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O Patrocínio Digital no Esporte e Suas Tendências

Texto: Ana Beatriz Rausse de Almeida

Como o mundo no qual vivemos está cada vez mais interligado em virtude da utilização em massa das redes sociais, o mercado desportivo não poderia ser diferente. Hoje, todo clube possui mídias sociais como Instagram, Facebook, Twitter, Youtube e TikTok, que se tornaram ferramentas que aproximam o torcedor do clube do seu coração, criando um vínculo ainda mais próximo com o time. 

Em uma era em que influenciadores e páginas de grande alcance vendem espaço para anúncios de produtos, serviços e oportunidades, é natural que o mercado do esporte mundial começasse a se atentar para a possibilidade de ganho desse tipo de receita, além da maior visibilidade dos clubes e marcas.

Apesar de já ser amplamente difundida nos Estados Unidos e na Europa, o patrocínio de marcas em ambientes digitais de clubes esportivos é um mercado relativamente recente. 

Até pouco tempo atrás, dentre as escassas maneiras pelas quais uma marca poderia ganhar visibilidade por meio de um clube – fosse ele de futebol tradicional, futebol americano, basquete, dentre outros esportes – seria estampando o logotipo no uniforme do time ou em anúncios expostos em coletivas de imprensa. Eram contratos de médio e longo prazo, muitas vezes mensurados por meio de uma métrica que levava em consideração o tempo de exposição da marca na TV e a efetiva venda dos uniformes para os torcedores, dentre outros parâmetros.

Não obstante essa espécie de patrocínio ainda existir e possuir uma alta relevância, a era das mídias digitais caminha de mais rápida e assertiva. 

Atualmente, existem, por exemplo, relatórios publicados pela empresa especializada Horizm, que mapeou e identificou quais times e ligas são capazes de gerar maior valor em termos de rede sociais. 

No relatório publicado pela empresa em 2022, a Premier League é a que gera maior visibilidade proporcional em termos de tamanho de audiência e valor digital. Por outro lado, a NHL é a mais eficiente em termos de geração de valor advindo da sua audiência, com o maior rating de “valor por fã”, seguindo da IPL e da NFL. 

Há, também, o mapeamento dos Elite Teams, que possuem, hoje, os maiores engajamentos nas redes sociais: em primeiro lugar, o Real Madrid, seguido pelo Barcelona e, depois, pelo Manchester United.

Em outras palavras, o perfil de uso das redes e de envolvimento com times e marcas mudou consideravelmente nos últimos anos. As redes sociais possuem algoritmos disponíveis que traçam o perfil do público a ser atingido, sendo possível mapear a faixa etária, gênero, posição geográfica e outras informações utilizadas em larga escala pelo ramo publicitário, visando a um marketing mais eficaz.

Portanto, podemos dizer que, na atualidade, os chamados “ativos digitais” possuem um relevante valor mensurável. Já se sabe que vídeos, storiesreels e fotos possuem valuations diversos, sendo impactados tanto pelo números de seguidores de determinada página como pelo seu engajamento. 

Todas essas variáveis compõem o chamado cost per mille, ou custo por mil, que representa uma métrica de precificação, com a função de medir o custo que um anunciante paga por cada mil visualizações ou impressões de um anúncio. Esse tipo de anúncio permite que sejam feitos contratos de curto prazo, ou até mesmo de apenas um ou dois posts em uma determinada rede social, vinculado a um evento específico.

Como se vê, é uma forma rápida e prática de auferimento de receita por parte dos clubes e de dar uma maior visibilidade para as marcas que pretendam atingir determinado público-alvo que talvez não tomaria conhecimento do produto, caso fossem usados os métodos tradicionais de marketing

A propósito, times de futebol europeus já vinham adotando essa prática, que ganhou cada vez mais espaço na era pós-covid. No entanto, apesar de ser uma prática que aparentemente só traria benefícios, deve ser feita com critério, com marcas que estejam em conformidade com a identidade do clube, evitando excesso de anúncios, algo que acabaria por quebrar uma relação de confiança que o torcedor já possui com a camisa.

No Brasil, a prática ainda caminha a passos lentos. Clubes como o Flamengo, que em 2021 fechou contrato com o Mercado Livre e, pontualmente, fez uma parceria com a Amazon Prime Video, começaram a dar indícios de que essa prática de marketing pode ganhar cada vez mais espaço no ramo. No entanto, o modo tradicional de patrocínio não está com os dias contados: são formatos diversos que, trabalhados em conjunto, podem agregar cada vez mais valor aos clubes. 

Resta saber se mais times brasileiros acompanharão essa tendência já tão forte no exterior, que promete traçar novos rumos no marketing desportivo.

* Texto de autoria de Ana Beatriz Rausse de Almeida e não reflete, necessariamente, a opinião da Universidade do Futebol.

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Responsabilidade Social dos clubes de Futebol

Texto: Alexandre Victor Abreu

 A Universidade do Futebol tem o compromisso de incentivar e estimular o estudo, a pesquisa e a reflexão sobre os principais assuntos que envolvem o futebol. Em artigos anteriores e nos cursos oferecidos, abordamos conteúdos variados e relevantes para você que quer aprofundar seus conhecimentos. Pensando nisso, buscaremos neste artigo, levar você leitor, a uma reflexão sobre a Responsabilidade Social dos Clubes de Futebol. 

Em um passado recente, a reputação de um clube de futebol era medida com base nos títulos conquistados, vitórias dentro de campo e tamanho de sua torcida. Questões sociais, ambientais, proteção aos direitos da criança e adolescente e da mulher, dentre outros, eram muitas vezes ignorados ou tratados de forma pontual pelas agremiações. Essa realidade vem mudando ao passo que a legislação relacionada ao Futebol tem sido atualizadas trazendo maiores obrigações aos clubes também já é perceptível que o torcedor (consumidor) passou a considerar o comprometimento social dos clubes como fator relevante para identificação à marca. 

Neste sentido, é importante destacar que os clubes de futebol cumprem um papel de cunho social fundamental perante a sociedade, mas, em especial no desenvolvimento dos atletas pois são diretamente responsáveis pela formação técnica esportiva assim como pela formação como cidadão e pela inserção destes jovens na sociedade por meio do futebol de alto rendimento. 

Para o jovem se tornar um atleta profissional apto a atuar no futebol moderno é preciso muito mais que um bom técnico, é necessário que o jovem esteja amparado por uma equipe multidisciplinar que o permitirá atuar em seu mais alto nível. 

Pensando na melhoria do futebol brasileiro, a CBF instituiu o Certificado de Clube Formador (CCF), que pode ser concedido para “aquela agremiação que oferece a um atleta em idade de formação (até 21 anos) toda a infraestrutura para desenvolvimento esportivo e social (como cidadão). (ROSIGNOLI; RODRIGUES, Manual de Direito Desportivo, 2017, p. 80), ou seja, para os clubes que preenchem os requisitos previstos no art. 29, §2º da Lei Pelé e que comprovadamente tem condições de oferecer ao atleta uma formação completa. 

Ao proporcionar tratamento médico, odontológico e psicológico, moradia, transporte, alimentação de qualidade, educação, uniforme completo, boa estrutura para treinamento e participação em competições sem deixar de lado a convivência familiar, o clube formador não está apenas cumprindo a Lei e conquistando o Certificado de Clube Formador (CCF) da CBF que garantirá segurança jurídica e retorno financeiro para seu investimento, mas estará cumprindo seu papel social de formação de atletas de alto rendimento. 

Cumpre ressaltar que muitas das obrigações constantes na legislação desportiva foram elaboradas em estrito cumprimento ao que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/90), em especial nos temas relacionados à garantia da proteção social dos jovens atletas. 

Também importante ressaltar o importante papel dos clubes em ações relacionadas a outras questões sociais e que vem ganhando força por conta da valorização de uma gestão empresarial que compreende a importância de conscientizar o torcedor / consumidor. Como principais ações citamos aquelas relacionadas a datas comemorativas ou de luta como dia das mulheres, consciência negra, outubro rosa, violência contra mulheres, proteção aos animais e meio ambiente. 

O conceito de Responsabilidade Social, portanto, privilegia a ideia de ações coordenadas e adotadas pelo clube voltadas para o bem da sociedade e buscando promover o bem-estar social e no futebol se materializa dentre outras formas, quando o clube cumpre a Lei e assegura ao jovem atleta e sua família a possibilidade de desenvolvimento pessoal e profissional, em conformidade com a legislação, e também se materializa quando o clube de futebol contribui para o bem estar da sociedade. 

Não é a intenção deste artigo aprofundar nos temas aqui discutidos, mas provocar nos leitores uma reflexão sobre a Responsabilidade Social do Clube de Futebol. A exigência de uma gestão mais profissional e maiores investimentos, em um momento em que os clubes de Futebol tem buscado cada vez mais a profissionalização de sua gestão, assumindo sua responsabilidade perante questões relevantes da sociedade e as considerando como como algo benéfico e que gera valor agregado à marca, evidencia o papel social dos Clubes de Futebol. 

* Texto de autoria de Alexandre Victor Abreu e não reflete, necessariamente, a opinião da Universidade do Futebol.

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Sociedade Anônima do Futebol – Modos de quitação das obrigações – Considerações sobre o “RCE” e a “RJ”, à luz da Lei 14.193/2021

Texto: Eduardo Gonzaga de Paula

A Lei 14.193/2021 (LSAF) adotou o concurso de credores como método de quitação de obrigações do clube, divididos em duas modalidades, quais sejam, Regime Centralizado de Execuções (“RCE”) e recuperação judicial ou extrajudicial (“RJ” ou “RE”), nos termos da lei 11.101/2005.

O RCE é um procedimento mais objetivo, que tem o objetivo de reorganizar os pagamentos do clube, mediante concentração em um único juízo das receitas e valores arrecadados, para pagamento aos credores, feito pelo próprio clube, com condições específicas, em razão da perspectiva de melhoria e do aumento do fluxo de recursos que advirão da SAF.

O rito, em tese, dispensaria maiores dilações trazidas no processo de recuperação judicial de empresas, uma vez que, recolhido o percentual da arrecadação, nos termos do art. 10 da LSAF, tal saldo quitaria as pendências na sua ordem cronológica, segundo um plano concreto e efetivo de pagamento, desde que atendidos os requisitos previstos na LSAF.

Digo, em tese, porque, na prática, tem sido processada de forma bastante similar à RJ, a exemplo do RCE do Vasco da Gama, no qual (i) se constata que diversos credores apresentam habilitações e impugnações de crédito, processadas em separado e em apenso ao RCE; e (ii) houve recente nomeação de Auxiliares do Juízo, nas funções análogas à de Administração Judicial, para elaboração de relatórios mensais, formatação de lista de credores e acompanhamento (fiscalização) do procedimento quanto à adequada arrecadação dos ativos.

Grande parte dos clubes brasileiros que se encontram em grave crise financeira e constituíram a SAF com o objetivo de captar recursos de investidores lançaram mão do RCE, antes mesmo da constituição definitiva da SAF, como, por exemplo, o Vasco da Gama, o Cruzeiro Esporte Clube e o Botafogo de Futebol e Regatas, utilizado como mecanismo de superação de crise e soerguimento.

O RCE pode assegurar um prazo de até 10 (dez) anos para que os times paguem suas dívidas, considerando a possibilidade de prorrogação por mais 4 (quatro) anos, caso haja adimplência de ao menos 60% (sessenta por cento) do seu passivo original ao final do prazo de 6 (seis) anos, período durante o qual o clube contará com o benefício da vedação a qualquer forma de constrição ao patrimônio ou às suas receitas.

No entanto, caso os prazos do RCE não sejam cumpridos, a Sociedade Anônima do Futebol responderá, nos limites estabelecidos no art. 9º da LSAF, subsidiariamente, pelo pagamento das obrigações civis e trabalhistas anteriores à sua constituição.

