Entenda o ponto cego que bloqueia progressões consistentes
Intrigado pelas instabilidades recorrentes que prevalecem em constante renovação nos clubes de futebol do território brasileiro devido às frequentes decisões superficiais voltadas a tão somente desqualificar treinadores profissionais, este estudo se orientou em revelar os efeitos colaterais desencadeados por transições de comando técnico durante o período competitivo. Curiosamente, muito embora a expectativa original por trás das decisões de mudança de liderança técnica condicione o pensamento convencional a acreditar que exista um suposto atalho ao sucesso, as experiências práticas testemunhadas por 30 profissionais ligados a uma múltipla variedade de comissões técnicas ao longo de suas carreiras no futebol brasileiro e internacional manifestaram uma direção oposta à expectativa dos dirigentes e da opinião pública. Isto é, contrário aos argumentos superficiais defendidos por quem frequentemente descarta treinadores sem embasamento objetivo no país, o desempenho e o rendimento esportivo de uma equipe profissional de futebol tendem a se reprimir, e não a progredir, mediante a volatilidade do seu comando técnico.
Ao encarar uma série de restrições e limitações desafiadoras durante as trocas de treinadores, os profissionais que operam nos bastidores da estrutura esportiva cultivam alternativas inovadoras para assimilarem, lidarem e se ajustarem tanto às rupturas de suas rotinas quanto aos distúrbios causados no processo de evolução coletiva. A escala e a direção desses distúrbios são impulsionadas por distintas combinações de expectativas, práticas de trabalho e comportamentos conflitantes nos domínios individual e coletivo da organização. Fundamentalmente, (uma ou mais) alterações de comando técnico ao longo da mesma temporada moldam uma cultura de restrições contraprodutiva para o clube, cujos efeitos colaterais afetam a mútua colaboração necessária para um melhor desenvolvimento esportivo com o capital humano que sustenta a cadeia de valor da instituição.
Líderes organizacionais que confiam no processo emergente de excelência coletiva tendem a empoderar o potencial humano e promover uma comunicação autêntica, a fim de apoiar uma mudança organizacional positiva. Nesse sentido, uma “mudança positiva” para um clube de futebol profissional representaria uma oportunidade de superar limitações pré-existentes, como os obstáculos já mapeados, antecipados e até bem conhecidos dentro de uma temporada competitiva. Para efeitos práticos, o treinador – aquele que foi inicialmente selecionado e empregado para liderar a equipe principal – receberia a confiança e o respaldo necessários para otimizar as interações com a cadeia de profissionais pertencente à estrutura esportiva da organização. Desse modo, uma “mudança” não deveria ser entendida como uma reposição de nomes em diferentes cargos, seja no posto do treinador ou qualquer outra função dos bastidores, pois tal decisão apenas se manifesta com a finalidade de transferir uma suposta culpa a uma única pessoa (ou grupo de pessoas, no caso de uma demissão de toda a comissão técnica) frente a cenários desafiadores durante a temporada. Pelo contrário, a “mudança” deveria se relacionar ao realinhamento de atitudes e/ou comportamentos entre os colaboradores do clube. Tal situação pode ser percebida como uma tensão positiva que fomenta padrões de aprendizado e inteligência coletiva. Ou seja, quando tratado devidamente como um organismo coletivo, um clube de futebol representa um sistema de tensões que alavanca possibilidades de progressão, em vez de uma entidade estática bloqueada pela reincidência de restrições.
Com base nesse raciocínio, os entrevistados reconheceram que os treinadores dependem prioritariamente de relações prósperas, tanto dentro como fora de campo. Para influenciar os padrões comportamentais de suas equipes, assim como o seu estilo de jogo competitivo mais desejado no contexto do futebol profissional, espera-se que os treinadores tenham condições de se envolver com treinamentos e métodos fluídos, sequenciais e reflexivos como parte do processo esportivo. Dessa forma seria possível oferecer um potencial de construção consistente dentro do clube. Entretanto, tão logo alterações de liderança técnica são impulsionadas com frequência durante a competição, o rendimento esportivo evidentemente demonstra uma contradição entre os distúrbios desencadeados por comandos voláteis e o cenário ideal defendido pelos especialistas das áreas de saúde e desempenho humano.
