Categorias
Colunas

A arte do desnecessário

Foi cheio de simbolismo o anúncio da aposentadoria de Ronaldinho Gaúcho, 37. No dia 17 de janeiro deste ano, em um post na rede social Instagram, ele oficializou o desfecho de sua carreira profissional depois de ter passado “quase três décadas dedicadas ao futebol” e fez um agradecimento amplo, genérico, justificado por timidez e por “não ter o costume de falar muito”.
Ronaldinho foi, durante dois ou três anos, o maior jogador de futebol do planeta. Ganhou dois prêmios de melhor do mundo em eleição da Fifa (2004 e 2005), mas isso conta apenas parte da história. Ele não ocupou apenas o topo do esporte: naquele período, o brasileiro foi genial a ponto de ter tornado maior o próprio meio em que estava.
Uma das histórias mais recorrentes sobre Pelé é que o Rei chegou a interromper guerras. Durante excursões com o Santos ou com a seleção brasileira, países paravam o que estavam fazendo apenas para ter a chance de vê-lo em ação. Numa era totalmente diferente, num contexto totalmente diferente e numa proporção totalmente diferente, Ronaldinho tem um mérito extremamente similar. O agora ex-jogador conseguiu atrair atenção e expectativa de um público que é municiado de informações por todos os lados, recebe conteúdo constantemente e tem cada vez menos disponibilidade.
Hoje em dia, talvez o maior desafio do processo de comunicação seja captar e manter atenção do público. É cada vez mais fácil imaginar que o consumidor de informação se disperse ou tenha menos tempo de concentração em determinado tema. Por isso, é extremamente relevante que um jogador de futebol tenha conseguido se transformar em atração e em assunto relevante.
A construção de Ronaldinho como personagem foi alicerçada em uma série de elementos únicos. Contaram aspectos como o carisma, a trajetória vitoriosa e o fato de ter representado alguns dos maiores clubes do planeta, é claro, mas pesaram ainda mais a alegria, o amor quase infantil pelo jogo e uma das traduções mais perfeitas do que é o futebol como entretenimento.
Ronaldinho é, por diversas razões, a antítese do que representam Cristiano Ronaldo e Lionel Messi, os jogadores que dominaram premiações individuais na última década. O português é eficiente, direto e simboliza o uso de um esforço descomunal para atingir o máximo da capacidade; até por isso, tem uma relação de orgulho exacerbado com o produto que entrega em campo. O argentino, por sua vez, é um minimalista: Messi é genial exatamente por fazer parecer que todos os movimentos são estritamente necessários. O camisa 10 do Barcelona e da seleção argentina é responsável por alguns dos lances mais geniais do futebol nos últimos anos, mas tente revê-los agora, sem o calor do jogo: a impressão é que ele busca sempre a solução mais rápida e que comete poucos excessos (em campo e fora dele).
Se fossem artistas de outro segmento, Ronaldo seria o resultado de anos de dedicação e estudo, com um conteúdo seguro e extremamente focado no que faz sucesso com público e crítica. Messi, por outro lado, seria aquele pintor que não coloca uma cor a mais na tela se não houver necessidade ou aquele escritor que suprime absolutamente todas as linhas menos relevantes de seu livro.
Ronaldinho foi o contrário disso porque nos mostrou o prazer do supérfluo. Foi um jogador que subverteu a lógica de que o futebol, como qualquer jogo, é apenas sobre perder ou ganhar. A distância mais curta entre dois pontos pode ser sempre uma reta, mas o futebol não é sobre a distância mais curta ou mais eficiente; futebol é entretenimento, e uma das principais funções do entretenimento é contar histórias que emocionem verdadeiramente e que produzam encantamento.
No futuro, estou certo de que olharemos para trajetórias de outros jogadores e diremos que foram muito maiores do que Ronaldinho Gaúcho. Cristiano Ronaldo e Messi, por exemplo, têm trajetórias e currículos muito mais significativos. Mas pense bem: é sobre os lances de Cristiano Ronaldo e Messi que você vai contar para seus filhos ou netos?
Até nesse sentido a trajetória de Ronaldinho é única. As principais críticas ao brasileiro são sobre ele não ter conquistado muitos títulos como protagonista ou ter se omitido em muitos momentos decisivos. Contudo, quem diz isso não entende o que significou Ronaldinho ou o quanto ele é relevante em nuances do jogo que vão além do resultado, do protagonismo ou da estratégia. Ele pode não ter encantado em profusão, mas o que ele entregou fez diferença para quem verdadeiramente ama o jogo. Compreender isso demanda um pouco de criatividade, de inocência ou de apreço por um modelo que contraria o pragmatismo.
A relação de Ronaldinho com o jogo sempre foi um amor que transcendia o que acontecia em campo. Era, como outros foram antes, uma figura extremamente onírica. Era um produtor de excessos e de pouco (ou nenhum) compromisso com a realidade, como Buñuel.
Mas Ronaldinho durou pouco. Durou pouco porque esse tipo de relação no futebol de hoje é pouco sustentável. Não só no futebol, aliás: o que ele representou para o esporte é um tipo de figura que tem pouco espaço em qualquer seara.
Antes da Copa do Mundo de 2006, disputada na Alemanha, era comum ler, ver ou ouvir até os comentaristas mais comedidos questionando se Ronaldinho poderia estar entre nomes como Pelé e Garrincha em caso de uma campanha positiva da seleção. Depois de o time nacional ter sido eliminado pela França nas quartas de final, a marca que ficou daquele certame foi a de uma equipe que levou o evento pouco a sério, que se preparou mal e que teve jogadores pouco comprometidos.
Depois daquela frustração, a figura de Ronaldinho viveu apenas de lampejos. Foi o jogador que fracassou no Flamengo, a despeito de ter produzido mais uma série de lances plásticos para sua coleção pessoal, mas também foi um dos líderes de um Atlético-MG campeão da Libertadores, por exemplo. Voltou a frequentar listas de convocados para a seleção, mas não chegou às Copas de 2010 ou 2014, por exemplo.
Em vez de amadurecer, ser o líder que dele se esperava ou lutar para que seu talento tivesse longevidade no alto nível competitivo, Ronaldinho foi se apagando. Lembrar dele hoje é pensar mais no que ele poderia ter sido do que no que ele realmente foi.
Todas essas questões têm a ver, é claro, com a comunicação da figura Ronaldinho. O jogador que, como ele mesmo disse no ocaso da carreira, “nunca gostou de falar muito”, acabou sendo um exemplo de gênio muito cobrado por coisas que jamais tentou entregar. Acabou lidando com expectativas descabidas e fez isso com um silêncio que mais pareceu escapismo.
Por isso o anúncio da aposentadoria é tão simbólico. Ronaldinho escolheu o Instagram e uma mensagem genérica porque ele precisava dar alguma satisfação, mas nunca foi uma pessoa exatamente preocupada com a imagem pública. No fim, além da genialidade com a bola nos pés, o que fica sobre o brasileiro é a ideia de alguém que não soube conduzir a carreira e que se subjugou (por interesse ou apenas por uma questão de personalidade) diante de um irmão que realmente era o protagonista da “empresa Ronaldinho”.
Ronaldinho poderia ter ficado para a história como um dos maiores exemplos de amor ao jogo. Podia ser o símbolo de magia em diferentes acepções da palavra (por ser um produtor de surpresas ou por provocar uma relação mágica das pessoas com o jogo, por exemplo). Em vez disso, por silêncio ou por dificuldade para se explicar, acaba a trajetória como um produtor de lampejos. Ronaldinho foi um gênio, mas um gênio hermético em muitos momentos. Talvez em algumas décadas possamos compreender exatamente o tamanho de seu legado.

