Crédito imagem – Rafael Ribeiro/CBF
“Para que serve a utopia?
Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”
(Eduardo Galeano, pensador e escritor uruguaio)
Talvez muitos possam considerar inoportuno e irrelevante – além de “utópico” – defender a elaboração e implantação de uma política de desenvolvimento do futebol brasileiro levando-se em conta estes tempos tão difíceis, em que mal se consegue estabelecer políticas de natureza econômica, sanitária, educacional, cultural e social para o nosso país.
Mas entendendo o futebol como um importante fenômeno socioesportivo que mobiliza milhões de pessoas e que ainda caracteriza fortemente nossa identidade como nação, não é descabido sonharmos com a possibilidade de um grande pacto, que reúna lideranças capazes de definir uma política nacional de desenvolvimento do futebol e que possa, por extensão, contribuir para o desenvolvimento econômico, sanitário, educacional, cultural e social do Brasil, de forma mais ampla e sistêmica. Não se separa futebol e sociedade.
É verdade que o senso comum costuma interpretar a utopia como sendo algo inalcançável, que contém objetivos impossíveis de serem atingidos. E provavelmente seja isso mesmo. Como nos alerta Fernando Birri, cineasta e educador argentino, “a utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei.”.
Contudo, a utopia pode significar também um propósito pessoal e coletivo de vida, que alimenta nossa imaginação em busca, por exemplo, de uma sociedade ideal, mais humana e solidária, formada por instituições políticas autenticamente comprometidas com a justiça social e o bem-estar da coletividade, mesmo considerando todas as suas contradições, conflitos e interesses divergentes. A utopia, portanto, pode ser um norte para que busquemos nossos propósitos mais nobres enquanto seres humanos e sociais, historicamente constituídos. Afinal, que sentido podemos dar às nossas vidas sem as utopias?
Por outro lado, ao mesmo tempo que somos determinados ou condicionados pelos contextos históricos, econômicos e culturais em que vivemos, somos também, de certa forma, capazes de contribuir para mudarmos a nossa realidade, tendo como referência os nossos sonhos. Somos nós, seres humanos, dentro de nossas circunstâncias existenciais, que construímos nossas determinações e nossos condicionamentos. Se estamos insatisfeitos, por que não construímos coletivamente uma utopia que nos faça caminhar com mais esperança?
São com estes pressupostos que podemos considerar válida e relevante a ideia de concebermos, elaborarmos e implantarmos uma política de desenvolvimento para o futebol brasileiro; uma política através da qual não só o ecossistema do futebol poderá ser favorecido, como também a sociedade de forma geral.
Problemas novos e urgentes apresentam-se nesta terceira década do século XXI. Não podemos deixar de reconhecer que o modelo político e econômico hegemônico, predominante hoje no mundo, nos impõe enormes dificuldades e barreiras. Neste sentido, não podemos ser ingênuos a ponto de achar que apenas com boa vontade e alianças frágeis conseguiremos progredir de forma mais consistente. Mas isso não pode nos desmobilizar. Há sempre a possibilidade de encontrarmos soluções inovadoras, que nos façam crescer como indivíduos e como sociedade. Afinal, somos nós, seres humanos, quem temos que tomar as decisões e tentar encontrar as melhores soluções para os problemas que nos afligem.
Dados da própria CBF revelam que hoje a indústria do futebol brasileiro movimenta recursos na ordem de 50 bilhões de reais, cerca de 0,72% do PIB, e que há potencial para alcançarmos algo próximo de 1,5% se nos organizarmos para tal, trazendo possibilidades de mais desenvolvimento para esta indústria que atualmente mobiliza, com todas as suas limitações, um número em torno de 150 mil empregos.
O futebol e a sociedade estão mudando rapidamente, e já está passando da hora de entendermos criticamente o cenário em que vivemos, diagnosticarmos nossos problemas e caminharmos coletivamente em busca de suas soluções. Em relação ao futebol especificamente, questões como o estímulo à prática da modalidade enquanto lazer e educação, atratividade dos eventos esportivos, qualidade dos jogos, calendários, arcabouço jurídico das instituições esportivas (clubes, federações, CBF etc.), entre outros elementos, além – é claro – de uma análise cuidadosa das novas tendências, são aspectos que precisam anteceder a elaboração de uma política consistente de desenvolvimento do futebol brasileiro.
Evidentemente que um plano realista que fundamente esta política, deve também considerar as contradições e conflitos de interesses dos diferentes setores que compõem a cadeia produtiva do futebol. Considerar esta correlação de forças que interfere na dinâmica desta indústria é indispensável, e só um pensamento crítico poderá fazê-lo. Se queremos mudanças radicais (no sentido de irmos à raiz das questões), entender essas peculiaridades é fundamental. Só avançaremos se tivermos lideranças que resolvam encarar estes desafios de frente.
Àqueles que acreditam nestas possibilidades e ainda alimentam a sua paixão por esta manifestação sociocultural e esportiva ímpar que é o futebol, fica aqui o convite para refletirmos de forma crítica e coletiva e, assim, construirmos essa utopia que transcenda o próprio futebol e nos faça avançar como uma sociedade mais justa, civilizada e humanizada.