Por outro lado, há também a via do processo de recuperação judicial, por meio do qual o clube buscará, no âmbito do Poder Judiciário, negociar e aprovar um Plano de Recuperação junto a seus credores, que viabilize a solução do passivo acumulado. Nesse procedimento, os mecanismos de reestruturação da dívida são muito mais amplos, consolidados e seguros.

Não há dúvidas de que o RCE tem se mostrado extremamente vantajoso para os clubes. No entanto, é importante ressaltar que o RCE é um modelo mais recente, ainda não testado no Poder Judiciário. Até pouco tempo, não havia sequer regulamentação nos Tribunais para a instauração do RCE previsto na LSAF. Ainda não há clareza, segurança e previsibilidade acerca do procedimento e das decisões judiciais sobre as normas da LSAF que regem o RCE. 

A título de exemplo, ainda está pendente de definição pela Segunda Seção do STJ, responsável pelo julgamento do Agravo Interno interposto pelo Vasco da Gama, se o juízo cível onde se processa o regime centralizado de execuções é o único competente para decidir acerca do pagamento de seus credores, tanto os titulares de créditos de natureza civil como trabalhista, ou se a competência é de ambos os Juízos (dois RCE’s em paralelo). 

Caso se mantenha o entendimento da Ministra Relatora exarado na decisão agravada de que há dois “juízos universais” para processar os RCE’s, o plano para pagamento dos credores (tanto cíveis, como trabalhistas), haverá de ser uno e indivisível? A individualidade do plano não foi definida de forma expressa na LSAF.

Outro ponto de preocupação e incerteza: apesar de a Lei Nova prever que a SAF não pode ser cobrada por dívidas do clube, pelo menos enquanto este estiver cumprindo os pagamentos previstos no âmbito do RCE, decisões recentes da Justiça do Trabalho não têm respeitado essa regra, o que gera um clima de insegurança jurídica no mercado.

Como se nota, são matérias relevantes do RCE que, considerando o pouquíssimo tempo de vigência da LSAF, pendem, ainda, de uma interpretação mais densa perante os tribunais pátrios.

Por sua vez, a RJ é um modelo de reestruturação de empresa já consolidado e testado no Poder Judiciário, capaz de vincular toda a comunidade de credores, após aprovação e homologação do plano de recuperação judicial. Há um conjunto de julgados proferidos ao longo de anos de vigência da Lei 11.101/05 que geram maior sensação de segurança e previsibilidade das decisões judiciais, em comparação com o RCE.

Quando se renegocia as dívidas com a comunidade de credores, como ocorre na RJ, mediante aprovação, homologação e cumprimento do plano de credores do clube no Poder Judiciário, a SAF fica completamente protegida de eventual tentativa de responsabilização por tais dívidas.

Não à toa, apesar de ter optado inicialmente pela apresentação de requerimento de submissão ao concurso de credores por meio do RCE, o Cruzeiro Esporte Clube instaurou, em 11/07/2022, pedido de RJ, distribuído ao Juízo da 1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte, que deferiu o seu processamento, por verificar a presença dos requisitos legais, o que ensejou as manifestações de desistência dos RCE’s instaurados perante o TJMG e o TRT da 3ª Região.

Feitas tais considerações, conclui-se que ambos os mecanismos de quitação das obrigações do clube previstos na LSAF são essenciais e vantajosos para os clubes. No entanto, diante da maior segurança jurídica em relação ao processo de recuperação judicial, a tendência é que os investidores sejam orientados a buscar a renegociação do endividamento do clube investido por meio da recuperação judicial ou extrajudicial, pelo menos até que ocorra uma maior “maturação” da LSAF perante o Poder Judiciário.

Sem a pretensão de esgotar o assunto, o presente artigo busca apenas examinar e refletir a respeito das modalidades de quitação das obrigações do clube previstos na LSAF, abordando, de forma comparada, seus benefícios, riscos e repercussões.

* Texto de autoria de Eduardo Gonzaga de Paula e não reflete, necessariamente, a opinião da Universidade do Futebol.

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O cruzamento de alguns dados do primeiro turno das séries A e B do Campeonato Brasileiro e as indagações possíveis levantadas por essas informações

Crédito imagem: AGIF

O Cruzeiro, líder da série B do Campeonato Brasileiro de 2022, encerrou o primeiro turno com 42 pontos, 24 gols marcados e 10 gols sofridos. São números muito bons, que colocam o time com 98% de chances de acesso à série A de 2023, segundo o Professor Gilcione Nonato Costa, do Departamento de Matemática da UFMG.

Porém, nós nos debruçamos sobre esses dados não para admirar o belo desempenho do time de Paulo Pezzolano, mas sim para traçarmos alguns paralelos e dessa forma, identificarmos pontos característicos nos modelos de jogo das equipes protagonistas das séries A e B do Campeonato Brasileiro, torneios cada vez mais acirrados no país com mais títulos de campeão do mundo de futebol de campo masculino.

Um ponto interessante deste “Cruzeiro Pezzolanizado”, como a torcida cruzeirense gosta de brincar, é que, comparados seus números com os times da série A de 2022, o Cruzeiro hoje tem menos gols sofridos que todos eles, enquanto na série B, é apenas a terceira melhor defesa, empatada com Bahia e tendo levado mais gols que Grêmio e Sport, times em que seus sistemas defensivos sofreram 6 e 8 gols, respectivamente.

Por outro lado, o ataque cruzeirense com seus 24 gols, é o mais eficiente da série B. Mas, por outro lado, se comparamos este desempenho aos desempenhos dos sistemas ofensivos dos clubes da série A, a equipe mineira está apenas com o sétimo melhor ataque, ainda assim, empatada com Athletico e Flamengo.

É cabível avaliarmos que o nível dos times é naturalmente bastante diferente de uma divisão para a outra. Porém, o cerne da questão que pretendemos levantar aqui é: o fato de o líder da série B ter o melhor ataque do torneio e a terceira melhor defesa, e esses números, comparados aos números dos times da série A, tornarem-se o sétimo melhor ataque e a melhor defesa, seria fruto dos modelos de jogo estabelecidos pelos times das duas divisões? Ou, a mesma pergunta feita de outra forma poderia ser: os times da série A e os times da série B jogam respectivamente, de forma tão construtiva e de forma tão reativa, que seriam essas características as principais responsáveis por resultados tão curiosos quando traçamos esse paralelo com base no desempenho do atual líder da série B?

Façamos então, o exercício contrário a este primeiro que fizemos: o Palmeiras, campeão simbólico do primeiro turno da série A do Campeonato Brasileiro de 2022, encerra o primeiro turno com 39 pontos, 31 gols marcados e 13 gols sofridos. O time de Abel Ferreira é inquestionável em seu desempenho já há algumas temporadas, nas quais vem acumulando recordes e troféus com um time competitivo e extremamente obediente taticamente. Esse time multicampeão, tem hoje o melhor ataque e a melhor defesa do primeiro turno.

Quando comparamos estes números aos números dos times da série B no primeiro turno, porém, o Palmeiras continua, com seu ataque avassalador, sendo o mais eficiente dentre todos os desempenhos listados. Mas sua defesa passa a ser apenas a sexta menos vazada.

E aqui, também é cabível avaliarmos que os times da série A têm sistemas ofensivos muito mais letais e comprovadamente capacitados que as equipes da série B, naturalmente. Mas novamente, nosso foco não está em avaliarmos a diferença de nível das duas competições, mas sim, o que nos modelos de jogo predominantes das equipes das duas competições faz com que, os dados, uma vez cruzados, transformem melhor defesa (do Palmeiras) e melhor ataque (do Cruzeiro) em desempenhos intermediários, e defesa intermediária (do Cruzeiro) em melhor defesa.

Seriam os modelos de jogo tão determinantes, a ponto de impactar de forma tão contundente nos números, ao fazermos este exercício de comparação?

Se fizermos a análise nos baseando em números gerais, encontraremos a informação de que a série B de 2022 tem sua pior média de gols da história da competição, com 1,79 tentos marcados por jogo, na média. A série A, por outro lado, possui uma média de 2,35 gols marcados por jogo.

Seria defender mais “fácil” que atacar, para times com elencos formados por atletas de qualidade técnica considerada inferior em relação aos atletas da competição principal por pontos corridos a nível nacional? Seria, portanto, este o motivo de vermos treinadores com modelos de jogo nitidamente mais reativos na série B, em relação a série A, e como consequência, termos defesas que levam menos gols e ataques que fazem menos gols, analisando este recorte de 19 jogos que corresponde aos primeiros turnos das duas competições? São reflexões interessantes e necessárias, mas uma coisa é fato: ainda que a série B tenha a pior média de gols marcados e que os times, em grande parte, sejam montados com uma lógica de um sistema defensivo forte e a investida em contra-ataques como característica preponderante nos sistemas ofensivos das equipes, há equipes bem montadas e bem articuladas que merecem o devido reconhecimento pelos trabalhos dos atletas e comissões envolvidas, como são os casos da Tombense de Bruno Pivetti, do Bahia, que caiu de rendimento e trocou de treinador, mas tem ali muito do trabalho de Guto Ferreira, com a continuidade sendo dada por Enderson Moreira, do Novorizontino, que depois da chegada de Rafael Guanaes parece ter encaixado mais sua proposta de jogo, do Grêmio de Roger Machado, que começou oscilando e agora parece ensaiar uma evolução em seu desempenho, e do próprio Cruzeiro de Pezzolano, que ainda que com placares magros, tem sobrado na pontuação em relação aos seus adversários.

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A abordagem sistêmica e a participação no contexto coletivo como referências para a elaboração do treinamento de goleiros

Créditos imagens: Arquivos Fernando Corrêa

A equipe de futebol vista a partir de uma abordagem sistêmica pode ser considerada um conjunto de diversos componentes em interação, que atuam na formação de um sistema, no qual seus integrantes devem trabalhar de forma coordenada e interdependente para o melhor funcionamento e desenvolvimento da equipe.

A visão sistêmica tenta trazer para o jogo a compreensão do “todo”, permitindo uma análise global, mais completa e complexa da equipe. Nesta abordagem, todos os elementos que compõem a estrutura fazem parte de um sistema em constante organização, sejam eles elementos internos – como nível dos jogadores, visão da comissão técnica sobre o jogo e o treino, capacidade de operacionalização das ideias pela comissão técnica, modelo de jogo, qualidade do treino, aptidões psicoemocionais dos jogadores, funções táticas, ações técnicas e capacidades físicas desempenhadas pelos jogadores etc – ou externos – como estrutura do clube, aporte de investimentos, nível competitivo do clube, diretoria, torcida, imprensa, cultura do país etc.

Ao compreender a equipe como um sistema em constante organização, dinâmico e adaptativo, inicia-se a análise do conjunto de elementos e relações interdependentes existentes no ambiente de treino que, de alguma forma, influenciam no desenvolvimento e funcionamento da equipe.

Esta análise é fundamental para ter conhecimento sobre as dinâmicas existentes no sistema e, assim, obter as referências para a elaboração dos objetivos a serem alcançados durante o processo de desenvolvimento da equipe.

Com o entendimento do “todo” por meio da abordagem sistêmica, a comissão técnica deve ser capaz de elaborar sessões de treinamento condizentes com as ideias almejadas para o modelo de jogo, buscando sempre uma coerência entre o que se espera apresentar nos jogos e o que se faz nos treinamentos para que isso aconteça.

