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Os princípios operacionais do jogo e a leitura tática

Documentos e textos escritos no Japão, sobre histórias de guerras, batalhas, samurais e feudos, contam que os famosos guerreiros “Ninjas” eram tão exigidos nos seus treinamentos que desenvolviam a capacidade de antever coisas que estavam por acontecer. Não se tratava de um desenvolvimento de forças sobrenaturais que davam ao Ninja o poder da premonição; tratava-se do desenvolvimento da percepção do ambiente, sobre detalhes que para a maioria das pessoas poderia passar despercebido, mas que para eles, guerreiros treinados a exaustão, poderia significar o ponto de partida para reagir com velocidade máxima a uma situação de perigo (antes mesmo dela efetivamente ocorrer).
 
No nosso dia-a-dia existe uma enormidade de coisas que para grande parte das pessoas são apenas detalhes invisíveis. É interessante como deixamos de reparar, de perceber o que ocorre a nossa volta. Já reparou que você nunca presta atenção a um determinado modelo de carro, até que resolve ter um? Aí parece que todos os carros que você vê passar são justamente o tal.
 
O que você vê nessas figuras? Apenas folhas ao vento ou uma mulher de “bruços” (tecnicamente decúbito ventral)? Uma taça de vinho, uma cortina, ou uma mulher nua? Ou estaria vendo todas essas coisas ao mesmo tempo?

 

Essas figuras simbolizam o que eu chamaria de barreira do senso comum. Não ultrapassar essa barreira significa ver o que todo mundo vê, fazer o que todo mundo faz; transpô-la representa utilizar-se de conhecimentos científicos e a sabedoria adquirida para ir além (ver mais do que os outros, ver o que poucos ou ninguém vê).

 
Talvez a melhor pergunta seja o que você quer ver? E não o que você vê? O fato é que se você quer conhecer bem alguma coisa deve olhar a fundo (se aprofundar), o máximo possível. Quando penso que o que queremos conhecer a fundo é o futebol vejo a grande massa de conhecimento científico disponível aguardando para ser consumida e servir de energia para a transposição imediata da barreira mencionada.
 
Como já apontei em outras vezes podemos olhar para o jogo de futebol e ver aquilo que todo mundo vê (ou acha que vê). Isso não é difícil. Complexo e árduo é “mergulhar” no jogo e ver aquilo que poucos são capazes de ver.
 
Podemos nos apoiar em diversas lentes para refinar nosso olhar. Dentre os olhares possíveis, o da ciência, é no aspecto tático, o mais distante no quesito aplicação prática. Não pela inaplicabilidade ou ausência de teorias. O fato é que, o seu acesso (e não somente o acesso a ela) é dificultado por obstáculos paradigmáticos.
 
Dentro do jogo de futebol, é possível observar conceitos e princípios que podem ser lentes orientadoras para melhor enxergá-lo, melhor entendê-lo. Isso não é privilégio do futebol. Qualquer esporte, individual ou coletivo, de força ou resistência, assim como apresenta uma lógica (discutido no texto anterior) possui também princípios.
 
Nos esportes coletivos, são inúmeros os pesquisadores e especialistas que se dedicam a estudar suas dinâmicas, sistemas e imprevisibilidades. Um deles, Claude Bayer, aponta em suas reflexões para o fato de que certos “eventos” da dinâmica do jogo são comuns a diversos “Jogos Desportivos Coletivos”, e que seu entendimento particular aplicado as características ímpares de cada modalidade pode auxiliar na compreensão da mesma.
 
Esses eventos são como “lentes” para enxergar o jogo, e essas “lentes” Bayer chama de Princípios Operacionais de Ataque e Princípios Operacionais de Defesa do jogo.
 
Os Princípios Operacionais de Ataque (POA) são as estruturas dinâmicas que sistematizam o jogo de ataque. São três os POA: 1) a conservação individual e coletiva da posse da bola; 2) a progressão da equipe e da bola visando o alcance da meta adversária; 3) a finalização da jogada para a obtenção do ponto, do gol, da cesta, etc.
 
Os POA são os óculos que nos ajudam a ver o jogo sob uma perspectiva orientada para a construção e identificação de possibilidades de ataque. Então, orientados por esse olhar, dentro do treinamento do sistema ofensivo de uma equipe, dever-se-ia criar estratégias que possibilitassem melhor desempenho na manutenção da posse de bola, maior eficiência e eficácia na construção de seqüências ofensivas, e por fim grande intensidade de concentração no arremate final. Vejam senhores; criar estratégias não significa espernear, esbravejar, fazer cena na beira do gramado gritando aos quatro campos para a equipe manter, por exemplo a posse da bola.
 
Criar estratégias, senhores, significa possibilitar no treinamento, situações-problema para o desenvolvimento desse ou daquele princípio, com atividades que levem ao como fazer, através de sua compreensão.
 