Categorias
Colunas

Futebol: a unificação da mentalidade não deixa o resultado ao acaso (Parte I)

Olá, sou Diogo Cardoso Santos e hoje começo uma jornada de grandes expectativas como colunista da Universidade do Futebol. Aqui neste espaço tratarei de assuntos relacionados ao processo de formação, mas não somente daqueles que fazem ou evitam os gols.
Entretanto, antes de começar a falar regularmente sobre este tema, contarei um pouco da minha história.
Posso arriscar em dizer que desde o meu primeiro chute em uma bola de futebol até a minha graduação em Ciência do Esporte na UEL em 2007, a minha concepção sobre a prática ou ensino do futebol não teve grandes mudanças. Todavia, ao abraçar uma oportunidade de realizar um mestrado em 2009 na Faculdade de Motricidade Humana em Lisboa, pude conhecer meios e métodos de ensino que realmente abriram meus olhos.
Com acesso irrestrito à um acervo fantástico de estudos relacionados ao futebol, apesar de me identificar totalmente com aquela mentalidade, me deparei com uma questão: será que isto realmente funciona?
Sim! Funciona! Não era uma receita pronta, mas sim uma indicação de como o processo de treino/ensino deveria ser levado, e durante toda a temporada 2010-2011 pude observar de perto, participando ativamente dos treinos, jogos e eventos para captação como treinador estagiário do U9 do Sporting Clube de Portugal. Naquele momento percebi que existiam executantes extraordinários da teoria tanto dentro como fora do campo.
De lá para cá, muitas ideias foram surgindo e a aplicação da teoria nos treinos foi melhorando. Seguramente, o período de trabalhos no Programa Atleta Cidadão em São José dos Campos foi dos mais enriquecedores e conseguiu reunir muitas partes num todo. Ali discutia-se como seria todo o processo (do sub-11 ao sub-20), rotinas e conteúdos de treino, abordagem durante o treino, aplicação adequada dos conteúdos e assim por diante.
De certa forma foi algo isolado. Quase dez anos após minha ida à Portugal, ainda não vejo aqui no Brasil um nível de produção massificado de conhecimento, e isto nos leva a encontrar trabalhos que deveriam ser sustentados por princípios pedagógicos sendo facilmente substituídos por valores imediatistas, desrespeitando o desenvolvimento saudável dos praticantes, sejam eles treinadores ou jogadores.
Por fim, uma obra deste perfil representa o nosso esforço em conjunto para abordarmos este tema de importância excepcional. Enquanto a mentalidade entre todos dentro de um clube não estiver alinhada, restará somente o resultado do jogo e isto é nocivo para todos os envolvidos no processo de formação.
O desafio agora é elevar o nível da discussão e mostrar que o talento também está fora das quatro linhas!