Neste contexto sistêmico do futebol, o goleiro, que tempos atrás tinha suas possibilidades de atuação no jogo subutilizadas, atualmente está cada vez mais inserido no modelo de jogo de forma sistematizada. Isso se deve à ampla possibilidade de atuação dos goleiros nos momentos de organização defensiva e ofensiva, transições e bolas paradas, realizando funções coletivas e individuais, tais como proteção da meta e do espaço aéreo; proteção da última linha defensiva; organização coletiva nas bolas paradas defensivas; orientações sobre as regras de ação dos companheiros nos diferentes momentos do jogo; e construção do momento ofensivo.

A maior utilização do goleiro no modelo de jogo, acompanhada da complexidade natural do jogo de futebol, exige que esse atleta desenvolva e aperfeiçoe constantemente seu repertório tático, técnico, físico e psicoemocional, buscando sempre reproduzir nos treinamentos as possíveis situações encontradas nos jogos. Mas para que se possa elaborar treinamentos que se aproximem ao máximo das situações de jogo e proporcionem uma eficaz atuação coletiva e individual dos goleiros, é fundamental entender as funções táticas, ações técnicas, capacidades físicas e aptidões psicoemocionais que o modelo de jogo demanda do goleiro, de acordo com as ideias de jogo da equipe e, também, de forma aleatória, devido à imprevisibilidade do jogo acompanhada das situações de oposição proporcionadas pela equipe adversária.

Segue abaixo uma tabela com os conteúdos táticos, técnicos, físicos e psicoemocionais desenvolvidos ao longo de uma temporada:

O modelo de jogo e o grau de inserção neste podem potencializar ou limitar o desenvolvimento dos goleiros. Isto porque, pensando em um amplo desenvolvimento do atleta, vivenciar apenas uma ideia de jogo dentro do modelo pode comprometer a sua constante evolução, se comparado a outro goleiro que vivenciar diferentes ideias de jogo, respeitando o tempo necessário para que as adaptações essenciais possam acontecer. Em relação à inserção no modelo de jogo, o goleiro sempre estará inserido, pois sua presença é fundamental para que o jogo aconteça. Mas o que determina suas possibilidades de atuação está diretamente relacionado ao grau de inserção no modelo, o qual pode proporcionar um repertório amplo ou limitado de funções táticas e ações técnicas a serem realizadas, que, por sua vez, influenciam diretamente as capacidades físicas e as aptidões psicoemocionais necessárias para a atuação nos jogos.

Ao analisar a atuação dos goleiros em equipes com modelo de jogo distintos, pode-se observar que, independente das ideias de jogo, os atletas realizam as “mesmas” funções táticas coletivas de organização ofensiva, defensiva, transições e bolas paradas, assim como as funções táticas individuais de proteção da meta, do espaço aéreo, da última linha e construção ofensiva. Mas as referências táticas coletivas e individuais necessárias para que os goleiros realizem estas “mesmas” funções são completamente diferentes por conta das particularidades de cada ideia de jogo.

Nesse contexto, as ideias de jogo contidas no modelo são extremamente importantes, pois estabelecem as orientações coletivas e individuais necessárias para que o goleiro confronte um ambiente caótico, proporcionando alguma previsibilidade na imprevisibilidade do jogo. E, juntamente com o grau de inserção, direcionam as características e a frequência com que cada função tática pode vir a ser realizada.

Vejamos as características das funções táticas na construção ofensiva e proteção da última linha em dois modelos com ideias de jogo distintas:

1) Imagine uma equipe A com modelo de jogo no qual o goleiro esteja inserido de forma integral no contexto coletivo e a equipe tenha como ideia de jogo:

  • a) realizar um jogo posicional
  • b) construção ofensiva desde o setor defensivo por meio de passes curtos (ataque-posicional);
  • c) dominar as ações do adversário pela manutenção da posse de bola;
  • d) marcação em bloco alto desde o tiro de meta adversário;
  • e) forte ação de pressão na bola e no espaço nos momentos de pós-perda da posse.

O goleiro nestas circunstâncias, provavelmente irá realizar a função de construção ofensiva por meio dos seguintes comportamentos táticos:

  • a) criar superioridade numérica nos momentos de construção ofensiva desde o setor defensivo;
  • b) apoiar a organização ofensiva, oferecendo linhas de passe em largura e profundidade negativa para dar sequência ao jogo ou diminuir a pressão adversária no portador da bola;
  • c) ampliar o espaço de jogo efetivo da equipe;
  • d) garantir a manutenção da posse de bola;
  • e) procurar opções seguras de passes curtos e médios quando responsável por retomar a posse de bola ou repô-la em jogo;
  • f) criar desequilíbrio na organização defensiva adversária realizando passes entre linhas quando possível.

Para cumprir a função de proteção da última linha, o goleiro pode realizar os comportamentos táticos:

  • a) diminuir o espaço das ações ofensivas adversárias em largura e profundidade por meio das orientações de subida do bloco;
  • b) reequilibrar constantemente a organização defensiva em diferentes situações do jogo;
  • c) orientações em relação aos gatilhos de pressão e controle da profundidade (bola coberta e descoberta);
  • d) ações de cobertura fora da área;
  • e) servir de novo obstáculo caso o adversário passe pela última linha defensiva (goleiro x 1);
  • f) direcionar, retardar ou interromper a progressão das ações ofensivas adversárias;
  • g) restringir as possibilidades de passes e lançamentos nas costas da defesa;
  • h) orientar os jogadores a reduzir o espaço de jogo adversário utilizando a regra do impedimento.

2) Já em uma equipe B, com modelo de jogo no qual o goleiro também esteja inserido integralmente no contexto coletivo mas a equipe tenha como ideia de jogo:

  • a) realizar um jogo reativo;
  • b) construção ofensiva por meio de passes verticais (ataque-rápido ou contra-ataque);
  • c) dominar as ações do adversário com rápidas transições ofensivas e defensivas;
  • d) marcação em bloco baixo esperando o adversário para explorar os espaços nas costas da última linha;
  • e) todos atrás da linha da bola nos momentos de pós-perda da posse.

O goleiro possivelmente irá realizar a função de construção ofensiva por meio dos comportamentos táticos:

  • a) explorar os momentos de desequilíbrio na organização defensiva adversária realizando rápidas reposições, quando responsável por retomar a posse de bola ou repô-la em jogo;
  • b) criar rupturas nas linhas defensivas adversárias por meio de passes verticais e lançamentos nas costas da defesa;
  • c) facilitar o deslocamento da equipe ao campo de jogo adversário utilizando poucos passes;
  • d) facilitar a construção ofensiva da equipe envolvendo poucos jogadores;
  • e) apoiar a organização ofensiva oferecendo linha de passe para dar sequência ao jogo;
  • f) direcionar a bola para um setor com menor pressão, preferencialmente no campo de defesa adversário.

E para cumprir a função de proteção da última linha, o goleiro pode vir a realizar os comportamentos táticos:

  • a) garantir linhas defensivas seguras e equilibradas orientando os comportamentos táticos e técnicos dos demais jogadores;
  • b) transmitir orientações ao jogador de contenção para que ele tenha a iniciativa de combater as ações ofensivas adversárias de acordo com o setor de pressão pré-definido;
  • c) condicionar as ações ofensivas adversárias para zonas de menor risco no campo defensivo;
  • d) ações de cobertura dentro da área;
  • e) servir de novo obstáculo caso o adversário passe pela última linha defensiva (goleiro x 1);
  • f) direcionar ou interromper a progressão das ações ofensivas adversárias;
  • g) restringir as possibilidades de passes nas costas da defesa.

Veja, portanto, que as ideias de jogo influenciam diretamente nas características das funções táticas.

Ainda em relação as referências táticas, é essencial que o goleiro tenha uma ampla percepção dos possíveis comportamentos táticos adversários, pois o jogo de futebol é uma constante disputa entre as organizações ofensivas e defensivas, na qual cada equipe busca se sobrepor à outra na intenção de criar possibilidades para progredir em direção ao gol adversário. Isso faz com que o goleiro necessite direcionar sua atenção a todos as possíveis situações decorrentes desses confrontos, tendo como intenção antecipar as ações adversárias. O que o deixa constantemente em situações táticas complexas pela possibilidade de ter que atuar não apenas em uma função mas, sim, em duas ou mais simultaneamente durante grande parte do jogo.

Tomamos como exemplo um confronto entre as equipes A x B para analisar as possíveis demandas no que diz respeito às percepções táticas essenciais aos goleiros nos momentos em que necessitam realizar a função tática de proteção da última linha, de acordo com cada ideia de jogo.

Na equipe A, em que o goleiro realiza a função de proteção da última linha por meio de ações de cobertura fora da área, seu adversário (equipe B), por vezes, pode se encontrar longe do gol quando retomar a posse de bola. Estas situações acontecem pelas ideias de jogo adotadas pela equipe B e também por conta das ações de marcação em bloco alto e pressão pós-perda da bola realizados pela equipe A. Estar longe do gol nos momentos de retomada da posse de bola não oferece à equipe B grandes possibilidades de realizar chutes diretos ao gol ou cruzamentos na área, ficando limitada a passes em largura para retirar a bola da pressão, passes verticais buscando progredir para o campo adversário e lançamentos nas costas da defesa. Isso permite ao goleiro da equipe A focar a maior parte de sua atenção para realizar a função de proteção da última linha, tendo em vista as limitadas possibilidades de ações ofensivas adversárias.

Já a equipe B, na qual o goleiro realiza a função de proteção da última linha por meio de ações de cobertura dentro da área, o adversário (equipe A), por vezes, pode estar próximo ao gol quando retomar a posse de bola. Estas situações acontecem pelas ideias de jogo adotadas pela equipe A e as ações de marcação em bloco baixo, com todos atrás da linha da bola. A proximidade do gol adversário nos momentos de retomada da posse de bola proporciona à equipe A maiores possibilidades de ações ofensivas, como passes em largura para retirar a bola da pressão, passes verticais para infiltração na área, lançamentos nas costas da defesa, chutes direto ao gol e cruzamentos na área. Nesta situação, é essencial que o goleiro da equipe B amplie seu foco de atenção para identificar as possibilidades de ações ofensivas adversárias e tome a melhor decisão em relação à escolha da função tática a ser realizada – proteção da última linha, proteção da meta e proteção do espaço aéreo – e, consequentemente, o tipo de ação técnica necessária para realizar a função.

As ações técnicas – que são os fundamentos realizados pelos goleiros com o objetivo de cumprir suas funções táticas – também são diretamente influenciadas pelas ideias de jogo contidas no modelo. Essa influência se dá em relação aos tipos de fundamentos necessários para realizar uma determinada função e a frequência com que esses fundamentos podem ser solicitados.

Ao analisar o goleiro que atua na equipe A, provavelmente se observará que nos momentos de construção ofensiva, as ações técnicas de jogo com os pés apresentam uma predominância dos seguintes fundamentos:

  • a) domínio orientado (tendo como referência a pressão adversária em espaço e tempo);
  • b) condução de bola (nos momentos de circulação e homem livre);
  • c) passes curtos e médios em largura e profundidade (realizados com a bola parada ou em movimento utilizando as mãos ou os pés).

Já em relação ao goleiro que atua na equipe B, os fundamentos predominantes podem ser:

  • a) domínio com orientação vertical (tendo como referência o ajuste de corpo e da bola para realizar passes verticais);
  • b) passes médios e longos em profundidade (realizados com a bola parada ou em movimento utilizando as mãos ou os pés);
  • c) lançamentos nas costas da defesa (direcionados a um companheiro ou colocando a bola em disputa, realizados com a bola parada ou em movimento utilizando as mãos ou os pés).

Nos momentos de proteção da última linha, o goleiro da equipe A pode utilizar com maior frequência os fundamentos de cobertura defensiva fora da área com a predominância dos seguintes fundamentos:

  • a) cabeceio orientado (buscando direcionar a bola para setores de menor risco);
  • b) domínio orientado (peito e coxa);
  • c) rebatidas de bate pronto (buscando direcionar a bola para os setores de menor risco);
  • d) passes a um toque (realizados com a cabeça, peito, coxas e pés).