Dado o senso de urgência, impaciência e vulnerabilidade em que os treinadores profissionais de futebol operam, tensões fundamentais são originadas a partir de diferentes prioridades na relação de um novo treinador com os bastidores da estrutura esportiva. Embora o novo treinador carregue a expectativa de produzir sinais de melhoria imediata (a todo momento enquanto permanecer empregado), os profissionais do clube reconheceram que tensões podem vir à tona devido ao fato do seu foco estar voltado ao desenvolvimento dos jogadores em prazos superiores ao do novo treinador. Além disso, os profissionais também identificaram que, ao invés de transformar tensões em possibilidades de progressão, as trocas de treinadores involuntariamente criam uma cultura de restrições que permeia todos os participantes do processo esportivo. Nesse tipo de cultura contraprodutiva, comportamentos (auto)defensivos que visam reter o poder e o controle prevalecem nítidos entre os líderes da organização, como no caso dos dirigentes de clubes de futebol. Frequentemente, tais comportamentos contribuem para a formação de um sistema subdesenvolvido, cujo rendimento insatisfatório espelha os receios da liderança organizacional em atender novas normas e superar pressões internas. Ou seja, em vez de aceitar os desafios e possibilitar progressões com consistência, a cultura de restrições representa um contexto que reduz o potencial de colaboração humana.
Não se trata tão somente de cessar as oscilações de comando técnico ou de manter o(s) mesmo(s) treinador(es) empregado(s) ao longo da(s) temporada(s). Tal alegação se posicionaria tão superficial e irrealista quanto as decisões de descartes recorrentes e já proliferadas no território brasileiro. Na prática, a continuidade de um processo esportivo se baseia menos na estabilidade e mais na adaptabilidade de interações entre os agentes e suas estruturas. Sem testemunhar esforços mútuos entre a liderança e a rede de conexões internas da organização esportiva, torna-se menos provável que as restrições organizacionais sejam reformatadas rumo a possibilidades de transformação por meio da inteligência coletiva. Por exemplo, um novo treinador pode querer repetir a mesma escalação na sua equipe, utilizando os mesmos jogadores em partidas consecutivas, mas os profissionais da estrutura esportiva devem contabilizar e ponderar as demandas competitivas anteriores, assim como qualquer excesso de viagem ou ausência de descanso que possam conjuntamente afetar a recuperação dos jogadores entre as partidas em questão. Do mesmo modo, um novo treinador pode tentar persuadir um jogador que esteja se recuperando de uma lesão a pular etapas no seu período de transição e logo participar de sessões de treinamento mais intensas no campo, porém os profissionais da estrutura esportiva devem seguir rigorosamente os protocolos e critérios definidos pelas áreas de saúde responsáveis, a fim de assegurar que o jogador retorne ao campo somente quando apresentar as condições mais adequadas e realistas aos seus parâmetros individuais.
Apesar dos entrevistados terem reforçado a importância em saber inspecionar e orientar uma equipe de jogadores como uma complexa rede de interações humanas e movimentos comportamentais no campo (tanto em treinos como em competição), eles também enfatizaram como um novo treinador tende a se guiar por uma mentalidade defensiva na confecção do seu estilo de jogo, utilizando um pensamento convencional que o faz acreditar ser preferencial (e mais provável) evitar derrotas a fim de proteger o seu emprego. Contraditoriamente, entretanto, jogar com o foco na defesa costuma gerar menos controle da bola e condicionar espaços mais apertados para minimizar as ações do adversário, afetando as possibilidades de movimentos criativos com a bola para aumentar a precisão das oportunidades ofensivas durante os jogos.