Categorias
Colunas

Entre o Direito e a formação da base

Chegamos a nossa terceira semana de 2018 juntos aqui no “Entre o Direito e o Esporte” e hoje vamos continuar com o “Especial Copinha 2018”. Dessa vez vamos conversar sobre o que é conhecido aqui como “indenização por formação”, ou lá fora como “compensação por treinamento” – training compensation.
Esse tema faz parte do que a gente tem conversado nessas últimas semanas. Um clube formador precisa se sustentar, né? E é aí que a “indenização por formação” entra em cena e dá um importante reforço no caixa dos clubes brasileiros – é, claro, quando são bem geridos. Ainda mais no meio de uma Copa São Paulo que é sempre uma vitrine para jogadores aparecerem no mercado. Aliás, quem não lembra de pelo menos uma história de sucesso? Do Valdívia brasileiro lá no Rondonópolis ao Fabinho do Mônaco ainda no Paulínia.
Para deixar esse tema mais tranquilo, hoje vamos conversar sobre o que é o “período de formação”, o que é um “contrato de formação”, e o que é a “indenização por formação”. Resumindo bastante, você vai ver aqui hoje qual é aquele período em que o jogador é considerado um “atleta de base” mesmo, que tipo de contrato ele assina (ou deveria assinar) com o seu clube, e o que acontece quando ele é transferido para outro lugar – seja para outro time daqui, ou para um time de fora. Assim até dá para você trocar uma ideia com o pessoal da base do seu time ou mesmo em casa quando surgir a próxima estrela.
Bora?
Formando pessoas e craques, o que é o “período de formação” no futebol? É o começo do esporte de rendimento. É aquele tempo em que o treinamento de base foca no atleta como pessoa e como jogador. Tipo aquela história que a gente vê nos programas de TV, sabe? A gente tem que estudar e também cuidar do corpo, senão a gente vai ter um monte de problemas depois – e viva o bem-estar. Com o jogador é a mesma coisa!
Nesse “período de formação”, o atleta tem um acompanhamento físico, técnico e tático específico. Assim o jogador “ganha corpo”, melhora nos fundamentos do jogo (como no passe e no chute), e aprende uma posição – ou seja, aprende a “jogar bola” de verdade. E, também, tem (ou deveria ter) um acompanhamento psicológico e social. Afinal, como falamos semana passada, o atleta também é uma pessoa, né? E isso é essencial no esporte.
É aí que se forma o jogador e a pessoa para a vida de “gente grande”. E para que isso aconteça, o planejamento é importante e leva em conta várias formas de preparação do atleta para o futuro. Atleta que pode ser desde uma criança de 12 anos até um adulto de 21 anos. É por isso que esse “período de formação” é base do jogador de futebol na vida.
E sabendo disso é que a FIFA em seu programa “FIFA 2.0” diz que o objetivo é sempre desenvolver o futebol respeitando o outro. É aí que entra a ideia do contrato de formação para o futebol de base. Afinal, o atleta em formação ainda não é um profissional da bola, só que muitas vezes é tratado assim.
O contrato de formação serve para dar segurança (jurídica) ao clube e ao atleta. É o documento que deixa a relação clube-atleta clara. E, com isso, evita o trabalho infantil, o “trabalho análogo à escravidão“, e o tráfico de menores no futebol. Assim, separa os clubes que tratam o atleta como “só jogador” daqueles que tratam ele também como pessoa.
No Brasil, o contrato de formação pode ser assinado durante uma parte do “período de formação” – entre os 14 e os 20 anos. E quando o jogador assina esse contrato, ele passa a receber uma bolsa durante sua formação na base e outros auxílios como convênio médico e odontológico. É como se fosse um “menor aprendiz” em uma empresa, sabe?
Do lado dos clubes vale a pena também, já que o clube formador tem a preferência quando o jogador vai assinar seu primeiro contrato profissional – mesma coisa na primeira renovação desse contrato por até mais três anos. E se mesmo assim o atleta sai por uma oferta de outra equipe, o clube formador recebe uma indenização (dinheiro). É aquela situação que todos ganham um pouco, sabe? Mesmo que o clube não segure o jogador, pelo menos tem a garantia de receber alguma coisa em troca da formação daquele atleta.
Agora que a gente já viu um pouco sobre o “período de formação” e o contrato de formação, vamos falar sobre a indenização por formação ou compensação por treinamento. A ideia por trás disso é manter o atleta no clube ou garantir que quem forme o atleta tenha um retorno financeiro quando o jogador vai atuar em outro lugar. Assim, o pré-requisito é que o clube seja formador e tenha o Certificado de Clube Formador (CCF) emitido pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) – que vimos semana passada. É o que o clube recebe por fazer “o mínimo do mínimo” na formação do atleta.
Aqui as regras variam um pouco se o atleta sai para um clube brasileiro ou de fora.
Para um clube brasileiro. Se for antes da assinatura do primeiro contrato profissional, o valor chega a 200 vezes o custo da formação do jogador. Se for durante a renovação do primeiro contrato profissional, chega a 200 vezes o salário mensal proposto pelo formador.
Para um clube de fora. É um valor fixo por ano de formação de acordo com a categoria do clube em um ranking feito pela FIFA. A compensação para clubes brasileiros em 2017 era de 2 mil dólares a 50 mil dólares por ano de formação do atleta no clube.
Seja como for, é um caixa que dá um fôlego para o seu clube. O que é bem-vindo, né?
É por isso que vale a pena ser um clube formador. Quando o clube cuida da sua base, garante que seus atletas se desenvolvam como pessoas e como jogadores. E mesmo quando o seu clube não pode aproveitar um jogador, recebe um dinheirinho que ajuda a investir na base e até mesmo dar um fôlego no caixa do clube.
Espero que tenham gostado de mais uma semana do “Entre o Direito e o Esporte”, e nos vemos semana que vem aqui para a última coluna do “Especial Copinha 2018” – que vai ser sobre mais uma vantagem de investir no futebol de base, o mecanismo (ou contribuição) de solidariedade. Convido vocês para falarem comigo por aqui ou pelas redes sociais com qualquer dúvida ou ideia. Um bom final de semana a todos, e até a próxima!

Categorias
Colunas

Que honra estar aqui

É um prazer imenso estrear hoje como colunista da Universidade do Futebol. Minha relação com essa instituição respeitadíssima dentro da indústria nacional vai além do aspecto profissional. O respeito e a consideração pelo professor João Paulo Medina são enormes. Sem falar a amizade que tenho com vários colaboradores não só pela minha presença nos eventos organizados pela Universidade, mas também por fazer parte de um grupo de estudos que temos mensalmente para discutirmos diversos aspectos do nosso esporte.
Em 2015, comecei a fazer os cursos da Universidade do Futebol e não parei mais. Comecei com o Gestão Técnica no Futebol e passei pelo Tática, Direito, Análise de Desempenho, Modelo de Jogo e Gestão e Metodologia do Treinamento. E posso dizer sem sombra de dúvidas, que esses cursos foram um marco na minha carreira. Passei a enxergar o jogo de outra forma.
Sou jornalista, formado pelo Mackenzie e pós-graduado pela Fundação Cásper Líbero. Atualmente, estou na rádio 105 FM, apresento diariamente o Futebol Esporte Show, veiculado pelo SBT, através das afiliadas TV Sorocaba e VTV e tenho um Blog no LANCE!. Já passei pela TV Gazeta, Band Campinas, Folha de São Paulo Online, dentro outros veículos.
O meu objetivo com essa coluna é trocar experiências. E quero deixar um canal aberto para compartilharmos conhecimentos e vivências. Não hesite em me contactar. E vamos juntos transformar o futebol através do conhecimento.