Em relação ao goleiro da equipe B, vamos observar uma maior frequência de ações de cobertura defensiva dentro da área, com a predominância dos fundamentos:

  • a) pegada, encaixe, entrada e quedas laterais baixa e alta (nos momentos de interceptação das bolas);
  • b) abordagens de GK x 1 (nos momentos de saída nos pés dos atacantes e enfrentamentos ao portador da bola).

Nesse contexto, segue abaixo uma visão geral das conexões entre o modelo de jogo, os momentos do jogo e as funções táticas coletivas/individuas desempenhadas pelos goleiros:

Abaixo as conexões entre os momentos do jogo, funções táticas coletivas/individuas e as ações técnicas desempenhadas pelos goleiros:

Outro ponto de grande influência, relacionado com o grau de inserção do goleiro no modelo de jogo, são as capacidades físicas e aptidões psicoemocionais. Isto porque o goleiro com maior grau de inserção no modelo provavelmente terá uma exigência física e psicoemocional maior em relação ao goleiro com grau de inserção parcial no contexto coletivo da equipe. Isso se deve à maior frequência de participação no jogo em diferentes momentos e não pelas ideias de jogo.

Seguem abaixo as conexões entre as funções táticas coletivas/individuas, ações técnicas e capacidades físicas exigidas dos goleiros:

Abaixo as conexões entre os momentos do jogo, funções táticas coletivas/individuas e as aptidões psicoemocionais exigidas dos goleiros:

O entendimento destas questões pode ajudar o treinador de goleiros na construção da semana de treinamentos. É fundamental que o treinador de goleiros elabore as sessões de treinamentos individuais dos goleiros de forma conjunta e coerente com o trabalho da equipe, pois todas as funções táticas e ações técnicas realizadas pelo goleiro exercem direta influência na organização coletiva da equipe. Em contrapartida, as ideias de jogo e o grau de inserção no modelo interferem diretamente nas funções táticas, ações técnicas, capacidades físicas e aptidões psicoemocionais necessárias aos goleiros. Se no momento da elaboração do treinamento individual não se levar em consideração todos os momentos do jogo, assim como as organizações e referências táticas coletivas, o treinamento acaba tendo finalidade nele mesmo e, consequentemente, a transferência para o jogo poderá ser prejudicada ou até mesmo não acontecer.

A compreensão das funções táticas desempenhadas pelo goleiro dentro do modelo de jogo e o entendimento da complexidade que existe na elaboração de uma sessão de treinamento nos permite conferir alguma previsibilidade a um jogo imprevisível, o que é muito importante, considerando que os esforços coletivos devem caminhar em uma mesma direção para se obter o melhor desempenho possível.

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Dirigentes e Executivos dos Clubes Paulistas se capacitam em Workshops na Federação Paulista de Futebol

Crédito imagem: Rodrigo Corsi/Agência Paulistão

Os principais dirigentes e executivos dos clubes paulistas estão participando desde o início de 2022 do Programa de Capacitação MASTER FPF – LIDERANÇA E GESTÃO SISTÊMICA NO FUTEBOL. Esta é uma iniciativa organizada pela Federação Paulista do Futebol e Universidade do Futebol, com o apoio da LaLiga Business School.

Este programa provoca os principais tomadores de decisões do futebol paulista a pensarem sobre o FUTURO DO FUTEBOL, bem como as grandes e recorrentes questões da gestão de clubes de forma coopetitiva. Isto é, contempla a face competitiva dentro de campo e também a face cooperativa para tornar o futebol um negócio mais atraente para quem assiste, investe, trabalha e participa desta indústria.

Lucas D’Andrea (Inter de Limeira), Cleo Prado (São Paulo) e Tony Moreno (São Bernardo) durante o Workshop 3 na FPF. Foto: Rodrigo Corsi/Agência Paulistão

O programa contempla 6 Workshops presenciais na FPF, além de palestras online internacionais e extenso conteúdo de estudo a distância na plataforma da FPF Academia, com o suporte educacional da Universidade do Futebol. O objetivo deste programa é dar informações, gerar um ambiente de troca de conhecimentos e incentivar o networking e boa relação entre as principais lideranças que conduzem os clubes paulistas. Isto é fundamental para o desenvolvimento do futebol como um todo!

Foto do primeiro Workshop do Master FPF – Turma 1, ocorrido em Janeiro de 2022. Foto: Rodrigo Corsi/Agência Paulistão.

Nos workshops, os líderes estão vivenciando palestras nacionais e internacionais, exercícios individuais e em grupo, debates, trocas de experiências e conhecimentos sempre direcionados a pensar em conjunto a indústria do futebol como um todo.

Diogo Kotscho, Vice-presidente de comunicação do Orlando City, apresentando o Case do Clube para a Turma 1 do Master FPF ao longo do Workshop 2, ocorrido em Fevereiro. Foto: Anderson Rodrigues/FPF
Momento de atividade em grupo entre os participantes para co-criarem o FUTURO DO FUTEBOL ao longo do Workshop 2. Foto: Anderson Rodrigues/Ag. Paulistão.

Veja um exemplo mais específico. O Workshop ocorrido em 15 de Março foi o terceiro do MASTER FPF e teve como tema principal a Sustentabilidade do Futebol. Temas como SAF e demais formatos de clube-empresa, fair play financeiro e o diferente repertório de investimentos que deverão procurar os clubes foram trabalhados durante esse dia em que os gestores mergulharam intensivamente nesses temas. Todo este esforço levará esses gestores a conhecer o que há de mais novo e importante para levar o seu clube junto com o futebol paulista e brasileiro aos patamares mais elevados possíveis.

Tony Moreno (São Bernardo) fazendo uma pergunta aos debatedores durante exposição sobre os Impactos dos Clubes-Empresas no Brasil. Foto: Rodrigo Corsi/Agência Paulistão

Somado a esse rico ambiente presencial, no estudo online são ofertadas palestras ao vivo, de outros cases internacionais, com tradução simultânea, e um curso estruturado em 10 módulos com os temas mais importantes da gestão e do Futuro do Futebol profissional.

Registro da Palestra sobre o Case do Real Betis, com o Ramón Alarcon, Diretor Geral de Negócios do Real Betis.
Registro do Case do Atlético Nacional da Colômbia, contado pelo ex-presidente do clube, Juan Carlos de la Cuesta.
Esta ilustração mostra um trecho de uma aula disponível para os participantes do MASTER FPF, referente à Gestão Sistêmica do Futebol Feminino. Imagem: FPF ACADEMIA.

Este Master FPF é o início de um modelo de capacitação e formação de todos os dirigentes e executivos do Estado de São Paulo e que pode servir de inspiração e benchmarking para todos os centros do futebol brasileiro e internacional. É uma iniciativa inovadora que tem trazido excelentes percepções de valor pelos principais clientes desse programa, os próprios dirigentes e executivos. Leia alguns depoimentos de alguns deles sobre a importância do programa, o networking entre os dirigentes e o pensamento do futebol paulista como um todo.

Bruno Pessotti – Ferroviária S/A
Cleudimar Prado – São Paulo

O futebol precisa se cercar de todo conhecimento acadêmico para sistematizar o saber empírico que ele já acumula historicamente. O futebol precisa se organizar e acho que estruturar um conhecimento para isso é um passo fundamental para gente ter um modelo menos aleatório de gestão no futebol paulista e, com isso, diminuir as assimetrias que são características do sistema.

Muitas das coisas têm aplicação prática, é palpável isso, mas além da aplicação prática nos clubes, o objetivo do curso é promover uma reflexão em termos de analisar o sistema do futebol brasileiro, não só pensar no dia a dia prático do clube, mas analisar o produto de entretenimento que é o futebol.

Bruno Pessotti – Diretor Executivo da Ferroviária S/A

Acredito que primeiro é a capacitação, porque dentro de um clube, às vezes, você fica fechado dentro daquela função, dentro da sua diretoria. Aqui a gente está tendo a oportunidade de ter vários depoimentos diferenciados e isso é conhecimento que vamos agregando. A troca de experiência é sensacional, o networking é muito legal, e eu acredito que, à medida que o clube vai passando, você vai conseguindo se ver em algumas posições. Estava assistindo a palestra do Marcelo Paiva e eu me identifiquei, então você pode observar que está no caminho certo.”

Cleudimar Prado – Diretora do Futebol Feminino de Base do São Paulo
Genilson Santos – Grêmio Novorizontino
Lucas Balistiero – Inter de Limeira

A importância de um programa como esse, de um incentivo que a FPF sempre coloca a disposição dos clubes visando um crescimento profissional dos seus dirigentes e que isso seja transportado para a realidade dos clubes, fazendo com que, cada vez mais, se profissionalizem nas suas gestões, na maneira de conduzir o seu trabalho, fazendo com que esse futebol profissional possa ser bem representado em campo, cada vez mais valorizando as competições, mas, principalmente, fazendo um futebol melhor, mais rentável e sustentável.

Muito importante esse networking que é feito entre os clubes, porque, na verdade, vivemos problemas parecidos e com histórias de sucesso parecidas que devem ser compartilhadas, porque isso faz com que ninguém se sinta sozinho. Todos sabem que todos têm as suas dificuldades e as suas vitórias e isso, cada vez que é compartilhado, se torna muito rico em termos de conhecimento.

Genilson Santos – Presidente Executivo do Grêmio Novorizontino

O futebol como um todo precisa dessa evolução e o futebol paulista, nos últimos anos, vem na vanguarda desse processo e é muito importante que esse processo seja de duas vias, dos clubes e da federação, para que a gente possa alavancar o futebol paulista e brasileiro a níveis melhores, competindo melhor no mercado como um todo, não só no esporte, mas também com outras indústrias, como entretenimento e videogames.

A federação, além de estar puxando esse curso por ela, trazendo parceiros como a LaLiga e a Universidade do Futebol, que têm uma visão mais temática de todo o processo, ajudam muito aos clubes abrirem um pouco a visão e buscar soluções alternativas para elevar o nível do nosso futebol.

Lucas Balistiero – Presidente Executivo da Inter de Limeira

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Futebol e Formação Integral – A Escola Brasileira do Jogo

Crédito imagem: Lucas Figueiredo/CBF

O tema da formação no futebol é algo que me dedico por anos, estudando, praticando, dialogando, observando e buscando entender seus problemas e possíveis soluções. Nesta série de artigos, estou propondo alguns pilares para sempre termos uma Escola Brasileira de Futebol capaz de formar atletas de maneira integral. No primeiro texto argumentei sobre a nossa Escola Brasileira do Talento que ainda permanece viva, sustentada por três elementos centrais descritos lá (clique para acessar).

No texto de hoje quero abordar a Escola Brasileira do Jogo. Esta, segundo o próprio Ricardo Drubsky, referência para as duas primeiras escolas desta série, é uma que temos deixado a desejar na formação de nossos jogadores. Se por um lado a Escola Brasileira do Talento foi bastante eficaz em formar diversos/as atletas diferenciados/as na nossa história futebolística, a Escola Brasileira do Jogo ainda não chegou a esse grau de excelência.

E o que seria essa Escola Brasileira do Jogo?

Podemos interpretá-la como aquela que ensina os muitos conteúdos do jogo formal de futebol para que os/as atletas compreendam a sua lógica, regras, todos os princípios de jogo, as posições-funções, as estratégias e conexões coletivas fundamentais para que uma equipe seja competitiva. Para essa Escola ter sustentação, destaco ao menos 3 vertentes básicas:

– Profissionais qualificados.

– Competições adequadas.

– Infraestrutura esportiva.