Seguindo a argumentação dos entrevistados, conforme os novos treinadores priorizam os seus próprios métodos e preferências com o objetivo de reafirmar a sua posição hierárquica na instituição, os profissionais alertaram que repentinas modificações metodológicas representam um fator de risco desnecessário para o desenvolvimento dos jogadores. Particularmente durante a temporada competitiva, há relatos na literatura acadêmica sobre redirecionar a periodização de treinos de força com alternativas mais eficientes na aplicação de cargas segundo as condições individualizadas de cada jogador. Contudo, tanto o tempo disponível para treinamentos quanto o monitoramento de cargas nas sessões de treino são substancialmente afetados no contexto do futebol brasileiro, o que potencialmente leva os especialistas das áreas de saúde e desempenho humano a testemunharem maiores riscos de lesão, danos musculares e estresse fisiológico. Na prática, o processo voltado a monitorar as cargas de treinamento se destaca como um aspecto primordial nos bastidores de uma equipe de alto rendimento, sobretudo a fim de apoiar efetivamente a recuperação fisiológica e psicológica dos jogadores. Portanto, quando as prioridades do clube são subestimadas devido ao favorecimento orientado por trocas de treinadores, a impaciência míope que força resultados inevitavelmente compromete as estratégias de prevenção de lesões e controle de cargas durante a competição.
Canalizando os efeitos colaterais ao domínio individual dos entrevistados, tornou-se revelador como as alterações de comando técnico refletem um fenômeno problemático aos colaboradores do clube, tanto por uma perspectiva profissional quanto pessoal. De um modo geral, os membros dos bastidores da estrutura esportiva absorvem múltiplas ramificações que restringem o seu tempo, a sua confiança e os seus incentivos. Tais restrições travam a condução de tarefas de alta relevância para a organização. Por exemplo, monitorar e instruir apropriadamente os jogadores, resguardar os protocolos internos entre as áreas de apoio à comissão técnica, assim como estimular decisões com base em evidências contextualizadas aos jogadores e à equipe. Na realidade, a pressão absorvida pelos profissionais tende ainda a sofrer sobrecargas devido à incerteza da continuidade de seus empregos, à subjetividade dos estilos de liderança, além de contradições metodológicas originadas pela sucessão de comandos técnicos vulneráveis.
Ameaças iminentes são expostas ao entendimento dos entrevistados tão logo eles compartilham necessidades de apoio junto a novos treinadores que extrapolam a sua resistência frente às práticas já implementadas no clube, prejudicando a qualidade da comunicação interna no processo esportivo. Contraídos por um comportamento que limita o potencial humano ao invés de alavancar oportunidades rumo ao melhor rendimento, torna-se plausível reconhecer como lideranças que favorecem a imposição de metas e opiniões precipitadas acabam por gerar um senso de dúvida, impactando as relações interpessoais entre os profissionais que tentam preservar algum nível de consistência durante a temporada. Lamentavelmente, até mesmo os efeitos prejudiciais às condições de saúde dos colaboradores do clube aparentam passar despercebidos (tanto a eles próprios quanto aos líderes da instituição) conforme as trocas de treinadores se materializam, transportando desafios que ameaçam iniciativas de cuidado pessoal em longo prazo. Nesse cenário de descuido com o ser humano que ocupa distintas funções na estrutura esportiva, destacaram-se o enfraquecimento da (auto)confiança e da motivação, além de potenciais sintomas de esgotamento (burnout).
As noções de colaboração e aprendizagem mútua são reiniciadas a cada substituição de comando técnico. Sobretudo em cenários mais agravantes, caso o novo treinador centralize as decisões e articule ideias conflitantes, os profissionais da estrutura esportiva testemunham restrições em suas tentativas de estabelecer rotinas de trabalho, temporariamente repriorizando suas responsabilidades de modo a se adequarem ao novo regime de liderança. Além disso, o receio imposto por relações menos familiares e o desequilíbrio de poder na hierarquia do clube também atrapalham os esforços dos colaboradores em suas tentativas de harmonizar o ambiente e minimizar discordâncias com a maior cautela possível.
