Por que as equipes brasileiras mostram dificuldades para jogar quando enfrentam equipes da América do Sul que jogam com “duas linhas de quatro jogadores”?
Essa pergunta foi feita por um dos notáveis, do Café dos Notáveis, logo após o 1º jogo entre Palmeiras e Nacional do Uruguai pelas quartas-de-final da Taça Libertadores da América 2009. O jogo terminou empatado (1 a 1). Muito interessante sob vários aspectos.
O futebol brasileiro vive um momento interessante. Do “passado discurso recente” de que no futebol não há mais nada para se “inventar” ao “presente discurso recorrente” de que temos coisas novas para aplicar, um sem número de discussões tem surgido para defender essa ou aquela tese. Jogadores de sucesso internacional vêm sendo repatriados, e tem se tornado comum que, vez ou outra, um deles defenda em público a idéia de que o futebol brasileiro está muito atrasado com relação ao europeu – fora de campo (nenhuma novidade!) e dentro dele.
O posicionamento desses jogadores sobre as questões táticas do jogo comumente causa polêmica. Aqueles mais intelectualizados (poucos!) sustentam facilmente seus argumentos e deixam jornalistas e “especialistas” esportivos sem espaço para seus devaneios “boleirísticos”. Os outros pensam que têm razão, mas não conseguem materializá-la em palavras, e logo são vencidos por retóricas mais incisivas.
Pois bem. Na pergunta inicial do texto, a evidência de um fato: equipes brasileiras têm dificuldades para enfrentar esquemas táticos que estruturam duas linhas de quatro jogadores para marcar. Mas como a questão voltou à tona em função do jogo entre Palmeiras e Nacional do Uruguai, ao invés de falar especialmente das dificuldades das equipes brasileiras em geral, vou falar da equipe do Palmeiras especificamente no jogo mencionado.
Sim, a equipe brasileira teve dificuldades contra o 1-4-4-2 com duas linhas de quatro da equipe uruguaia. Jogadores foram substituídos, mudanças foram feitas e de resultado efetivo… nada!
Em primeiro lugar eu diria que os problemas palmeirenses não estiveram presentes especificamente nas “linhas de quatro” uruguaias, mas sim no fato de que elas (as linhas) foram construídas tendo referências zonais; e aí a minha antiga tese: como confundimos marcação zonal com marcação individual por setor, não sabemos exatamente o que fazer contra marcações zonais – diagnóstico equivocado, remédio errado; como confundimos marcar à zona com jogar à zona, centramos o problema na construção defensiva do adversário e não no jogo em si.
Quando a referência zonal, em um 1-4-4-2 está estruturada em duas “linhas de quatro”, solicita-se à equipe que o aplica uma manutenção permanente das linhas, flutuando de um lado ao outro do campo de jogo de acordo com a posição da bola, sem permitir que elas se quebrem, sofrendo apenas algumas conformações em função das situações criadas pelo adversário.
Uma de suas fragilidades está no espaço “vazio” que surge entre as duas linhas (que é um espaço de responsabilidade dos jogadores das duas linhas, e que por ser uma área de transição entre elas, traz possibilidades de indecisão e quebra na estrutura por parte de quem marca), que se torna, portanto, região intensamente protegida para impedir que a bola penetre nela.
A equipe do Palmeiras aproveitou muito mal essa fragilidade. Foram raros os momentos em que um de seus jogadores ocupou esse espaço (sendo àquele que medianamente o fazia [Keirrison], dando um pouco mais de trabalho à equipe uruguaia, substituído por Luxemburgo).
Para não ter dificuldades em estruturar as suas linhas zonais sem bola no campo de defesa durante as transições defensivas, o Nacional, quando tinha a posse da bola no seu campo de ataque, também se estruturava de forma zonal, mas aí, ao invés do 1-4-4-2 em linha, construía um 1-4-4-2 com um quadrado na “linha” do meio-campo (que era rapidamente desmanchado para transicionar à linha propriamente dita).
E como se não bastassem os problemas que o jogar zonal da equipe uruguaia trouxe ao jogar da equipe brasileira, escapou ainda ao Palmeiras a compreensão para identificar princípios operacionais e regras de ação mais adequadas para a construção do seu atacar, defender e transicionar (por exemplo, apesar de ter como princípio operacional ofensivo a progressão ao ataque – o que poderia parecer adequado para confrontar o princípio operacional de defesa da equipe uruguaia, especialmente a partir da “linha 3”, que era o de impedir progressão – o Palmeiras errou na maior parte do tempo adotando como prin
cípio operacional de transição ofensiva retirar a bola da zona de recuperação/pressão; isso fez a equipe perder tempo para construir sua fase de ataque, permitindo ao Nacional ocupação do espaço equilibrada para cumprir sua organização de defesa).
A partir daí, só restou ao Nacional, direcionar a equipe brasileira para as faixas laterais do campo, ora para forçá-la a circular a bola sem objetividade, ora para encaixar a marcação e recuperar sua posse.
E o pior de tudo é que não percebemos que não é só na Europa, mas alguns de nossos vizinhos já passaram à nossa frente; em modelos, métodos e meios de trabalho. Mas fazer o quê, enquanto tivermos nossos grandes jogadores resolvendo os problemas, que não são deles (no jogo e fora dele), continuaremos ainda perdendo e ganhando sem saber realmente por quê. E aí, bom, aí deixa pra lá…