Os Princípios Operacionais de Defesa (POD) são as orientações das dinâmicas de defesa de uma equipe. Segundo Bayer são três os POD: 1) a recuperação da posse da bola; 2) o “bloqueio” ao avanço da equipe adversária e da bola (em progressão ao próprio alvo); 3) a proteção do alvo propriamente dito para impedir que a equipe adversária finalize.
 
Ao olharmos o jogo com os óculos do POD provavelmente nos tornemos capazes de identificar o porquê, por exemplo, equipes sofrem poucos gols no decorrer de um campeonato. Repare, uma equipe com poucos gols sofridos pode ter essa marca porque tem uma boa estratégia de recuperação da posse da bola. Outra porque tem uma boa estratégia de posicionamento para impedir o avanço da equipe adversária e/ou da bola; ou ainda porque consegue com muita eficiência proteger sua meta propriamente dita.
 
É fácil então, a partir daí, perceber que além de existirem possibilidades distintas a se trabalhar (princípios distintos a se desenvolver) para o ataque e para a defesa é possível dentro de um mesmo princípio ter infinitas estratégias para se obter o resultado desejado.
 
Provavelmente ao olhar para um jogo de futebol, muitos de nós (torcedores, jornalistas, especialistas, treinadores, pesquisadores) realmente somente sejamos capazes de ver a “figura superficial” das
dinâmicas táticas que compõe uma partida. Mas é necessário ir além (ir além é medida obrigatória para treinadores e especialistas). É necessário transcender as tradições, as manias, os vícios, os padrões, a simplicidade fragmentada, o comum vazio de conteúdo; é necessário que olhemos para o jogo e sejamos capazes de ver os problemas e buscar respostas (os por quês) e não simplesmente apontá-los e fazer exigências improdutivas de melhoras.
 
Não podemos deixar de ver o carro, mesmo quando não é ele que vamos comprar. Não podemos deixar de ver o carro, principalmente quando é ele que pretendemos adquirir.
 
Não é necessário que sejamos “Ninjas”, nem tenhamos poderes sobrenaturais. Exercitemos apenas a possibilidade de detectar taticamente em seu início o fracasso anunciado (para não permitir que ele aconteça) ou o sucesso eminente (para amplificar sua magnitude e fazê-lo chegar mais rapidamente).
 
Olhemos para ver! Olhemos novamente para entender! Olhemos com profundidade para transcender!
 

Vitórias e derrotas não são conseqüências da sorte ou do acaso. Então vamos vestir o óculos porque o jogo está começando…

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Futebol sim, seleção não

Dias atrás, Sílvio Torres sugeriu fazer da seleção brasileira um patrimônio cultural nacional. Ontem, Ronaldo falou que quem manda na seleção brasileira é o povo brasileiro. Um ditado diz que todos os brasileiros, inclusive a minha avó de 95 anos, são técnicos da seleção. Afinal de contas, de quem é a seleção?
 
Da CBF, óbvio. Quem manda e desmanda, quem assume as responsabilidades, os contratos, os lucros e tudo mais é a organização que comanda o futebol no país. Na verdade, olhando de uma forma mais ampla, quem manda mesmo na seleção brasileira é a Fifa. A CBF é uma espécie de governadora. Mas, de qualquer forma, quem atua mais diretamente é de fato a Confederação Brasileira de Futebol.
 
O argumento para a defesa do domínio público do selecionado nacional vem da importância histórica da marca para os ideais da unificação nacional ao longo do século XX. Por ser mais barata do que qualquer outra coisa que tivesse o mesmo efeito de propaganda, o poder público investiu muito na seleção. A marca se tornou, assim, um dos pilares da construção da cultura brasileira, fato que por mais incomodante que seja, é inegável.
 
Entretanto, a seleção jamais deixou de assumir o seu status de uma equipe de futebol vinculada ao campeonato promovido por uma organização internacional que é representada aqui por uma confederação nacional. A seleção sempre foi um elemento privado, e sempre continuará sendo.
 
A peça chave dessa discussão entre as esferas públicas e privadas está no erro histórico da política governamental de apostar tanto no uso de um bem que não lhe cabia o controle pleno de fato, por mais que algumas decisões do Estado tivessem sido empurradas goela abaixo durante o período militar. Hoje, não cabe mais imaginar a seleção como um bem público, assim como não se pode mais entender a seleção como um símbolo nacional.
 
A seleção brasileira de futebol é controlada diretamente pela CBF e indiretamente pela Fifa. O futebol como esporte, desvinculado de qualquer controle ou marca, não é de ninguém. Esse sim pode ser considerado do povo. Esse sim pode ser considerado parte do patrimônio cultural do Brasil.

