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Brasileirão com tudo! Teve Copa?

O futebol nacional da Série A voltou das “férias” e mexeu com os corações dos brasileiros no meio e no final da semana passada. Paixão, intrigas, xingamentos, dissimulações, tragédias, surpresas e glórias. Novela mexicana? Não! Teve inclusive a Copa do Brasil com o inusitado fato da invasão de campo de uma ratazana no gramado de São Januário. É o futebol do Brasil em graça e essência.

O retorno foi bastante intenso, recheado de clássicos entre clubes de dois grandes centros do Brasil: Rio de Janeiro e São Paulo, mais o Ba-Vi. Isso dentro de uma semana que começou com muita reclamação da torcida, inquieta e irritada com a volta do antijogo característico daqui (simulações, brigas, provocações), algo que o torcedor brasileiro havia esquecido após acompanhar a Copa do Mundo.

Entretanto não teria sido esse retorno, recheado de clássicos, proposital? Um calendário pós-Copa do Mundo, com interessantes confrontos, justamente para que o público retome rapidamente a empolgação com a Série A do Campeonato Brasileiro? Pode não ter sido de propósito, mas que foi uma feliz coincidência, foi. Nada melhor para uma retomada do que se ter grandes clássicos, com tradição e imprevisibilidade dos resultados. Leva público aos estádios e gera audiência no rádio e na TV. Condição perfeita para que o torcedor volte a “viver” o futebol do Brasil na primeira divisão. A repercussão foi tanta que a impressão que se tem é que a Copa do Mundo aconteceu há muito tempo.

Bahia x Vitória, o “Ba-Vi”, um dos clássicos no retorno do Brasileirão pós-intervalo de Copa do Mundo. (Foto: UOL Esporte)

 

Com tudo isso, é vantagem competitiva do Campeonato Brasileiro ter vários clássicos. Se de fato esta foi uma estratégia para reconquistar o interesse do torcedor pelo Brasileirão, ela foi muito bem sucedida. Critica-se muito o antijogo característico do futebol do Brasil e que, a prazo, desvaloriza o espetáculo e é capaz de afastar o torcedor. No entanto, passada uma semana, parece até que nos “reacostumamos” com o que está nivelado por baixo. Só que isso não pode parar por aqui. É preciso trabalhar incessantemente para que este tipo de conduta seja erradicada, pelo bom serviço do esporte no Brasil.

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Entre o acordo e o registro

Bem-vindos ao nosso Entre o Direito e o Esporte”! Nessa terceira semana de julho vamos continuar a nossa conversa sobre aquele tema que a gente vê toda hora no jornal nessa época do ano, aquele assunto que a gente passa o dia fofocando, aquele tal de mercado de transferência do nosso futebol.
Hoje a gente vai continuar o caminho da nossa história da semana passada. Hoje a gente vai sair da negociação para dar os próximos passos nesse mito que é a transferência de um jogador. Hoje a gente vai dar uma olhada no que acontece “entre o acordo e o registro”. E o caminho da nossa história passa por esses passos nessa semana: I.) o acordo e o que vem com esse acordo depois da negociação da transferência de um atleta profissional de futebol; II.) o que é a tal da janela de “transferência” (janela de registro, por favor); e III.) esse tal de sistema de registro.
Bora lá?
A negociação deu certo. Deu tão certo que virou um acordo. E esse acordo… esse acordo é o que no fim do dia? Fácil, esse acordo é nada mais do que um “pedaço de papel”. Só que um pedaço de papel com muito valor! É tipo um cheque, é uma folha com um monte de coisa escrita que significa mais um monte de outra coisa e que não tem a menor importância se, no fim do dia, quem assinou não podia assinar ou não tinha o tal do dinheiro lá.
Esse acordo acontece quando o seu clube acerta o valor da transferência daquele jogador com o outro clube, e depois que o seu clube chegou em um salário com aquele jogador (e também em como pagar a comissão de quem mais estivesse envolvido nessa transferência – como um intermediário). Aí todo esse acerto vira uma folha de papel onde vai ter um monte de coisa escrita: quem são os clubes, os intermediários, o jogador; o valor, como vai ser pago, e quando isso vai acontecer; o tipo de transferência, quando ela passa a valer, e o que acontece se “der ruim” – entre outros detalhes extras dependendo do caso.
É um pedaço de papel. Só que é um pedaço de papel bem importante! E um pedaço de papel bem importante que vem junto com um monte de outros papéis (vários documentos e várias siglas que vão desde os documentos pessoais do jogador até as “garantias bancárias” – tipo o tal do “fiador” quando a gente aluga um apartamento, sabe?). E tudo isso sem contar o exame médico e a assinatura de todo esse calhamaço!
Só que mais importante que tudo isso… é que é um papel importante e sem nenhum valor se ele não for registrado. Beleza, agora “tá tudo certo” e o amigo vem para o seu clube! Né? “Bão”, quase lá! Como eu falei, tudo precisa ser registrado… só que para ser registrado a janela precisa estar aberta (não, não a da sala – aliás, fecha que tá frio!).
De novo, pensa no tal do cheque… aliás, pensa no seu cartão de débito – já que quase ninguém mais usa cheque, né? Você foi no mercado comprar um pão. No mercado você foi pagar esse pão. Esse pão custava uns reais que você não tinha na carteira, mas… tudo bem – você ia pagar no cartão mesmo! O cartão mesmo não tem nenhum valor. Isso até você enfiar na maquininha, colocar uns números mágicos e a aparecer o tal do “transação autorizada”. Certo?
Esse tempo entre digitar a senha e “autorizar a transação” se dá em uma “janela” (uns segundos). Essa janela registra a transferência de um valor para a conta do mercado pela venda feito em troca do seu dinheiro no seu banco usado para a sua compra. No outro mercado, o de transferência do futebol, acontece quase que a mesma coisa!
Essa é a tal da “janela de transferência” (por favor, daqui para frente sempre janela de registro. Promete?). Essa janela é quando a ida de um jogador de outro time para o seu é registrada– ou seja, a transferência pode ser programada para acontecer em qualquer momento (débito programado?) só que ela vai ser registrada em um período específico – e é aí que ela vai passar a valer.
Esse registro, aqui no Brasil, se dá na Federação local que o seu clube é filiado (como aqui na Federação Paulista de Futebol). Esse registro é o passo necessário para que aquele jogador possa estar em campo na partida do final de semana pelo seu time. E esse registro é feito em um (ou dois) sistema (sistemas?) específico (cadê o “s” nesse teclado?).
Pronto, acordo feito e janela aberta! Agora sim, é a época certa e o seu clube pode registrar aquele jogador – finalmente vai jogar! Só que… o que raios é esse tal de sistema de registro?
Cara, esquece isso de cheque e cartão agora. Pensa mais simples! Imagina que a gente voltou no tempo umas semanas e tem o tal do “bolão da Copa” (#quemnunca). Cada aposta sua era feita em um “sistema” – folha de papel, aplicativo no celular, computador. E esse sistema tinha suas regras próprias (até 48h antes da partida, só o vencedor, número de gols…). No nosso futebol é a mesma coisa!
O registro é feito em um sistema de registro eletrônico da Confederação Brasileira de Futebol (ou da FIFA). Esse registro são dois (só para complicar). Um registro que serve para jogadores vindos de fora (ou indo) e outro para jogadores vindos de um clube brasileiro para outro (ou). Aquele lá é o sistema “FIFA TMS” (transfer matching system), enquanto esse é o “CBF PTA” (pedido de transferência de atleta).
Esses sistemas de registro são o ponto de virada da transferência daquele atleta para o seu time. E é ali que a negociação que virou acordo é registrada na “janela de registro”! (ahá!) Só que, como sempre, nem tudo são flores… e aí temos algumas regras! Regras que vamos dar uma olhada na semana que vem quando formos ver como a negociação que virou acordo se transforma em… uma linda borboleta?

