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Porque defendo e gosto tanto de Tite

A avaliação de qualquer trabalho, seja positiva ou negativa, não pode ser rasa e imediata. A cruel rapidez com que se espera resultados no futebol brasileiro vai na contramão disso, eu sei. Porém sempre busco o maior número de elementos para adjetivar jogadores, técnicos, dirigentes e etc. E – resumidamente – é pelo histórico, pela cronologia e pelos pontos fortes e fracos que classifico não só personagens, como também times, clubes e seleções.

Por todo esse conjunto da obra, Tite é o melhor técnico brasileiro. Disparado. E o segundo pelotão aparece muito distante dele. Tite é perfeito? Não, longe disso. Sei que para ele faltam algumas competências para trabalhar na primeira divisão do futebol mundial, que é o cenário europeu. Entretanto nenhum outro treinador nascido em solo nacional reúne tantas habilidades como o atual comandante da nossa seleção.

Para facilitar o entendimento, divido as competências de um técnico em duas partes: a primeira é a de campo. Conhecimentos de jogo, sistemas, táticas, metodologia de treino, intervenção durante uma partida, etc. A segunda se refere a gestão do ambiente: comunicação, liderança, relacionamentos, etc. E quando coloco Tite como o melhor que temos nessas duas esferas, gosto de salientar o esforço pessoal dele em aprimorar todas as competências necessárias para aumentar a probabilidade de sucesso.  Acompanho a carreira de Tite desde 2001, quando chegou com o Grêmio ao título da Copa do Brasil. E é nítido que há quase vinte anos atrás ele não dominava tantos princípios e subprincípios ofensivos como agora. E que a comunicação dele, um pouco professoral à época, não causava os efeitos positivos na maioria dos atletas como agora.  

O cargo de técnico da seleção tem uma exposição acima do normal. Os extremos, principalmente os negativos, aparecem muito – basta um jogo ruim ou uma convocação discutível, para aparecer uma avalanche de críticas. Mas com toda a frieza que uma análise como essa requer, ratifico: Tite é o profissional mais completo que temos. E o que é legal, ele não nasceu assim. Se esforçou para evoluir. E hoje merece estar onde está. 

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol

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Renegociação das dívidas tributárias no futebol

Em abril de 2020 entrou em vigor a Lei Federal nº 13.988/2020, denominada “Lei do Contribuinte Legal”, que prevê requisitos e condições especiais para viabilizar as transações tributárias entre contribuintes – clubes de futebol e a União Federal, e a negociarem os débitos tributários federais inscritos em dívida ativa ou objeto de contencioso judicial ou administrativo.

O objetivo da Lei é permitir que os bons pagadores, ou seja, aqueles que muito embora não possam, momentaneamente, arcar com seus débitos tributários, encontrem maneiras flexíveis e que enquadrem a sua realidade atual de maneira a renegociar os débitos tributários, possibilitando uma redução de até 50%referentes a descontos nos juros e multas. Para isso, basta que os clubes não sejam considerados infratores contumazes.

Trata-se da primeira lei brasileira que regulamenta o instituto da transação em matéria tributária, previsto no artigo 171 do Código Tributário Nacional – CTN, e faz parte da reforma tributária que se pretende implementar no Brasil, atendendo à produção, com a restauração da confiança e diminuição da interferência do Estado na economia.

A transação tributária tem como principal objetivo a redução de litígios tributários, promovendo a extinção de créditos tributários federais objeto de discussão, estimulando o contribuinte – clubes de futebol – a desistir da discussão em troca de uma redução no valor dos consectários da dívida.

Cabe ressaltar que a transação não se equipara a uma anistia ou parcelamento incentivado, como os diversos programas propostos nos últimos anos. Isto porque os referidos programas visavam a atingir determinados períodos de débitos, bem como tinham prazo para adesão. Caso não fosse feita a adesão e posterior consolidação dos débitos nos prazos previstos, os contribuintes não poderiam se beneficiar dos descontos de juros e multa, prazos alargados de parcelamento, dentre outros benefícios previstos pelos referidos programas.

A lei 13.988/20 dispõe sobre três modalidades de transação:

i) por proposta individual ou por adesão, na cobrança de créditos inscritos na dívida ativa da União, de suas autarquias e fundações públicas, ou na cobrança de créditos que seja de competência da Procuradoria-Geral da União,

ii) por adesão, nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário, e

iii) por adesão no contencioso administrativo tributário de pequeno valor.

A proposta de transação deverá expor os meios para extinção do passivo tributário e estará condicionada, no mínimo, à assunção pelo devedor dos compromissos de:

i) Não utilizar a transação de forma abusiva, com a finalidade de limitar, falsear ou prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa econômica;

ii) não utilizar pessoa natural ou jurídica interposta para ocultar ou dissimular a origem ou a destinação de bens, de direitos e de valores, os seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários de seus atos, em prejuízo da Fazenda Pública federal;

iii) não alienar nem onerar bens ou direitos sem a devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente, quando exigido em lei;

iv) desistir das impugnações ou dos recursos administrativos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação e renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem as referidas impugnações ou recursos; e

v) renunciar a quaisquer alegações de direito, atuais ou futuras, sobre as quais se fundem ações judiciais, inclusive as coletivas, ou recursos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação, por meio de requerimento de extinção do respectivo processo com resolução de mérito, nos termos da alínea c do inciso III do caput do art. 487 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

Nesse contexto, o ultimo case de sucesso sobre a transação tributária ocorreu com o Cruzeiro Esporte Clube que foi excluído do Programa de Modernização da Gestão e Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro – Profut, ao deixar de cumprir com os requisitos mínimos do programa, qual sejam, deixar de quitar três ou mais parcelas sucessivas ou de maneira alternada de modo recorrente.

Após a exclusão, o Clube procurou vias para sanar o passivo tributário e, ao analisar a Lei Federal 13.998/2020, vislumbrou a possibilidade de renegociar a dívida ativa e, consequentemente, reduzir o débito.

Para aderir a Lei 13.998/2020, o Clube precisou assumir alguns compromissos como a alienação de bens, renunciar todos os recursos às execuções fiscais, dentre outros requisitos que citamos acima, ao passo que a renegociação reduziu cerca de 45% da dívida do Clube, o que configura cerca de R$ 151.798.099 de um valor total estimado de R$ 334.182.840,98. O saldo restante a pagar foi parcelado em 145 meses, com as 12 primeiras parcelas no valor aproximado de R$ 350 mil mensais. Passados esses doze meses, as parcelas teriam valores progressivos, conforme informou o clube.

Como no case de sucesso citado acima, a legislação trouxe novas possibilidades de renegociações entre os Clubes para com a União. Para que isso se concretize, basta que os interessados cumpram os requisitos e apresentem uma proposta formal para que a União aceite o acordo de uma transação tributária, e, principalmente, os gestores do futebol brasileiro sejam finalmente compromissados com as finanças dos respectivos clubes que gerenciam.

