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A inteligência do jogador de futebol

Não é raro depreciar-se e até ridicularizarem certas declarações dos jogadores de futebol em suas entrevistas à imprensa. Embora haja razões e exemplos de sobra para fundamentar certa ignorância e pobreza cultural que caracterizam tais depoimentos, é preciso destacar que, não raro certas respostas, óbvias ou surpreendentes, escondem, na verdade, uma sabedoria que precisa ser interpretada.

 

Primeiro é preciso considerar que algumas respostas dos atletas visam, prioritariamente, proteger suas privacidades e a relação extremamente hierarquizadas com seus superiores, e não responder objetivamente aquilo que foi perguntado.

 

O futebol, enquanto instituição conserva ainda um caráter bastante autoritário, onde aquele que sai do script tem que ter muita estrutura para suportar as pressões advindas de certas verdades declaradas. E isto não é exclusividade do futebol. Nossa cultura e sociedade são assim.

 

Afonsinho, Sócrates, Romário são exemplos de três gerações de jogadores que buscaram, dentro de certos limites, quebrar esta regra e agüentaram o tranco.

 

Outro fato pouco considerado é que a inteligência de um jogador de futebol não se mede apenas por sua capacidade de verbalizar idéias e pensamentos. A inteligência verbal-lingüística e a inteligência lógico-matemática são apenas dois dos diferentes tipos de inteligência destacados hoje pelas ciências.

 

Se entendermos a inteligência como a capacidade para solucionarmos problemas ou criarmos produtos que sejam valorizados por uma determinada cultura, como nos ensina Howard Gardner, então vamos compreender que ela envolve não só os elementos verbais e lógicos de expressão e raciocínio, como também outros elementos fundamentais do comportamento humano.

 

Temos que considerar também outros tipos de inteligência como a emocional, a espiritual, a visual e espacial entre tantas outras. Todas elas, em diferentes graus, importantes para o desempenho das pessoas, sejam atletas ou não. 

 

No caso do futebol, a inteligência sinestésica ou motora tem papel fundamental. Neste sentido, podemos observar jogadores analfabetos e ignorantes que conseguem encontrar soluções motoras geniais dentro de problemas que surgem dentro do campo.

Para interagir com o autor: medina@universidadedofutebol.com.br

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Milionário compra objetos de Puskas

No dia primeiro de novembro, o milionário húngaro George Budna desembolsou cerca de 340 mil reais para adquirir mais de 100 objetos pessoais do maior jogador de futebol húngaro da história, ex-jogador do Real Madri e um dos maiores artilheiros de todos os tempos, Ferenc Puskas.

 

A coleção do craque estava programada para ser leiloada em Chester, Inglaterra, no dia seguinte. Com a compra, Budna pretende manter a coleção na Hungria para futuramente exibí-la em uma Galeria da Fama do Futebol que será construída em Budapeste.

 

Dentre os objetos adquiridos estão o troféu Chuteira de Ouro que Puskas recebeu da Fifa em homenagem aos seus 83 gols em 84 partidas pela seleção húngara, a medalha de vice-campeão da Copa de 54, e uma camisa da seleção brasileira autografada por Pelé em que se lê “To Puskas Happy Birthday do Amigo Edson Pele”.

 

A família de Puskas vinha há tempos tentando arrecadar dinheiro para o tratamento do ex-jogador, que sofre do Mal de Alzheimer.

 

Recentemente, o Real Madri foi bastante criticado por jogar um amistoso na Hungria na tentativa de ajudar a levantar fundos para o tratamento de seu ex-jogador. Pela presença de seus galáticos em campo, o time espanhol recebeu aproximadamente 350 mil reais dos organizadores. Os fundos levantados para Puskas somaram pouco menos de 30 mil reais.

 

O Real Madri se defende das críticas em relação à distribuição do dinheiro dizendo que desde setembro de 2000 envia mensalmente auxílio financeiro à família de Puskas, que por sua vez argumenta que o nome do ex-jogador foi usurpado para a realização da partida.

