O ano de 2009 ainda mal chegou à metade e já nos pregou varias peças… Não! Não estou me referindo à queda de Wall Street e a crise que se seguiu à sua derrubada, mas sim à despedida deste mundo de grandes figuras humanas…
Aqueles que acompanham a história de nossa América do Sul receberam com tristeza a notícia do falecimento, dia 19 do mês de maio, do escritor uruguaio Mario Benedetti, “um poeta comunista que traduziu em poemas sua utopia”, segundo palavras estampadas em diário brasileiro.
Dias antes (02), logo no início desse mesmo mês, morria entre nós Augusto Boal, teórico, diretor e dramaturgo expoente do teatro de resistência à ditadura sob o jugo da qual vivemos por 20 anos, desde o golpe à democracia brasileira instado pelos militares em 1º de abril de 1964. Mês e meio antes de seu falecimento (25 de março), o criador do Teatro do Oprimido dizia – por ocasião de sua nomeação como embaixador do teatro pela Unesco – que “atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade, e sim aquele que a transforma!”.
Pois o que isso tem a ver com a Universidade do Futebol e esse canto que nela ocupo? Tudo!
Explico… Tenho acompanhado as recentes peripécias do Corinthians – cá pra nós, superando até as expectativas do mais fervoroso fiel torcedor -, as quais me fizeram lembrar de um cronista que ocupava um espaço semanal na Folha de S. Paulo lá pelo final da década de 70, início da de 80 do século passado (!!), vez ou outra escrevendo sobre uma de suas paixões, qual seja… O Corinthians.
Pois em 1977 – mais exatamente no dia 12 de novembro – Lourenço Diaféria -assim se chamava – se superou, escrevendo o que abaixo transcrevo a vocês.
Ele não faleceu em 2009, mas um pouco antes, em setembro de 2008. Mas como os que acima menciono, faz parte da galeria dos que enaltecem a raça humana!
Antena ligada
Troquei meu televisor em branco e preto por um em cores com controle remoto, para facilitar a vida de meus filhos, que agora, sabe como é, época de provas, estão se virando mais que pião na roda. Imaginem que outro dia um professor teve a coragem de mandar meu filho gavião-da-fiel fazer um trabalho sobre o Sócrates.
Fiquei uma arara.
Em todo caso, apanhei a revista Placar e recomendei que o garoto consultasse os arquivos esportivos aqui da Folha e do Jornal da Tarde. Não é por ser meu filho, mas o guri caprichou do primeiro ao quinto.
Tirou zero.
Puxa, assim também é demais. Resolvi levar um papo com o professor, ver se não era perseguição. O professor foi muito gentil, porém ninguém me tira da cabeça que ele é palmeirense disfarçado de sãopaulino. Garantiu-me que havia ocorrido um equívoco: o Sócrates que ele queria era um craque da redonda que tomou cicuta. Essa é boa. Por que não avisou antes? Como é que vou adivinhar que o homem jogava dopado?
Me manguei, mas o professor percebeu meu azedume. Disse que ia dar uma nova chance.
Falou e disse.
Preveni meu garoto que ficasse de orelha em pé, lá vinha chumbo. Dito e feito. O professor, deixando cair a máscara alviverde, deu uma de periquito campineiro e pediu um trabalho completo sobre o Guarani.
Deixa que eu chuto, falei a meu filho. Pode contar comigo na regra três. Eu mesmo cuido da pesquisa.
Peguei a escalação completa do Guarani, botei o Neneca no gol, fiz a maior apologia do time da terra das andorinhas. Pra me cobrir e não deixar nenhum flanco desguarnecido, telefonei pro meu amigo Antonio Contente, que transa em assuntos culturais e conexos, como seja a imprensa, e pedi por favor que ele me mandasse uma camisa oito autografada. Diretamente de Campinas e pelo malote.
Não é pra falar, mas o trabalho escolar ficou um luxo.
Sem falsa modéstia, estava esperando pro meu filho no mínimo aprovação cum laude e placa de prata, para não dizer medalha de honra ao mérito.
Pois deu zebra.
Começo a desconfiar que o tal professor me armou uma arapuca e entrei fácil, como um otário. O homem deve ser primo do Dicá. Sabem o que o mestre fez? Hem? Querem saber? Deu outro zero pro meu filho. O pior é que não devolveu a camisa oito autografada.
Essa não deixei barato. Fui de peito aberto, às falas.
– Ilustre – eu disse -, com o perdão da palavra, mas que diabo de safadeza vossa senhoria anda arrumando pro meu garoto gavião-da-fiel? Então eu perco tempo, pesquiso, consulto a história gloriosa da equipe campineira, faço a maior zorra com o time do Brinco da Princesa, e o garoto ganha cartão vermelho?
Que grande cínico! O homem me olhou com aqueles olhos de olheiras – acho que tem almoçado e jantado mal, sei lá dizem que professor padece um bocado -, coçou a cabeça, murmurou:
– Foi o senhor que fez a lição?
Fiquei meio sem jeito:
– Bem, fazer não fiz. Dei uma orientação didática. Pai é para essas coisas…
Ele não se comoveu. Ao contrário, foi até rude:
– Se aceita um conselho, para de dar palpite na lição de casa de seu filho. O senhor não conhece nada do Guarani.
Falar isso na minha cara! Tive de agüentar calado. Nunca soube que no diacho do time campineiro figurasse uma dupla de área chamada Peri e Ceci. E com essa constante mudança de técnicos, como podia sacar que o técnico atual é o Zé de Alencar?
– Tá bem – eu disse -, não vamos brigar por tão pouco. O professor pode dar outra oportunidade ao menino?
Deu. O professor quer agora os capítulos completos de um romance, por
coincidência com o mesmo nome do time de Campinas: o Guarani. É qualquer coisa com índio sioux que de repente se vê obrigado a salvar uma mulher biônica das águas da enchente. Deve ser novela em cores. Mas só para complicar a vida de meu filho, o professor não revelou o horário. Porém desta vez ele não me ferra. Pela dica do enredo, que deixou escapar, deve ser mais uma dessas sucessões de cenas de violência que a gente é obrigado a engolir todas as noites na televisão.