Imagem destacada: Gustavo Aleixo/Cruzeiro/Divulgação

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol

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O ataque do River de Marcelo Gallardo – A criação das jogadas

Na semana passada, iniciamos a nossa série sobre o ataque do River Plate do técnico Marcelo Gallardo discutindo a fase da construção das jogadas ofensivas da equipe. No texto de hoje vamos explorar o momento da criação das jogadas, nas zonas intermediárias onde as ações são realizadas com o intuito de propiciar as situações mais vantajosas na fase de finalização das jogadas ofensivas, que discutiremos na próxima semana.

Nessa fase a equipe do River preferencialmente inicia suas interações a partir de uma estrutura de segurança e circulação da bola utilizando três jogadores por trás, variando entre: médio + centrais (maior freqüência em 2018/2019) ou centrais + um dos laterais mais utilizado em 2014/2015. Essa estrutura favorece o avanço dos laterais em amplitude e permite a interação deles com os médios e atacantes para combinar jogadas pelos lados do campo. Veja alguns exemplos a seguir

Imagens: Reprodução/Jonathan Silva

A equipe argentina variou os jogadores que compunham a estrutura de segurança e circulação de bola nos três jogos analisados. Em 2014 ao alternar o lado do campo para atacar um dos laterais fechava pelo centro para liberar o lateral oposto, na figura 11 podemos ver Mercado fechando o corredor central e Casco avançando pela esquerda.

Já em 2018 a variação na utilização do médio “guardião” da região central Enzo Pérez que na figura 12 se posiciona entre os centrais e os laterais Casco e Montiel avançam, essa disposição oferece liberdade posicional para os médios Quintero e Palacios para flutuar pelos lados do campo e receber a bola de frente para o gol adversário.

Na figura 13, Enzo Pérez se posiciona ao lado de Maidana também permitindo o avanço de Montiel e Casco ao mesmo tempo pelos corredores laterais com mais segurança.

Organizando-se em 3 para iniciar seu ataque o River consegue não somente permitir o avanço dos seus laterais, mas também construir uma vantagem numérica diante de adversários que se organizam com atacantes numa estrutura de pressão.

Grêmio e Boca Juniors, foram equipes que escolheram essa alternativa e tiveram muitas dificuldades para recuperar a bola nessa zona do campo.

Ao estruturar-se com 3 apoios de segurança e circulação, os médios de Gallardo ficam livres para flutuar em diferentes espaços e permitindo interagir com os laterais que ganham profundidade. Outro benefício é que os médios controlam a bola de frente para a defesa adversária e conseguem ter uma visão de como está a situação dos atacantes que oferecem opções pelo centro; além de servir de apoios de segurança e circulação aos laterais para mudar o ponto de ataque com passes curtos ou longos em diagonal. Vejam dois exemplos dessas relações em jogos de 2014 E 2015

Imagens: Reprodução/Jonathan Silva

Nas figuras 14 e 15 podemos ver o médio Pisculichi localizado nas regiões laterais pelo lado direito para pode ter conexões de amplitude e profundidade.

Nas imagens abaixo de 2018 os médios se oferecem como apoio de segurança aos laterais caso não haja a progressão pelo lado. Ao serem acionados podem mudar o ponto de ataque com passes curtos (Figuras 16 e 17) ou longos em diagonal (Figura 18).

Imagens: Reprodução/Jonathan Silva

Essa estruturação posicional permite a equipe de Gallardo manter uma boa interação dos laterais com os atacantes para combinar jogadas pelo lado e garantir profundidade para atingir espaços nas costas da última linha defensiva do rival. Outro benefício, é que exige que o adversário recue para manter uma contenção e proteção segura, o que permite mais controle a equipe argentina e mais espaços livres para agredir e chegar ao gol adversário.

Imagem: Reprodução/Jonathan Silva

Na figura 19 de 2019 temos uma visão ampla dessa fase de disposição posicional. As opções de amplitude são estabelecidas com jogadores de características diferentes. O lateral Montiel está aberto pela direita como opção para progredir por fora e interagir com Nacho Fernandez.

Nas figuras 20 e 21 vemos o contrário, o lateral esquerdo Vangioni está por dentro e o atacante Cavenaghi está por fora, uma relação clara de alternância de largura. O cruzamento de Vangioni encontra Alario dentro da área que faz o primeiro gol da primeira conquista de Libertadores de Gallardo.

Imagens: Reprodução/Jonathan Silva

Nas figuras 22 e 23 o lateral Mercado se posiciona em amplitude enquanto Sanchez se projeta para o espaço de fundo do corredor lateral, atacando o intervalo entre o lateral e zagueiros da equipe colombiana, ao ser perseguido pelo zagueiro um espaço valioso é aberto na linha defensiva do Atlético Nacional. Ao mesmo tempo Alario e Mora se colocam como apoios de fixação pelo interior aguardando um cruzamento futuro para dentro da área.

Imagens: Reprodução/Jonathan Silva

Nas imagens 24 e 25 temos a variação da posição de amplitude, desta vez Sanchez está localizado mais aberto, enquanto o lateral Mercado se projeta pelo por dentro buscando o espaço nas costas da linha defensiva do LDU e novamente os atacantes Mora e Alario pelo centro invadem a área aguardando um cruzamento do lateral. Com essas combinações a equipe argentina vai ganhando profundidade e atacando espaços valiosos para concluir as jogadas.

Imagens: Reprodução/Jonathan Silva

Na próxima parte da série, que será publicada no próximo domingo, serão analisados os comportamentos do River Plate na fase de finalização do ataque.

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Sobre o jogo de futebol como um jogo de distração

Não faz muito tempo, falamos aqui sobre algumas características do jogador inteligente. Num primeiro momento, escrevi um pouco mais diretamente sobre a capacidade de ler nas entrelinhas, e a importância disso no jogo jogado. Outro dia, usei como exemplo o gol do Jordi Alba no jogo entre Espanha x Itália, em 2012, para ilustrar meu ponto: lendo as entrelinhas, Alba viu além.

Hoje, gostaria de acrescentar uma outra característica importante do jogador inteligente, que é a capacidade de distrair. De distrair para atrair ou, até antes disso, de perceber o jogo de futebol como um jogo de distração, no qual estamos constantemente buscando distrair o adversário, sem perder de vista as nossas intenções coletivas. Deixem-me falar um pouco melhor sobre isso.

***

Durante o período de quarentena, Daniel Alves fez uma live muito interessante com Bernardinho, treinador multicampeão no voleibol brasileiro e mundial. Num certo momento, Dani Alves relembra uma história de quando Guardiola disse, literalmente, que iria ensiná-lo a jogar sem bola. O próprio Dani diz não ter entendido – como assim seria possível jogar bem sem a bola? – afinal, é com a bola que jogamos futebol! Mas, na sequência, Guardiola teria ilustrado um pouco do que entende do jogo de futebol e, especialmente, um pouco do que pode ser o jogo de futebol quando pensamos a partir da distração. Segundo o próprio Dani Alves:

“Por exemplo, uma vez o Guardiola chegou pra mim, falou assim: ‘Dani, eu vou te ensinar uma coisa: vou te ensinar a jogar sem bola’. (…) Ele falou assim: ‘a bola tem que estar no pé do Messi, do Iniesta, do Xavi, porque eles são a distração. E você ataca o espaço sempre deixado por eles.’ Então eu comecei a entender ‘cara, eu não preciso estar com a bola no pé todo o tempo… eles precisam estar com a bola no pé todo o tempo!’ (…) Então é um jogo de distração (…) a bola distrai e quem é inteligente ocupa os espaços deixados.”