Fonte: fStop

 
Não! Como tudo isso vira uma transferência de verdade! Valeu?
Deixo um bom final de semana para todos! E convido vocês a continuar no “Entre o Direito e o Esporte” nesse nosso especial sobre o mercado de transferência dos atletas profissionais de futebol por aqui! Nos vemos semana que vem, feito? Enquanto isso, só falar comigo por aqui, pelo meu LinkedIn ou pelo meu Twitter. Até dia 27 de julho para o nosso fechamento do mês!

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Formação de times campeões

O sucesso no futebol pode ser conquistado e explicado de várias formas. Uma delas é a continuidade. Continuidade e sequência de ideias, conceitos e jogadores costuma funcionar bem – evidentemente, desde que haja qualidade no que é feito, já que sequência de más ideias e jogadores ruins não levará ninguém a conquistas.
O jogo de futebol é complexo, caótico e sistêmico. Algumas variáveis que interferem no resultado são muito subjetivas. Quando popularmente falamos que uma equipe ‘deu liga’, está ‘azeitada’ e ‘encaixou’, normalmente estamos nos referindo a complementaridade de qualidades dos membros do time. Um completa o outro, potencializando o que há de melhor e minimizando os elos fracos.
Me refiro aqui a relação ‘eu-companheiro’. Para contextualizar, em qualquer jogo coletivo existe as relações: ‘eu-bola’, ‘eu-companheiro’, ‘eu-bola-alvo’ dentre outras. A interação ‘eu-companheiro’, só chegará a excelência com tempo. Jogadores se comunicam de maneira não verbal o tempo todo. Como o companheiro gosta de receber um passe, no pé ou no espaço? Em uma jogada sem a bola, quem dá o bote e quem faz a cobertura, tudo isso no timing preciso? Isso só se faz em alta performance com treino e mais treino e com jogo e mais jogo.
Por isso, quando vejo o Corinthians perder dois de quatro jogadores da linha defensiva me preocupo. Ou quando o São Paulo no começo do ano vendeu uma baciada e contratou outra baciada de atletas também não prevejo troféus. Ou até o Santos que trocou todo o seu ataque com relação ao ano passado também fatalmente terá dificuldade.
Formar um elenco requer inteligência, conhecimento e tato. Entendo a necessidade dos clubes brasileiros venderem jogadores. Mas até essas vendas podem ser feitas com critério pensando no sucesso do time. Vender um jogador e contratar outro melhor tecnicamente não é garantia de sucesso.
 