Categorias
Colunas

Traços da formação

Até alguns anos atrás, a formação do jogador de futebol era exclusivamente realizada pela “informalidade fértil da rua”. Era uma época identificada como “formação silvestre”. Na formação silvestre, jogadores voluntariamente e emocionalmente, envolviam-se “jogando” de diferentes maneiras. A interação do jogar-superar com emotividade deixava marcas positivas e às vezes negativo-positivas, amadurecendo diariamente as probabilidades cognitivo-motoras.
Cotidianamente, por muitas horas, as crianças submetiam-se a situações-problemas mutáveis e libertas. Nestas atividades, além do acervo individual, compreendiam valores morais, se auto-organizavam, cooperavam reciprocamente e aprendiam conceitos coletivos, claro, dentro de uma informalidade estrutural, mas com muitos aspectos interessantes para o “bom futebol”. Craques “brotavam” nos jogos de diferentes formatos, terrenos e espaços a todo instante. Absolutamente a formação silvestre foi o maior canteiro de formação de jogadores brasileiros.
O odiado e amado “El Loco Bielsa”, um dos treinadores mais estudiosos do planeta, abordou algumas questões pertinentes sobre essa temática, vejam só:
“A formação silvestre é a melhor de todas. Não tem rigidez e os jovens a executam espontaneamente. Mas isso deixou de ser possível, porque para que a formação silvestre se concretize, é necessário ter cinco horas por dia de prática, por um período de quatro a seis anos. Mas há ainda alguns continentes e algumas regiões que continuam a criar futebolistas com essa formação por que existe isso: lugar, tempo e amor para o jogo. Se um jovem tiver que ir para a computação, inglês, música …certamente ele não vai jogar cinco horas por dia futebol. Se ele mora em uma cidade urbanizada, também não encontrará o lugar apto para essa formação.”
“El Loco Bielsa” deixa claro que está cada vez mais escassa a formação silvestre. Mas, será que ainda vemos o futebol silvestre por aí? A resposta para essa pergunta está cada dia mais clara.
Quem sabe no interior, nas regiões praianas, favelas, muito pouco (não todo dia) e por muito pouco (poucas horas durante o dia) o futebol silvestre ainda esteja sobrevivendo. Mas está morrendo lentamente. O crescimento urbano-social, a acessibilidade e opção demasiada por outras “atividades”, excepcionalmente distanciou as crianças da essência formativa refinada do jogador de futebol.
Mas como suprir essa carência? Como o jogador brasileiro está sendo formado? O que é formar? O que requer a formação do jogador de futebol atualmente? Será que conseguimos interligar três dimensões inerentes ao formar? Conseguimos realizar o transfer da formação do jogador de futebol por essas três dimensões? Visualizem:
Autoformação – é a dimensão individual
Se a formação silvestre foi a melhor de todos os tempos (pois os jogadores se desafiavam e jogavam constantemente), por que não bebermos do acervo de possibilidades que elas dispõem? A formação individual é um ato de constante modificação, constante estimulação. Somente atividades libertas e com uma variabilidade poderá atingir a dimensão individual em sua plenitude. Então, a autoformação nas primeiras idades deve estar balizada por uma gama de atividades advindas da formação silvestre, evidente, balizada por ideias pela conjuntura atual, mas sempre respeitando a natureza do jogo, da criança e a sua autossuperação constante.
 Heteroformação – interatividade – noção de coletividade
Um jogador de futebol, antes de estar numa lógica coletiva, uma forma de jogar específica, é um ser individual. Mas um ser individual isolado, sem interagir com outros seres e elementos, viverá em uma ilha e certamente não conseguirá entender a natureza deste esporte. Se os estímulos individuais são necessários, o entendimento do jogo coletivo com estímulos gerados pelo treinador, respeitando essa individualidade, especialmente nas primeiras idades é uma tarefa imprescindível, mas também desafiadora. Essa interação requer uma enorme sensibilidade de “saber que ferramentas utilizar”, pois qualquer situação em demasia pode gerar reflexos ou distúrbios. A chave é contrabalançar com sensibilidade, pois uma lógica desde as primeiras idades deve existir para o trabalho não ficar “no vácuo”, e até mesmo pela demanda que o futebol atual e as modificações sociais exigem.
Ecoformação – relação cultural
Em qualquer cidade, região ou país que estamos inseridos, recebemos estímulos culturais que nos identificam, seja na forma como falamos, nos comportamos ou como jogamos. E se nosso objetivo é o jogar, temos que ter essa sensibilidade de respeitar as raízes que estamos inseridos. E isso, já no que diz respeito “de como jogamos no Brasil”, mata a charada, pois quase todos perderam o mapa do Brasil em termos de jogo. Como jogamos? Ninguém sabe!
A formação silvestre-organizada-cultural tem “entrelaçado” todos esses parâmetros para construir futuros jogadores. Jogadores que mantenham sua singularidade, se relacionem muito com a bola, interpretem o jogo com criatividade, tenham um refinamento técnico apurado e sejam representantes da verdadeira cultura brasileira, que na atualidade, de verdadeira…
Abraços e até a próxima!