Quando pensamos no jogador inteligente, talvez fique subentendido que o jogador inteligente, de alguma forma, seja um tipo de protagonista, ou pelo menos tenha a responsabilidade de ser o protagonista, mas num jogo coletivo, com tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, não precisa ser necessariamente assim. O jogador inteligente pode muito bem não ser um protagonista com a bola, não porque não saiba ou não queira, mas porque entende que talvez outros atletas sejam ainda melhores com a bola do que ele, e que isso não vai limitá-lo, mas vai fazer dele ainda melhor do que é. Messi, Iniesta e Xavi – que não eram apenas eles, separados, mas as relações que faziam entre eles, juntos – decidiam muitos jogos, e justamente por isso atraiam tanta atenção dos adversários que, além de atrair, também eram capazes de distrair: abriam espaços para que os outros decidissem. Como dissemos antes, atrair para distrair.

Tenho trabalhado isso de uma forma bastante insistente com meus atletas já há algum tempo, especialmente nos jogos de manutenção da posse com restrição de toques. Vejam bem, quando fazemos um jogo de manutenção da posse – vamos supor um 6 v 6 num espaço de 40m x 30m – com um toque apenas na bola, é claro que ganhamos algum requinte de ritmo na circulação da posse, assim como refinamos a tomada de decisão, a importância do perfilamento o corpo e etc, mas também abrimos mão de algumas coisas, e uma delas é precisamente a possibilidade de distrair a partir do domínio. Num jogo de dois toques, por exemplo, fica muito mais claro o quanto a bola é uma isca, e o simples fato de dominá-la (bem) é capaz de atrair o adversário – exatamente para distrai-lo. O simples fato de retirá-lo de onde está em direção a bola pode abrir, às suas costas, o espaços de que precisamos para progredir. Domínio, atração, distração, passe.

Ao mesmo tempo, talvez o que também faça uma grande diferença para o jogador inteligente seja essa capacidade dupla, de tanto distrair para o outro, quanto de permitir, de acordo a situação do jogo, que o outro distraia para si. Nos dois casos, há uma ponte que os une: é preciso pensar no depois. Não é que a distração seja um fim nela mesma, é um meio para se chegar em algum outro lugar uma, duas, ou várias jogadas adiante. Neste sentido, a analogia com os jogadores de xadrez, que aparece logo nas primeiros linhas do livro Guardiola Confidencial – quando é relatado um encontro de Pep Guardiola com Garry Kasparov, é de fato muito verdadeira: o jogador de xadrez antevê diversos padrões do jogo, está pensando várias jogadas adiante e é capaz de fazer isso intuitivamente. É disso que também se trata o processo formativo: da capacidade de fazermos dos atletas tão atentos ao presente que são, inclusive, capazes de pensar repetidamente sobre o futuro sem distanciar-se dos problemas do instante. Não deixa de ser uma arte.

Como é uma arte todo o processo formativo – mas vamos falando sobre isso aos pouquinhos.

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A injusta demissão de Domenec no Flamengo

Que a fase do Flamengo não é das melhores está a vista de todos. Os números e o próprio desempenho escancaram isso – números, aqui, me refiro especificamente aos defensivos, em uma análise simples e quantitativa dos gols tomados e ao desempenho falo de uma análise mais qualitativa, envolvendo toda a complexidade do jogo, nos aspectos técnicos, táticos, físicos e emocionais.

É extremamente injusto e contraproducente comparar o Flamengo de Domenec Torrent com o de Jorge Jesus. Eu poderia fazer um texto enorme discorrendo sobre as diferenças de modelo de jogo, princípios e subprincípios ofensivos, defensivos e de transições, mas isso não é o que mais explica o atual momento do clube.

Domenec Torrent em ação pelo Flamengo. Crédito: Redes sociais do treinador/Divulgação

Na nossa cultura individualista de analisar o jogo o mais fácil é apontar que bastava Domenec dar sequência ao trabalho de Jesus que os resultados e performance seriam os mesmos. Porém se no futebol “antigo” isso até poderia funcionar já que diante de inúmeros talentos o bom técnico era aquele que menos atrapalhava, nos dias de hoje essa análise se torna rasa demais. O coletivo se sobressai mais do que nunca. E se estamos discutindo algo tão imprevisível, aleatório, complexo e humano como é o jogo de futebol, nunca podemos apontar um único problema e muito menos uma única solução.

Em um ano tão atípico, com o calendário cruelmente apertado e com casos de Covid explodindo em todos os elencos, a análise tem que ter um viés de complexidade ainda mais aguçado.Que tal se ao invés de falarmos sobre o Jogo de Posição não falássemos sobre relacionamento interpessoal entre Domenec e os jogadores? Ou então se no lugar de só constatarmos a defesa mais exposta não questionassemos se a fome e o espírito do grupo estão sendo tão estimulados como Jorge Jesus fazia? Ou até ampliarmos o debate para a liderança e a comunicação do ex-técnico flamenguista, se ela não gerava um impacto tão positivo como era com o treinador português? 

Que fique claro: sou um apaixonado por tática. Leio, estudo, vou atrás de tudo o que envolve essa vertente do jogo. Mas quanto mais estudo tática mais vejo que só ela não responde a todos os problemas.

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O impacto das mudanças de comando técnico no futebol brasileiro – possíveis caminhos

A partir de uma reflexão crítica sobre a alta rotatividade de treinadores no futebol brasileiro, nosso estudo investigou as principais causas e consequências das mudanças de comando técnico no Brasileirão por meio de uma avaliação econométrica compreensiva, cujos dados contemplam 16 temporadas (2003 a 2018). Respeitando regras, parâmetros e testes estatísticos estabelecidos pela metodologia científica que já reconhecemos na literatura de administração e economia do esporte (reunindo estudos similares em 15 países), chegamos a evidências contextualizadas à realidade do Brasil.

Durante o período da nossa amostra o Brasileirão apresentou taxas de mudança de comando técnico muito superiores a outras importantes ligas da Europa e América do Sul (conforme ilustrado na PARTE 1). Além dos números absolutos e relativos de trocas ao longo das 16 temporadas sob observação, também chamou a nossa atenção a incidência de treinadores repetidos em cada ano (22,7% em média), bem como a consistência de oportunidades a novos entrantes em cada edição da liga nacional (34,6% em média). Mesmo antes dos cálculos estatísticos, já foi possível perceber o alto nível de insegurança e volatilidade que os treinadores de futebol vivenciam no território nacional.