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No futebol, o moderno é atemporal

Reprodução: Youtube

 
Períodos como este, em que nos deleitamos com o mais alto nível do futebol mundial, costumam também ser períodos das mais diversas teorias, algumas delas elogiáveis, outras nem tanto.
Neste segundo caso, me chama a atenção um discurso bastante evidente, muito repetido nas últimas semanas, embora não exatamente detalhado, que diz que somos testemunhas do nascimento de algo novo no futebol contemporâneo, uma nova ordemum novo jeito de se jogar e, consequentemente, de um futuro próspero e irrefreável, que deveria ser seguido à risca por nós, profissionais do futebol brasileiro, sob risco de vivermos atrasados.
Da minha parte, admito que tenho enorme cuidado com tudo aquilo que se apresenta como novo. Os leitores e leitoras haverão de concordar que uma das premissas do novo é associar-se, ainda que implicitamente, à ideia de progresso: o novo sempre surge como uma ruptura do velho, mas não é uma ruptura qualquer. É uma ruptura marcante, decisiva, uma negação do passado travestida de passaporte para o futuro, que deve ser comprado rapidamente, ainda que o itinerário não seja exatamente claro para os compradores e, inclusive, para os próprios vendedores. Como bem sabemos, uma das nossas atribuições, em favor da melhora do futebol (e da sociedade), é olhar para além das aparências, olhar em busca da essência, da natureza de um determinado objeto. Há várias formas de se fazer isso. Mas todas elas demandam tempo.
Nessas horas, me lembro imediatamente de dois autores. O primeiro é Heráclito, que advogava em favor da percepção do ser como devir, como movimento, ou seja: as coisas não são estáticas, perenes, elas estão em mudança constante. É por isso que um homem nunca se banha duas vezes no mesmo rio: porque o homem é diferente e porque o rio é diferente. Sendo mudança constante, perceba que as coisas não podem ser novas por muito tempo. Elas só podem ser novas por um instante, mas logo depois dele, o novos e dissolve.
Ao mesmo tempo, me lembro de Jean-Jacques Rousseau, que no auge do Iluminismo, na flagrante influência das luzes sobre o pensamento ocidental (tendo na razão, diga-se, uma grande aposta para a felicidade humana – o que não parece ter se confirmado), questionou se o progresso das ciências e das artes seria sinônimo de progresso moral. A resposta? Não
Neste sentido, mantendo aqui nossa estreita relação com o futebol, me parece absolutamente importante que sejamos cautelosos nas nossas incursões relativas ao novo. Veja bem, existe alguém mais moderno do que Óscar Tabárez? As rugas sob a pele e a moléstia que agora lhe acompanha representam um passado a ser negado ou uma rara sabedoria conferida pelo tempo? Tabárez e o Uruguai não se apoiaram em um modelo de jogo inédito, não parecem vítimas de dispositivos tecnológicos mirabolantes, não estão, em absoluto, interessados em prescindir de um certo tipo de ideal uruguaio descrito em quatro linhas. O Uruguai, neste sentido, é uma espécie de contracultura do futebol contemporâneo: um treinador em nada jovem, mas absolutamente respeitado, uma estrutura tática rara de ser vista (que outra equipe de alto nível joga, em uma base regular, com um losango no meio-campo?), dois atacantes consagrados ao lado meias ainda muito jovens, mas absolutamente confiáveis, um zagueiro gigante que chora, mesmo antes do apito final, pelo jogo e pelo seu povo. A contracultura pode ser absolutamente competitiva. E não há nada mais moderno do que a competitividade. O espírito é atemporal, os valores também.
Me parece necessário questionar seriamente o que significa dizer que o futebol brasileiro (e o Brasil, como um todo) estaria atrasado com relação ao que se pratica em outros lugares. Este pode ser um exemplo de um discurso que soa moderno, mas que, na essência, talvez não seja. Dizer que uma determinada manifestação cultural estaria atrasada em relação a outra significaria dizer (e me lembro aqui de Carlos Walter Porto-Gonçalves), que é como se houvesse um relógio universal, que determina a correta passagem do tempo para todos os povos, e que as culturas que não acompanham este relógio são simplesmente defasadas, retardatárias, atrasadas. Mas o tempo não é absoluto, o tempo passa de maneiras diferentes para povos, culturas e pessoas diferentes. Aliás, poucas coisas serão mais modernas do que a arte de trabalhar com a duração do tempo alheio.
Voltando ao exemplo anterior, se existe um relógio universal, quem dita o seu ritmo? Para descobrir a resposta, basta olharmos para o grande relógio futebolístico mundial. O tempo deste relógio é o tempo do capital. Time is money– ainda que, no futebol, essa afirmação seja feita em vários outros idiomas. A narrativa que guia o futebol contemporâneo é eurocêntrica, e talvez aqui esteja uma das razões que nos fazem crer que há uma nova ordem no futebol mundial. Talvez não seja, em absoluto, porque eles são melhores do que nós. Mas sim porque é lá que se escreve o enredo do futebol contemporâneo (especialmente a partir da imposição econômica) e, mais do que isso, porque talvez nós aceitemos, com alguma passividade, um discurso inclusive violento, que parece emular, no futebol, um sentimento colonialista razoavelmente familiar. Nós somos atrasados ou somos diferentes?
Assim, convido a todas e a todos os treinadores, treinadores assistentes, preparadores físicos, analistas de desempenho, gestores e afins a pensarmos com absoluto cuidado sobre o novo. Nós seremos meros importadores de ideais alheios, adequados para aqueles povos, naqueles contextos, ou nós seremos observadores mais tenazes da realidade, que reconhecem a evolução alheia e as nossas lacunas, e que lutam por um futebol maior e melhor, mas sem prescindir, em hipótese alguma, do nosso povo e do nosso tempo?
Pois nosso sangue é brasileiro e o nosso futebol também precisa sê-lo.
Diferente, sem deixar de ser moderno.

