueles cometidos por Ana Paula de Oliveira no Botafogo x Figueirense já aconteceram inúmeras vezes em jogos do passado, mas a ausência de tira-teimas e diferentes ângulos de câmeras não conseguiram captar a imprecisão do auxiliar.
Agora, porém, além de toda a parafernália tecnológica, os árbitros ganharam mais um “problema” para trabalharem. Cada vez mais parece nítida a intolerância da crítica com os erros de arbitragem. Erros que causam danos irreparáveis, como esta mesma edição 2007 da Copa do Brasil já vitimou Palmeiras, Atlético-MG e agora Botafogo em erros crassos dos árbitros e assistentes.
Obviamente a derrota por um erro do árbitro é doída, ainda mais quando envolve torneio mata-mata. Mas, às vezes, a crítica tem excedido o bom senso. Como na última quarta-feira, quando Ana Paula de Oliveira mais uma vez se envolveu em polêmica por conta de impedimentos mal marcados.
O Botafogo caiu por esses erros, assim como só chegou à semifinal da Copa do Brasil por conta de falha grosseira de Carlos Eugênio Simon no último minuto do jogo decisivo das quartas-de-final contra o Atlético-MG. Erros que acontecem e que fazem parte do futebol. Mas que, cada vez mais, são tratados com intolerância pelo meio do futebol.
Em seu blog, o respeitadíssimo jornalista Juca Kfouri fez as críticas de praxe a Ana Paula de Oliveira pelos erros em Botafogo x Figueirense. Mas incluiu uma informação aos leitores: Ana Paula e o Figueirense são patrocinados pela mesma empresa, a Umbro. De fato isso é verdade. Mas Ana Paula já não havia errado contra o Santos, também patrocinado pela Umbro, no clássico contra o São Paulo?
Juca não fez crítica alguma ao fato de a auxiliar atuar em jogo de clubes patrocinados pela mesma empresa que a usa como garota-propaganda. Mas a simples menção do fato leva a uma interpretação errônea de que ela havia agido de má fé ao marcar impedimento num lance em que não houve. Ou, ainda, todos se esqueceram de que caberia a ela também enxergar falta no lance do segundo gol do Botafogo, que foi ignorado pelo árbitro?
Hoje, ações de má fé de árbitros, pelo menos no Brasil, estão cada vez mais raras. Compras de resultados são casos esporádicos, como os de Edílson Pereira de Carvalho, em 2005. O que existe é erro, cada vez mais detectável. Mas cada vez mais absurdamente condenado.
Ana Paula de Oliveira é, entre todos os árbitros do Brasil, quem mais atrai a atenção da mídia. Logicamente é interessante a uma marca se associar a ela, que é personagem em matérias de revistas de comportamento e, quase sempre, tem fotos estampadas em jornais.
O retorno de exposição que ela garante à Umbro é, provavelmente, o mesmo que a empresa tem ao patrocinar um clube como o Figueirense, que nem sempre está sob mira da grande imprensa. A estratégia da empresa é clara, ter sua imagem ligada a um símbolo sexual do futebol brasileiro.
Cabe aos colegas jornalistas entenderem que o erro faz parte do trabalho dos árbitros. E ter o discernimento, mas não a ingenuidade, de saber que erros acontecem, fazem parte do cotidiano do futebol. E que, com os recursos tecnológicos, ficaram mais fáceis de serem identificados.
Imagine se as câmeras não tivessem mostrado a cabeçada de Zidane em Materazzi? Provavelmente Horacio Elizondo seria considerado um dos maiores ladrões de Copas pelo resto de sua vida.
Mas, se ele não tivesse expulsado Zidane, teria sido apenas um erro ou seria por que a Fifa é patrocinada pela Adidas, que também é patrocinadora dos árbitros e da seleção da França? No estádio, sem o recurso da TV, ninguém entendeu a expulsão do 10 francês na final da Copa…
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Quem Inventa Agüenta
Estava eu a pensar com os meus botões.
Sábios botões eles.
Pensava sobre aquilo que mais tem movimentado a indústria nesse início de Campeonato Brasileiro. Pensava, portanto, em estádios.