Ao avaliar as causas (PARTE 2), identificamos que o rendimento esportivo da equipe numa janela de 4 jogos sequenciais representa um sério indicador que afeta a permanência do treinador no cargo, evidenciando uma mentalidade de curtíssimo prazo por parte de dirigentes no Brasil. Já as expectativas por resultados positivos não apenas aparentam ser superestimadas pelos clubes, como também reforçam a miopia e a atitude especulativa na tomada de decisão sobre a continuidade do treinador na função. E de forma surpreendente, o desempenho em competições paralelas destacou-se como o fator de maior influência ao determinar mudanças de comando técnico no Brasil, já que uma eliminação da Copa Libertadores basicamente se traduz em uma rescisão contratual durante a liga nacional (muito embora as competições tenham formatos de disputa distintos sob um viés de alto rendimento no esporte).

Considerando o real impacto da rotatividade de treinadores e as consequências sobre o rendimento esportivo (PARTE 3), somente um sinal de influência mínima foi identificado após as trocas, porém é necessário aguardar 7 jogos até que uma coleta de pontos possa ser parcialmente assinalada como consequência da mudança de líderes na equipe (sem evidências adicionais que sustentem esse mínimo efeito após o sétimo jogo). Embasados pelos resultados estatísticos e pela literatura acadêmica, concluímos que o treinador de futebol no Brasil sofre com o ritual do bode expiatório (uma teoria reconhecida e estudada pela gestão do esporte mundialdesde a década de 1960). Na prática, as mudanças de treinadores respondem a outros interesses, sem associação à melhoria efetivado rendimento esportivo. Entre os resultados da nossa análise ao longo das 16 temporadas sob observação, fatores como o mando de campo e a diferença de pontos em comparação ao adversário (antes do jogo) revelam consequências maiores sobre o rendimento das equipes, com prognósticos superiores ao impacto de novos nomes assumindo o cargo. Aliás, o processo de recrutamento para a escolha do treinador deve ser conduzido de forma cuidadosa, uma vez que nossas estatísticas demonstram um efeito negativo
sobre a coleta de pontos quando o líder da equipe é estrangeiro ou preenche a função apenas como treinador interino.

Visando fornecer informações assertivas e com base científica para melhores decisões adiante, despertamos uma série de implicações práticas que podem apoiar a carreira dos treinadores, o trabalho dos dirigentes e o acompanhamento dos torcedores de clubes brasileiros.

Implicações práticas para os treinadores

Para os treinadores, o principal ponto crítico de reflexão extrapola a profissão. Isto porque, além de evidenciarmos a instabilidade crônica da sua função no país, também percebemos sinais de frustração, ansiedade e estresse reportados publicamente pelos profissionais brasileiros ao longo desta pesquisa acadêmica. Ou seja, a insegurança na carreira profissional carrega indícios prejudiciais à saúde mental e física dos treinadores, que sofrem com oscilações de temperamento, sono desregulado e até mesmo disfunções cardiovasculares em casos extremos. Consequentemente, não seria incomum o treinador testemunhar reações agressivas ou transtornos de impaciência na sua relação com jornalistas, com membros do próprio clube, ou até com familiares em situações mais agudas. Priorizando a sua condição humana com um cuidado maior à sua saúde pessoal, o treinador pode tentar amenizar a pressão recorrente no seu ambiente profissional.

Embora os resultados estatísticos do nosso estudo revelem alguns ângulos que podem estender a sobrevivência dos treinadores no cargo através de decisões estratégicas ao aceitar ou declinar propostas de emprego, ao evitar saídas voluntárias quando já empregados, e também ao exercer prioridades na disputa de competições paralelas ou dentro de uma sequência curta de jogos, não devemos restringir a interpretação final somente ao reflexo dos números. Coletivamente, o treinador tem menos espaço prático para o desenvolvimento do seu potencial no futebol brasileiro, dificultando sua projeção de carreira devido a decisões limitadas ao curto prazo no local onde o seu trabalho é julgado. Com isso, reivindicar avaliações objetivas por parte dos seus empregadores poderia ser uma defesa coletiva dos treinadores em todo o território nacional. Ainda assim, a união profissional somente fortalece a classe quando os indivíduos passam a defender a mesma teoria, executando-a de forma conjunta (e consistente) na prática.

Implicações práticas aos dirigentes

Para os dirigentes (leia-se diretores, conselheiros e presidentes dos clubes), os principais pontos críticos de reflexão são a racionalidade e a responsabilidade nas tomadas de decisão. Com números alarmantes em absolutamente todos os 41 clubes participantes do Brasileirão ao longo de 16 temporadas, não há mais como negar (ou tentar esconder) a parcela de (ir)responsabilidade que os dirigentes detêm na situação atual e histórica de seus clubes, cujas decisões irracionais atrasam o progresso qualitativo do futebol brasileiro.

Felizmente, medidas profissionais podem ajudar a modificar tal postura crônica, como a implementação de um recrutamento cuidadoso e criterioso na seleção dos treinadores, aliado a produção de conteúdo estratégico com o departamento de comunicação do clube (apoiando o treinador com iniciativas que transmitam uma visão construtiva do líder técnico aos seus torcedores), além do investimento primordial em ciência e tecnologia como mecanismos que potencializem o trabalho do treinador e sua comissão técnica, beneficiando o rendimento esportivo do clube em longo prazo.

Contudo, vale ressaltar que mudanças estruturais não reproduzem diferenças práticas se o comportamento cultural dos dirigentes permanecer o mesmo (independente da estrutura organizacional, seja em um clube-associativo ou clube-empresa, os resultados tendem a ser semelhantes até que a postura do dirigente se altere a parâmetros racionais). Em um sistema político como o futebol brasileiro, onde ainda prevalece a disputa pelo poder, mérito e atenção, decisões impulsivas, emotivas e com interesses desassociados ao aprimoramento profissional do clube são comuns e recorrentes.

Com os resultados da nossa avaliação econométrica em mente, torna-se nítida a necessidade por uma melhor administração das expectativas, bem como de critérios profissionais em detrimento a julgamentos subjetivos ao avaliar os treinadores no Brasil. Além disso, reagir de forma exagerada ou impulsiva após eliminações de competições paralelas (em especial na Copa Libertadores) não apenas escancara a falta de planejamento estratégico, como tende a comprometer objetivos mais realistas de longo prazo numa temporada (afinal, o Brasileirão não é disputado em formato eliminatório). Aceitar, assumir e dividir responsabilidades em momentos desfavoráveis pode ser o caminho profissional que avance e modifique o comportamento entre os dirigentes brasileiros, a fim de compartilhar publicamente a complexidade e a dinâmica de um esporte coletivo de alto rendimento sem realocar toda a pressão (interna e externa) ao treinador empregado no momento adverso.

Implicações práticas aos torcedores

Para os torcedores, o principal ponto crítico de reflexão volta-se à demanda por maior transparência de seus clubes de coração (e consumo). Após identificarmos que 264 indivíduos vivenciaram 594 mudanças de comando técnico sem carregar efeitos positivos sobre o rendimento esportivo no panorama completo com todos os 41 clubes participantes do Brasileirão entre 2003 a 2018, o sinal de alerta (ou insatisfação) dos torcedores deveria ser redirecionado aos responsáveis pelas decisões, em vez de aceitarem a narrativa crônica de que a solução sempre vem com a troca dos treinadores. Afinal, nenhum clube passou ileso, tampouco nenhum treinador passou imune ao comportamento dos dirigentes (independente da idade, nacionalidade ou experiência como jogador profissional).