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Neymar embalado e embolado pelo “cai-cai"

Motivo de piada. Infelizmente é como o gesto de dissimulação do Neymar durante esta Copa do Mundo. O rolamento no chão sem motivos aparentes de lesão ou falta de condições no jogo, a fim de confundir a arbitragem e o adversário, faz com que os torcedores de futebol pelo mundo encarem a atitude como antijogo e, assim, reagem com ironia, a tratar isso como piada. Consequentemente, o futebolista acaba sendo assim reconhecido e tem sua credibilidade colocada em xeque.

Um dos atributos mais importantes para um profissional, independente do ramo de atividade, é o estabelecimento de uma relação de confiança. Obtê-la leva tempo e reconquistá-la, muito mais. O repetido gesto, popularmente conhecido como “cai-cai” e a teatralização do fato, muitas vezes por motivos nulos, acaba por irritar o torcedor, que considera-se enganado pelo “cai-cai”. Ou seja, ele não pagou para ser trapaceado e, portanto, não quer a trapaça (enganar o árbitro e potencializar uma falta aparentemente inofensiva). A lembrar que os elementos mais importantes do esporte são: o atleta e o torcedor. O torcedor não quer ser enganado: por isso as campanhas contra a dopagem, o firme trabalho contra as apostas ilegais e manipulação de resultados, contra a violência nos estádios, manifestações de racismo, e, também, de valorização do “fair-play”. Por “fair-play”, em tradução literal, entende-se como sendo “jogo limpo”. Dentro deste jogo limpo, consideramos: a ética, a honradez, a probidade, a disciplina, o respeito e o caráter.

Em todos estes pontos supracitados a dissimulação vai contra.

São milhões de “memes” alusivos a Neymar e o gesto de queda e rolamento. Muitos de vocês leitores já devem ter recebido vários. Torcedores do mundo todo simulam cair e rolar ao ouvirem falar o nome dele ou simplesmente ao encontrarem um brasileiro qualquer na rua. Por associação, o futebol brasileiro também fica assim associado, pela tentativa de dissimulação, pela trapaça (prática comum no futebol do Brasil) e incoerência (ser campeão tentando enganar). O mundo não perdoa.

É preciso um trabalho de comunicação incansável para melhorar a imagem de Neymar. Simultaneamente, o atleta também precisa mudar de atitude. Os olhos do mundo estarão ainda mais atentos a partir de agora quando ele tocar na bola. Ele não vai poder mais cair, literalmente. Terá que tomar atitudes mais profissionais, em respeito às instituições que lhe proporcionam as condições que permitem com que ele faça o que sabe de melhor fazer e para isso é pago: jogar futebol e, num esforço coletivo com toda a equipe, proporcionar um bom jogo a fim de satisfazer seus torcedores, que são consumidores e pagam por todos os produtos relacionados ao clube. E isso é parte do soldo de um futebolista.

Neymar em jogo da seleção brasileira em jogo do Mundial da Rússia 2018. (Foto: AP)

 

Com tudo isso, é importantíssimo neste momento que haja este tipo de trabalho para melhorar a imagem dele, desde que sua postura também mude. Este esforço ganhará mais fundamento assim que títulos de expressão apareçam, quer seja pelo clube e pela seleção brasileira. Tratado com todos os mimos no Brasil e aparentemente por onde passa, é preciso humildade para reconhecer o que acontece e encarar a realidade. No seu tempo, o mundo vai reconhecer e irá aplaudi-lo.

Em tempo: este é o meu texto número 50 nesta coluna da Universidade do Futebol. Obrigado a esta casa pela confiança nos artigos e a vocês, leitores, pelas visitas e leituras. Mais uma vez, o meu muito obrigado!

