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Propor o jogo ou jogar em transição?

Ainda não consegui digerir as alegações que construir um jogo de contra-ataques é mais fácil e seguro que o jogo de posse de bola!
Temos a equivocada impressão que jogar com proposição é atacar sempre e com total domínio do jogo, enquanto em transição só se defende à espera de um lance para decidir. Nem uma coisa, nem outra! Pode-se impor ao adversário com jogos de proposição, transição ou outro qualquer. Além do mais, quase sempre, as equipes apresentam alternância de posturas, por mais que uma domine a outra.
Ao falar neste assunto estamos nos atentando para um míope olhar do futebol brasileiro que, não raro, apresenta soluções infundadas a respeito das ideias de construção do jogo.
No Brasil, praticamos o verdadeiro “samba do crioulo doido” nas escolhas e demissões dos nossos treinadores e só por isso já não seria justo esperar do nosso jogo respostas táticas consistentes em meio a tantas dificuldades.
É fato, na construção do jogo, qualquer modelo necessita de tempo para ser implantado. Se se quer propor o jogo ou jogar em transição será preciso tempo e competência.
Costumamos acreditar que na construção do jogo de proposição é necessário mais tempo de trabalho que no jogo de transições. Ainda que um tenha mais ou menos detalhes que outro, não devemos considerar apenas o tempo como condicionante.
Além disso, erroneamente consideramos que no jogo de transições basta ficar recuado – com o bloco defensivo baixo – e esperar que “uma bola” surja em ação ofensiva para que tenhamos a vitória. Isso não é jogo de transição, é jogar “retrancado”. Que pode ser uma opção. Não tenho nada contra!
Aqui, cabe citar lições que este lindo e complexo jogo nos traz todos os dias: no Grêmio 2X1 Estudiantes, jogo do último 28 de agosto, o time argentino “abdicou de jogar por” quase 90 minutos. Ficou muito na defensiva. Esta nunca será uma proposta de jogar em transição. O Estudiantes esteve entregue à “sorte” e ao massacre gremista por opção ou imposição adversária, não posso afirmar. Mas que isso não é jogo de transição, aí sim, posso fazer! Loteria, talvez!?
Praticar o jogo de transições leva em consideração muitas variáveis táticas a serem treinadas e praticadas. A equipe que se propõe a utilizar essa forma de jogar tem de treinar e fixar conceitos táticos que a permita fazê-lo. Eu diria até que, praticando um jogo de transição, pode-se ter o controle do jogo também. Pensem nisso!
Jogar com proposição de jogo significa jogar com imposição sobre o adversário. Mais ou menos ofensivo, com verticalidade ou horizontalidade no jogo, vai depender de muitas circunstâncias. Sob domínio do oponente, resta à equipe acuada reagir às ações da equipe dominante – vide como reagem os adversários dos times do Guardiola.
Para não ser injusto e parecer mais um tiete deste grande gênio do futebol no século 21, outras equipes pelo mundo têm praticado também o jogo de imposição com muita eficiência. Sejam eles com transição ou proposição de jogo. Costumamos gostar mais do jogo de posse de bola como forma de dominar o adversário. O Guardiola nos ensinou isso também.
Um grande elemento a considerar no jogo de proposição é a competência mental. Muitos esforços, individuais e coletivos, devem ser feitos neste sentido para manter por muito tempo o controle do jogo. Não há como se “desligar”!
Qualquer perfil de jogo demanda vários elementos na sua construção:

  • Elenco de jogadores vocacionado a desempenhar as ideias táticas propostas;
  • Força mental;
  • Método de treinos;
  • Tempo para a construção do jogo;
  • Ideia de jogo – jogo sem ideias é jogo reativo, “pelada”;
  • Dentre muitos outros fatores…

O que poderíamos concluir é que jogar em transição ou com proposição requer alto grau de competência técnica e abrangência de conceitos para a construção de jogos de qualidade. Além do mais, muitos conceitos táticos do jogo são comuns às duas formas de jogar ou outra qualquer que se queira. São princípios táticos do jogo, sem os quais não se tem jogo!
Devido ao desmazelo de pretensos construtores de jogo costumamos ver alguns jogos, que mais parecem outra modalidade esportiva, nunca o futebol. No Brasil mesmo temos desses exemplos.
Depois voltaremos a falar mais do assunto!
Até…
 

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Sobre o treinador que pensa por si

Telê Santana: um exemplo tácito do pensar por si? (Imagem: goal.com)