Conforme revelamos entre os resultados, fatores como o mando de campo e as expectativas pré-jogo carregam prognósticos de grande influência na nossa análise estatística. Em ambos os casos, há o envolvimento dos torcedores como peças integrantes desses dois fatores, que ajudam a manifestar o peso da opinião pública sobre os clubes de futebol no Brasil. Aliado ao fato do torcedor ser essencialmente quem subsidia o sistema (ou financia as contas), seja de forma direta com a aquisição de ingressos e produtos oficiais, ou de forma indireta com o consumo de canais esportivos que detêm os direitos de transmissão das competições, exigir transparência significa monitorar tanto a alocação de recursos, como os objetivos e as decisões conduzidas dentro do clube. Afinal, baixos níveis de transparência prejudicam a sustentabilidade da organização e do esporte em todo o país.

Com preferência a opiniões arbitrárias e argumentos subjetivos em detrimento a teorias acadêmicas e embasamento científico, a cultura de relações sociais que rodeia o ambiente político de dirigentes no Brasil ainda desvaloriza o seu compromisso profissional perante os torcedores, manipulando a opinião pública de acordo com interesses temporários. Especificamente no tema do nosso estudo, quando um clube modifica rotas de liderança técnica na mesma temporada, não apenas o treinador permanece por tempo insuficiente para desenvolver o seu potencial, como a organização também se torna refém do curto prazo, apressando (ou negligenciando) o processo de recrutamento dos substitutos. Ou seja, enquanto o treinador tem poucas semanas para comprovar sua escolha, o clube tem ainda menos tempo para atualizar suas especulações, fomentando alternâncias cíclicas que não atraem melhoria efetiva ao rendimento esportivo. Acima de tudo, rescisões contratuais frequentes geram dívidas trabalhistas exponenciais, que nem sempre são honradas pelos empregadores, acumulando despesas financeiras com treinadores, advogados e demais credores envolvidos em cada um dos processos, os quais consequentemente afundam a organização esportiva enquanto a atenção pública se volta ao treinador (o protagonista no ritual do bode expiatório).

Limitações do estudo

Apesar de expandirmos a avaliação das mudanças de comando técnico no futebol brasileiro a níveis mais criteriosos por meio deste estudo científico, ainda reconhecemos algumas lacunas que merecem consideração em pesquisas acadêmicas posteriores.

Primeiro, não examinamos a influência de eleições (presidenciais e de conselho deliberativo) que acontecem a cada 2 ou 3 anos nos clubes do Brasil, afetando as decisões políticas que sustentam o julgamento de dirigentes em trocas contínuas de treinadores.

Segundo, infelizmente não foi possível mensurar o efeito das posições na tabela ao longo do período, pois o calendário de jogos do Brasileirão sofreu com disparidades na sua programação original em 15 dos 16 anos sob análise na nossa amostra (conforme adiantado na introdução do estudo) e, portanto, qualquer comparação histórica com as posições na tabela seria ilusória.

Terceiro, não estudamos a composição dos elencos dos clubes participantes, cujo entendimento certamente ajudaria a explicar tanto as mudanças de comando quanto os prognósticos de rendimento esportivo devido a diferenças em qualidade e quantidade de recursos humanos à disposição do treinador.

Quarto, não encontramos fontes confiáveis para coletar dados sobre os torcedores presentes nos estádios (em números absolutos e relativos) em todos os jogos da nossa amostra, que nos beneficiaria a compreender como o estímulo da torcida pode influenciar resultados ou decisões no Brasil.

E quinto, teríamos um grande diferencial se pudéssemos examinar as oscilações na narrativa, eloquência e retórica praticadas pela imprensa esportiva brasileira em fases de trocas de treinadores, a fim de verificar o efeito de reportagens, opiniões e cobertura editorial na construção ou manutenção da pressão externa, que evidentemente é repassada com maior intensidade ao treinador.

Conclusão

Esta investigação científica tem como objetivo revelar uma referência acadêmica valiosa para o melhor entendimento de treinadores, dirigentes e torcedores de futebol do Brasil sobre o que efetivamente influencia as mudanças de comando técnico no Brasileirão, além do real impacto das trocas de treinadores e as consequências sobre o rendimento esportivo de seus respectivos clubes.

Ao aplicar teoria na prática, a administração baseada em evidência já colaborou para dissolver julgamentos e suposições arbitrárias em outros ângulos no esporte, como por exemplo ao divulgar ineficiências na análise de desempenho de atletas no beisebol (Moneyball: O homem que mudou o jogo) ou reivindicar a implementação de novas políticas de saúde após constatações sobre riscos letais na prática do futebol americano (Concussion: Um homem entre gigantes). Tais cenários, embora não relacionados diretamente ao futebol brasileiro, costumavam ser tratados como assuntos de mero acúmulo de experiência prática até que a econometria, a ciência e a inteligência acadêmica romperam os argumentos subjetivos de gestores, dirigentes e políticos rumo a uma nova mentalidade no esporte profissional.

Portanto, ao fortalecer o pensamento crítico sobre avaliações objetivas no cenário do futebol brasileiro, o estudo em questão avança o processo de conhecimento e discussão teórica em um território que ainda carece de evidências científicas (contextualizadas à sua realidade) para contradizer alegações irracionais na gestão da modalidade esportiva que levou o Brasil a se tornar uma referência global há anos (ou décadas atrás). Mas, ainda hoje, insiste em queimar suas próprias cartas.

“Eu fico envergonhado quando vejo algum jogador meu errar um fundamento, porque na verdade a culpa não é dele. Sendo treinador, é minha obrigação ensiná-lo a como aprimorar sua técnica, mesmo que isso leve mais tempo do que o esperado. É para isso que eu trabalho”Telê Santana, 1992

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O ataque do River de Marcelo Gallardo

O River Plate de Marcelo Gallardo tem se estabelecido como um dos grandes destaques do futebol sul-americano e mundial. Não apenas pelos 6 títulos internacionais nos últimos 5 anos, mas pela sua autenticidade na maneira de jogar. O que “El Muñeco” Gallardo conseguiu construir nos últimos anos se trata de uma identidade de jogo que sobrevive, se renova e se fortalece a cada temporada, algo que emociona seus adeptos e desperta o interesse e admiração daqueles que são amantes de equipes que expressam personalidade forte e altas doses de paixão pelo jogo.

Um desses amantes é ninguém menos que Pep Guardiola, que manifestou em 2019 sua admiração pelo trabalho artesanal do treinador argentino

“Precisamos ver o futebol sul-americano. Parece que existe apenas a Europa no mundo, e eu não entendo como Gallardo não é indicado entre os melhores treinadores do mundo. Não apenas por um ano, mas sim por tanto tempo” – Pep Guardiola

A partir de agora vamos iniciar uma série que irá analisar as características ofensivas do supercampeão argentino e como Gallardo organiza sua equipe no momento de disposição da bola, observando como muitos mecanismos táticos ofensivos permanecem vivos e favorecendo a interação dos jogadores durante todo esse período.