 

Pouco tempo após o anúncio dos polêmicos valores envolvidos no amistoso, a mulher de Puskas recebeu dos organizadores a promessa de que irá receber mais 225 mil reais para o tratamento de seu marido.

 

A Fifa também contribuirá financeiramente com o tratamento de Puskas. Apesar da decisão já ter sido anunciada, o valor dessa contribuição ainda está para ser definido.

 

Com a soma dos fundos arrecadados, espera-se poder pagar o tratamento completo do ex-jogador, assim como criar uma fundação em seu nome para pesquisar possíveis tratamentos para a Doença de Alzheimer.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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Treinador ganha jogo?

Embora a figura do treinador no futebol brasileiro seja muito comentada, pouco se discute, com argumentos mais consistentes, o seu real papel no desempenho de um time de futebol.

 

A dúvida, se treinador ganha jogo ou não, está na boca de todo torcedor ou jornalista esportivo, mas mereceria maiores aprofundamentos.

 

Convivo com estes profissionais há mais de 30 anos e posso garantir que os estilos são tão diferentes que fica difícil definir qual seria o perfil ideal. Muitas vezes as características regionais ou a identidade futebolística de um determinado clube favorece este ou aquele tipo de personalidade, inerente a cada treinador. Isto explicaria por que alguns treinadores se dão melhor em alguns lugares do que em outros.

 

Émerson Leão, treinador polêmico, odiado por alguns e reverenciado por outros, afirmou o seguinte: “nos treinamentos, o técnico é empregado dos jogadores, mas nos jogos, os jogadores devem ser meus empregados”.

 

Tal afirmativa evidencia um pouco sua característica de liderança que parece não admitir muitos questionamentos àquilo que está em sua cabeça, pelo menos durante os jogos.

 

Já Carlos Alberto Parreira, treinador da seleção brasileira, teria dificuldade em conduzir os craques que hoje compõem nossa equipe nacional se agisse da mesma forma que Leão. Para lidar com gênios da bola, é preciso dar espaços consideráveis ao talento, para que possam exercer sua criatividade, imaginação e capacidade de improvisação, ingredientes fundamentais para o bom espetáculo e a busca das vitórias.

 

Luiz Felipe Scolari é outro profissional polêmico. Depois de um período de sucesso, utilizando-se de uma postura tendendo ao autoritarismo com seus jogadores, teve, ao longo dos anos, inteligência e sabedoria para se adaptar às responsabilidades crescentes advindas de seu próprio crescimento.Soube modernizar-se procurando um equilíbrio entre aquilo que o jogador de futebol deve seguir à risca e o grau de liberdade que precisam ter para serem mais estéticos e produtivos.

 

Mas afinal, treinador ganha jogo? No esporte coletivo costuma-se utilizar a frase “uma corrente é tão fraca quanto seu elo mais fraco”. O treinador de futebol é parte integrante e decisiva desta corrente em uma equipe e, portanto, também decisivo para os resultados. Neste contexto coletivo, o treinador é fundamental não só nas vitórias quanto nas derrotas. 

Para interagir com o autor: medina@universidadedofutebol.com.br

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A estrela de Weah continua brilhando

Quando eleito presidente do Brasil, era possível enxergar em Lula o perfil ideal de um governante populista. Bastou adequar um pouquinho sua ideologia a uma linha menos radical, que Lula ganhou a eleição, fácil, fácil. Foi até covardia.

 

Lula poderia muito bem ter dito em um de seus inúmeros discursos pré e pós-eleitorais: “Eles estão cobertos por diplomas, mas destruíram nossas vidas. (…) Eu sou como vocês; eu sei o que é passar fome, ou ir pra escola descalço”. Mas não disse.

 

O autor da frase acima é George Manneh Oppong Ousman Weah, 38 anos, ex-jogador de futebol do Milan, Chelsea e PSG, entre outros clubes. Foi eleito o melhor jogador do ano de 1995 pela Fifa e, ao que tudo indica, será o próximo presidente da Libéria.