 
Poucas qualidades são mais saudáveis, para treinadores e treinadoras, do que a capacidade de pensar por si. Não apenas porque os outros já existem, como nos lembrou Oscar Wilde, mas porque o jogo é tão plural, um emaranhado de tamanhas possibilidades, que há espaço para as mais diversas formas de pensar, as mais diversas estratégias e modelos, especialmente se elas forem frutos do processo de afirmação de quem as constrói, se forem um parto de ideias.
Reparem, leitores e leitoras, que vivemos em um tempo de abundância informacional como jamais se viu anteriormente. Treinadoras e treinadores acessam, em um mero toque no smartphone, os mais elaborados relatórios e estatísticas, jogos dos mais diversos campeonatos mundo afora (em tempo real!), aforismos ou análises dos mais diferentes formadores de opinião, brasileiros ou não. As conexões virtuais estão mais afirmadas do que nunca e isso, a priori, seria motivo de regozijo e satisfação, pois estaríamos munidos com aquilo que talvez tenha sido o sonho de muitos dos nossos antepassados profissionais.
Mas, ao mesmo tempo, em que medida o excesso informacional compromete nossa real capacidade de reflexão? Me lembro de uma brilhante crítica de Arthur Schopenhauer (que indico desde já), no seu A Arte de Escrever, quando ele observa que um dos malefícios da leitura compulsiva é que ela, ao longo do tempo, pode afrouxar os músculos mais críticos do leitor, de modo que ele, sem perceber, perca a capacidade de pensar por si. Afinal, quando lemos, visitamos uma outra pessoa, pensamos pelo pensamento dela e, mais tarde, devemos retornar à nossa própria visitação, quando interrompemos a leitura e refletimos, fazemos nossas ponderações, digerimos as palavras do outro como se digere um alimento qualquer. Mas, se lermos sem parar, como poderíamos refletir?
O mesmo raciocínio me parece aplicável à formação de profissionais do futebol, nos mais diversos contextos. É bem verdade que nossa realidade parece outra, na medida em que, infelizmente, nosso tempo dedicado à leitura está cada vez menor – seja no futebol ou fora dele. Mas, ao mesmo tempo, a imagem de Schopenhauer me parece presente, à sua forma. Quando nos entregamos em tamanhos jogos, em tantas entrevistas e modelos de jogo, especialmente não-brasileiros, me parece que corremos um risco bastante razoável, às vezes imperceptível, de um afogamento ideológico. Quando mergulhamos inadvertidamente nas ideias alheias, sem submetê-las ao nosso próprio julgamento, estamos, ao meu ver, cometendo uma razoável violência conosco, com nossa história, nossos valores. Assim como voltamos às nossas residências após visitar uma pessoa querida, não me parece razoável morarmos nas ideias alheias, em detrimento das nossas próprias. É preciso pensar por nós mesmos, amigos e amigas.
Talvez aqui esteja um dos motivos importantes porque, inacreditavelmente, ainda não sejamos treinadores e treinadoras cobiçados pelos europeus. Veja bem, não defendo que sejamos espectadores passivos da agenda futebolística europeia (o que me parece absolutamente pernicioso), mas algo parece desafinado quando nossos atletas despertam tamanho interesse e nós, treinadores, não. É muito provável que os atletas sejam tão visados porque ainda carregam consigo, apesar dos novos tempos, uma herança futebolística que não se perde de uma hora para outra, um patrimônio cultural do qual devemos ser absolutamente orgulhosos, pois o futebol brasileiro talvez tenha causado o maior dos incômodos futebolísticos do século passado, com o drible, a finta e a inteligência que pareciam imbatíveis, e que despertaram o desenvolvimento das mais diversas estratégias e metodologias que pudessem nos superar – o que aconteceu. Ainda que implicitamente, havia ali um jogar próprio, autônomo, que nos caracterizava com nação e que, evidentemente, nos fazia únicos.
Me parece que podemos avançar neste sentido quando pensamos na nossa formação como treinadores e treinadoras. Podemos, sem quaisquer dúvidas, elaborar um pensar futebolístico próprio, um idioma que nos caracterize tanto como nação, quanto como indivíduos. Ao meu ver, passamos por uma pequena involução neste sentido, na medida em que estamos excessivamente admirados com o que se produz lá fora e, em alguma medida, afrouxamos ligeiramente alguns dos nossos mais importantes músculos reflexivos, que se veem perdidos quando precisamos transpassar as ideias de outrem para a nossa prática, o nosso contexto. Imaginem vocês, com a riqueza cultural que nos é peculiar, quantas possibilidades ainda temos para o nosso futebol e para o nosso esporte? Quanta originalidade está aqui, adormecida, à espera de um toque de autonomia que nos faça ser não uma mera cópia alheia, mas a mais elaborada versão do nosso pensar e do nosso ser?
Há um enorme horizonte pela frente, no futebol e fora dele, e é preciso explorá-lo.
Pelos outros e por nós mesmos.

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A Libertadores e a síndrome do escudo policial

Selvageria e retrocesso. Acredito estas duas serem “boas” palavras para resumir as cenas da confusão no Pacaembu no jogo Santos versusIndependiente, pela Taça Libertadores da América. Cadeiras partidas, arremessadas no recinto do jogo, intervenção policial, agressões e inúmeras outras desagradáveis situações que fazem com que o principal torneio sul-americano de clubes jamais possa ser comparado ao maior deles, a Liga dos Campeões da UEFA.

Em primeiro lugar, a entidade máxima da administração do futebol da América do Sul procura trabalhar os seus torneios como um produto (como já foi abordado em outros textos nesta coluna), mas patina em outras situações administrativas que comprometem o planejamento dos clubes para o torneio. Todo o clima criado em função do imbróglio em que o Santos foi envolvido era o prenúncio de uma grande confusão. Foi o que aconteceu.

O Pacaembu durante confusão no jogo Santos x Independiente pela Taça Libertadores (foto: globoesporte.com)

 

Não é de hoje que se a estrutura do futebol da América do Sul passar por uma análise, vê-se que ainda funciona toda com base em interesses, sobretudo políticos e financeiros (em favorecimento de algum grupo). Nesta estrutura, mantém-se no poder aquele que distribui benefícios. Os recebem outros grupos (confederações nacionais e clubes), que sustentam este poder. Quem não entra nesta relação, não é beneficiado. Assim foi com a “Traffic” por muito tempo. Em algum momento os brasileiros diminuíram os benefícios ou deixaram de ajudar e acabaram por trocar esta agência por outra (a argentino-uruguaia “Full Play”). Tempos depois vieram as delações que resultariam na prisão do ex-Presidente e Vice da CONMEBOL (Confederação Sul-Americana de Futebol). Estranho, não?

Sem profissionalismo e visão de mercado (com métodos, execução e resultados) os mais prejudicados são: o torcedor e o atleta, sujeitos a um torneio com critérios questionáveis de participação e que aceita praças esportivas impraticáveis (ambos para favorecimento de pequenos grupos), que prejudicam o espetáculo do futebol. Uma – apenas uma – das consequências é o estereótipo do futebol na América do Sul: o de um jogador prestes a cobrar um escanteio em jogo da Taça Libertadores, protegido por escudos de policiais, contra torcedores inquietos e hostis que são resultado de um desserviço prestado ao futebol. É a “síndrome do escudo policial”.