A construção do jogo

O início de jogo depende muito da conduta do adversário que geralmente optam por pressionar em bloco alto. Então, o início de jogo com bola longa se torna uma reação imediata dos millonarios onde os laterais buscam uma posição mais avançada no campo e esperam um passe longo dos centrais, caso não haja vantagem em iniciar o jogo com passes curtos. Após o passe longo dos centrais ou do goleiro o comportamento dos laterais passa ser de reduzir opções dos adversários e de ganhar a 2ª bola com encaixes individuais na região central do campo. Toda essa estrutura formada pelos laterais e médios é protegida pelos centrais que ficam responsáveis pelas coberturas e pelos duelos com os atacantes adversários que tentam aproveitar os espaços livres das costas. Veja alguns exemplos a seguir:

Imagens: Reprodução/Jonathan Silva

As imagens mostram momentos diferentes desse jogo, mas representam os comportamentos que mais se reproduzem na fase de início de jogo do River.

Na figura 2, os laterais Mercado e Vangioni buscam uma vantagem posicional sobre os atacantes da equipe colombiana como primeira opção, posicionamento padrão dos laterais de Gallardo. Na figura 3, o volante Ponzio e o lateral Vangioni se projetam para realizar os encaixes individuais na região central do campo e o lateral direito Mercado tem a função de acompanhar esse movimento para também proteger o centro do campo.

Imagens: Reprodução/Jonathan Silva

O mesmo comportamento acontece nos exemplos acima, anos depois. Aqui temos os laterais Montiel e Casco avançando para esperar o passe longo dos centrais.

Imagens: Reprodução/Jonathan Silva

Nas três imagens percebemos claramente a estrutura de contenção central posicionada para ganhar a 2ª bola. Importante ressaltar a interação dos volantes Ponzio e Enzo Pérez que têm a função de auxiliar os laterais intensificando a pressão nessa região do campo.

Na figura 9, a bola é rebatida pela equipe gremista para as costas da estrutura de contenção central e vemos Pinola se preparando para a disputa da bola e Maidana se projetando para uma possível cobertura defensiva.

Na Figura 10 o mesmo acontece, a bola é rebatida pela equipe do Flamengo e também retorna para uma região central atrás na estrutura de contenção e quem se responsabiliza da próxima disputa é o central Pinola e quem estabelece a cobertura defensiva é Martínez Quarta que também divide sua atenção com a projeção de Éverton para um espaço importante deixado pelo avanço do lateral Casco.

Esses exemplos demonstram como a equipe de Gallardo assume riscos ao avançar seus laterais para recuperar a bola em profundidade, ainda que deixem espaços nas costas dos laterais. Nessa situação a preferência é apostar nos duelos defensivos dos bons centrais para garantir a posse de bola, eliminar a chance de gol e iniciar seu ataque posicional, que será o tema da continuação de nossa série sobre o ataque do River Plate, na semana que vem!

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Transmissão em Jogo – Extinção da MP 984 e Reaparecimento do Clube dos 13

Na última semana, passou a ser cogitada a hipótese de clubes de futebol fazerem negociação coletiva por direitos de transmissão. De acordo com o blog do Marcel Rizzo, do UOL, especula-se que os dirigentes de grandes entidades cogitam a chance de criar uma associação que pode culminar no ressurgimento de um novo Clube dos 13, um grupo que, por duas décadas, tratou internamente a repartição dos dividendos referentes aos direitos de imagem, mas terminou em 2011 após acordo entre clubes, emissoras de TV e CBF. 

Desde então, as negociações dos direitos de transmissão dos torneios são feitas de forma individual ou intermediadas pela CBF. A ideia de retomar a união de clubes para discutir os direitos de transmissão ainda é um projeto discutido por poucas entidades desportivas, gerando impactos positivos e negativos. Para avaliá-los, precisamos voltar um pouco no tempo.

A primeira lei que regula a transmissão de eventos esportivos no Brasil surgiu na década de 1970, chamada de Lei de Direitos Autorais – Lei nº 5.988/1973. 20 anos mais tarde, a Lei Zico – Lei 8.672 /1993, afirma que: “às entidades de prática desportiva pertence o direito de autorizar a fixação, transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo desportivo de que participem”. (BRASIL, 1993).

A Lei Pelé (Lei 9.615), publicada em 24 de março de 1998, revogou a necessidade de cobrança para acompanhamento dos eventos esportivos, garantindo às instituições do futebol a soberania nos processos de negociação e cobrança pelas transmissões de partidas. A negociação passou a ficar a critério de cada time, sendo sua decisão prevalente em relação aos jogadores que compõem o elenco do time, já que o interesse do público não está em um atleta apenas, mas no conjunto.

Por muitos anos, o contrato firmado entre as emissoras de televisão e os clubes de futebol foi considerado como o mais vantajoso, já que as instituições arrecadavam fundos com os valores recebidos da imprensa pela transmissão da partida e as emissoras, por sua vez, lucravam com os comerciais transmitidos durante a partida e nos intervalos dos jogos.

Para que as negociações fossem facilitadas, o Clube dos 13, que representava os maiores clubes do Brasil, cumpria todos os trâmites, mas, devido à divisão não-igualitária das cotas, os clubes passaram a tratar sobre os valores individualmente.

As diferenças dos valores negociados passaram, no entanto, a serem ainda mais evidentes, fazendo com que alguns clubes tenham uma disponibilidade de recursos muito superior a outros, interferindo nos investimentos dos times e, consequentemente, no nível de futebol apresentado por cada equipe.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) defende que a negociação coletiva, como era feita pelo Clube dos 13, feria os princípios da livre concorrência e que, para adoção deste sistema, seria necessária a criação de uma lei para regulamentar estes processos.

Em 2010, o CADE avaliou um termo de compromisso que determinava a exclusão de cláusulas contratuais que favoreciam a renovação de contrato com emissoras e apresentava a possibilidade de ofertar os direitos de transmissão para outras TVs, sistema pay-per-view e plataformas digitais, abrangendo assim as transmissões via streaming. No que tange à legislação, portanto, ficam os clubes livres para negociarem a cobrança ou não do direito de imagem.

Assim, aqueles que passam a optar pelas transmissões via streaming, seja pelas redes sociais ou pelas plataformas pagas, têm o desafio de conseguir uma receita publicitária ao menos satisfatória em relação à receita oferecida nas transmissões convencionais.

Os valores recebidos pelas transmissões de partidas, sejam eles pagos pelas emissoras de TV ou por outras empresas de comunicação, representam mais de 40% dos dividendos dos clubes, de acordo com análise do Itaú BBA referente aos resultados financeiros de 25 grandes entidades do futebol. Sem contar com os valores referentes às vendas e cessão de direitos de jogadores, os valores referentes à transmissão dos jogos são a parte mais significativa do montante movimentado pelos grandes clubes – não é de se espantar que a MP 984/2020 tenha causado tanto burburinho no meio do futebol, já que concedia apenas ao mandante o direito de transmissão da partida.