 

Dentro de uma eleição composta por 22 candidatos, George Weah – também conhecido como Brotha George ou King George – alcançou o primeiro lugar com uma distância relativamente considerável dos seus oponentes. Irá disputar o segundo turno com a economista ex-secretária da ONU e ex-ministra Ellen Johnson-Sirleaf no dia 8 de novembro.

 

Caso ganhe, Weah assumirá a Libéria abalada por um passado recente de conflitos e guerras civis, que se tornaram muito comuns no país. Será, possivelmente, o primeiro presidente sem laços militares a ser eleito no país depois de um longo tempo. Será também o primeiro ex-jogador de futebol do mundo a ser eleito presidente e com um ideal verdadeiramente populista.

 

Brasilidade

 

Lula e Weah têm muito mais em comum do que apenas a retórica populista.

Primeiro é preciso dizer que Weah sempre teve um quê de brasilidade. Quando eleito melhor jogador do mundo, ocupou justamente o espaço entre Romário e Ronaldo. Até hoje é conhecido como o Pelé africano.

 

Ambos são vistos com ressalvas quanto à capacidade intelectual e como candidatos cuja força reside na alta popularidade com as camadas mais baixas da população e na confiança naqueles que os cercam.

 

Também podem possuir o mesmo calcanhar de Aquiles. A confiança em sua base minou Lula. Seguindo o exemplo, Weah já deveria se preparar pro que vem por aí. E pelo que já foi descoberto, coisa boa não deve ser.

 

Pouco tempo atrás, Orishall Goulp, secretário-geral do seu partido, foi forçado a renunciar por denúncias de desvio de dinheiro da Previdência. Sua assessora de imprensa, Margot Cooper, foi afastada do cargo por cobrar propina para agendar entrevistas.

 

Caso Weah realmente venha a ser eleito, não deve demorar muito para que Lula siga sua cartilha diplomática e o convide para um churrasquinho na Granja do Torto. Na hora do futebol, Lula separará os times: aqueles que foram apontados por Deus contra a rapa. Dava até pra chamar o Romário, que é o cara. Mas daí já vai ser covardia.

Para interagir com o autor: maurobeting@universidadedofutebol.com.br

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O futebol diante das adversidades

Horácio, um poeta latino que viveu alguns anos antes de começar a Era Cristã (65 a.C. – 8 a.C.) já naquela época alertava que “a adversidade desperta em nós capacidades que, em outras circunstâncias favoráveis, teriam ficado adormecidas”.

 

Outro dia, assistindo a um programa de televisão que mostrava um trabalho voluntário sobre ação social com detentos, me impressionou o depoimento de uma ex-presidiária, afirmando que sua experiência de trabalho com comercialização de produtos artesanais havia salvado sua vida, tirando-a de uma rotina de 27 anos como traficante de drogas. Chegou a afirmar que a prisão tinha sido uma benção para ela, pois concluiu que muito provavelmente não estaria viva, hoje, se continuasse no mundo do crime.

 

A frase sobre adversidade de Horácio e a conclusão da ex-detenta me levam a refletir um pouco sobre a situação da seleção brasileira. Embora feliz pelos resultados e pelo desempenho que nossos craques têm alcançado nos últimos tempos, preocupa-me o ambiente de exagerado otimismo, euforia e ufanismo que toma conta de todo ambiente futebolístico nestas ocasiões de sucesso.

 

Como amigo de alguns dos membros da comissão técnica da seleção brasileira, sei que eles estão atentos a estes aspectos e já planejam alguns trabalhos que contraponham os efeitos de qualquer exagero de autoconfiança, que pode desembocar num relaxamento na preparação para a Copa do Mundo na Alemanha.

 

Isto seria desastroso para uma competição tão curta como esta. Depoimentos de alguns jogadores mais experientes mostram que, pelo menos nas palavras, eles estão preocupados com este assunto.