Diante disso, pensava equivocadamente que avançávamos em termos de gestão e governança do futebol sul-americano. Ledo engano. É preciso questionar e trabalhar ainda mais. Muito mais.

 

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Entre o lance e a suspensão

Bem-vindos ao nosso Entre o Direito e o Esporte” dessa semana! Hoje nós vamos continuar a nossa conversa sobre a Justiça Desportiva. E nessa sexta-feira vamos juntar “o que a Justiça Desportiva julga“ com o “onde a Justiça Desportiva julga” e o “quem a Justiça Desportiva julga”. Na última coluna do nosso mês de agosto vamos dar uma olhada em “como a Justiça Desportiva julga”.
E para deixar tudo mais direto, o nosso mapa de hoje é o seguinte: vamos começar com “o início”, ou seja, como começa um processo lá na tal da JD; depois vamos ver “o meio”, em outras palavras, qual é o passo a passo do julgamento; e fechamos com “o fim”, que é quando a Justiça Desportiva fala “agora já deu”.
Bora lá?
“O início”. Afinal, como que começa um processo da Justiça Desportiva? A regra geral é “com a Procuradoria”. Imagina que você estava jogando bola de fim de semana. Imagina que você estava meio… bravo. Imagina que “sem querer” exagerou e acertou a canela do amigo de cima abaixo. Foi errado e você sabe, ainda mais aos 3 minutos de jogo. A organização viu. Você foi “saído” da partida. Isso foi no grupo de WhatsApp dos “owners” com o cara da organização contando o que aconteceu.
Pois é, no nosso futebol é quase a mesma coisa! Qualquer um pode apresentar (por escrito) uma “notícia de infração disciplinar desportiva” para a Procuradoria – claro, desde que essa pessoa tenha “interesse legítimo” (não adianta ser só um torcedor). Essa notícia pode ser, por exemplo, a súmula ou o relatório de uma partida entregue pelo “responsável da competição”.
Em outras palavras, funciona assim: jogador Ovo do time Oeste fez (insira o fatality aqui) no jogador Vinho do time Galopera. Jogador Ovo foi expulso pelo juiz De Fora. O sr. De Fora escreveu na súmula da partida o que aconteceu. Essa súmula vai para a organização Owner. A organização Owner repassa a Súmula para a Procuradoria do TJD para começar um processo disciplinar.
A Procuradoria concordou que o jogador Ovo deu, na verdade, um babality. E isso merece uma punição de 3 jogos. Assim, a Procuradoria oferece uma denúncia. Essa denúncia vai ter a descrição do que aconteceu (babality no jogador Vinho do time Galopera na competição Polêmica), a qualificação do infrator (jogador Ovo do time Oeste), e o dispositivo supostamente infringido (“thou shall not babalitar”, digo “moço, não pode fazer isso”).
Essa denúncia vai ser recebida pelo Presidente do TJD, do SJTD ou da Comissão Disciplinar respectiva dependendo da competição em que foi feita essa infração e de quem fez a infração. Esse Presidente vai sortear quem vai ser o relator (a “babá” do caso), vai analisar a possibilidade de “suspensão preventiva” (já começa a cumprir o gancho desde ontem), e designa dia e hora para a sessão de instrução e julgamento.
Agora você me diz que “tá, entendi. Mas o que é essa tal de sessão de instrução de julgamento?”. É o tal do “o meio”. E aqui é sempre melhor perguntar na Secretaria, que quem sabe melhor que todo mundo está ali!
Grupo do WhatsApp. Cara da Organização fala o que aconteceu. Um dos “owner” diz que você deveria ficar fora 2 meses. Os “owners” falam sobre o que aconteceu, veem as fotos, perguntam para o “seu João” que estava vendo o jogo do bar, e discutem o seu destino. Decidem pelo 1 mês de suspensão.
É a mesma coisa no mundo da Justiça Desportiva – beleza, não é a mesma coisa mas é a mesma ideia. A Secretaria elabora a “pauta de julgamento” daquela sessão (o que vai ser julgado durante aquele dia), essa “sessão de instrução de julgamento” geralmente é pública (diferente do grupo de WhatsApp), e lá tem uma “ata da sessão” tudo o que acontece (como o WhatsApp aí).
O julgamento do caso jogador Ovo começa com o relator do caso apresentando o seu relatório. Logo depois disso os auditores decidem quais as provas que a Procuradoria e a Defesa podem usar no caso do jogador Ovo. E aí eles ouvem (veem, cheiram…) as provas, que podem ser documentais (súmula da partida), cinematográfica (um filme! Brincadeira, o videotape é suficiente), fonográfica (o fone da rádio que pegou o jogador falando aquela palavra boa), depoimento pessoal (“a bola ia indo, ia indo, e iu. Por isso que acertei a canela do amigo, amigo!”), testemunhal (“seu juiz, eu vi o que aconteceu e eu juro que foi com vontade!”), entre outras (sabe aquela latinha de coca-cola que jogaram no gramado? Então…).
Bom, começou o julgamento e passaram por tudo isso… o que vem depois? Ah, a Procuradoria e a Defesa falam (“sustentação oral”) e ainda sobra um tempo para os tais dos “esclarecimentos” (tipo quando a gente assiste o replay no celular para ter certeza que a gente acha que aquele lance “tava” impedido. Sabe?). Aí, finalmente, começa a votação… um por um vai “escolhendo” (e dando seus motivos para isso) o destino do jogador Ovo. E ele sai de lá com uma decisão.
“E aí é o fim, né?”. Isso… quer dizer, agora a gente vai falar do “o fim”, mas esse ainda não é o fim mesmo – entendeu? Isso tudo só acaba ou com a “execução” de uma “pena” ou com o “vai lá que tá tudo certo”.
Os “owners” avisam no grupo de confirmação que você não vai poder jogar por 1 mês. Você não concorda e pede para que revejam a pena. Eles concordam, falam que vão demorar um pouco mais, e que você pode jogar nesse próximo final de semana porque falta gente para completar o terceiro time. No fim, a suspensão de 1 mês continua e só começa daqui a 2 finais de semana “porque sim”.
Na nossa história do jogador Ovo também tem isso! Ele não concorda com a decisão e pede para o advogado recorrer (pedir para julgarem de novo o caso). E aí o caso sai, por exemplo, da CD do TJD para o Pleno do TJD para julgamento.
Mas… e se a decisão for uma multa de até R$ 1.000,00? Pois é, não pode recorrer. Ah… e se a decisão for do Pleno do STJD? É, em geral, também não vai poder recorrer. Então não é sempre que isso “cola”.
Só que quando rolar pode ter aquele tal do “efeito suspensivo” (mas tem que pedir, viu?) que serve para garantir que um “prejuízo irreparável ou de difícil reparação” não aconteça. E tem que ser “verossímil” (a história tem que convencer) e não pode ter “grave perigo de irreversibilidade”. Bom… imagina essa parte eu vou deixar para você me contar as histórias doseu time. Que tal?
Seja como for, o recurso é julgado… e aí? Ou quem foi julgado sai “sem nenhum problema” ou vai “sofrer uma sanção” (tipo o 1 mês sem jogar). Essa parte é a tal da “execução da pena” – que também pode dar “pano para a manga” com a ideia da prescrição, mas isso fica para outro dia.
Resumindo nosso dia aqui hoje: todo processo tem seu começo, meio e fim. E todo esse rito tem seu procedimento. E esse procedimento está em algum lugar… sim, no Código Brasileiro de Justiça Desportiva! “E mais”, esse CBJD está para mudar… então “a ver” que logo teremos mais notícias.
Por enquanto é isso, convido vocês a continuar no “Entre o Direito e o Esporte” nesse novo mês! Em setembro nós vamos conversar sobre aquele tal do “jogador pizza”. Combinado? Deixo meu convite para falarem comigo por aqui, pelo meu LinkedIn ou pelo meu Twitter. Obrigado e até semana que vem!