Especialmente em estádios para a Copa do Mundo de 2014, o que me levou a pensar sobre toda a estrutura para a Copa de 2014.
Veio a pergunta que todos se fazem: estará o Brasil apto a receber uma Copa do Mundo?
Sempre defendi a idéia de que não. Que 2014 me parece muito cedo. Seria melhor se fosse em 2018, ou em 2022. Hospedar em sete anos me parecia prematuro, um grande desperdício de oportunidade.
Foi quando um dos meus botões me lembrou de uma das mais importantes brincadeiras da minha infância: esconde-esconde. Aquele jogo que uma criança se encosta em algum poste ou coisa do tipo, fecha o olho, conta até cem, mais ou menos, e enquanto isso todas as outras crianças procuram um lugar para se esconder. Ao término da contagem, a criança encostada sai à procura dos escondidos, que por sua vez tem como objetivo se esconder até conseguir uma brecha pra chegar ao local da contagem antes da criança-encostada.
O esconde-esconde moldou e influenciou muitas cabeças infantis. A minha, inclusive. E dos inventores do Lost, provavelmente.
Era uma brincadeira muito divertida, menos pra criança que procurava as outras. Ninguém queria fazer a contagem. Todos queriam se esconder. Por isso, era muito difícil escolher quem era a criança que iniciaria o jogo contando. Afinal, como começar uma brincadeira de esconde-esconde se ninguém quer contar? Voluntariado?
Para tal, foi inventada uma regra, a regra do quem-inventa-agüenta.
Diz a regra do quem-inventa-agüenta que se você sugerir a brincadeira de esconde-esconde, é você quem vai começar contando.
Algo como:
“Vamos brincar de esconde-esconde?”
“Vamos! Quem inventa agüenta!”
“Droga!”
“Êêêêê!”
Essa regra valia pra outras coisas. Valia pro pega-pega. Pro mãe-cola. Pro mãe-cola-americano.
E vale, agora, pra FIFA.
O raciocínio é o seguinte.
Tanto a África do Sul quanto o Brasil só vão receber a Copa do Mundo por causa do rodízio de continentes inventado pela FIFA. Não fosse por ele, dificilmente os dois países conseguiriam fazer frente a eventuais propostas da Austrália, Inglaterra, Índia, China e Canadá.
Pois bem.
Se foi a FIFA quem inventou o rodízio, por que é que a África do Sul e o Brasil precisam se preocupar tanto em oferecer as mesmas condições que a Alemanha, o Japão, a França e os Estados Unidos ofereceram?
Não dá. É impossível. Não vai acontecer.
A Copa da África do Sul tem que ser adequada à África do Sul, do mesmo modo que a Copa de 2014 no Brasil tem que ser adequada ao futebol brasileiro.
O Brasil não precisa se maquiar para os padrões de países desenvolvidos. Tem que mostrar aquilo que é.
Não dá pra fazer estádio muito grande porque vai ter prejuízo no futuro? Não faz.
Não dá pra ter vias de acesso bem feitas para os estádios uma vez que não dá pra ter vias de acesso bem feitas pra qualquer outro lugar? Que se tenham vias de acesso mal-feitas.
Não dá pra garantir a segurança de ninguém perto do estádio porque também não dá pra garantir a segurança quando o carro parar no sinaleiro? Que se tenha o risco da insegurança.
Ou o Brasil muda inteiro pra Copa, ou não muda em nada. O que não pode é haver um desequilíbrio entre aquilo que será apresentado para o mundo por conta de um evento futebolístico controlado por uma entidade privada e aquilo que o país realmente é. O investimento do Estado, principalmente, não pode se restringir em atender à Copa. Tem que atender a todos, em todos os lugares, em todos os setores, sejam eles ligados ao futebol ou não. Somos, ou pretendemos ser, um país de iguais.
Agora, se a FIFA vier reclamar que as estruturas são precárias, que a segurança é fraca e que o país é desorganizado, azar. Ninguém mandou inventar o rodízio de países.
Afinal, como dizem as sábias crianças, quem inventa tem que agüentar.
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