Categorias
Colunas

“Made in Brazil” para o futebol

Há alguns anos a “Florida Cup” tem tomado forma, e não vai ser nada surpreendente daqui a algumas edições consolidar-se no calendário do futebol internacional. Com clubes da América do Sul e da Europa, une a lacuna do calendário nos dois continentes e um destino turístico internacional, que é a cidade de Orlando com seus parques temáticos. Apesar de a maior parte do público constituir-se de imigrantes estrangeiros nos Estados Unidos, jogos entre clubes destes continentes chamam a atenção e o torneio é sim oportunidade de tornar global o produto de cada clube. Ou pelo menos deixar de ser tão local.
Tem quem diga que não é possível pensar na internacionalização da marca de um clube brasileiro, sem antes conquistar o mercado daqui – que tem perdido fatias consideráveis para equipes da Europa. Entretanto, é possível pensar em uma comunicação global, com produção de conteúdo em um segundo idioma e organização de eventos de relações públicas dentro destes torneios, como a “Florida Cup”, com o objetivo sobretudo de fazer o clube ser conhecido para além do seu desempenho dentro de campo. Ter mais associados e torcedores, consumidores de produtos do clube, é consequência desta sinergia: a bola dentro do gol somado a um trabalho de comunicação.
Os clubes europeus participantes da “Florida Cup” são protagonistas em seus campeonatos nacionais, mas não no continente. Viajam com menos frequência em digressões, mas parecem aproveitar as oportunidades. Dia desses assistia ao Atlético Mineiro contra os Rangers, da Escócia. Prestava atenção às placas no perímetro do campo e observei o anúncio das “escolinhas” de futebol do clube escocês para as crianças: “come on and play the Rangers way” (tradução: venha e jogue à maneira dos Rangers). Com o devido respeito ao futebol da Escócia e ao da equipe em questão, acredito que se os clubes brasileiros construíssem e comunicassem bem um produto semelhante, seriam bem-sucedidos.

Imagem: Divulgação

 
E assim, os Rangers difundem sua história, sua identidade e seus valores que acabam por cativar inúmeros jovens torcedores que passam a simpatizar com este clube, torcer por ele e, como consequência, simpatizar com a monarquia britânica (justamente pela associação da instituição com a lealdade à realeza). Grã-Bretanha, por sinal, ou melhor, Reino Unido, que tem incentivado este tipo de iniciativa pelo mundo todo. O Consulado do Recife/PE organizará em breve um torneio de futebol society que terá como tema a celebração da “Premier League”. Como meta, um grande impacto nas redes sociais com fotos e vídeos. A prazo, West Ham, Watford, Burnley, West Bromwich e Brighton terão dezenas (ou centenas) de milhares de torcedores por aqui.
Há alguns anos os departamentos de marketing dos clubes de futebol do Brasil diziam que a “Florida Cup” era uma grande oportunidade de internacionalizar a marca. Já é grande oportunidade! Colocar isso como objetivo estratégico, trabalhar por ele, somado a um trabalho em conjunto com o Itamaraty* e a APEX Brasil**, fundamental.
* Ministério das Relações Exteriores (MRE) da República Federativa do Brasil
** Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos

Categorias
Colunas

Verdadeiro ou falso

Foi extremamente simbólica a promessa de Emmanuel Macron, presidente da França, em seu primeiro pronunciamento de 2018. Quando falava sobre uma nova legislação para ambientes online e transparência em redes sociais, o mandatário nacional avisou que pretende banir das eleições gaulesas as chamadas “fake news” (“notícias falsas”, em tradução livre). Foi o suficiente para gerar polêmica até em território local – toda tentativa de cerceamento de liberdade de expressão provoca debate acalorado, afinal.
Independentemente das acusações direcionadas a Macron ou das comparações entre o comportamento do político francês e o controle de mídia característico de regimes ditatoriais, contudo, o simples fato de esse tema ainda dominar o noticiário é prova inequívoca de que o planeta ainda não aprendeu a lidar com o tema.
No fim de 2016, quando Donald Trump foi eleito para presidir os Estados Unidos, as “fake news” também dominaram a campanha. O então candidato já demonstrava naquela época uma verborragia pouco comprometida com a veracidade. Apenas para citar um exemplo, o jornal “Washington Post” fez um levantamento em 2017, numa entrevista que durou 30 minutos: o político empilhou 24 afirmações falsas ou parcialmente falsas (ou uma mentira a cada 75 segundos, em média).
O uso de falácias para contar histórias não começou com Trump, e a preocupação com o tema tampouco floresceu apenas depois de Macron. É prática recorrente no jogo político, independentemente do país ou da época. A diferença é que hoje existem dois instrumentos que potencializam as coisas: se por um lado as redes sociais facilitam a disseminação de notícias que nem sempre podem ser levadas a sério, houve um nítido desenvolvimento no mercado de checagem de dados durante os últimos anos. As duas lógicas abrangem também o cenário brasileiro.
O advento das agências de checagem e o desenvolvimento de núcleos dedicados ao tema em grandes veículos de mídia, contudo, não foram suficientes para que essa lógica transformasse em igual medida a relação de produção de conteúdo em todas as searas. Se mudou as regras do jogo na cobertura política, por exemplo, não serviu para instigar mais a editoria de esporte.
Houve um exemplo claro disso com o tenista brasileiro Thomaz Bellucci. No dia 4 de janeiro, o atleta revelou que estava suspenso por ter sido flagrado em exame antidoping. A pena relativa ao consumo de um diurético foi notificada ao estafe dele em 18 de setembro, mas Bellucci não disputa uma partida oficial desde 30 de agosto. Com conivência da ATP (Associação dos Tenistas Profissionais) e proteção de um acordo de confidencialidade, o brasileiro vinha sustentando que tratava um problema no tendão de Aquiles.
Casos de doping são sempre delicados, e a revelação de dados sobre esses episódios também tem uma série de facetas. Expõe à condenação pública alguém que ainda não passou por um julgamento adequado, por exemplo, e de certa forma até atribui publicidade aos medicamentos que podem afetar o desempenho. Há muitos aspectos a discutir, e todos podem ter contribuído para o comportamento de Bellucci. Não cabe aqui um julgamento do mérito, portanto, mas uma simples constatação: o tenista sustentou durante pelo menos três meses uma história de uma lesão fictícia e influenciou de forma negativa o trabalho de todos que acompanham o dia a dia da modalidade no país (jornalistas, torcedores, dirigentes e etc.).
No futebol há várias histórias similares, e a época em que a janela de transferências está aberta apenas potencializa o noticiário distorcido. Com menos jogos e menos histórias concretas, o cotidiano de quem acompanha os clubes passa a ser uma chuva de “fulano interessa”, “beltrano foi sondado” ou “sicrano tem negociação em andamento”.
Novamente, assim como no caso Bellucci: não estou acusando alguém de má intenção. Não tenho fundamento para isso. Minha questão é que o esporte ainda é uma seara em que fontes que podem ter acesso a apenas parte de uma história ou se beneficiar de uma publicação encontram muito espaço para manipulação. A janela de transferências apenas deixa isso mais claro.
Pense em quantos jogadores o seu time “quis contratar” e que depois receberam belo aumento para seguir onde estavam jogando. Pense na quantidade de negociações que um empresário disse que poderiam vingar ou que um jogador disse que seriam um sonho. Pense nos negócios que foram gerados a partir disso e em quanto dinheiro essas possibilidades adicionaram ao jogo. Existem muitos interesses envolvidos em movimentações financeiras tão significativas quanto as que são feitas no futebol.
No Brasil, a história recente que ilustra melhor essa história é a dos controladores da JBS, que fizeram uma venda milionária de ações antes de vir a público a delação que seus acionistas haviam feito à Justiça brasileira. Havia um enorme interesse, portanto, no vazamento do conteúdo exatamente naquele momento.
Essa relação de perdas e ganhos é menos óbvia no esporte, o que torna o ambiente mais suscetível à aparição de “fake news”. Existe uma noção menor de responsabilidade (contar um detalhe sobre os bastidores de um clube pode influenciar no andamento de uma eleição ou nos valores de uma transação, mas tudo isso é menos tangível do que o sobe e desce de ações ou de produtos, por exemplo).
Dizer que Bellucci tinha uma lesão no tendão ou que o time A pretende contratar fulano é praticamente um crime sem vítimas. Depois, sempre é possível dizer que o tenista se recuperou ou que o rumo de uma transferência foi alterado – até porque isso muitas vezes acontece, mesmo.
Entre as muitas coisas que o esporte precisa discutir para evoluir, e não apenas no Brasil, está a relação de responsabilidade com notícias (o que é bem diferente de censura prévia ou de controle de mídia, diga-se). Enquanto especulações ou versões enviesadas tiverem espaço nobre em noticiário e alimentarem discussões de torcedores, toda a profundidade do jogo seguirá sendo subestimada.
É difícil pensar no que acontece em um contexto tão dinâmico quanto o futebol se a maioria dos formadores de opinião – ou influenciadores, para usar um termo da moda – prefere apenas alimentar o óbvio.
No Brasil ou no exterior, há muito conteúdo bom para quem gosta de entender esporte ou quer saber o que acontece no segmento. Entretanto, também existe um espaço indesculpável para a notícia não responsável: enquanto até as redes sociais pretensamente abertas estão criando filtros e discutem há anos uma série de caminhos para limitar esse tipo de conteúdo, ainda aceitamos muito placidamente um noticiário que tem mais ego e pressa do que compromisso.