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É líder por conta do padrão ou tem padrão por que é líder?

Os torcedores aqui no Brasil têm se acostumado a cobrar de suas equipes ‘padrão de jogo’. E, pouco a pouco o entendimento passa a ser que a distribuição especial em campo (4-4-2, 4-3-3, etc) não tem tanta relevância quanto ao comportamento dos jogadores nas quatro fases do jogo – transição defensiva, transição ofensiva, ataque e defesa – desconsiderando bola parada. Até porque a própria formatação dos jogadores muda se o time está ou com ou sem a bola. E quem tem mais motivos para ficar satisfeito quanto a repetição de padrão é o torcedor do São Paulo.
É possível ver claramente que na equipe de Diego Aguirre há conceitos perfeitamente assimilados por todos no grupo. Sai jogador e entra jogador na equipe titular e podemos ver os mesmos comportamentos. Não discuto beleza em modelo de jogo porque acredito que isso seja muito subjetivo. É claro que encanta ver, por exemplo, os times de Pep Guardiola valorizando a posse de bola e criando chances de gol a partir da geração de elaborados desequilíbrios nos adversários. Mas também vejo traços bonitos em uma defesa marcando em bloco baixo, com linhas bem compactas e saindo em eficazes contra-ataques.
O São Paulo hoje é um time que tem uma defesa muito sólida, que marca por zona, flutuando em função da bola. É verdade que Eder Militão faz falta, mas Bruno Peres tem melhorado na defesa e gerado mais opções ofensivas. No centro da defesa, pode jogar ou Bruno Alves ou Anderson Martins ou Arboleda ou até Rodrigo Caio que a postura é a mesma. Em organização ofensiva, o Tricolor busca as triangulações pelos lados do campo, utilizando Nenê como vértice ao lado de Everton/Rojas e os laterais. Diego Souza tem entendido cada vez mais a função de centroavante, seja se posicionando para finalizar seja para abrir espaço para quem vem de trás.
As transições do líder do Brasileirão também são bem marcantes: Assim que retoma a posse, a equipe procura ou Reinaldo ou Nenê para a execução do passe longo. Everton, Rojas e Diego Souza atacam o espaço e buscam a melhor forma de gerar superioridade numérica de acordo com o balanço defensivo do adversário. Já quando perde a bola, o São Paulo tenta uma leve pressão para temporizar a jogada e logo em seguida busca recompor suas linhas de marcação.
Já tive a oportunidade de entrevistar Diego Aguirre e ele me disse que adotou esse modelo por entender as características dos jogadores. Faz sentido. Toda boa ideia precisa de boa execução e quem dá vida a qualquer modelo de jogo é o atleta. O aspecto emocional do time também conta muito, influenciando diretamente no jeito de jogar e agora será colocado a prova até o final do ano.
O São Paulo tem se mostrado um time confiante, resiliente e persistente. E vai precisar cada vez mais dessa inteligência psicológica porque os adversários estarão cada vez mais sofisticados na análise das forças tricolores e sedentos por bater o líder do campeonato.
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Sobre as sintonias e os ruídos do treinar

Alison Foley conversa com as atletas: como podemos criar um real espaço de diálogo?