Essencialmente, o inevitável desentrosamento de práticas e comportamentos no trabalho conjunto entre o treinador, a comissão técnica e os demais especialistas das áreas de saúde e desempenho humano empregados pelo clube acaba por exigir e depender do “tempo” como um componente chave à sinergia. A partir do “tempo” como recurso prioritário, o processo que fomenta a excelência coletiva na rede de conexões que circunda o comando técnico poderia, enfim, progredir rumo a um desenvolvimento mais integrado e consistente. No entanto, a realidade que impulsiona as frequentes trocas de treinadores no território brasileiro oferece o “tempo” como um recurso renovável apenas nas oportunidades em que as especulações de curto prazo sejam atendidas com resultados numéricos favoráveis. Caso contrário, os profissionais que transitam nos bastidores demonstraram estar cientes que uma próxima mudança de comando torna-se previsível e que, novamente, acarretará distúrbios nas suas tentativas de construção de hábitos dentro do clube. Visto como os colaboradores são capazes de antecipar a repetição desse mecanismo, eles próprios aparentemente revisam a sua compreensão de práticas institucionais e passam a desempenhar comportamentos adaptáveis às transições de liderança. Isto é, enquanto os efeitos colaterais são negligenciados pelos dirigentes do clube, a ilusão de um atalho ao sucesso é renovada conforme os treinadores entram e saem do comando.
CONCLUSÃO
Este estudo buscou explorar uma área de notável relevância ao desempenho esportivo de uma equipe de futebol no contexto do alto rendimento brasileiro, direcionando o foco da investigação a um ângulo tipicamente ignorado pelas discussões sobre trocas de treinadores profissionais. Em suma, ao analisar os efeitos colaterais que são involuntariamente desencadeados aos domínios coletivo e individual da organização (nesse caso, um clube de futebol), o estudo fez-se valer de depoimentos substanciais para explicar as ramificações escondidas pelas mudanças de comando técnico, cuja reincidência inevitavelmente afeta o desempenho dos jogadores e dos profissionais que transitam nos bastidores da estrutura esportiva do clube. Fundamentalmente, uma cultura de restrições imposta por práticas de trabalho e comportamentos conflitantes revelou como os jogadores tendem a interagir, treinar e atuar durante a temporada competitiva mediante oscilações no regime de liderança. Ademais, os colaboradores que integram a comissão técnica e as áreas de saúde e desempenho humano demonstraram como novos treinadores frequentemente desafiam os seus compromissos, dificultando a construção de rotinas e práticas comportamentais que possam solidificar uma consistência interna ao desenvolvimento de longo prazo.
Embora o estudo justifique a continuidade, a harmonia e o entrosamento das lideranças técnicas junto às instituições que decidiram empregá-las para a condução de (pelo menos) uma mesma temporada, o conteúdo apresentado não pretende acomodar qualquer ingenuidade que possa desconsiderar trocas de profissionais em cenários onde líderes e colaboradores interagem por objetivos coletivos. Visando equipar uma plataforma de argumentação baseada em experiências confiáveis, este estudo revela o impacto colateral gerado por mudanças de treinadores durante a temporada competitiva. Portanto, os líderes organizacionais (nesse caso, os dirigentes dos clubes de futebol do Brasil) deveriam defender, preferencialmente, uma avaliação substancial nos bastidores da estrutura esportiva antes de uma eventual tomada de decisão sobre o treinador do momento. Isto é, ao questionar as potenciais ramificações e consequências internas que podem comprometer o presente e o futuro esportivo da instituição, torna-se mais realista evitar uma turbulência desnecessária aos domínios que valorizam efetivamente as prioridades do clube.
Dentro e fora de campo. Com e sem a bola. O futebol reflete, enfim, um jogo de comportamentos cujo progresso depende do entrosamento entre os seres humanos que colaboram pela mesma cadeia de valor.
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