Categorias
Colunas

Entre o Direito e o futebol de base

Bem-vindos a mais uma “Entre o Direito e o Esporte – Especial Copinha 2018”. Como prometi semana passada, hoje vamos falar sobre o Certificado de Clube Formador (CCF) da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e como isso afeta a base do seu clube.
Vamos lá?
Imagina que você está naquele fim de dezembro, fazendo a sua lista de objetivos para o ano que vem. Se você for como eu, vai começar com um “fazer academia e natação três vezes por semana”. Logo depois, você risca tudo e deixa “fazer academia e natação”. E muda de novo e coloca “entrar em forma”. A ideia do Certificado de Clube Formador é isso: o mínimo do mínimo para ter um objetivo. E é por isso que vamos ver hoje o que é esse “mínimo do mínimo” e o que é esse “objetivo” quando a CBF fez o CCF. E, claro, como isso afeta o seu clube.
Por que o Certificado de Clube Formador existe?
O objetivo é melhorar o futebol de base brasileiro. Imagina que a gente é criança de novo, nas férias da escola. Dia de semana, brincando o dia todo. E o seu quarto, aquela bagunça. Seus pais chegam do trabalho e falam para você arrumar o quarto. Você arruma o quarto – só que não do jeito que eles queriam, e não tão bem quanto eles queriam. O futebol de base no Brasil ainda é um pouco assim.
A CBF criou o Certificado de Clube Formador para dar aos clubes um padrão, um modelo do que fazer com a base – quase que um manual. Esse mínimo serve para melhorar as condições do futebol de base no Brasil e em troca dá algumas vantagens para os clubes que conseguem esse certificado. É quase como se os seus pais te levassem para tomar sorvete cada vez que o seu quarto ficasse “bem arrumado”, sabe?
O CCF surgiu em 2012 como uma das principais formas de proteção dos clubes brasileiros para segurar talentos, e garantir um dinheiro extra quando não desse mais para segurar. Esse “manual do bom clube de base” é importante para que a gente entenda como o Licenciamento de Clubes funciona para o futebol de base brasileiro. E lá a gente encontra o mínimo que todos nós esperamos de um clube de futebol: que cuide das suas crianças, e não só dos seus jogadores.
O que os clubes precisam ter para conseguir o CCF?
O “mínimo do mínimo” é o que a Confederação Brasileira de Futebol acredita ser o básico para um clube de futebol formar um jogador como atleta e como pessoa. Imagina você assistindo aquela novela de tempos atrás. Sabe quando tinha uma discussão sobre onde era melhor a criança do patrão estudar? Então, é bem isso!
O Certificado de Clube Formador tem uma base que todo mundo deveria ter – assim como as escolas. Para que a CBF dê esse certificado, o seu clube deve seguir um monte de regras que vão desde ter em uma lista quem são os técnicos e preparadores físicos das categorias de base até mostrar o programa de treinamento.
Agora, como eu falei, o clube formador tem que se preocupar com o atleta e com a pessoa, né? Por isso, o clube deve dar escola para os atletas (inclusive de idiomas, como inglês), acompanhamento médico, comida e várias outras coisas que acho que todo brasileiro adoraria que cada um de nós pudesse ter – inclusive férias em casa com a família. O CCF é um jeito de garantir que a criança tenha pelo menos “casa, comida e roupa lavada”, e um jeito de humanizar o nosso futebol de base.
E como o Certificado de Clube Formador afeta o seu clube?
Voltando para aquela história daquela “base que toda escola deveria ter”, cada clube tem que ter o mínimo de condições de criar uma criança. E é bem aí que o CCF afeta o futebol de base do seu clube. Os atletas de base precisam de um cuidado como jogador e como pessoa, e é por isso que esse “manual” importa.
Assim como cada escola tem um nível diferente, cada clube tem uma categoria para conseguir o Certificado de Clube Formador. Se o clube tem o mínimo dos requisitos, vai ser Categoria B e o certificado tem que ser renovado depois de 01 ano. Já aquele que tem um pouco a mais (período integral?), é Categoria A e o certificado tem que ser renovado a cada 02 anos. Mas… e aquele que não tem nem o mínimo? Bom, não consegue esse certificado (merecidamente?).
Para a CBF dar o certificado ao seu clube, a Federação Regional (como a FPF no caso de São Paulo) deve dar a benção depois de ver se essa “escola” tem todos os documentos em ordem (“análise documental”) e se está tudo certo com o terreno e o prédio dela (“avaliação in loco”). E sabe quantos clubes no Brasil conseguiram esse certificado? Cem? Mil? Todos? Não. Em 08 de janeiro de 2018 tínhamos 36 clubes na Categoria A e 7 na Categoria B. Isso é muito pouco.
Como falei, o CCF é o “mínimo do mínimo” para um clube formar uma criança como atleta e pessoa. Infelizmente, poucos clubes brasileiros têm essas condições – mesmo com todas as possibilidades de conseguir o dinheiro necessário por Leis de Incentivo. Eu espero que isso mude algum dia.
O futebol de base é, como o nome diz, a base do nosso futebol. Sem ela, sem os garotos que fazem parte dela, a gente não tem futebol. Garotos que são atletas. Garotos que são pessoas. Garotos que são crianças. O CCF existe para garantir que esses garotos sejam cuidados como atletas, pessoas e crianças pelos seus clubes. E é por isso que é a base da base do nosso futebol.
Fico por aqui! Vejo vocês na semana que vem quando vamos continuar o nosso Especial Copinha e falar sobre a indenização por formação. Qualquer coisa é só falar comigo pelas mídias sociais, espero que tenham um ótimo final de semana e até a próxima!

Categorias
Colunas

Na idade das trevas

Definitivamente estamos na idade das trevas quando se trata da organização e gestão do futebol no Brasil. Salvo algumas pontuais iniciativas que estão – que bom – sendo bem-sucedidas. Entretanto, de uma maneira geral, faz-se um desserviço à modalidade, um dos maiores patrimônios deste país.
Depois da tragédia do Maracanã na final da Copa Sul-Americana, estão escancarados todos os cenários pelos quais os torcedores podem passar quando vão a um estádio. Isso não é normal. Os mandos e desmandos de dirigentes populistas, também não. O presidente da entidade máxima do futebol nacional (CBF) afastado e o consequente vácuo de poder na instituição, mais a passividade dos clubes e federações estaduais em relação ao tema, não são – em nenhum lugar – situações normais. Inadmissíveis.

Fonte: O Popular

 
Dizem que o futebol é reflexo do cenário atual do país. Quero lembrá-los que existem exceções. Pois bem, são de fato reflexo, haja vista o caos social, econômico e político em que o Brasil está. Caos: a melhor palavra. Situações que não são normais em hipótese alguma.
Fonte: Divulgação

 

Pobreza não é normal. Violência não é normal. Interesse individual ou de pequenos grupos acima do coletivo, favorecimento, tráfico de influência não são normais. Enriquecimento ilícito, idem.

Mas as coisas estão em processo de mudança. Ah, como estão! As crianças cada dia mais torcem para clubes de futebol do estrangeiro. Inclusive gritaram “é campeão” quando o Real Madrid ganhou o último mundial de clubes, nos Emirados Árabes. Seus pais, conscientes dos riscos nas arenas (algumas só se forem de guerra mesmo), não levam os filhos aos jogos. E com o tempo este legado, outrora falado com a boca cheia pelo pai que o filho torce pelo mesmo time, não é passado. No futuro, o filho passará para o neto.

Infelizmente, só se reflete nisso quando acontece uma tragédia – como a do Maracanã do dia 14 de Dezembro – ou quando uma equipe europeia vence uma sul-americana pelo mundial de clubes. Vivemos do passado. Quem vive do passado é museu. E então, procura-se por todas as respostas. Claro que há inúmeros fatores que faz o futebol europeu estar bem à frente do sul-americano e brasileiro, como por exemplo: o PIB dos países, a força da moeda (em consequência da competitividade, tecnologia, inovação e poder de consumo) e o mercado comum europeu de livre circulação de pessoas e mercadorias. Ora, é reflexo da sociedade de lá. Claro, nem tudo são maravilhas. No entanto é consequência do trabalho coletivo, da constância, da eficiência, da excelência, de querer que seja feito da melhor maneira. De uma cultura – de trabalho – vencedora.