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O maior perdedor da Copa

A Copa do Mundo não indica necessariamente o melhor time do planeta. Disputada em tiro curto, a competição está mais para um recorte de qual é a melhor equipe do mês em questão. Contudo, a relevância do evento é tão grande que ele acaba provocando marcas que são muito mais longevas. A Espanha de 2010, por exemplo, incutiu em qualquer discussão sobre futebol o assunto “posse de bola”; a Alemanha de 2014 fez com que vários países repensassem noções de organização e longo prazo. Essa revisão demanda tempo, é claro, e ainda é impossível dizer, horas depois do título da França na Rússia, quais conceitos serão influenciados no futuro. O certo é que o Mundial de 2018 vai influenciar de forma contundente a sequência do maior jogador brasileiro da atualidade. Com o certame ainda quente, já é possível dizer que Neymar está em xeque.
Protagonista antes mesmo de se tornar profissional, Neymar sempre conviveu com pressão. O sarrafo de cobranças foi gradualmente sendo elevado, acompanhando o nível dos feitos de um jogador que é titular da seleção brasileira desde o início do ciclo passado e que já se transformou no terceiro maior artilheiro da equipe nacional. Sobretudo porque o camisa 10 escapou de ter sua imagem arranhada pelo 7 a 1 de 2014 – acometido por uma lesão nas costas, não participou daquele revés. Existia, portanto, um altíssimo grau de expectativas em torno dele antes do Mundial da Rússia.
A primeira discussão sobre esse caso, contudo, é o perfil dessas expectativas. Neymar foi duramente cobrado por dar pouca – ou nenhuma – atenção à mídia tradicional. Não conversou com jornalistas depois da derrota para a Bélgica nas quartas de final da Copa de 2018, por exemplo. Quase todas as interações dele com microfones na Rússia foram em tom de desabafo ou de reclamação sobre as críticas que vinha recebendo.
Neymar não foi à Globo para desabafar, como dizia a cartilha de seus antecessores na seleção. Ronaldo Nazário, por exemplo, alicerçou-se na emissora carioca sempre que teve crises de imagem ou de carreira. Usou como pôde o potencial de comunicação e a janela para transmitir ao público a imagem que ele queria.
Só que a geração de Neymar não fala com a Globo. Aliás, a geração de Neymar sequer conversa com a mídia tradicional. O atacante do Paris Saint-Germain é um dos primeiros grandes ícones do esporte brasileiro a ter sido forjado já na era da internet, com a capacidade de criar seus próprios canais de comunicação e lidar apenas com sua bolha. O resultado: desde que a Copa de 2018 acabou, a única mensagem do camisa 10 foi um post em seu Instagram. Nada mais sintomático.
É curioso notar que Neymar recebe cobranças de comportamento de uma geração que simplesmente não se comporta como ele. Por seu desempenho esportivo expressivo e pela ausência de uma liderança clara, o camisa 10 da seleção é constantemente alvo de expectativa sobre suas atitudes. E aí entra uma incapacidade que a mídia nacional revelou (novamente) durante a Copa: entender que os atletas são seres humanos falíveis e que não podem tomar caminhos que não os deles.
Em outras palavras: não adianta exigir que Neymar seja o líder que ele não é. Não adianta esperar que ele tenha um comportamento linear durante os jogos – ao contrário, o atacante tem desempenho baseado em provocações e em levar seus rivais ao limite em diferentes níveis. Todo o teatro condenado pelo mundo é parte essencial do que Neymar é como atleta e de como ele entende o jogo. Todo o descaso de Neymar com a mídia é parte essencial do que ele é e de como enxerga a comunicação.
A questão é que Neymar viralizou. O camisa 10 é, sem qualquer dúvida, o grande perdedor da Copa de 2018. Além de ter saído do Mundial muito menor do que entrou, tornou-se um símbolo do teatro, do exagero e do antijogo. Virou tema de desafios e piadas pelas redes sociais sobre suas quedas expressivas.
Aí entra o ponto nevrálgico da questão Neymar: ele sempre cultivou um estilo de exageros e extremos e nunca fez questão de se comunicar com um público que não é o dele. Viveu durante anos numa bolha de parças e comentários mediados nas redes sociais. Passou um tempão achando estar imune a todas as críticas ou cobranças, desde que respondesse em campo. De certa forma, as avaliações negativas eram combustível para o camisa 10. Basta ver o comportamento dele nos Jogos Olímpicos de 2016, quando o “todos contra mim” foi um de seus principais esteios emocionais até o título.
É impossível que Neymar siga pensando que o mundo o persegue. É impossível que siga falando apenas com sua bolha ou pensando apenas em seu mundo constituído. A Copa de 2018 serviu para mostrar a ele que os gols e os títulos nem sempre são resposta. A narrativa importa, e um olhar mais minucioso para quem consome a informação também é fundamental numa era em que há muito mais oferta disponível.
A grande discussão sobre Neymar depois da Copa não é se ele vai ser melhor do mundo um dia, se vai para o Real Madrid ou se vai continuar sendo o principal jogador da seleção brasileira. O ponto de interrogação em torno do atacante agora é como ele vai repensar sua relação com a mídia. E isso vale até para as mídias próprias.
PS: A decisão da Copa de 2018 reservou para os brasileiros um dos grandes momentos do evento. O desabafo do comentarista Walter Casagrande Júnior na TV Globo foi coisa de quem tem grandeza de espírito e de quem não está preocupado apenas com o próprio umbigo. Foi emocionante e digno de todos os aplausos. Também foi uma lição de humanidade e de humildade que o próprio Neymar deveria ver com bastante carinho.
 

 