 

E é bom que estejam preparados mesmo, pois a história das Copas nos apresenta que ao disputarmos esta competição com amplo favoritismo, o resultado não foi o que desejávamos. Ao contrário, quando a seleção brasileira parte para a Copa, carregada de desconfianças e até desacreditada, parece que a mobilização interna entre os jogadores e a comissão técnica aumenta, dando mais seriedade e foco aos nossos representantes.

 

Torço para que as principais lideranças que conduzem o trabalho da seleção brasileira de futebol, que tanto significado simbólico tem para todos nós, continuem a trabalhar esta questão. Afinal, não apenas os jogadores de futebol costumam se acomodar, quando falta o estímulo da cobrança em um cenário com poucas adversidades. Todos nós humanos, em diferentes graus, somos assim, não é mesmo? 

 

Para interagir com o autor: medina@universidadedofutebol.com.br

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Crises e glórias no futebol brasileiro

O futebol brasileiro vive um momento paradoxal. Há poucos meses conquistamos, com algumas exibições de gala, a Copa das Confederações realizada na Alemanha, como uma avant première da Copa do Mundo de 2006. A façanha brasileira incluiu uma goleada histórica no jogo final contra a poderosa e eterna rival Argentina.

Também há pouco, terminamos a fase sul-americana das eliminatórias para a Copa do Mundo em primeiro lugar, superando novamente a Argentina que liderou a competição praticamente durante todo o tempo. Conquistas como estas nos enchem de orgulho.

Por outro lado, os escândalos na arbitragem, recentemente revelados, provocam descontentamentos, decepções, suspeitas que já comprometem irremediavelmente a nossa principal competição de futebol que é o campeonato brasileiro e, o que é pior, debilitam nossas instituições e o conceito moral de todos nós brasileiros.

Nosso grande patrimônio cultural chamado futebol tem a capacidade de orgulhar até aqueles que não são tão apaixonados por esta modalidade esportiva, mas ao mesmo tempo de envergonhar, diante de tantos escândalos.

Tais constatações nos fazem concluir que o futebol, como metáfora da vida, reflexo de nosso modelo de sociedade, é este fenômeno que nos obriga a conviver com os paradoxos e contradições de nossa existência, onde o lado mágico, criativo, estético, alegre, descontraído, solidário, vitorioso, tem que conviver com o seu lado obscuro, feito de mentiras, corrupção, malandragem, egoísmo e desonestidade.

Deste caldo cultural é que sai a nossa identidade como Nação. E é justamente deste eterno conflito que temos de encontrar as brechas em busca de nossa superação e o nosso desenvolvimento enquanto seres verdadeiramente humanos. 

Esta decisão do caminho a seguir não cai do céu, não vem do governo ou de outra instituição qualquer. É uma decisão que vem lá do fundo da consciência de cada cidadão.

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A função social do futebol

Já afirmei que o futebol nem sempre é sinônimo de saúde, como muitos imaginam. Sempre que abordo este assunto, as pessoas parecem ficar surpresas com este meu ponto de vista sobre o futebol, esporte que sem dúvida é uma das maiores manifestações culturais do século 20 e nada indica que não será assim, também neste século 21.

Muitas pessoas me questionam. “Medina como você, sendo professor e trabalhando no futebol há tanto tempo, pode falar mal do futebol?”

Penso que ter um olhar crítico sobre o futebol não significa necessariamente falar mal dele.  Pelo contrário, toda visão crítica pode contribuir mais para a valorização das práticas esportivas, do que uma visão ufanista ou de senso comum. 

Defendo que precisamos ter a capacidade para aproveitar o enorme potencial do futebol, para realmente assegurar a promoção da saúde, educação e cultura.

Se o esporte em geral, e o futebol em particular, fosse algo bom por si só, que dispensasse a necessária intervenção competente, positiva e pró-ativa de seus agentes, não veríamos em vários momentos exemplos de atletas envolvidos em drogas, atos de violência e corrupção que se repetem dentro e fora dos campos.