Com tudo isso, mesmo com isso tudo, é possível mudar. E a mudança está nos torcedores, a essência deste esporte. Basta não sermos coniventes com o que não é normal, querermos mais e melhor. Sempre

Categorias
Colunas

Eleições

O processo que conduziu João Doria Junior (PSDB) à prefeitura de São Paulo, em 2016, é reflexo significativo em uma progressão de desgaste das instituições do país. O tucano alicerçou sua campanha em um slogan de “não político” (o que contradiz sobremaneira a própria história de alguém que presidiu a Embratur na década de 1980 e construiu carreira a partir de relações com entes públicos, mas essa é outra história). A campanha de Doria tentou atribuir a ele a imagem do “gestor” como se isso fosse uma oposição ao “político” (o que é outra contradição de natureza, mas mostra bem o nível de rejeição de uma parcela do público à velha política). Ainda assim, não foi do atual alcaide a maior fatia de sufrágios. Ele teve 3,08 milhões de votos e perdeu para o contingente que soma abstenções (1,94 milhão), brancos (367 mil) e nulos (788 mil). Em outras palavras, um a cada três paulistanos simplesmente rejeitou a eleição.
Em tempos de Lava-Jato e de tantos outros processos, ruiu o que restava de confiança dos brasileiros em instituições – sobretudo porque denúncias, investigações e condenações atingiram também o Judiciário, o setor privado e a própria polícia. Existe uma crise de representatividade – sem acreditar nos atores do processo atual, cresce o número de pessoas que simplesmente rejeitam o jogo.
O esporte também é parte desse processo. Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil) e do comitê organizador dos Jogos Olímpicos de 2016, que foram realizados no Rio de Janeiro, foi alvo de operação da Polícia Federal e tem longa ficha de denúncias. José Maria Marin, ex-mandatário da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), vive regime de prisão domiciliar em Nova York (Estados Unidos).
Entre os últimos presidentes da CBF, aliás, a lista também é extensa. Ricardo Teixeira e Marco Polo del Nero só não foram presos porque não deixaram o Brasil – ambos são investigados pelo FBI, a polícia federal dos Estados Unidos, mas não têm qualquer condenação no país natal e tampouco um processo de extradição.
Teixeira, Marin e Del Nero não são os únicos que usaram o futebol para se locupletar, mas simbolizam o que existe de pior no esporte. São representantes da velha política e das instituições que tanto se desgastaram com o público brasileiro. São partícipes, como era João Havelange, de um esquema de uso do futebol e dos bens coletivos para vantagens individuais.
Por tudo isso, chama atenção negativamente a postura dos principais clubes brasileiros a respeito das denúncias do FBI. Em vez de uma cobrança para apuração em âmbito local ou pelo menos de um questionamento sobre os brasileiros envolvidos em denúncias sobre desvio de dinheiro que deveria chegar aos times, o que existe é silêncio. O silêncio é mais do que conivente – está mais para cumplicidade. Ainda que seja impossível acusar qualquer equipe de participar de ilícitos, a simples inércia diante de tantas denúncias causa danos irreparáveis aos cofres e às imagens de instituições que tanto precisam trabalhar isso.
Não há entre os times de futebol do Brasil uma instituição que possa renunciar a um trabalho de imagem. Não há quem tenha um nível de relacionamento com seus torcedores/consumidores que permita dizer não a qualquer chance de se posicionar. Não há quem viva situação financeira suficientemente positiva para ignorar possíveis desvios operados durante décadas.
No entanto, mesmo com a chance clara de burilar suas imagens ou de recuperar dinheiro que faria diferença, os clubes seguem em silêncio. Também dorme em berço esplêndido a Justiça brasileira, que pouco fez para apurar delitos de Del Nero, Marin e companhia. Toda a investigação tem sido capitaneada por autoridades do exterior, mas os dados levantados já são suficientes para denúncias e análises mais minuciosas também em solo nacional.
Até aqui, as ações que mexeram com essas autoridades partiram da Fifa. Del Nero foi suspenso por 90 dias, e existe entre os dirigentes a certeza de que o retorno às atividades no futebol é uma possibilidade bem remota. A punição afastou o brasileiro também do comando da CBF.
Sem o presidente, a entidade nacional deve passar por mais um processo eleitoral. O Coronel Nunes, que ocupa interinamente o cargo, pretende concorrer. Outras federações se articulam para lançar candidaturas, mas todo esse tabuleiro depende da situação de Del Nero nos próximos meses. E os clubes, que poderiam construir candidatura própria, também silenciam sobre isso. No processo de comunicação, muitas vezes a mensagem mais forte (e mais decepcionante) é simplesmente não falar.
Sobra silêncio até nos processos eleitorais dos próprios clubes. Até agora não há responsáveis ou punições para o que ocorreu no Vasco, por exemplo – a oposição conseguiu aglutinar votos que considerava questionáveis, e a “urna 7” virou protagonista de um processo que acabou com vitória de Eurico Miranda na contagem de sufrágios e derrota posterior nos tribunais, que admitiram irregularidades e suspeita de fraudes em registros. O resultado pode ter sido alterado, mas é razoável supor que uma tentativa de influenciar dessa forma o futuro político de uma agremiação não seja jogada para baixo do tapete apenas porque se mostrou infrutífera.
Também houve denúncias de irregularidades em sócios aptos a votar nas eleições presidenciais de Santos e Corinthians, por exemplo. E assim como aconteceu no caso do Vasco, faltaram posicionamentos claros, apurações consistentes e punições condizentes com essas possibilidades de fraude.
A inércia diante de tantos malfeitos só contribui para que o torcedor médio se afaste do futebol. É esse cenário de escárnio que mina o potencial do esporte e que alija os próprios clubes do potencial que poderiam alcançar. Como o futebol brasileiro tem mostrado, o silêncio nem sempre é uma virtude.