Vamos iniciar pelos profissionais. São eles que conduzirão as crianças e adolescentes que chegam das práticas informais às instituições educacionais do futebol para seguirem o seu processo de formação. Aqui não destaco apenas os professores e treinadores, embora eles sejam responsáveis centrais do processo.

Como diz o ditado africano: “É uma aldeia inteira que educa uma criança”.

Portanto, todos devem estar preparados para educar as crianças e adolescentes que chegam às instituições. Dos professores e treinadores a donos de escolas e presidentes de clubes. O conjunto de crianças que chega nessas instituições não pode ser tratado como diamantes a serem lapidados ou descobertos. Ou mesmo não podem entrar em uma espécie de fábrica de atletas com a simples lógica de produção de jogadores e jogadoras de alto rendimento para o futebol nacional e mundial. Nem meros clientes que estão ali para passar o tempo ou apenas se divertir. Primeiramente, é preciso haver a essência da qualidade de educadores nesses profissionais.

Aqui posso resgatar Paulo Freire que certa vez disse: “Educar-se é impregnar-se de sentido cada momento da vida, cada ato cotidiano.”

Nessa perspectiva, os educadores do futebol precisam oferecer às crianças e jovens que frequentam as instituições esportivas a possibilidade de encontrarem sentido no que fazem. Um sentido que os levem para uma vida melhor, em todos os aspectos. Dentro disso, a instituição precisa saber em qual etapa ou etapas do processo de formação ela se dedica, e como pode desempenhá-la da melhor maneira. Abaixo deixo um texto sobre essa diferenciação dos contextos.

Nas próprias questões específicas da formação para o jogo, para que a criança (já talentosa ou não) se desenvolva para além de uma especialização precoce, os profissionais envolvidos na sua formação precisam estar preparados para enxergar o mapa completo do jogo, com todos os seus conteúdos pedagógicos. Desde aqueles que ela já consegue desempenhar até aqueles que ainda não consegue. Diante disso, oferecer estímulos e feedbacks que a prepare ao mais alto nível possível de conhecimento sobre e para o futebol que ela possa chegar. Isto é, ensinar bem futebol a todos/as (clique para ler um texto sobre isso). Veja a imagem completa do Mapa do Jogo que ilustra essa ideia.

A autoria desta imagem é do Treinador Eduardo Barros e do Professor Bruno Pasquarelli em colaboração com a Universidade do Futebol. Caso queira entender mais profundamente este Mapa do Jogo, procure pelo curso: O Mapa do Jogo: desvendando a complexidade do futebol

Outra vertente central, que, sem ela, profissional ou instituição nenhuma isoladamente é capaz de fazer um trabalho de excelência, é a existência de competições adequadas para essas crianças e jovens praticarem o jogo mais próximo à sua lógica formal. De maneira gradativa com o passar dos anos, mas que forme competências para que o desempenho final seja compatível com um futebol de alto nível.

Contudo, o que caracterizaria uma competição adequada?

Aquela resposta que você já deve ter ouvido para diversas questões: depende! Pois o cliente final de qualquer competição, para que ela seja adequada no sentido integral que estou apontando, não pode ser os pais, clubes ou patrocinadores, mas sim, as pessoas que jogam. O regulamento, o calendário, as regras do jogo, a postura das pessoas em volta ao jogo, os símbolos, as honras e os méritos etc., todas as variáveis que envolvem uma competição precisam ser pensadas para favorecer quem joga a jogar da maneira mais plena que puder, nas condições possíveis de realizar.

Tamanhos oficiais de campo e gols para crianças de 11 anos não podem ser características de uma competição adequada, tais como não são adequadas: competições com placares muito elásticos; equipes com condições logísticas totalmente desfavoráveis jogando contra equipes com condições logísticas totalmente favoráveis; lógica de competições de alto rendimento para torneios de crianças em iniciação ou de jovens em especialização; reforço à cultura de supervalorização dos resultados em detrimento dos processos não pode fazer parte de uma competição adequada para a maioria dos contextos, diria até para o alto rendimento; calendário de equipes com competições/jogos demais ou de menos também prejudica a formação integral e contínua de atletas. É preciso que os responsáveis por organizar competições de todos os níveis pensem, sobretudo, em quem joga. Pergunte-se: o que é mais adequado para que esta competição seja saudável e potencializadora das pessoas que jogam e do futebol que será produzido aqui?

Por fim, a última vertente que eu gostaria de destacar é a infraestrutura esportiva. É muito difícil possuir uma Escola Brasileira do Jogo de excelência. Pois para produzi-la de tal qualidade, baseada na formação integral de atletas, é necessário contar com espaços para a prática e treinamento de futebol correspondentes a esse nível de exigência. Especialmente nas últimas fases de especialização, na transição base-profissional e no alto rendimento, o jogo se torna muito prejudicado quando não existem bons gramados, bons espaços para treinar, com estrutura para que os profissionais e atletas consigam desempenhar o que sabem de maneira minimamente razoável. Portanto, aspectos econômicos entram nessa equação, pois para termos uma Escola Brasileira do Jogo que forme integralmente nossos e nossas atletas, é necessário investimento em infraestrutura esportiva. As qualidades do jogo e dos treinamentos são altamente dependentes dessas condições.

Diante das vertentes que compõem a Escola do Jogo, como você classificaria a situação do Brasil nas questões de profissionais, de competições e de infraestrutura esportiva para o futebol? Damos as condições de nossos e nossas atletas se desenvolverem plenamente no jogo? Como avançarmos no desenvolvimento desta Escola?

Neste ponto, encerro a reflexão de hoje, já convidando para o próximo texto, que será sobre a Escola Brasileira do/a Atleta. Será que todo jogador talentoso ou talentosa é um bom atleta? Será que isso é ensinável? Vamos conversar sobre isso na próxima semana. Até lá!

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Treinar para formar ou ganhar? A resposta não é tão simples

Crédito imagem: Renata Lufti

Uma discussão frequente entre os treinadores de base, seja aqui nos Estados Unidos ou ao redor do mundo, é se devemos priorizar a busca pelo resultado ou se devemos enfatizar o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Na era dos comentários nas mídias sociais, é interessante analisar como pais e treinadores opinam fortemente sobre esse tema.

Neste texto abordarei esse tema, levando em consideração a minha experiência como treinador de categorias de base em uma grande variedade de ambientes e países, minha formação acadêmica proveniente da graduação em Educação Física e interação com outros profissionais da área.

O erro da abordagem binária

Para começar, é preciso deixar claro que não necessariamente esse tópico deve ser abordado de forma binária, ou seja, treinar para ganhar ou para desenvolver não são polos opostos em que o treinador deve abraçar algum. No entanto, esses objetivos nem sempre andam juntos:  algumas decisões podem enfatizar algum objetivo específico. Para que as decisões tomadas pelos pais, treinadores e dirigentes sejam adequadas, é preciso analisar a própria realidade e sopesar as consequências de cada abordagem.

Contexto: objetivos dos pais e atletas

Frequentemente, ao abordarmos o futebol de base, o foco está nos jogadores de elite, mais precisamente nas equipes profissionais. Na prática, seja no Brasil ou no exterior, a maioria dos praticantes de futebol de base não se encontram nesse cenário. Enquanto o sonho de se tornar um atleta profissional talvez seja comum para muitos, esse não é o objetivo principal de todos os pais ao inscrever seus filhos em um clube, escola de futebol, projeto social, ou qualquer outra organização que permita a criança jogar regularmente. O desenvolvimento motor, cognitivo, psicossocial e socioafetivo podem ser alguns dos principais motivos pelos quais as crianças são inseridas em um contexto de treinamento esportivo. Na perspectiva de quem joga, que pode também praticar outras atividades, a motivação pode ser simplesmente se divertir, buscar uma boa forma física, estar próximo de algum amigo ou até mesmo o prazer pela competição e pelo “estado de jogo”. Assim, além da própria filosofia do treinador nessa discussão entre treinar para ganhar ou desenvolver, é importante considerar o meio em que se encontra, e os objetivos de quem joga e de seus respectivos familiares. 

Formar para a vida ou para o futebol?

Esse não será o tema central deste artigo, mas vale a pena ressaltar que ao se discutir os objetivos do treinamento, quando nos referimos a “formação”, essa pode ser estritamente esportiva ou estar ligada à constituição de um cidadão íntegro, responsável e crítico, capaz de lidar com os pormenores da vida e de repensar o meio em que vive. Assim, ao se discutir treinar “para formar”, é importante compreender o que esse termo significa para cada um.

Note que essas definições do formar, não são antagônicas e que o esporte não precisa ter um fim em si mesmo, ou seja, em um projeto pedagógico, a formação esportiva pode acompanhar a formação pessoal, qualificando ainda mais o processo de ensino-aprendizagem.

Métodos e estilo de jogo

Os métodos empregados durante o treinamento e o estilo de jogo serão frequentemente os primeiros itens a serem discutidos em relação à formação ou ao desenvolvimento. Por exemplo, nos Estados Unidos, país onde moro, tradicionalmente existe um estilo de jogo muito direto, possivelmente por influência histórica de outros esportes como o futebol americano. Talvez por conta disso, grande parte dos treinadores de outros países que aqui trabalham (e são muitos, com predominância de europeus) se baseiam na ideia de que para desenvolver jogadores é necessário um estilo de jogo de posse de bola, com saída de jogo desde a própria meta.

Já ouvi de diversos treinadores: “eu não me importo de perder todos os jogos, o que quero é desenvolver meus jogadores. Então, nunca damos um chutão, sempre saímos jogando de trás”. A premissa parece louvável, porém existem muitas “armadilhas” frequentemente associadas nesse processo. Entre elas:

  • Desenvolver essa saída de jogo e todo o treinamento através de funções específicas: enquanto treinos “específicos” para uma função frequentemente são percebidos por pais como algo relacionado a uma metodologia eficaz de treinamento, corre-se o risco de incorrer em uma especialização precoce durante o processo de formação, limitando o desenvolvimento dos jogadores.
  • Sempre sair jogando da mesma forma tira dos atletas parte do poder de leitura do jogo e da tomada de decisão, limitando assim o desenvolvimento.
  • Na bola curta, alguns jogadores farão muitas repetições enquanto que os jogadores mais distantes quase não participarão do jogo, de modo que não serão estimulados a lidar com a bola chegando de outras formas ou distâncias.

Ou seja, mesmo quando um treinador diz que “treina para desenvolver”, é necessário cuidado para ter certeza de que os métodos empregados realmente atendam aos requerimentos das janelas de aprendizagem, por exemplo apresentando alta variabilidade durante período iniciais da formação.

Motivação e escolha das competições

No item anterior, afirmamos que alguns treinadores não se importavam em perder, pois buscavam o desenvolvimento dos jogadores. E os jogadores? Será que entendem que a derrota é um preço a ser pago para o “desenvolvimento”?

Mesmo que equipes tenham jogadores determinados a buscar o profissionalismo no esporte, para a grande maioria dos atletas, a carreira irá acabar antes de chegar à idade adulta. Então, vale a pena deixar de ganhar para “desenvolver”, para uma carreira que não irá existir para a maioria dos jogadores?  Além disso, quais os efeitos dos resultados na relação do jogador com o esporte, e as consequências dessa relação para a permanência no esporte? Será que a derrota reduz a motivação e afasta os praticantes da modalidade?

As próprias crianças, no futebol de rua, frequentemente mudam as regras ou times buscando partidas equilibradas para manter a motivação de todos. Acostumar-se com a vitória ou com a derrota pode ser desestimulante.