Cabe, portanto, àqueles que são os atores responsáveis pelas práticas esportivas, ou seja, treinadores, atletas, líderes comunitários e dirigentes, terem sempre em mente os valores que devem permear o esporte: solidariedade, cooperação, busca de superação dos limites, constante aperfeiçoamento, o espírito democrático,  respeito aos nossos oponentes etc.

Com uma visão crítica que dê mais clareza quanto à forma em que as relações sociais se dão no interior das atividades lúdicas, educativas e competitivas, talvez, possamos realmente entender o esporte e, em especial, o futebol, como um privilegiado instrumento que auxilia o desenvolvimento do ser humano de uma forma geral.

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Futebol e desenvolvimento humano

Acompanhando os acontecimentos no mundo e no Brasil, fico imaginando como poderíamos medir o grau de desenvolvimento que a humanidade atingiu neste início de século 21. E quando falo em desenvolvimento, refiro-me não apenas ao processo de acumulação de riquezas materiais, mas às possibilidades de ascensão das pessoas de uma forma mais ampla, ou seja, também nos aspectos biológico, psicológico, ideológico, cultural, espiritual e social.

 

Somos surpreendidos a cada instante com escândalos de toda ordem que nos fazem questionar se vivemos, realmente, numa sociedade civilizada. 

 

Para aumentar estas dúvidas basta vermos, também, o que acontece no mundo do futebol, onde a busca pela vitória, vantagens pessoais e institucionais, muitas vezes, atropelam qualquer apelo que realmente justifique tudo aquilo que entendemos como civilizado.

 

Esta reflexão me trás à mente uma experiência muito interessante, contada há anos por um antropólogo, sobre o comportamento de um povo selvagem. Disse ele que certa vez visitou, com seu grupo de estudos, uma tribo no Mato Grosso, que nunca teve contato com a cultura civilizada.

 

Ao pesquisar aquela população indígena, buscando entender seus relacionamentos, ele e sua equipe aproveitaram para ensinar algumas práticas de nossa cultura, entre elas o futebol. Os índios gostaram tanto do jogo que começaram a praticá-lo diariamente. 

 

Mas um fato chamou muito a atenção dos antropólogos. Como os índios aprenderam que o grande objetivo da competição era a marcação do gol, quando isto acontecia, de um lado ou de outro, os dois times comemoravam entre si, indistintamente. Afinal alguém atingiu a meta e, portanto, cabia uma celebração coletiva que dispensava o conceito de vencedores e perdedores.

 

Bom, talvez, este modelo “selvagem” de ver o futebol não seja o ideal a ser seguido por nós, chamados “civilizados”, participantes de uma sociedade tão competitiva e focada em resultados, mas com certeza pode nos inspirar a colocar alguns limites nas nossas ambições, muitas vezes exageradas, para não dizer doentias.  

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Charleroi e a revolução do futebol

Uma revolução consiste, basicamente, em uma transformação fundamental de valores, buscando equilibrar o sistema de poderes entre oprimidos e opressores. Coisas que eram, de repente, deixam de ser. Tornam-se outras.

 

Na cultura e na economia, uma revolução demora para se consolidar. Ela acontece de forma lenta, porém constante. Nas instituições sociais e políticas, porém, ela é repentina. De uma hora para outra, tudo muda. Quando não conseguem pacificamente, os oprimidos vão à luta.

 

O futebol volta e meia convive com revoluções. Em sua maioria, elas afetam o jogo em si, seja através das regras – como a do impedimento – ou das táticas – como o WM e o futebol total.

 

O caso Bosman

 

Muito de vez em quando acontecem revoluções que afetam a estrutura do esporte.

Uma destas poucas foi liderada por Jean Marc Bosman, um atacante até então insignificante que jogava pelo também insignificante RFC Liège. Tão insignificante que hoje não mais existe.

 

O jogador reclamou na justiça belga o direito de livre transferência para outro clube no final do seu contrato. Buscava um salário maior, que um clube da segunda divisão – o Dunkerque – estava disposto a bancar. Eles só não estavam dispostos a pagar pelo preço da transferência que o RFC Liège estava pedindo. Bosman não só ganhou a causa como fez com que todo o sistema de transferência de jogadores fosse transformado pela Fifa.