 
Tão logo terminou o treinamento, eu estava do lado de fora do campo, à espera dos atletas, quando alguns deles decidiram cobrar faltas. Embora não estivesse no meu planejamento, mostrei-me flexível. Afinal, não apenas se tratava de um interesse bastante razoável (afinal, falamos de um dos chamados momentos do jogo), como era uma chance para que alguns dos atletas tivessem mais alguns minutos de descanso, uma vez que havíamos treinado em intensidade razoavelmente alta para o contexto.
A cada cobrança eu maquinava, em silêncio, sobre as estratégias que me cabiam para que os cobradores melhorassem seus resultados. Como as bolas paradas carecem de oposição (pelo menos oposição direta), me parece que o refinamento pedagógico deve ser duplamente singular: ali, não se trata apenas da relação entre atleta e bola, mas da relação do atleta consigo mesmo, expressa no contato com a bola. Uma cobrança ruim denota algum ruído entre o desejo e o real, uma interferência (não exatamente visível) na sintonia fina necessária para uma cobrança próxima da perfeição. É por isso que não me parece que a mera repetição permita sincero crescimento, não apenas porque a repetição, ali, está distante dos reais constrangimentos do jogo (resultado, torcida, cansaço), como porque a repetição, por si só, não é o que permite que o atleta se questione sobre seus próprios ruídos. Este é o papel do treinador: permitir que o atleta e a equipe encontrem sua mais perfeita sintonia, nos diferentes momentos do jogo. A questão é que as sintonias nunca são as mesmas, e cabe aos treinadores e treinadoras a devida sensibilidade para identificá-las em cada atleta, como veremos abaixo.
Quando os atletas voltaram, segui meu protocolo: abri espaço para que eles se manifestassem sobre o treino. Este deve ser um processo substancialmente valorizado por treinadores e treinadoras, ao menos por dois motivos: primeiro, porque permite que os atletas percebam que são parte do caminho que está sendo pavimentado. Depois, porque construir este espaço presume que o treinador saia de si. Para construir um espaço em que os atletas se sintam realmente autorizados a ser quem são (e não quem treinadores e treinadoras gostariam que fossem), é preciso despir-se dos mais profundos sentimentos de controle, das mais verticais ideias de liderança. É um processo doloroso, mas necessário.
À medida que os atletas se sentem importantes, eles externam suas impressões sobre o modelo de jogo, sobre os espaços ainda presentes na primeira linha defensiva, sobre os momentos em que uma dada equipe não precisa ser tão vertical em transição, talvez possamos apenas retirar a bola da zona de pressão e, então, construir com mais qualidade. Os olhos dos atletas são a extensão dos olhos dos próprios treinadores e treinadoras: eles enxergam coisas que não enxergamos, por ângulos que não nos são acessíveis, sob restrições que podemos inferir, mas não mais sentir como eles sentem. Por isso, a sintonia entre treinadores e treinadoras com seus atletas, e de todos e todas consigo mesmos, superando os ruídos, parecem fundamentais no processo, exatamente para criar os espaços, os ambientes onde podemos, ao nosso modo, ser quem somos. Mas não por nós mesmos. Pela equipe.
Como eu dizia, os atletas fizeram várias observações, algumas delas visíveis para mim durante o treino, outras que, evidentemente, haviam me escapado. Em seguida, fiz outra fala protocolar, pontuando todas as observações anteriores e, na medida do possível, associando com o jogo que estava por vir. Tentei ser o mais breve possível, embora treinadores e treinadoras tenhamos uma tendência, quase que inconsciente, a exercitarmos mais a fala do que a escuta – uma das razões pelas quais temos alguma dificuldade em sermos breves. De qualquer maneira, estava bastante satisfeito, pois a maioria dos atletas havia dito alguma coisa, às vezes eles mesmos questionando os colegas, direta e respeitosamente, sem a minha interferência. Os que não se sentem à vontade falando em público, não necessariamente estão calados: seus sinais estão nas entrelinhas, e talvez sejam identificáveis com o tempo. Quando encaminhava para encerrar minha fala, um último atleta, normalmente calado, pediu um minuto. Concedi, evidentemente.
Afinal, era um atleta com o qual eu contava, sempre muito atento, inteligente, as decisões nitidamente voltadas para a equipe. Pois bem, o atleta começou agradecendo pela compreensão, mas encaminhou a conversa para um outro rumo: disse que estava muito feliz com os treinos e com o grupo, mas que, por razões particulares, não se via competindo – ainda que estivéssemos a pouquíssimos dias do primeiro jogo. Não era uma opinião qualquer: era um comunicado, travestido de agradecimento. Ele estava feliz, estaria conosco nos jogos, mas estaria como um torcedor, pois não mais se sentia à vontade competindo. Foi uma fala breve, embora potente.
Aquilo me pareceu absolutamente brilhante, pois talvez o mesmo não acontecesse em outra circunstância. Havia ali alguma sintonia, ou então o atleta jamais diria, a poucos dias do jogo jogado, com um grupo enxuto, que não estaria disponível para competir. Este, evidentemente, foi um motivo de muito orgulho, não apenas para mim, pois como já observamos, trata-se de uma construção coletiva. Por isso, falando em nome do grupo, achei por bem agradecer ao atleta e, ao mesmo tempo, deixar as portas absolutamente abertas, seja para nos acompanhar como um torcedor, fosse para estar conosco como atleta, caso mudasse de ideia (o que, descobriria mais tarde, não iria acontecer).
Por outro lado, veja que curioso: também havia uma parte de absoluto descompasso entre a minha visão e a do atleta. Embora não estivéssemos no mais alto rendimento, eu jamais considerei que alguns deles, por motivos absolutamente legítimos, poderiam não estar exatamente interessados na competição. Reparem como, ainda que implicitamente, estamos sempre guiados pelo fio do mais profundo rendimento, mesmo que nossos contextos sejam outros, ou ainda que pensemos ter os mais nobres valores. Ali, eu percebi uma lacuna latente, evidentemente invisível até então, mas que mostrava como minha preocupação, mesmo tendo em conta todos os cuidados que pensara ter tomado, estava direcionada para o resultado, de modo que sim, havia e há ruídos entre os atletas e o treinador. Nossa função diária é identificá-los, decifrá-los da mais honesta forma possível, para que seja igualmente honesta nossa relação com os atletas e com o espelho. Como treinador, o que posso fazer hoje para amenizar os ruídos na minha prática?
Terminado o treino, voltei para casa, inquieto.
Dias mais tarde, o atleta estava lá, conosco. Torceu do primeiro ao último instante.
 