Atualmente, se apenas um dos times cede os direitos de transmissão, a partida não pode ser exibida por termos legais; se a MP entrasse em vigor, esse impedimento de transmissão não aconteceria mais, caso o mandante autorizasse a transmissão do jogo em questão. O modelo, que é adotado em outros países, foi amplamente questionado e trouxe à tona outras questões referentes à exibição de partidas, como o uso do Youtube e plataformas de streaming para transmissão, por exemplo.

A discussão ultrapassou – e muito – as quatro linhas e os limites da tecnologia e afetou as relações entre as emissoras de TV, órgãos de comunicação e o governo, colocando em xeque direitos previamente adquiridos por emissoras – de transmissão e exclusividade – como no caso da Rede Globo de Televisão. Em meio à pandemia, quando os portões fechados dos estádios tiraram dos clubes a renda a partir da venda de ingressos, os times se viram diante de mais um impasse, que pode possibilitar maior liberdade para negociações, mas que, no entanto, pode trazer desequilíbrios ainda maiores na divisão de recursos e outras desvantagens futuras. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos. 

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A aprendizagem inevitável e incontrolável da rua

Imaginemos um grupo de quatro crianças, dois meninos e duas meninas, entre quatro e cinco anos de idade brincando de casinha na sala da casa de uma delas. Vamos chamar esse espaço de rua, porque não é convencional, não há adultos ensinando crianças, tampouco há um currículo, livros didáticos, aprendizagem institucionalizada e outras características típicas da educação formal que se desenvolve no ambiente escolar.  Portanto, vale ressaltar que a rua, tal como a abordamos neste texto, não se restringe a um espaço público, limitado por calçadas, onde circulam pessoas, automóveis, bicicletas…

No espaço das crianças de nosso exemplo, há bonecas, bolas, caixas de papelão, uma caixa de peças de madeira, mesinha, cadeirinhas e outros objetos. Todas falam aqui e ali, a mais velha fala mais, pegam objetos, colocam em lugares combinados, tiram, colocam de novo, sentam-se nas cadeiras, colocam a mesa, fingem que comem, levantam-se, passeiam com o carrinho etc. Difícil acompanhar e entender o que fazem; é tudo muito criativo e diversificado. Aparentemente, imitam o que é feito pelos adultos nas casas deles, mas não é igual. Tudo tem uma conotação mágica, os problemas são resolvidos rapidamente, as brigas, que ocorrem com frequência, dissipam-se, não restam mágoas, a brincadeira prossegue. Há algumas aprendizagens visíveis pela diminuição das dificuldades para transportar um objeto, encaixá-lo, pelo entendimento das sugestões da criança mais velha, pelas imitações etc. Mas isso não é tudo. Numa avaliação convencional, somente essas coisas visíveis poderiam ser solicitadas. Se deixarmos de lado hipóteses de avaliação, podemos aventar inúmeras outras aprendizagens não perceptíveis superficialmente, portanto, impossíveis de provas convencionais.

Em todo processo de formação de conhecimento, ou de aprendizagem, há uma maneira de formar o conhecimento ou de aprender. Na família, de modo geral, há imposições de comportamentos feitas pelos adultos em relação às crianças: “Não”, “Isso está errado”, “É melhor fazer assim”, “Você vai se machucar” etc. Na escola convencional, o processo é orientado por professores com autoridade para transmitir conhecimentos, seja pelo cargo que ocupam, seja pela formação acadêmica que possuem. Esses conhecimentos são previamente preparados, desde um currículo nacional até um plano de aula, e impostos aos alunos. Senão com a mesma severidade que ocorre em família, pelo menos com advertências igualmente rigorosas em relação às consequências da recusa ou do fracasso quanto à aprendizagem. Na rua é outra coisa. Embora no grupo aqui considerado haja uma criança mais velha sugerindo, e até dando ordens, não há a mesma seriedade quanto a isso, nem da parte de quem sugere, nem dos mais novos. É um faz-de-conta, um tipo de jogo, onde tudo é de mentirinha. Portanto, a pressão do compromisso, típico da família, da escola e de qualquer tarefa obrigatória, não existe. Até porque, no ambiente lúdico, o descompromisso com algo exterior aos jogadores é o fundamento. Na brincadeira dessas crianças, nada parece ser sério – na visão dos adultos, nada parece ter utilidade. Portanto, é um jogo. Se não é útil, então, é jogo. Claro que estamos considerando o termo utilidade somente do ponto de vista da visão adulta utilitária. As consequências dessas brincadeiras para a formação de vida dessas crianças ainda estão longe de ser compreendidas por nossos pesquisadores.

Os riscos imaginários de tentar o novo e de criar em ambientes institucionais, como a família ou a escola, fazem as pessoas, boa parte das vezes, relutar, recuar, evitar enfrentar as novidades ou apresentar alguma criação. Mas no ambiente lúdico, até o medo é de mentirinha, até o medo surge como desafio a ser enfrentado. No caso das crianças brincando de casinha, elas inventam um ambiente onde muitas situações podem ser criadas, dando margem ao enfrentamento de novidades e mesmo à provocação de novidades. São apenas quatro crianças, mas elas criam um ambiente que, além de lúdico, é fora das instituições reconhecidas pela sociedade como responsáveis pela educação das crianças, como a família e a escola. De certa maneira, trata-se de outro grupo social; um grupo que agora habita um espaço público, o que é bem diferente da família e da escola, embora com as restrições do insipiente desenvolvimento de crianças muito novas.

Mesmo considerando que o desenvolvimento moral e social dessas crianças é insuficiente, elas estão começando a habitar um mundo que não é mais o mundo privado. A literatura costuma descrever a entrada da criança no mundo público a partir do momento em que, segundo determinadas teorias, ela está madura, por volta dos seis a sete anos de idade. Mas isso não procede, porque não é algo que um dia começa, afinal, sempre esteve lá na criança, potencialmente. Apenas que, enquanto amadurecem funções como a imaginação, a motricidade, as relações afetivas, a própria ampliação da motricidade e do pensamento, com a consequente ampliação do espaço de atuação, a criança entra em relação com outros que não os da vida privada. É o caso das crianças aqui descritas. Claro que estamos falando da sociedade de hoje; no mundo antigo, as relações, tanto em casa como fora dela, eram bastante distintas das atuais. Também não nos referimos à vida privada e pública, familiar e social ou política dos adultos. Nosso interesse, neste momento, é exclusivamente em relação às crianças e sua passagem do espaço privado para o espaço público.

Essa passagem para a vida pública, que no grupo das crianças aqui descritas, não distingue as meninas dos meninos, daí por diante ganha diferenças notáveis. Especialmente quando nossa atenção volta-se, acima de tudo, para a educação da rua e, como decorrência, a Pedagogia da Rua, manda a tradição de nossa sociedade, que os meninos terão acesso menos limitado à rua que as meninas. E isso terá consequências dramáticas e, possivelmente, devastadoras. Entre elas uma sociedade definida e dirigida, por vezes, desastrosamente, pelos homens.

Há um mundo a ser descoberto, porque negligenciado historicamente por nossas pesquisas. Um mundo habitado por crianças, em um espaço público que escapa à educação familiar e escolar, que ainda não foi compreendido. Possivelmente os grupos infantis constituem a sociedade mais precoce de nossas vidas. A formação para a vida pública deve começar nesses grupos, essas pequenas sociedades infantis, que ainda não compreendemos porque não as estudamos.