 

Foi criada então a Lei Bosman, que alterou substancialmente o sistema de transferência de jogadores e revolucionou a relação de poderes entre o clube e seus atletas. Os atletas ganharam, os clubes perderam. A Fifa, que não tinha nada a ver com a história, continuou na mesma.

 

Cadeia de poder

 

A cadeia de poder do futebol mundial é bastante simples: a Fifa é o órgão principal, com poderes de alterar leis e definir o calendário de jogos. Quem compõe a Fifa são as confederações continentais, que por sua vez é composta por confederações nacionais. No caso brasileiro, existem ainda as federações estaduais.

 

Dentro dessa cadeia, os clubes não têm voz. São subjugados às diretrizes e delegações dos órgãos citados acima. Possuem, no máximo, papel consultivo. Uma certa opressão, por assim dizer.

 

Revolta dos oprimidos

 

Como todos os oprimidos, eventualmente os clubes começaram a buscar uma revolução. Um espaço para dar o seu grito de liberdade. E por liberdade entenda dinheiro.

 

Primeiramente criaram as ligas, campeonatos independentes formados e organizados pelos clubes e que atendem ao interesses dos próprios. E por interesses entenda dinheiro.

 

Depois, os maiores clubes europeus se uniram e criaram o G14, formado inicialmente por 14 clubes, mas que hoje conta com 18. E deve crescer mais ainda.

 

Apesar de parecer bastante com o Clube dos 13, ambos sendo uma organização formada pelos maiores clubes de um determinado perímetro geográfico, o G14 possui um papel um pouco diferente.

 

Enquanto o C13 cada dia mais se estabelece como uma liga, o G14 funciona como um sindicato. Foi criado para dar uma voz conjunta aos maiores clubes da Europa, um meio deles se inserirem na cadeia de poder do futebol mundial para ter poder decisório de forma a defender seus interesses. E por interesses entenda novamente dinheiro.

 

Liberação de jogadores

 

Um dos grandes conflitos entre os grandes clubes da Europa e a Fifa é a respeito da liberação de jogadores para as seleções nacionais.

 

De acordo com o G14, os clubes são obrigados a liberarem os jogadores para disputar partidas internacionais, muitas v
ezes insignificantes, e não recebem nenhuma compensação financeira por isso. Muito pelo contrário, acabam perdendo dinheiro, uma vez que jogadores voltam cansados e, não raramente, contundidos, ficando impossibilitados de atuar pelos seus clubes, ainda que estes continuem a pagar seus salários.

 

A Fifa, por sua vez, argumenta que já destina parte de sua arrecadação para o desenvolvimento de clubes pelo mundo todo, e que uma compensação financeira por convocações só ajudaria aos principais clubes de futebol, que por si só já são bastante ricos e não precisariam necessariamente de mais essa fonte de renda.

 

O problema é que, por vezes, a contusão de um jogador em um jogo pela sua seleção afeta substancialmente a performance do clube dentro do campeonato, o que também afeta diretamente em outras fontes de renda, como renegociação de patrocínios e possíveis classificações para competições mais rentáveis.

 

Charleroi, um novo caso

 

Foi exatamente o que aconteceu com o Charleroi, um time mediano que disputa a primeira divisão belga. É um novo caso que pode revolucionar novamente a relação de poderes dentro do futebol, desta vez entre os clubes e a Fifa.

 

O Charleroi ia muito bem no campeonato, beirando a classificação para a Champions League, muito por causa de Abdelmajid Oulmers, um talentoso meio-campo marroquino. Tanto talento lhe rendeu uma convocação para a seleção marroquina. Orgulho para ele e para o próprio Charleroi.