O nível e frequência das competições escolhidas também pode ter um peso grande na forma de treinar a equipe e na relação do atleta com o esporte. Em alguns casos, fica a critério dos treinadores ou dirigentes determinarem em quais ligas e divisões deverão participar. Uma divisão muito difícil pode gerar pressão para alcançar resultados e afetar o treinamento da equipe de forma que se busque “atalhos” para conseguir bons resultados, mas que possam afetar negativamente o desenvolvimento. Por outro lado, uma divisão muito fácil pode afetar o desenvolvimento de certas valências e ajudar a criar “hábitos ruins” nos atletas.

Desenvolvimento do time vs desenvolvimento do indivíduo

Ao começar o trabalho em uma nova equipe e sabendo que está por vir um torneio importante, é compreensível que o foco esteja na organização da equipe, buscando otimizar os processos durante o jogo para a busca de resultados. Nesse processo de organização tática, os jogadores irão se desenvolver, já que deverão aprender as funções necessárias para colocar o plano tático em prática. Mas esse desenvolvimento será limitado às funções que o atleta terá que desempenhar. Ao se pensar no desenvolvimento do atleta, na maioria das vezes, a atenção irá para os “fundamentos” do futebol, ou seja, ações técnicas com a bola.

Já os princípios de jogo (por exemplo, amplitude, profundidade, penetração etc.) também têm sido enfatizados por muitos treinadores, geralmente na perspectiva do trabalho de aspectos táticos da equipe (por exemplo, como mudar o lado do ataque, compactar-se defensivamente etc.). No entanto, poucos trabalhos enfatizam as táticas individuais e de grupo, que podem ajudar na resolução de inúmeros problemas de jogo, aumentando a autonomia e a efetividade dos jogadores, sem a dependência de uma certa formação ou estilo de jogo.

O resultado é um desequilíbrio na formação dos jogadores: as táticas de equipe, e técnicas individuais são muito mais trabalhadas do que as táticas individuais e de grupo.

Considerando a minha experiência no futsal de alto nível, onde as táticas individuais e de grupo são em geral muito trabalhadas, ou pelo menos requisitadas, não consigo deixar de assistir um jogo de futebol sem prestar atenção em como tantos jogadores têm dificuldades em solucionar problemas do jogo sem depender exclusivamente de capacidades físicas ou técnicas.  Ao treinar equipes competitivas com jogadores entre 15 e 17 anos, que estão a quase 10 anos competindo no esporte, é difícil aceitar que não estejam familiarizados ou que não tenham desenvolvido de forma ótima algumas capacidades táticas individuais, como, por exemplo, fixar um defensor, flutuar na marcação, fechar linhas de passe ou temporizar ofensivamente.  

O que muitas vezes acontece, é que trabalhar a compreensão da lógica do jogo, o desenvolvimento da criatividade e a solução de problemas através de táticas individuais ou de grupo, sem dúvida não produz resultados tão rápidos quanto a organização da equipe. Assim sendo, trabalhar priorizando o desenvolvimento do individuo se enquadraria em treinar para “formar” muito mais do que treinar “para ganhar”.

Gestão da equipe

Vamos agora mudar o foco da discussão técnico-tática para abordar o tema a partir de outras perspectivas, começando pelo gerenciamento de uma equipe, clube ou associação. A gestão engloba uma variedade de aspectos, como o manejo das substituições e até mesmo a aplicação de sanções disciplinares, que podem elucidar uma clara diferença entre treinar para ganhar ou para desenvolver. Nesse sentido, somente utilizar os melhores jogadores durante as partidas e deixar de aplicar uma ação disciplinar em razão da importância de um jogador são exemplos da prioridade na busca de resultados imediatos em competições.

Autonomia, resiliência e capacidade de investigação

É fundamental desenvolver nos jogadores as capacidades de investigação, resiliência e autonomia, as quais podem, a longo prazo, ajudar as equipes a ganharem os jogos e a manterem uma coesão grupal. No entanto, os efeitos imediatos dessas capacidades tendem a ser menores do que o foco na organização e no modelo de jogo da equipe. Considerando que muitas vezes o treinador possui poucas horas na semana, é comum que a prioridade seja otimizar o desenvolvimento físico, técnico e tático. Assim, temos outro exemplo em focar no jogador ao invés da equipe, poderia ser apontado como fator mais relacionados ao desenvolvimento do que a busca de resultados (pelo menos a curto prazo).

Capitalismo, Pagar para jogar e Categorias de Base

Não podemos deixar de considerar o capitalismo dentro dessa temática. Sob a ótica dos treinadores, os que têm o futebol como “ganha pão” precisam ter como objetivo central a manutenção do emprego ou a ascensão profissional. Muito frequentemente, serão os resultados a curto prazo o elemento principal pelo qual um treinador será avaliado. É evidente que cada cenário carrega suas particularidades, mas a situação de cada treinador interfere em suas prioridades e decisões. 

Sob a ótica do “sistema”, considerando as situações em que os jogadores pagam para treinar, precisamos considerar que escolas (ou clubes) de futebol concorrem umas com as outras, e que, por vezes, agradar o cliente para a sua retenção pode afetar negativamente o processo de formação. Assim, na perspectiva do “cliente” que paga para jogar, as decisões muitas vezes podem ser tomadas de acordo com a prioridade de se atender ao cliente, o que pode deixar ainda mais complexo o processo de decisão.

Nas categorias de base, onde atletas não pagam para treinar, e muitas vezes recebem auxílio financeiro, em geral o treinador não tem tanta pressão em “agradar o cliente”, ficando em geral esse tipo de pressão ligada aos casos de jogadores de muito destaque, que o clube não queira perder. Mas a pressão sobre a comissão técnica por resultados muitas vezes continua presente, e no curto prazo pode se sobressair a um histórico de formação de jogadores, para o time profissional ou para transferências futuras.

Conclusão

“Treinar para ganhar ou para desenvolver” é, certamente, uma discussão complexa, que pode ser analisada sobre uma infinidade de perspectivas. Neste texto, citamos alguns exemplos de assuntos pertinentes ao tema, ressaltando que muitos outros aspectos que não foram aqui citados, podem também influenciar decisões relacionadas à balança do “treinar para formar” versus “treinar para vencer”. Esperamos que este breve texto possa ajudar os envolvidos, sejam jogadores, pais, treinadores ou diretores, a refletirem sobre a complexidade do assunto e a buscar uma visão ampla do próprio ambiente de trabalho e do cenário em que se encontram, para que possam participar desse processo (seja em uma posição de liderança ou não), de maneira coerente com os objetivos e necessidades dos envolvidos.

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Futebol e a Formação Integral – A Escola Brasileira do Talento

Crédito imagem: Antônio Cruz/Agência Brasil

O que sempre me encantou no futebol brasileiro foi o talento individual! Devo admitir. Por mais que tenha aprendido a admirar os movimentos coletivos coordenados, os princípios de jogo sendo bem executados, nada se compara a dribles desconcertantes em direção ao gol, domínios mágicos, passes que ninguém esperava ou finalizações magistrais. Na minha visão, a beleza mais nobre do futebol está na genialidade do indivíduo em perceber esse ambiente coletivo e complexo e agir de maneira criativa em função do jogo. Claro que quando tais ações são coordenadas coletivamente em um mesmo lance formam o apse, mas são tão raras de se ver que eu nem conto com elas. Resta-me esperar as genialidades individuais. E quando elas acontecem, para mim, já valeram o ingresso. Este sou eu, na minha íntima relação com a beleza presente no futebol. Respeito quem pensa diferente e devo dizer, pelos anos de estudo da tática, vejo muita beleza também em elementos mais coletivos do jogo. Só não me fascinam tanto.

Talvez, o fato de eu ser brasileiro colabore para que eu supervalorize os lances individuais. Afinal, tivemos tantos jogadores e jogadoras que desfilavam seus talentos em campo, quadra ou areia, aumentando incrivelmente nossas memórias de lances geniais daqueles que descrevi no parágrafo anterior. Concordo que não podemos resumir nosso futebol a talentos individuais. O futsal, o futebol de campo e de areia são esportes coletivos e isso jamais pode ser ignorado. No entanto, acima da excelência e eficácia de uma equipe, fui acostumado com a genialidade. Aquela que se esconde nas profundezas da intuição humana e, de repente, surge. Pronto! A paixão pelo futebol foi novamente plantada na minha alma.

Confesso que tenho medo de ver cada vez mais um futebol burocrático, que inibe qualquer desabrochar da genialidade que cada jogador ou jogadora pode possuir dentro de si. Observando a história do nosso futebol, jogadores e jogadoras, quando crianças, eram movidos a partir do que queriam explorar da brincadeira de jogar bola. Essa ignição os fazia aumentar seus repertórios de soluções dentro do jogo. Mesmo que em determinada situação não fosse a coisa mais “inteligente” a ser feita para cumprir a lógica do jogo, tentavam porque era difícil, porque era legal conseguir o que ninguém conseguia. Se errassem, apenas tentavam de novo, ou no máximo voltavam para casa, praticavam um pouco mais para tentar melhor na próxima pelada. Contudo, hoje, as crianças ao jogarem bola, quase sempre, estão sendo observadas/dirigidas/avaliadas, com uma mínima margem de erro entre serem promovidas a futuras promessas do futebol ou estarem fadadas ao fracasso de não terem gabaritado o teste de cada dia.

A sorte brasileira é que a Escola do Talento ainda permanece viva. Os meninos e meninas que vivem, sobretudo, nas periferias das grandes cidades, nas cidades litorâneas ou nas cidades pequenas e médias do interior do país, ainda aprendem a jogar futebol movidos pela descoberta do jogo, com o direito de errarem e consertarem à vontade. Esse modo de aprender, considero o Diferencial do Futebol Brasileiro, como relato na série de 4 textos que fiz sobre esse tema (Texto 1, Texto 2, Texto 3, Texto 4). É dele que emerge a base de conhecimentos aplicados ao jogo que poucos jogadores e jogadoras têm no mundo. São conhecimentos sobre o jogo que só quem o viveu de maneira plena e intensa por milhares de horas pode ter desenvolvido.

Na minha visão, os pilares para o desenvolvimento desses conhecimentos em massa, se olharmos para o Brasil, são essencialmente três:

  • (1) precisamos que a cultura do futebol influencie as crianças para que elas se apaixonem pelo futebol logo cedo, e com isso queiram gastar o tempo livre brincando de futebol;
  • (2) é preciso que cada criança que goste de brincar de futebol encontre outras que também gostem, pois quanto mais crianças brincando juntas, melhor para o desenvolvimento das habilidades e da afetividades de cada uma delas para o jogo;
  • (3) essas crianças precisam de tempo e espaço suficiente para brincarem, sem se preocuparem com outras coisas que não seja aproveitar a brincadeira da melhor maneira possível.

Dentro de uma perspectiva educacional, configurando o que seria a Escola Brasileira do Talento, esses três elementos são centrais para que continuemos formando pessoas talentosas para o jogo de futebol. Porém, para que elas se tornem jogadoras ou jogadores de futebol de excelência, isto é, tenham a sua formação mais completa possível, elas precisarão passar por mais três Escolas. Ricardo Drubscky certa vez citou a Escola do Talento e a Escola do Jogo, peço permissão a ele para adicionar mais duas, a Escola do/a Atleta e a Escola do/a Cidadão/ã. Nos próximos textos discorreremos sobre cada uma delas nesta nova série chamada Futebol e Formação Integral – A Escola Brasileira. Espero que goste e caso queira ler mais textos meus, clique no meu nome aqui abaixo! Grande abraço e nos encontramos na próxima semana!

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Estratégias para a coesão social no futebol: aplicações a partir de “Onze anéis”, de Phil Jackson

Crédito imagem: Reprodução/NBA.com

O livro “Onze anéis: a alma do sucesso”, escrito pelo ex-treinador de basquetebol Phil Jackson com colaboração de Hugh Delehanty, aborda, dentre outros temas, algumas estratégias para promover uma elevação dos níveis de coesão social das equipes da National Basketball Association (NBA), a liga de basquetebol profissional dos Estados Unidos.