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Quanto foi o jogo? Um olhar sobre a cultura do resultadismo

Certo dia, ainda sob os cuidados de um desses grandes professores que temos por aqui, alguém me fez pensar que cultura é uma forma de cultivo. ‘Do alemão kultur!’, ele dizia. Cultivo de qualquer coisa – inclusive no futebol. Ainda que não seja, nem de longe, a única forma de pensar a cultura, isso não saiu da minha cabeça desde então. 

Na última segunda-feira, no programa Bem Amigos!, do Sportv, Fernando Diniz deu mais uma excelente entrevista, na qual, basicamente, falou muitas das coisas que fala há bastante tempo, sobre a cultura do futebol brasileiro – mas que são mais ouvidas em certas ocasiões do que em outras. Embora tenha comentado sobre assuntos diversos, o que viralizou um pouco mais foram as falas sobre o que ele chamou de resultadismo – e o quanto isso pode ser problemático dentro de uma cultura de futebol. É claro que isso causou um certo ruído, pois há quem diga que não há outra forma de avaliar o trabalho de um treinador que não pelos resultados esportivos. Bom, não deixa de ser um argumento razoável. Mas acho que não é exatamente disso que se trata.

Fernando Diniz em ação pelo São Paulo FC. Imagem: Redes Sociais Fernando Diniz/Divulgação

Quando falamos de treinadores esportivos, no Brasil ou em qualquer outro lugar, é importante termos claro que as mensuráveis de sucesso variam de acordo com o contexto. Por exemplo, para um treinador ou treinadora que trabalha na iniciação esportiva, o simples fato de ter a criança de volta no outro dia é um indicador de sucesso – afinal, mantê-la diariamente na prática é um desafio. Por outro lado, para quem trabalha na fase de especialização esportiva, o refinamento humano do atleta (em todas as dimensões, além do jogo jogado), é uma mensurável de sucesso – o treinador que não acumula títulos, mas que é capaz de formar pessoas melhores, capazes de tornarem-se quem são, seguramente atinge um lugar de muito respeito. 

No caso do rendimento, a conversa é um pouco diferente: fazer com que os atletas se sintam bem e fazê-los mais refinados do ponto de vista humano – inclusive pensando em performance – são sim mensuráveis de sucesso (que muita gente diz que adora, muita gente fala com entusiasmo, mas não é tanta gente assim que valoriza, de fato). Mas no rendimento, a mensurável-mor é o que se entende por ~resultado~. E quando enfatizo o ~resultado~, faço isso porque me fica muito claro o seguinte: para quem está dentro do processo de treino, a interpretação de um resultado é muito diferente de quem está fora do processo. E isso, veja bem, não é uma forma de contar vantagem, mas uma forma de entender algumas das camadas que estão bem abaixo do resultado.  

Por exemplo, algo que não me parece muito claro no debate está na relação entre o treino e o jogo. Embora não seja algo precisamente admitido, há quem acredite que a relação entre uma coisa e outra é uma relação de causa e consequência: ou seja, se uma equipe não joga bem – ou joga bem uma vez ou outra, ou então não joga bem como o analista gostaria que jogasse, é porque o treinador ou a comissão não trabalham bem, ponto final. Em outras situações, de menor imprevisibilidade, talvez nós até pudéssemos falar em algo do tipo, mas no futebol pode ser exatamente o contrário. Porque o futebol é tudo menos linear, e as ondas do jogo ficam ainda mais pronunciadas quando simplesmente pensamos que o futebol é um jogo coletivo de invasão: existem onze do lado de cá, mas também existem onze do lado de lá, vinte e dois jogadores em relação constante, todos eles buscando chegar ao alvo adversário ao mesmo tempo em que impedem que o adversário chegue ao próprio alvo – podendo fazer tudo isso não apenas no próprio campo, mas também no campo adversário. Tudo isso – que é diferente do vôlei, do basquete, do handebol, do tênis e etc – faz do futebol um jogo cuja complexidade é elevada à enésima potência. Isso quer dizer que o futebol é tudo menos linear, e que portanto existem milhões de outros fatores que afetam o rendimento de uma equipe do que apenas o trabalho ou as ~ideias~ de um treinador ou da comissão. É perfeitamente possível que um trabalho de mediano para bom consiga resultados expressivos, ao mesmo tempo em que é perfeitamente possível que um trabalho de ótimo nível, com excelentes profissionais, com as práticas mais ~modernas~ que se possa imaginar, num ambiente de grandes relações humanas… não apresente resultado algum.

Ao mesmo tempo, é preciso nos perguntarmos sobre o que falamos quando falamos de resultados. Porque, ao contrário de uma empresa – para usar um exemplo muito caro ao futebol de hoje em dia, onde os resultados são medidos dentro de intervalos razoáveis, no futebol os intervalos não existem, a meia-vida no futebol é mais meia do que vida, e tudo o que resta é sobreviver: quem não ganha não serve. E não interessa se jogou bem, não interessa a qualidade dos treinamentos – quando se consegue treinar, não interessa quais são as teorias e as metodologias que sustentam um certo trabalho, não interessa o nível de formação de vários dos nossos profissionais do futebol, se os profissionais do clube estão com algum tipo de problema particular, não interessa se os salários estão atrasados, não interessa se vivemos num país de dimensões continentais, com biomas absolutamente distintos, o que, de cara, já inviabilizaria qualquer comparação com qualquer uma das grandes ligas europeias, não interessa que o nosso pé-de-obra seja vendido, muitas vezes a preço de banana, o que faz com que de fato vários dos nossos melhores jogadores sequer conheçam os campeonatos locais, não interessa que os árbitros não sejam profissionalizados, ainda que sejam bizarramente cobrados por um rendimento profissional – não interessa nada disso. Ainda persiste a ideia que humanizar o futebol é perfumaria. O que interessa é o seguinte: quanto foi o jogo?  

Aqui está o calcanhar de aquiles do resultadismo. Não é bem o fato de se basear no resultado para dar uma certa opinião, mas o fato de ignorar, consistentemente, toda e qualquer outra variável que não o resultado para dar uma certa opinião. Das encruzilhadas do nosso futebol, essa é uma das mais graves, porque tudo o que o analista vê é o resultado, ou o que ele entende como resultado, especialmente quando se pensa no que significa ‘jogar bem’ e etc, enquanto o profissional do futebol vê tudo o que está antes e além do resultado – e obviamente não há como não haver ruídos. Assim como há todo um universo sob a consciência humana – não é preciso ter lido o Freud para sabermos disso – há mundos e mais mundos antes e além do resultado esportivo, e quanto menos soubermos deles, ou menos nos interessarmos por eles, piores serão as nossas interpretações, mais frágeis serão os nossos diálogos – e o nosso debate sobre futebol, ainda que se venda profundo, vai afogar na superfície.

Cultura, como alguém me ensinou certa vez, é cultivo – e fico pensando sobre o que cultivamos hoje em dia mas, especialmente, sobre tudo aquilo que ainda podemos cultivar.