 

Mas eis que Oulmers volta da seleção seriamente contundido e fica oito meses afastado dos gramados. O Charleroi, que antes beirava a classificação para a Champions League, termina o campeonato se classificando apenas para a Intertoto, uma competição pequenininha que serve como pré-classificatório pra Copa da Uefa. É disputada por clubes que acabam os principais campeonatos nacionais europeus em posições intermediárias e por clubes de países de menor importância futebolística, como as Ilhas Faroe.

 

Indignados com a perda de um de seus principais jogadores, que conseqüentemente levou à perda de bastante dinheiro, o Charleroi resolveu acionar a Fifa na Justiça belga. Exige ser financeiramente ressarcido pelas conseqüências da convocação de seu jogador para o selecionado marroquino.

 

O G14, que há tempos ansiava por uma oportunidade de acionar a Fifa na justiça para conseguir mudar as regras da compensação financeira por convocações, viu o potencial da briga e ofereceu, voluntariamente, toda a sua ajuda ao Charleroi.

 

O caso agora está na Corte Comercial de Charleroi. Envolve o Charleroi, o G14 e a Fifa. Foi aberto no dia 5 de setembro de 2005 e a audiência está marcada para o dia 6 de março de 2006.

 

É uma briga maior do que parece. Mais do que a compensação financeira por convocações, o G14 busca maior representatividade dos clubes na tomada de decisões dos rumos do futebol mundial. Querem ter poder decisório em questões-chave, como a definição do calendário, pois isso afeta diretamente seus interesses. E por interesses, entenda mais uma vez dinheiro.

 

Caso vença a sua causa, o belga Charleroi transformará toda a estrutura do futebol, tal qual fez o também belga Bosman. Se no caso do segundo a estrutura foi obrigada a dar mais poderes aos jogadores, no caso do primeiro ela dará mais poderes aos clubes.

 

Busca-se, dessa forma, equilibrar o sistema de forças do futebol mundial entre os seus componentes.

 

Busca-se, enfim, uma revolução.

 

Hay que endurecerse sin perder jamás la ternura.

 

Oliver Seitz é relações públicas, pós-graduado em Administração para profissionais do esporte (FGV) e mestrando em Administração de Futebol pela Universidade de Liverpool.

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Profissionalização não garante lisura

O assunto da semana no futebol é, sem dúvida, o escândalo deflagrado em função da revelação do esquema de arranjos de resultados de jogos que beneficiaram financeiramente algumas pessoas.

 

O episódio me fez lembrar do Barão de Itararé que dizia: “o homem que se vende recebe sempre mais do que vale”. O escândalo do apito e a frase do Barão de Itararé nos remete a uma reflexão de caráter eminentemente ético.

 

Será que se os árbitros de futebol fossem profissionais, como sugere alguns, com salários e dedicando-se exclusivamente à sua tarefa de apitar os jogos, as coisas seriam diferentes?

 

Há os que acreditam que sim. Entre eles, encontra-se nada mais nada menos do que Joseph Blatter, o presidente da Fifa, defensor da tese.

 

Para mim é difícil entender esta lógica. Se pensássemos que a profissionalização da arbitragem poderia melhorar a qualidade dos espetáculos, através de uma melhor preparação e concentração dos árbitros, até que poderia concordar.

 

Absurdo

 

Achar, porém, que pelo simples fato do árbitro receber um salário, mais ou menos polpudo, garantiria mais lisura e princípios éticos nas arbitragens é, em outras palavras, admitir que todo homem tem seu preço. Ou, então, tomar, como princípio que o rico é mais honesto e o pobre mais desonesto, o que se constitui num verdadeiro absurdo.

 

Mas, com profissionalismo ou sem profissionalismo, tomara que essas denúncias, que parecem não ter fim em nosso país, sirvam não só para reflexões profundas, mas fundamentalmente, para fortalecermos nossas instituições esportivas e políticas, através dessas experiências dolorosas que somos obrigados a passar. Poderemos, assim, punir corruptos e corruptores, criando-se mecanismos para que fatos semelhantes não se repitam.

 

Se isto ocorrer será o lado positivo de toda esta crise moral a qual fomos submetidos.

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