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Entre o seu clube e o outro

Bem-vindos ao nosso especial sexta-feira 13 aqui no “Entre o Direito e o Esporte”… opa, quer dizer bem-vindos à nossa segunda coluna desse mês que está entre os últimos shows dessa Copa do Mundo FIFA®de 2018 na Rússia e o mercado de transferência do futebol profissional. Esse mês de julho junta duas coisas que a gente adora assistir, né? Essa competição (que teve de tudo) e essa janela que, por enquanto, está atendendo as nossas expectativas – CR7 saindo é só o começo? Esperamos!
Como conversamos na semana passada, esse mês a gente vai focar nesse mercado de transferências. E, nessa sexta-feira 13, vamos falar do “início” disso tudo: quando o cara responsável pelo seu time busca os caras para mudar a cara do campeonato. Assim, para deixar tudo mais claro, vamos seguir essas três perguntas como mapa de hoje: 1.) o jogador que o seu clube quer tem contrato?; 2.) Se tem, como que a proposta vai para o outro clube?; 3.) Se o clube aceitar, como a proposta vai para o jogador? Desse jeito, a gente vai ver quem mais dá as caras nessas horas além do seu clube e do cara do seu clube.
Bora lá?
E aí, tem contrato? Essa é a primeira pergunta sempre. Se a resposta for não, fácil! O seu clube pode pular todo o resto que vamos ver aqui hoje e fazer uma proposta de contrato de trabalho direto ao jogador.
Agora, e se a resposta for um “sim, mas está acabando”? Aí o seu clube vai ter que notificar o outro clube que vai negociar com o jogador (aliás, essa falta de comunicação pode até levar a uma multa administrativa, viu?). Nesse caso, o jogador pode assinar um pré-contrato “garantindo” (na medida do possível) que o atleta vai assinar com o seu clube depois que o contrato dele acabar.
Só que, como a gente bem sabe, isso é a exceção da regra – né? A regra geral aqui é que a resposta vai ser um “sim, tem contrato”. E aí é como querer dar gole de Yakult®do seu amigo, sabe? Não dá, cada um tem que ter o seu!
Como a gente já viu, nesse contrato tem uma tal de cláusula indenizatória. Essa cláusula é uma multa rescisória. E como multa rescisória é aquele dinheirinho que entra para o clube quando o atleta resolve sair de lá antes do tempo do contrato (alguém lembrou de julho do ano passado?).
Só que o seu clube só precisa pagar esse valor cheio se: 1.) O contrato não tiver chegado ao fim (ou nos últimos seis meses de vigência); 2.) Houver justa causa (que a gente já deu uma olhada por cima antes, e resumindo é um “tem uma regra aí que me deixa sair e ponto” – como o “caso Zeca” e o “caso Scarpa”); ou 3.) Não conseguir negociar com o outro clube um valor pela transferência do atleta.
Geralmente, a “opção 03” é a mais comum e é o foco de hoje. Em outras palavras, o seu clube e o outro clube chegam a um acordo (um valor, um atleta, e até uma cadeira – pois é, aconteceu lá nos idos de 1900) para que o jogador possa negociar a transferência dele para vestir a sua camisa do coração.
Beleza, tem contrato e quero negociar para trazer o jogador mesmo assim. E como eu chego no clube? Esse passo começa com o seu clube decidindo se vai lá conversar diretamente (alguém do seu clube, como um diretor de futebol) ou se vai contratar alguém para fazer isso (como um intermediário).
Aí um dos pontos principais é o “nível de acesso” da pessoa. É tipo quando a gente quer alugar um apartamento: a gente pode fazer uma oferta online, conversar com um corretor, ou até diretamente com o dono. Só que tudo isso depende do nosso “nível de acesso”. Às vezes a gente só vai ter uma escolha (fazer a oferta via corretor), só que tem sempre alguém que vai ter mais de uma escolha – e essa oportunidade “a mais” custa.
Bom, seu clube escolheu o porta-voz. Esse porta-voz vai sentar com outra pessoa daquele time, certo? Aí tem toda essa mesma escolha de quem vai negociar, e de vez em quando pode ser até a mesma pessoa. Pois é!
Imagina que o seu clube escolheu um intermediário. Imagina que o outro clube também gosta do trabalho desse intermediário. Imagina que os dois querem que esse intermediário negocie a transferência. Isso pode acontecer acontece! Aí o intermediário serve mais como alguém que vai fazer a “ponte” dessa conversa do que o “representante” de um dos clubes. Ah… isso mesmo, o intermediário ganha (porcentagem ou um valor fixo) nesse negócio.
Demorou, e o clube disse sim finalmente! E agora? Agora é só correr e ir para o abraço! É… não. Falta o principal, conversar com o jogador que o seu time quer trazer e fazer uma proposta para ele!
É tipo dia de “educação física” na escola, sabe? Já fez o mais difícil que era convencer o professor a deixar todo mundo jogar bola. Só que ainda falta separar os times! E essa conversa é isso: é o seu clube convencendo o jogador que vale a pena vestir a sua camisa. Aí propõe um novo contrato de trabalho e tudo o mais que vai dar o tom do dia a dia da relação entre o seu clube e a nova estrela (contrato de imagem, regras de conduta, aluguel de casa, e por aí vai).
Só lembrando que essa negociação também pode ter mais gente. O seu clube pode conversar diretamente ou contratar alguém, e o jogador a mesma coisa! E, de novo, pode calhar de ser o mesmo intermediário dos dois lados – acontece. Aliás, e só para deixar ainda mais divertido, tudo isso que eu falei aqui hoje pode acontecer ao mesmo tempo, pode acontecer numa mesma mesa, e pode acontecer entre as mesmas pessoas – pode parecer até uma zona, mas juro que as coisas andam – pelo menos quando dão certo!
Bom, por hoje é isso! Mês começando, negociações começando, e a nossa coluna começando também. O direito desportivo aparece até aí – afinal, quem vai ajudar com todos os regulamentos e leis que dão as caras nessas horas? Bem que podia ser ele (né?):

Divulgação: El Colombiano

 
Desejo a todo mundo um belo final de semana e dois grandes jogos nesse fim de Copa, e convido vocês a continuar no “Entre o Direito e o Esporte” nesse ritmo de “pós Copa” aqui comigo! Nos vemos semana que vem para dar uma olhada no próximo passo para trazer aquele jogador para o seutime. Feito? Deixo meu convite para falarem comigo por aqui, pelo meu LinkedIn ou pelo meu Twitter. Até já!
 

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O Brasil não é o país do futebol há tempos