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Flamengo e Palmeiras entre as mil que mais arrecadam no Brasil

Flamengo e Palmeiras foram os dois únicos clubes de futebol que entraram na edição especial da revista “Exame” deste mês de agosto: “Melhores e maiores – as 1000 maiores empresas do Brasil”. Entram nesta lista todas as empresas que arrecadaram em 2017 mais de meio bilhão de reais. Entre as mil, o clube carioca está na 844a colocação e o paulista, na 988a posição. Não está ruim, mas podia ser melhor. Antes de tudo: mui grata surpresa ver duas organizações esportivas neste ranking, em um setor há muito pouco tempo marcado por uma incapacidade crônica de arrecadação de recursos.

Rubro-Negros e Alvi-Verdes têm se destacado pela gestão das suas finanças e capacidade de arrecadação. Os flamenguistas reduziram drasticamente as suas dívidas, aos poucos multiplicam seu patrimônio e suas receitas. Os palmeirenses valem-se de um estádio quase sempre repleto. Os dois possuem uma numerosa massa associativa e com poder de consumo bastante alto. Em linhas gerais, a economia do Brasil como um todo se beneficia de possuir uma grande população, relativamente com mais recursos do que antigamente. Simultaneamente, este aumento do poder de consumo e acesso à informação contribuiu para os produtos licenciados estarem ao alcance dos torcedores, com maior ou menor poder aquisitivo.

Torcida do Flamengo (Foto: veja.abril.com.br)

 

Não está ruim, mas podia ser melhor. Esta expressão não é no sentido de exclusivamente Palmeiras e Flamengo poderem estar em melhores colocações na lista, mas sim da capacidade de mais organizações esportivas estarem nela presentes: outros clubes, federações, confederações! O objetivo final de se ter mais receita é consolidar o esporte – e especificamente o futebol – dentro de uma cultura de mercado que celebra as boas práticas de gestão, com base no profissionalismo, na governança, na transparência e sustentabilidade, a fim de que contribua cada vez mais para a economia do país ao criar mais empregos e renda.

Entretanto, isso depende de uma ação conjunta de todas as organizações esportivas (clubes, federações e confederações), para se voltarem mais ao mercado ao deixarem de lado interesses políticos ou de pequenos grupos – por exemplo conquistar acesso e títulos para fortalecer o grupo que está no poder -, que andam na contramão do crescimento. Torcedor quer título? Claro que sim, mas antes disso é unânime querer ver o seu clube tratado com o devido respeito por aqueles que também o amam (os dirigentes).

Diante disso, há os que dizem que futebol não pode ser tratado como negócio. É sim e a revista “Exame” colocou dois entre os mil maiores negócios do país, que procuram em suas práticas respeitar os dois elementos mais importantes do esporte: o atleta (com salários em dia e boas instalações para a execução do seu trabalho) e o torcedor (com transparência e acesso à informação).

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Entre quem é julgado e quem julga