Na NBA, cada título conquistado equivale a um anel: Phil Jackson, como treinador do Chicago Bulls e do Los Angeles Lakers, conquistou seis e cinco campeonatos, respectivamente. É o treinador mais vitorioso da história da NBA, tendo se utilizado de alguns métodos pouco ortodoxos, sobretudo no que se refere às preparações social e psicológica de suas equipes.

De acordo com Jackson (2014, p. 87):


o basquete é um grande mistério. Você pode fazer tudo certo. Pode ter a combinação perfeita de talentos e o melhor sistema ofensivo no jogo. Pode elaborar uma estratégia defensiva infalível e preparar os jogadores para cada eventualidade possível. Mas de nada valem os seus esforços quando os jogadores não têm um senso de unidade enquanto grupo. E o vínculo que une uma equipe pode ser muito frágil, muito fugaz.

(JACKSON, 2014, p.87)

Assim como o basquete, esportes coletivos como o futebol também apresentam performances dependentes de algo mais que talento, técnica e táticas: esse algo mais é a coesão social entre os integrantes das equipes, denominada “unidade enquanto grupo” por Phil Jackson. Este treinador compreende que a transformação de atletas em um time campeão pode ser traduzida como um malabarismo que representa o “conhecimento das leis consagradas pelo tempo do jogo, mas também coração aberto, mente clara e aquela curiosidade atenta aos caminhos do espírito humano” (JACKSON, 2014, p. 19).

A leitura de “Onze anéis” evidencia algumas concepções e estratégias para a conquista da unidade em um grupo de atletas. São elas:

  • A compreensão do todo como algo maior que o somatório das partes (das individualidades).
  • A promoção do pertencimento dos atletas à equipe.
  • A construção da autonomia dos atletas, através da liderança e das tomadas de decisão.
  • As adversidades estruturais e conjunturais como elementos que fortalecem a coesão social.
  • A importância das contribuições particulares para a consolidação do coletivo.
  • Modelos de jogo e relacionamentos sociais como bases para o exercício da criatividade e da técnica;
  • A submissão dos egos estelares aos interesses coletivos.

Respeitadas algumas diferenças fundamentais entre o basquete e o futebol, como as dimensões dos espaços de jogo e os números de atletas na quadra / em campo, as estratégias adotadas por Phil Jackson podem perfeitamente ser aplicadas em equipes de futebol, tanto na formação (categorias de base) quanto nas equipes principais (profissionais). Através das contribuições de Jackson detalhamos a seguir cada um dos itens supracitados como instrumentos para a construção da unidade de grupo (ou coesão social) no ambiente do futebol.

Jackson (2014) diz que a união dos jovens atletas é traduzida pela devoção a algo maior do que eles próprios, algo que mobiliza suas almas e seus corações. Neste contexto compreendemos que o somatório dos indivíduos não significa o todo coletivo, uma vez que as normas da consciência coletiva podem ser constituídas a partir de fenômenos exteriores aos indivíduos. É a situação das pessoas que, ao nascerem e crescerem em um país, encontram um idioma e uma moeda pré-estabelecidos.

O mesmo pode ocorrer em um clube de futebol, que apresenta cultura, tradições e valores localizados para além das aspirações individuais de atletas contratados. A consciência coletiva, então, paira como um fetiche (uma entidade dotada de vida própria, de acordo com o pensamento marxista) que exerce influência poderosa sobre as consciências individuais. A esse respeito diz Durkheim (2008, p. 133):

quanto mais definidas as crenças e as práticas, menos elas deixam espaço para as divergências individuais. Elas são moldes uniformes em que vazamos todos, uniformemente, nossas ideias e nossas ações. Portanto, o consenso e tão perfeito quanto possível; todas as consciências vibram em uníssono.

(DURKHEIM, 2008, p. 133)

Em uma equipe de futebol existem objetivos que são compartilhados por todos os atletas: a conquista de títulos, o alcance de uma classificação para etapas posteriores das competições, a fuga de rebaixamentos para uma divisão inferior. O papel do treinador, neste âmbito, deve ser o de expor aos atletas a adaptação dos mesmos aos objetivos do clube, priorizando-os em relação às metas individuais.

Sobre a sensação de pertencimento à equipe, Jackson (2014) diz que sempre estimulou debates que contavam com as participações e expressões de todos, atletas e membros da comissão técnica. Segundo o treinador, esse método viabiliza a criatividade e a inclusão de todos, sendo especialmente importante para promover a sensação de pertencimento por parte dos jogadores que jogam pouco e/ou menos que os outros.

O futebol, de certo modo e em várias circunstâncias, é um ambiente complexo permeado pelo conservadorismo. Ainda resistem ideias incapazes de realizar a distinção entre hierarquia e autoritarismo. Jackson (2014) afirma valorizar sua própria posição no comando do elenco de atletas, mas segundo uma perspectiva que cultiva as verbalizações particulares. O respeito à hierarquia é importante, tanto quanto o diálogo. Sobre as reuniões com todos os integrantes da equipe, Jackson (2014, p. 90) diz:

compartilhávamos informações uns com os outros e nos certificávamos se estávamos todos no mesmo passo em termos de estratégia do dia a dia. Cada membro da comissão tinha um alto grau de autonomia, mas quando conversávamos com os jogadores o fazíamos com uma única voz.

(JACKSON, 2014, P.90)

Entendemos que esses procedimentos, baseados na hierarquia, na unidade da comissão técnica e no exercício do amplo diálogo, são fundamentais para que os futebolistas se sintam integrados e com sensações de contribuição e de pertencimento à complexa estrutura de um clube de futebol.

A construção da autonomia dos atletas, através da liderança e das tomadas de decisão, é também uma causa defendida por Jackson (2014). O autor / treinador afirma:

uma coisa que aprendi como treinador é que você não pode impor sua vontade sobre os outros. Se você quer que ajam de maneira diferente, inspire-os para que se transformem. A maioria dos jogadores deixa que o treinador pense por eles. Quando se deparam com um problema na quadra, olham para o lado com nervosismo, esperando que o treinador tenha uma resposta. Muitos treinadores sentem prazer em acomodar o problema. Mas eu não. Sempre procurei fazer com que os jogadores pensassem por si mesmos para que pudessem tomar decisões difíceis no calor da batalha.

(JACKSON, 2014, p.22)

Jackson (2014) afirma que chegava a evitar a solicitação de tempos durante alguns momentos críticos do jogo: dessa forma ele fazia com que os atletas tivessem que tomar suas próprias decisões em momentos de pressão e estresse agudos.

A conexão com a autonomia cognitiva dos atletas de futebol é inevitável. Existem treinadores de futebol que passam instruções para seus jogadores com frequência espantosa: são orientações em série, sendo muitas delas ordens e determinações para que os atletas executem jogadas que seriam as mais apropriadas para momentos específicos dos jogos. Trata-se, no limite, da execução de jogadas de acordo com as tomadas de decisão do treinador, o que compromete a autonomia crítica dos futebolistas.

Não propomos o extremo oposto, constituído por total apatia dos treinadores nos bancos de reservas. Sugerimos orientações pontuais que permitam aos atletas, sejam eles das divisões de base (formação) ou das equipes profissionais, o pensamento autônomo no momento de decidir entre uma ou outra opção técnica ou tática durante uma partida de futebol. Nesse contexto o treinamento tático deve ser construído segundo uma perspectiva de abertura para a inovação e a criatividade: muito além de repetições exaustivas de movimentos e manobras defensivas, ofensivas, de transições e de bolas paradas, a preparação da equipe deve conter situações-problema em que um leque de opções surge para a definição da solução por parte dos atletas envolvidos.

A liderança em uma equipe de futebol, por sua vez, deve extrapolar os limites determinados por aptidões “naturais” de um ou outro atleta: o ato de liderar um grupo passa necessariamente pela construção dessa capacidade social e psicológica (a liderança) a partir da metodologia de trabalho do treinador e da comissão técnica. A esse respeito Jackson (2014) diz que o treinador deve liderar “de dentro para fora”. Mas o que significa isso? Vários treinadores lideram “de fora para dentro”, construindo metodologias que se sustentam sobretudo na avaliação de adversários e nas estratégias para superá-los. Jackson afirma que o pilar, o sustentáculo da liderança, é a conexão das concepções pessoais com a metodologia que rege o trabalho. Jackson (2014, p. 21) afirma: “durante longo tempo acreditei que tinha de separar as convicções pessoais da vida profissional.” A metamorfose na carreira de Phil Jackson ocorreu quando o treinador buscou refúgios espirituais no cristianismo, na meditação e no misticismo dos índios da América do Norte, elaborando uma síntese entre a espiritualidade e a prática profissional esportiva propriamente dita. Ele diz:

embora a princípio temesse que talvez os jogadores achassem minhas opiniões heterodoxas ou um pouco amalucadas, com o tempo acabei descobrindo que, quanto mais falava com o coração, mais me ouviam e se beneficiavam do que era colhido por mim.

(JACKSON, 2014, p. 21)

Ora, vivemos em um país cuja cultura foi alicerçada no patriarcalismo, no coronelismo e no machismo, construções históricas que enfatizam papéis sociais masculinos desvinculados das expressões emocionais e espirituais. Em uma sociedade em que as concepções conservadoras ainda encontram razoável espaço, são requeridos do Homem a força e pragmatismo daqueles que buscam produtos (os fins) e relegam os processos (os meios) a um segundo plano.

O futebol, determinado culturalmente pelos valores hegemônicos na sociedade mais ampla, ainda se reveste do conservadorismo que pauta as relações humanas. Nesse contexto, “talvez Homem não chore” e nem revele seus sentimentos particulares. Phil Jackson nos mostra, via basquete da NBA, que a “voz do coração” pode produzir diversas repercussões benéficas para uma equipe esportiva. É algo que deve ser adotado no âmbito do futebol de alto nível (rendimento), evidentemente associado a uma metodologia de treinamento avançada, complexa e sistêmica , conforme assinalado por Medina (2021).

Além da liderança cognitiva e emocional que parte do treinador, é importante que o exercício da liderança provoque o surgimento de novos líderes. Jackson (2014) explica que sempre estimula a liderança, abrindo mão de reter a “última palavra” e promovendo as expressões verbais de todos os atletas. Assim surgem novos líderes, o que se aplica perfeitamente ao futebol. O diálogo amplo é o veículo para a formação de novas lideranças.

Jackson (2014) também afirma que as adversidades são elementos constitutivos da coesão social. O autor cita um exemplo prático de quando era um atleta de basquete jogando fora de casa contra uma equipe cujo treinador colocava uma série de obstáculos para o desempenho do time visitante. Diz Jackson (2014, p.61):

ele (o treinador adversário) sempre tornava nossa vida um inferno: éramos colocados em vestiários onde as chaves não funcionavam, as toalhas faltavam e o aquecedor era regulado acima de quarenta graus, isso sem que pudéssemos abrir as janelas. Nessa série (de jogos do playoff), ele nos colocou em vestiários diferentes a cada jogo, e o último – no jogo 7 – era um quartinho apertado do zelador, sem armários e com um teto tão baixo que a maioria de nós tinha que se abaixar para se vestir. Em vez de nos humilhar, o que certamente ele queria, o minúsculo vestiário nos enraiveceu tanto que nos fortalecemos ainda mais.

(JACKSON, 2014, P.61)

Jackson (2014) relata uma interessante experiência também da época de atleta, quando atuava no New York Knicks: os atletas tinham que lavar seus próprios uniformes, algo impensável no altamente profissionalizado esporte contemporâneo. Segundo o autor, na época não havia um gerente de equipamentos, “mas por mais estranho que pareça essa lavagem dos uniformes surtia um efeito unificador no time” (JACKSON, 2014, p. 64).