Não foi acaso. Não foi azar. Não foi obra do destino. Nada disso levou o Brasil a cair em mais uma Copa do Mundo. Nos faltou competência. Mais uma vez.
Primeira coisa que temos que admitir: não temos mais o melhor futebol do mundo. Há um bom tempo já não somos os melhores quando o assunto é bola. Alguns ainda teimam em aceitar isso. Eu desafio os céticos a apontarem algum indicativo de que o Brasil é o país do futebol. Baseado apenas nas cinco Copas conquistadas? Já foi. É passado.
Hoje não temos o melhor jogador do mundo. Não temos o melhor técnico do mundo. Não temos os melhores dirigentes, nossa média de público nos estádios é vexatória, nossos clubes não são os melhores do mundo. Enfim, nada do que fazemos hoje pode ser considerado como o de maior excelência do planeta. Temos que admitir que há muitos, sim há muitos outros países fazendo futebol e tudo que o cerca, com mais qualidade do que nós.
Partidas como essa contra a Bélgica nos coloca no nosso devido lugar no mundo da bola. Estamos hoje no bloco intermediário do futebol. Nossa seleção é intermediária. Nosso campeonato, então, se bobear cai do intermediário para o iniciante.
Podemos discutir se Tite está de fato antenado com as novas tendências táticas e de metodologia de treinamento. Se Neymar um dia vai conquistar o que ele realmente quer que é o premio individual da Fifa. Ou se Gabriel Jesus deveria ser sacado do time para a entrada de Firmino. Ou até podemos debater sobre o trauma de Fernandinho em jogos importantes com a camisa da seleção. Porém, tudo isso é sintoma da doença que há tempos atinge os órgãos vitais do futebol brasileiro.
Nossas categorias de base não formam jogadores intensos, focados durante os noventa minutos da partida. Nossos técnicos não passam por nenhuma formação mínima para exercer a função. Nossos dirigentes são tão amadores que muitos que estão em times profissionais em nada diferem dos que estão na várzea. Nosso calendário é uma piada de mau gosto para 80 por cento dos jogadores profissionais do país. Diante desse cenário não é estranho não ganhar uma Copa. Estranho foi ter vencido cinco. Apesar de tudo isso.
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O futebol é poesia, mas poesias são falíveis

Divulgação: Reuters

 
O futebol é uma poesia de versos incertos, caóticos. Ora simétricos, ora dispersos. Os poetas da bola atuam em várias frentes: treinadores, atletas, assistentes, analistas de desempenho, preparadores físicos e por aí vai. Mesmo o mais hábil dos poetas não é capaz de criar uma poesia perfeita, pois o futebol não é perfeito (não é feito para um fim específico). No futebol, os meios não nos levam necessariamente aos fins. Os motivos são dois: porque há adversários e porque o jogo tem razões que a própria razão desconhece.
A poesia brasileira, escrita com tamanho esmero nos últimos dois anos, não terminou como se esperava. Na última sexta, foi entregue com duas estrofes a menos. De lá para cá, li e ouvi diversas modalidades de críticas, algumas mais realistas, outras estranhamente odiosas. Neste espaço, gostaria de me debruçar sobre algumas delas.
Uma das razões que justificam nossa relação quase que carnal com o futebol está nos efeitos por ele causados. Talvez o futebol tenha sido a primeira e a maior experiência hegemônica que vivemos como nação até hoje. Para um país nascido e criado como colônia, isso não é pouco: é uma espécie de libertação, ainda que temporária, das coleiras políticas e econômicas que nos limitam, uma breve alforria do nosso viralatismo (que também nos confronta no próprio futebol), uma forma de abstenção do ser colonizado e de viver, ainda que fantasiosamente, um imperialismo meio fajuto. O campo é o espaço dessa gente bronzeada mostrar seu valor. A cada quatro anos, o brasileiro médio espera, discreta ou explicitamente, que nossa suposta hegemonia natural seja comprovada mundo afora.
Ou seja, não bastassem os olhares dissimulados daqueles que, ingenuamente, enxergam no futebol um espaço de alienação, nós ainda precisamos conviver, ao menos nestes tempos, com uma outra força, quase que metafísica: a da hegemonia. Sendo um patrimônio nacional, o futebol está nos olhos e nas bocas de todo mundo, o que deveria se converter, ao menos em tese, em respeito com o profissional da bola. Afinal, ele ultrapassou a barreira do sonho (em um país onde os sonhos costumam ser muito mais agradáveis do que o real, diga-se). Mas não, o profissional da bola é visto como uma mera extensão, um apêndice do sentimento colonialista enraizado no futebol. Quando as coisas vão bem, nada além da obrigação. Quando as coisas vão mal, uma vergonha.
Não por acaso, nos tornamos, cronicamente, uma singela espécie de maus perdedores. No caso de sexta-feira, menos por não reconhecer os méritos do adversário (isso está bem claro), mas porque já estamos parcialmente tomados pelo dramático impulso da negação, da ruptura, como se pouco fosse o valor de tudo aquilo que fora construído até então. Os profetas e os engenheiros, admirando suas obras prontas, já têm uma proposta: o descarte. De um, de vários. Quando um objeto falha, o descarte é uma opção imediata. Mas quando uma pessoa falha, dentro de campo ou fora dele, ela deve ser imediatamente descartada? Há quem diga que sim – basta ouvir alguma das críticas recentes.
Quando Roberto Martinez, treinador da Bélgica, diz ter sido aventureiro na sua estratégia, foi modesto. Antes de aventureiro, Martínez foi absolutamente corajoso. Corajoso porque, através de uma decisão moral (expressa na tática), subverteu a conduta média das equipes que enfrentam o Brasil. Todas elas querem mais e mais jogadores em organização defensiva, atrás da linha da bola. Martínez fez diferente: ao invés de jogadores a mais, defendeu-se com jogadores a menos! Hazard, Lukaku e De Bruyne não deveriam recompor: deveriam aproveitar os espaços em transição, especialmente às costas de Marcelo (com Lukaku), em situações de 1 v 1. Neste nível, defender-se com jogadores a menos é a coragem que beira o suicídio. Se o Brasil fizesse alterações estruturais semelhantes (como agora pedem alguns) e fosse derrotado, será que Tite seria chamado de corajoso? Me parece que não, longe disso.
O problema dos críticos mais ferozes é que eles ainda estão presos às próprias paixões, assim como um cão está preso à sua coleira. Eles oferecem soluções simplórias, ora reducionistas, ora oportunistas (às vezes ambas). Falta-lhes perceber que o jogo não é simples assim. Há muito mais coisas no jogo do que sonham nossas vãs filosofias, e isso precisa estar absolutamente claro para treinadores e treinadoras. O melhor dos trabalhos não está imune àquela bola na trave de Thiago Silva, ao carrinho rente à bola de Roberto Firmino, ao chute absolutamente cuidadoso de Renato Augusto, à noite mais do que iluminada de Courtois. Ao primeiro gol, que só ocorre porque, antes de buscar o braço de Fernandinho, a bola desvia (mais do que) sutilmente na cabeça de Kompany – não fosse isso e a narrativa talvez fosse outra. Ao segundo tempo, de absoluto domínio brasileiro, como a Bélgica dominara parte do primeiro. Não gastemos nossas forças nos lugares errados. O jogo é uma autarquia de governante desconhecido – e talvez aqui esteja uma margem de evolução deste trabalho. Ao invés de esquivar-se do aleatório, podemos atraí-lo, assim como a virtú maquiavélica atrai a fortuna.
O bom futebol, ainda que não vença, é absolutamente transgressor. Supera o viralatismo, o colonialismo, maus perdedores. O bom futebol é pedagogia das boas, das ótimas, é amadurecimento ético, é convite ao realismo (ao invés das ilusões hegemônicas), é experiência estética, é um mergulho no desconhecido. O bom futebol nunca será distração. O bom futebol pode não ser ótimo, mas ao menos está mais próximo dele. Mas o bom futebol é distante e procurá-lo é para poucos. Por isso é tamanha a responsabilidade dos treinadores e treinadoras que decidem se aventurar neste caminho. Pode ser que todo o percurso seja descartado por uma noite. Pode ser que o reconhecimento não venha no resultado. Mas pode ser que venha como aplausos, não necessariamente aplausos de satisfação, mas de respeito. O que, nestes tempos, já é demais.
Respeito de quem sente que o futebol é poesia de versos incertos, caóticos. Ora simétricos, ora dispersos.
Ora perdidos, em busca do encontro.
 