Bem-vindos ao nosso Entre o Direito e o Esporte” dessa sexta-feira! Hoje nós vamos continuar a nossa conversa sobre a Justiça Desportiva, hoje nós vamos juntar o “o que a Justiça Desportiva julga“ com o “onde a Justiça Desportiva julga”, hoje nós vamos dar uma olhada nas pessoas que são o dia a dia desse “jogo fora do jogo”.
E, para deixar tudo mais organizado, a nossa conversa hoje vai passar por três pontos: vamos começar com quem é julgado; depois vamos avançar um pouco mais nesse “quem” e pensar juntos nisso; para fechar com quem mais participa dessa história fora das quatro linhas.
Bora lá?
Afinal, é o seu time que é julgado na Justiça Desportiva? Vai, a gente sabe que não – embora até parece em alguns anos, né! Imagina que é fim de semana, tem aniversário da patroa chegando, e a gente resolve fazer uma torta de limão para cantar aquele parabéns. Nessa hora a gente vai precisar de vários ingredientes… a farinha, o açúcar e a manteiga (no mínimo) para fazer a massa; o leite condensado e o limão para fazer o recheio; e as claras com mais açúcar para fazer a cobertura – e isso sem contar a batedeira e o forno.
No futebol é a mesma coisa! Para o jogo acontecer a gente precisa da massa, do recheio e da cobertura – assim como a gente precisa do forno e da batedeira. E todas essas partes da receita fazem parte do espetáculo e, por isso, podem aparecer na Justiça Desportiva!
As “entidades de prática desportiva” (clubes) são o recheio, as “entidades nacionais e regionais de administração do desporto” (federações) são a massa, e as “ligas e demais entidades compreendidas pelos Sistema Nacional do Desporto” (todo o resto, literalmente. Só chutar que dá para encaixar aí) são a cobertura.
“Tá, beleza… mas tem mais gente aí que vai parar ali na frente do tal do ju… iz?” É, tem. Lembra que eu falei que cada “parte da receita” tem seus ingredientes? Então, aí também vai aparecer o leite condensado, o açúcar, o limão e por aí vai!
No recheio ainda vão aparecer os atletas, os técnicos, os médicos… todo mundo que trabalha em um clube pode aparecer aí! Na massa a gente vai ver de cartola até o funcionário que organiza o calendário de competições de uma federação. E na cobertura vai aparecer de árbitro ao gandula.
A regra geral aqui é: quem fez alguma besteira vai ser julgado. E vai ser julgado pelas mesmas pessoas. Ou seja, do presidente de uma federação estadual de futebol até o gandula de uma partida da série D do campeonato brasileiro.
Só que fica aquela pergunta ainda de… “e quem julga? ” Pois é, o próprio Código Brasileiro de Justiça Desportiva dá a resposta! E, no caso do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) do futebol são 9 membros (conhecidos como auditores) que julgam os casos.
Esses auditores têm que ter “reconhecido saber jurídico desportivo” e “reputação ilibada”. Traduzindo, para estar lá o Código fala que essas pessoas têm que saber (e bem) o CBDJ (a Lei Pelé, o artigo 217 da Constituição, o Estatuto do Torcedor…) e “ser um exemplo”.
E mais! Os auditores do “Pleno” são indicados… e indicados pela “entidade nacional (ou regional, se TJD) de administração do desporto” (CBF, FPF…), pelas “entidades de prática desportiva” (clubes da Série A do Brasileiro no STJD, e clube Série A do Paulistão no TJD paulistano), pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (ou pela seção de cada Estado quando for TJD), pela “entidade representativa dos árbitros” (o sindicato), e pela “entidade representativa dos atletas” (outro sindicato).
Os auditores do “Pleno” indicam os auditores das “Comissões Disciplinares”. Cada Comissão tem 5 auditores, e não para por aí… além de todas essas pessoas que doam seu tempo ao esporte, também aí participam os “advogados dativos” (que são os “defensores” de quem não pode pagar por um advogado), os procuradores (que são nomeados pelo respectivo STJD ou TJD), e a Secretaria (que, aliás, sem as pessoas ai nada acontece!).
Resumindo tudo: a nossa Justiça Desportiva julga muita gente e muita coisa, sim. E, para isso, tem mais um monte de gente que faz parte dessa história para garantir que o nosso futebol “fora das quatro linhas” não seja mais importante que o jogo dentro dessas “quatro linhas”.
Hoje fico por aqui pessoal, e convido vocês a continuar no “Entre o Direito e o Esporte” nessa próxima sexta-feira. Aliás, semana que vem vamos fechar nossa conversa sobre a Justiça Desportiva! Nos vemos na última coluna de agosto para conversar sobre o “como”. Combinado? Deixo meu convite para falarem comigo por aqui, pelo meu LinkedIn ou pelo meu Twitter. Valeu e bom final de semana!
 

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O problema do Corinthians não é Osmar Loss

Temos sempre a tendência de individualizar o futebol, que é um esporte coletivo. E quando falo coletivo não estou me referindo apenas aos onze jogadores. O resultado de uma equipe em campo é fruto de todas as interações que acontecem no clube. Todos têm sua participação no jeito de a equipe jogar: os jogadores, o técnico, os outros membros da comissão técnica, os dirigentes, os médicos, nutricionistas, psicólogos, roupeiros, massagistas, enfim, todos dão a sua contribuição para o que aparece nas quatro linhas como produto final.
Mas dentro da nossa cultura de heróis e vilões há sempre alguém para ser exaltado na vitória e achincalhado na derrota. E a figura do treinador aqui invariavelmente irá permear ou um lado ou o outro. No caso do Corinthians, hoje, há uma vertente cada vez maior que acredita que a saída de Osmar Loss faria as coisas melhorarem. Discordo totalmente.
Devemos relembrar que Loss já chegou recebendo críticas. Claro que infundadas afinal, como podemos criticar um trabalho que nem conhecemos? E o contexto da chegada dele foi bem diferente de quando Fábio Carille foi efetivado. Loss, de repente e no susto, pegou um time campeão brasileiro e bicampeão paulista. Carille, em início de temporada, recebeu um time desfigurado que tinha sofrido demais nas mãos de Oswaldo de Oliveira e Cristovão Borges.
Antes da pausa para a Copa do Mundo fica impossível e injusto emitir qualquer opinião sobre o trabalho de Osmar Loss. E para falar do momento atual não se pode omitir que quatro jogadores titulares deixaram o Corinthians no meio do ano. E chegaram outros que ainda estão se situando não só no clube como no futebol brasileiro, casos de Danilo Avelar e Araos. E a questão é mais complexa do que vender um jogador e contratar outro melhor – apesar que o Corinthians enfraqueceu o seu elenco com as mudanças. Senso de equipe demanda tempo para ser criado. Os jogadores têm que se conhecer, conviver, treinar e jogar juntos.
Reconheço que algumas escolhas de Loss não têm sido as mais adequadas. Não só na escalação inicial como nas substituições durante as partidas. E também ainda vejo dificuldades na execução das ideias de jogo do time, principalmente em organização ofensiva. Mas a análise tem que ser sistêmica. O time campeão brasileiro do final do ano passado não existe mais. Um clube saudável não troca tanto assim de jogador. Por mais que o presidente corintiano Andrés Sanchez tente explicar que está tudo bem no clube. Não posso concordar com isso, não só pelas perdas de jogador e membros da comissão técnica, mas também pela imagem do próprio Andrés tendo que se esconder no banheiro após vencer as eleições. Esse é um retrato que explica bem que o problema da má fase do Corinthians não é apenas o seu treinador.