De modo independente do nível técnico do futebol a que possamos nos referir (um jogo regional da categoria sub-15 ou um confronto da série A do campeonato brasileiro), as adversidades sempre existirão, posto que são inerentes ao esporte competitivo. A ocorrência de um gol adversário, as condições climáticas ou do campo de jogo, as limitações estruturais para o treinamento da equipe ou problemas na logística para o deslocamento para um jogo são elementos que, se trabalhados de forma coerente pelo treinador e pela comissão técnica, podem surtir efeitos bastante positivos para a coesão social dos atletas de um clube de futebol. Trata-se do “efeito unificador” citado por Phil Jackson.

Jackson (2014) também entende que as contribuições particulares dos atletas colaboram para a consolidação do coletivo / para o estabelecimento da coesão social. De acordo com o monge Wayne Teasdale citado por Jackson (2014, p. 124):

o trabalho é sagrado quando se interliga à realização espiritual e representa a paixão e o desejo de contribuir para a cultura e, especialmente, para o aprimoramento dos outros. E entenda-se por paixão os talentos divididos com os outros e que moldam o destino de todos quando estão à serviço da comunidade.

(JACKSON,2014,P.124)

Este é um aspecto central da metodologia de trabalho de Phil Jackson: todos contribuem, de uma forma ou de outra, para a construção de uma cultura de alta performance. Esse conceito repercute de forma global em todos os esportes coletivos, de modo geral, e no futebol, em particular. Jackson (2014) acrescenta que os líderes – e nesse caso ele se referia ao fabuloso Michael Jordan – devem compreender que os atletas são diferentes uns dos outros, mas que todos são importantes para a construção da equipe. Nesse contexto o líder precisa saber como obter a melhor contribuição de cada um dos integrantes do time.

No futebol existem diversas formas e vários níveis de contribuições individuais para o sucesso de uma equipe: convivem em um mesmo ambiente os atletas, a comissão técnica, pessoal administrativo e os encarregados da logística. Mesmo entre os atletas persistem diferentes contribuições, derivadas da técnica individual, das características psicológicas e sociais, da aptidão física, da inteligência de jogo e das diversas funções táticas e posições ocupadas no campo de jogo. Além disso, alguns atletas atuam por mais tempo que outros. Assim, cabe ao treinador valorizar todos os esforços individuais que contribuem para a consolidação de uma cultura de alta performance em uma equipe de futebol.

Também merece atenção, no contexto futebolístico, a concepção que defende modelos de jogo e relacionamentos sociais como bases para o exercício da criatividade e da técnica. Um detalhe deve ser observado preliminarmente: de acordo com Lobo (2007), o futebol apresenta atletas geniais e imprevisíveis que podem ser considerados artistas do esporte, que interpretam a tática como formas de amarras (ou limitações). A tática não pode jamais tolher a criatividade e o caráter artístico dos atletas de futebol; ao contrário, ela deve se constituir em um instrumento (um meio) para viabilizar as exposições individuais de talento, sempre em busca dos objetivos coletivos da equipe.

Ora, a organização tática durante a execução das fases de um jogo de futebol (ofensiva, defensiva, transições e bolas paradas), sendo compreendida coletivamente e adequadamente treinada, oferece às equipes, de modo amplo, e a cada atleta, de forma específica, o domínio de um vasto repertório de movimentos e posicionamentos que constituem possibilidades concretas de desenvolvimento técnico. Assim, torna-se irracional a teoria que sustenta a tática como elemento impeditivo da técnica! Na realidade, e adotando uma licença poética, podemos dizer que “no jardim das táticas e das estratégias se destacam as flores da técnica”.

Phil Jackson sempre utilizou um sistema denominado triângulo ofensivo em suas equipes, compreendendo que a estratégia em questão viabilizava aspectos técnicos, criativos e tomadas de decisão por parte dos seus atletas. A esse respeito Jackson (2014, p. 24) diz:

o que me atraía era o caminho que o triângulo abria para os jogadores, propiciando-lhes um papel vital a desempenhar, bem como um elevado nível de criatividade dentro de uma estrutura clara e bem definida. O segredo é treinar cada jogador de maneira que possa fazer a leitura da defesa adversária e reagir de modo adequado.

(JACKSON, 2014, P. 24)

A referência de Jackson ao “elevado nível de criatividade dentro de uma estrutura clara e bem definida” revela um conceito que transcende os limites da quadra de basquete. No futebol, por exemplo, a adoção de um modelo de jogo que priorize marcação alta (por pressão) na saída de bola adversária, ações ofensivas agudas (verticais) e transições velozes requer atletas fisicamente muito bem preparados e com leitura de jogo adequada para a execução de movimentações rápidas. O modelo exemplificado requer tomadas de decisão criativas, notadamente nas manobras ofensivas que visam ataques incisivos precedidos de recuperações da posse da bola. Trata-se, então, de momentos técnicos e criativos que se destacam a partir de uma base tática anteriormente treinada.

Compreendemos também que a coesão social, segundo uma perspectiva que contemple todos os atletas e comissão técnica de uma equipe de futebol, oferece as bases emocionais e de solidariedade para que cada futebolista possa apresentar plenamente seus recursos técnicos. Em um grupo fortemente coeso os atletas podem se submeter a alguns riscos técnicos (ou jogadas ousadas) que não correriam caso fossem colocados à margem da unidade social.

Há ainda um último aspecto que deve ser considerado no processo de construção de um time de alto nível, seja ele de futebol, basquete, voleibol ou de outra modalidade: trata-se da submissão dos egos das celebridades esportivas aos interesses coletivos da equipe. Os esportes de rendimento, sobretudo o futebol internacional e o basquete americano, atingiram status e prestígio ímpares no mundo globalizado contemporâneo e se converteram em ícones da indústria midiática e do espetáculo. Nesse contexto, a mobilização de bilhões de euros ou dólares e o poder da Indústria Cultural são responsáveis pela fabricação de ídolos úteis aos interesses do mercado do entretenimento. Celebridades permanentes ou provisórias emergem desse panorama e nem sempre estão dispostas a se submeter às normas e concepções que fundamentam a coesão social, a unidade de grupo em que os fatores coletivos estão sobrepostos às questões individuais.

Phil Jackson apresenta um histórico de sucesso em relação ao trabalho com grandes estrelas do basquete americano, como Michael Jordan, Kobe Bryant e Dennis Rodman. A respeito da construção da união e da consciência coletiva de uma equipe na NBA, Jackson (2014, p. 14) afirma:

não se forma um tipo de consciência como essa da noite para o dia. São necessários anos de abnegação para que os jovens atletas deixem de lado os próprios egos e se engajem de corpo e alma na experiência de grupo. E a NBA não é exatamente o ambiente mais amigável para o aprendizado da abnegação. Embora o jogo em si seja um esporte com equipes de cinco jogadores, a cultura circundante celebra o comportamento egoísta e acentua a realização individual acima da união da equipe.

(JACKSON, 2014, P. 14)

Também no futebol temos atletas que se destacam acima da média de desempenho das equipes. Esses atletas, sejam eles celebridades que disputam competições internacionais ou talentos promissores de equipes de base (formação), precisam compreender que suas capacidades técnicas dependem dialeticamente da qualificação coletiva. Em outras palavras, entendemos que a qualidade global de uma equipe viabiliza o desenvolvimento da técnica individual, assim como o potencial técnico de cada atleta colabora para a construção ideal do todo.

O treinador de basquete Red Holzman, citado por Phil Jackson (2014, p. 39), afirma que

Em um bom time não há superestrelas. Há grandes jogadores que se mostram como grandes por sua capacidade de jogar com os companheiros como um time. E mesmo com as qualidades das superestrelas encaixam-se no bom time e se sacrificam, fazendo de tudo para ajudá-lo a vencer. O que interessa não são os números em salários ou estatísticas, e sim se os jogadores atuam em conjunto.

(RED HOLZMAN APUD JACKSON, 2014, P. 39)

A citação acima demonstra que os atletas rotulados como “acima da média” precisam do entendimento que os coloque como peças fundamentais para o funcionamento em excelência de suas equipes. Não são atletas que “jogam para si próprios”, mas que compreendem que seus protagonismos estão inseridos em uma coletividade maior. Da excelência coletiva emergem, logicamente, desempenhos individuais cada vez mais aprimorados.

Futebolistas “fora de série”, como Pelé (no Santos e na seleção brasileira), Johan Cruyff (no Ajax, no Barcelona e na seleção holandesa) e Cristiano Ronaldo (em diferentes clubes e na seleção de Portugal), sempre se destacaram individualmente e apresentaram inegáveis contribuições para os desempenhos coletivos de suas equipes. São exemplos que, dentre vários outros, devem ser expostos pelos treinadores para seus atletas.

A história do futebol apresenta algumas situações em que atletas excepcionais “se sacrificaram” individualmente em favor da construção coletiva da equipe. Na copa do mundo de 1970, na qual a seleção brasileira conquistou o tricampeonato, Tostão, à época integrante do Cruzeiro (MG), atuou na posição/função que hoje denominamos “falso 9”, que seria um centroavante com papéis flexíveis de abertura de espaços para outros atletas e de criação de jogadas. O atleta em questão foi bem-sucedido em suas tarefas técnicas e táticas no mundial de 1970, colaborando de modo decisivo para o sucesso da seleção brasileira de futebol. Trata-se de um perfeito exemplo de adequação do aspecto individual às aspirações coletivas de uma equipe esportiva.

Em síntese, podemos afirmar que as ideias e conceitos apresentados por Phil Jackson em Onze Anéis não se constituem em “receitas prontas e aplicáveis” em qualquer contexto esportivo. Adaptações são necessárias, considerando as especificidades de cada modalidade esportiva. No entanto, e para além das características específicas do basquetebol, um esporte praticado por equipes de cinco atletas em uma quadra de pouco mais de 437 metros quadrados, as estratégias de coesão social de Phil Jackson são indicadas para situações que envolvem a psicologia do esporte e a gestão de pessoas.

A adequação das concepções de Phil Jackson, extraídas de Onze Anéis, à realidade cotidiana das equipes de futebol é possível e indicada, mas deve considerar fatores que determinam a identidade cultural dos clubes, como dimensão no cenário nacional (internacional e/ou regional) e tradição, além de aspectos como o modelo de gestão, os retrospectos recentes e as características do elenco montado e das competições a disputar.

Por fim, destacamos as concepções de Touraine apud Lallement (2004, p. 239), para quem o movimento social:

é apresentado como a combinação de um princípio de identidade, de um princípio de oposição e de um princípio de totalidade. Não será necessário, para travar um combate, saber em nome de quem, contra quem e em que terreno se vai combater?

(TOURAINE APUD LALLEMENT, 2004, P. 239)

Desse modo, compreendemos que, para além de pressupostos teóricos, o planejamento e a execução das estratégias de coesão social no futebol dependem dos contextos específicos de cada clube, conforme citado anteriormente e ressaltado pelos dizeres de Touraine.

Referências

  • DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
  • JACKSON, Phil; DELEHANTY, Hugh. Onze anéis: a alma do sucesso. Rio de Janeiro: Rocco, 2014,
  • LALLEMENT, Michel. História das ideias sociológicas: de Parsons aos contemporâneos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004,
  • LOBO, Luís Freitas. O planeta do futebol: em busca da alma, dos magos e das táticas que fizeram história. Lisboa: Prime Books, 2007.
  • MEDINA, João Paulo. Uma introdução ao pensamento complexo e sistêmico no futebol. Universidade do Futebol. Disponível em https://universidadedofutebol.com.br/2021/01/25/uma-introducao-ao-pensamento-complexo-e-sistemico-no-futebol/. Acesso em 27 de Novembro de 2021.