 
 

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Análise do Jogo: Brasil 1-2 Bélgica

45 minutos quase perfeitos, um grande Courtois e a falta de pontaria brasileira fazem a Bélgica avançar para às semifinais, eliminando o Brasil da Copa do Mundo precocemente.

Confira a análise dos gols da partida (o vídeo acima contém imagens da FIFA, InStat e emissora BeinSports).

Num dos melhores jogos desta Copa do Mundo 2018, a Bélgica venceu o Brasil e avançou para às semifinais.
Sendo superior na estatística que mais importa no futebol -a quantidade de vezes que se transforma chances criadas em gol- a Bélgica conseguiu fazer um grande jogo em Kazan.
Colocando em prática um plano de jogo muito bem idealizado pelo seu treinador, e contando com a qualidade dos seus jogadores, a equipe belga foi extremamente competitiva e jogou de igual para igual, com um Brasil que fez um bom segundo tempo e que poderia ter tido melhor sorte, tamanho o número de chances que desperdiçou.
Marcando 2 gols logo no primeiro tempo, a Bélgica assumiu o controle psicológico da partida, deixando o Brasil sob muita pressão. Defensivamente apresentou surpresas e conseguiu sustentar durante a maior parte do jogo. Quando foi vazada, contou com uma grande atuação de Courtois e com a falha de pontaria brasileira. Sofreu apenas 1 gol, mas poderia ter sofrido mais, se não fossem estes fatores.
Vitória de quem foi mais competente num jogo muito equilibrado, onde qualquer uma das seleções poderia ter vencido.
Postura da Bélgica sem a bola
Para o jogo contra o Brasil, Martínez abriu mão da marcação no tradicional 5-3-2 e adotou um 4-3-3, num bloco médio/baixo muito compacto.
Quando o Brasil iniciava seus ataques ainda no seu próprio campo, a Bélgica tinha De Bruyne posicionado como centroavante, Lukaku e Hazard como extremos, como mostra a imagem a seguir:

Já quando a seleção brasileira tinha a bola dentro do campo da Bélgica, De Bruyne recuava para marcar na frente da linha dos 3 meio-campistas, deixando Hazard e Lukaku mais adiantados, sem função defensiva, como mostra a imagem a seguir:

Esta foi a maior surpresa que Martínez apresentou para Tite, a de defender com apenas 8 jogadores quando empurrado para trás, deixando Lukaku e Hazard abertos e prontos para o contra-ataque, a maioria puxados por De Bruyne.
Ao priorizar a proteção da entrada da área com Fellaini, Witsel, Chadli e De Bruyne, e não contar com a ajuda dos extremos para cobrir a subida dos laterais brasileiros (principalmente Marcelo), a Bélgica condicionava o Brasil a atacá-la principalmente pelos lados do campo.
Quando o Brasil tinha a bola por ali, a Bélgica buscava manter sua compactação e criar situações de igualdade ou superioridade numérica no setor, fechando o meio e pressionando a bola, fazendo com que os ataques brasileiros tivessem pouco êxito pelo meio, terminando ou em cruzamento ou em tentativas de fora da área, que em sua maioria foram neutralizadas pela zaga ou pelo goleiro Courtois.

Para ler a análise na íntegra, clique aqui.