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Sobre a beleza de um jogar

‘Diego Simeone: uma outra estética do futebol?’ (Foto: Trivela)

 
Muitos são os debates, não exatamente frutíferos, que alimentamos historicamente no futebol brasileiro. Um deles me parece particularmente interessante, aquele que estabelece uma distinção entre jogar bem e jogar bonito. Neste raciocínio, jogar bem e bonito não podem ser sinônimos, pois suas finalidades seriam diferentes: enquanto o jogar bem teria um viés utilitário, resultadista, o jogar bonito seria uma espécie de adorno, um enfeite valorizado por determinados treinadores e treinadoras, que de pouco serviria se não trouxesse consigo o resultado.
Muito bem, comecemos pelo seguinte: a beleza de um jogar é inata? Não, não é. Se o jogar bonito fosse uma qualidade natural do jogo, todas as equipes jogariam de forma absolutamente agradável aos olhos. Mas não é isso que acontece, o que nos leva a crer que a beleza de um jogar, para além de um milagre, é um projeto. Ser um projeto não significa que ela seja um fim em si mesma, pois se fosse, estaria distante da lógica do jogo. A beleza deve estar a serviço de algo maior, deve ser um meio em busca de um determinado fim.
Sendo um projeto, a beleza de um jogar começa no campo das ideias. Treinadores e treinadoras precisam cultivar a própria mente com absoluta diligência, com as mais diversas sementes, especialmente aquelas que estão para além do futebol, pois saber de futebol não basta. A beleza do jogar também está na capacidade de colher o que há de belo em outros espaços e plantá-lo novamente no futebol, adaptá-lo, fazê-lo florescer em um espaço que, via de regra, acostumou-se a ser estéril, uma das razões por que também existe um quê de dissabor na relação do nosso povo com o nosso futebol. Poderíamos nos estender aqui sobre a paixão de Pep Guardiola pelos filmes, de Quique Setíen pelo xadrez, de Ernesto Valverde pela fotografia e diversos outros treinadores, mas não é preciso. Basta que cada um de nós, se quisermos que o jogar das nossas equipes seja belo, façamos um esforço racional para sairmos da ilha, para ir além.
Sabendo que a beleza de um jogar não é inata, é preciso ação. É preciso trabalho e trabalho de qualidade. Em linhas gerais, este trabalho é sinônimo de treino. Treinadores e treinadoras, se quiserem cultivar um jogo bonito, devem ser artistas do treino, devem pintar um quadro único, harmônico (porque é belo), mas não exatamente decifrável: é preciso que nossas sessões de treino gerem incômodo, não um incômodo que repele, mas um incômodo que instiga, que desperte a curiosidade dos atletas para continuar o quadro parcialmente apresentado por treinadoras e treinadores. Ou seja, os treinamentos não morrem em si, não têm respostas certas, mas são quadros pintados em conjunto por treinadores e atletas, visando um bem comum. Assim também se constrói a beleza de um jogar.
Pelo quadro que pintamos até agora, repare que, cada vez mais, o belo e o bom não parecem distantes, mas cada vez mais próximos, eventualmente inseparáveis. Daqui podemos avançar em um outro quesito: a beleza do jogar não reside em um modelo de jogo, apenas. Muito embora, especialmente em um passado recente, tenhamos criado uma espécie de fetiche com relação aos modelos que valorizam a posse, me parece evidente que a beleza do jogar está, em potencial, em todos os modelos e estruturas possíveis. Está nas equipes que jogam a partir da bola, mas também está nas equipes que jogam sem ela. Neste sentido, há algum tempo defendo que Diego Simeone deu uma contribuição admirável à estética do futebol contemporâneo, pois no Atlético de Madrid não apenas o esforço é inegociável (se a beleza de um jogar exige esforço, ela não pode ser inata), como existe uma harmonia visível no movimento defensivo, nos espaços entre os jogadores da mesma linha e, ao mesmo tempo, no espaço entrelinhas, o que significa um controle do tempo e do espaço do jogo realmente admiráveis e que, exatamente por isso, ainda permite inúmeras possibilidades em transição – aqui, repare como Antoine Griezmann é um jogador fundamental, sempre próximo das linhas de defesa, permitindo que o jogo flua em transição ofensiva.
Repare aqui como a beleza de um jogar não está exatamente na forma, mas está na matéria. O que isso significa? Significa que a beleza do jogo (assim como a beleza da vida vivida) não está nas aparências, somente. É preciso que a essência seja construída, uma espécie de beleza intrínseca, que não apenas parece ser, mas que é. Para isso, além do treino de qualidade, é preciso que tenhamos absoluto cuidado com as nossas inspirações. Não é possível um jogar bonito se ficarmos apenas no campo da cópia, pois não se pode copiar algo na sua inteireza, o que faria com que estivéssemos sempre em desvantagem com relação, neste caso, à equipe que nos inspira. Para a beleza de um jogar, ao menos aos meus olhos, é preciso ser quem se é, é preciso ser original: escolher um bom modelo, adequado ao contexto, negociá-lo com jogadores, relembrá-los do modelo tanto quanto possível e, uma vez mais, ser um artista do treino, extraindo beleza e eficiência a cada sessão.
Neste sentido, o jogo bonito guarda consigo uma função pedagógica fundamental. Afinal, o jogo bonito educa o treinador, cujo espírito e sentidos precisam estar afiados para operacionalizar o melhor jogar possível dentro da lógica do jogo. O jogo bonito também educa os atletas, pois a beleza de um jogar, para que seja boa, precisa estar a serviço do grupo, não apenas dos indivíduos. Assim, jogar bonito seria razoavelmente republicano, por assim dizer, pois os atletas agem em função da res publica, da coisa pública, para além das suas vontades individuais. Em quaisquer categorias, a beleza do jogar também educa pais e torcedores, pois talvez o futebol esteja mais próximo da arte do que da ciência, e o jogar bonito tenha consigo uma dimensão de possibilidade, de materialização de um ideal, de superação de quem joga e de quem assiste.
Razão pela qual a beleza de um jogar talvez deva ser mais procurada do que o resultado em si. Pois o resultado, como observamos anteriormente, escapa do nosso controle, como a água sempre escapa pelos dedos de quem tenta segurá-la.
A beleza de um jogar, em linhas gerais, passa por aquilo que podemos controlar.
Sendo assim, ela é possível.