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Panorama do futebol brasileiro

O Brasil é reconhecidamente um produtor de jogadores de futebol em grande quantidade e qualidade, tanto para compor as centenas de equipes profissionais brasileiras, como para o mercado internacional.
 
Fontes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e do Banco Central do Brasil informam que 2.380 jogadores de futebol deixaram o país entre 2002 e 2005, movimentando mais de US$ 1 bilhão em transferências.
 
Por outro lado, levantamentos apontam que mais da metade (cerca de 60%) desse contingente exportado retorna rapidamente ao Brasil, devido principalmente às dificuldades de adaptação e ao despreparo dos atletas.
 
Durante décadas que a formação de nossos jogadores de futebol ocorria preferencialmente através da prática intensa e arraigada em nossa cultura, disseminada em campos de várzea, campinhos, praias e espaços urbanos improvisados, entre outros.
 
Com a crescente e acelerada urbanização (*) esse processo também se adaptou e se transformou, passando a se caracterizar por práticas mais sistematizadas e reguladas realizadas em quadras e escolinhas de futebol que se multiplicaram nas duas últimas décadas.
 
Esta transformação de uma prática natural e espontânea, para uma prática mais sistematizada, regulada e regulamentada, provocou mudanças importantes que muitas vezes não são consideradas pelos especialistas, mas repercutem no perfil atual e futuro dos profissionais de futebol.
 
A “marca registrada” do futebol brasileiro é o talento técnico de seus jogadores, caracterizado principalmente pela sua capacidade de improvisação e criatividade, que realça um diferencial apreciado e valorizado em todo o mundo.
 
Manter esse diferencial é tarefa que os projetos pedagógicos e/ou metodológicos consistentes devem cumprir, para garantir uma prática que não só incorpore os novos conhecimentos advindos das diversas ciências que dão suporte à performance esportiva, como também garantam o ambiente favorável para o adequado desenvolvimento da habilidade criativa.
 
(*) Por volta de 1958, quando o Brasil conquistou a primeira Copa do Mundo, a maioria da população brasileira era rural. Hoje mais de 80% vivem em áreas urbanas.

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Na torcida

Com o término dos Jogos Pan-Americanos, o esporte brasileiro começa, aos poucos, a voltar à ordem natural de suas coisas. Sem a overdose de cobertura da mídia a todas as modalidades, regressamos ao período em que o futebol domina as ações.
 
Mas o excesso de cobertura de futebol na TV nos revela, a cada outro evento esportivo, como o Pan e, principalmente, os Jogos Olímpicos, um problema crônico na narração esportiva brasileira.
 
É cada vez mais nítida a dificuldade que o país tem em produzir narradores técnicos, que conhecem uma modalidade a fundo além do futebol.
 
Em 15 dias de Pan, o que se viu, ou ouviu, nas telas e dials país afora foi muito mais uma “torcida” pelo Brasil em vez da narração de uma competição. Narradores afônicos com a maratona aquática, indignados com a decisão dos árbitros no judô, eufóricos com os saltos que valem o ouro no Pan, mas nem o bronze em Olimpíadas e Mundiais, de Maurren, Jadel e Fabiana Murer.
 
Tivemos de tudo um pouco no Rio. Mas o que faltou, de fato, foi o jornalismo.
 
Em busca da medalha dourada, nossos narradores se especializaram em falar coisas que não fazem sentido, em achar culpados e explicações para o inexplicável. Jade se esborrachou no chão durante a apresentação nas barras. Era nítido que o ouro havia escapado entre os dedos, literalmente. Mesmo assim, em todas as emissoras, a impressão que se tinha era de que ainda havia esperança.
 
O único momento em que tal “ufanismo” não aconteceu foi no futebol masculino, quando, aos 40 do segundo tempo, o time brasileiro sofreu o quarto gol do Equador e ficou claro que a equipe seria eliminada da competição.
 
Não seria isso a prova de que, no Brasil, o narrador só não é um torcedor quando o assunto é futebol?

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A lógica do jogo de futebol

Quando menino (avós vivos, tios animados, macarronada aos domingos), me intrigava uma figura, conhecida nas ruas do bairro como “Zé do Torto”, que sempre aparecia depois dos almoços em família na casa de meu avô apenas para dizer “boa tarde” e mostrar as moedas que mais uma vez ganhara desafiando pessoas na rua em uma variação do conhecido Jogo da Velha: “eu digo que nunca perco; então se o jogo empata ou eu venço, não tem jeito; as moedas são minhas”.

Sem qualquer ponto ou vírgula a mais, a frase era sempre essa. E o que me deixava curioso era o fato do tal Zé do Torto nunca perder. Mais tarde, com um pouco mais de idade, desapareceram certas dúvidas, o jogo da velha (e sua variação) perdeu os seus mistérios e percebi que compreendendo certas combinações e possibilidades era muito fácil não perder jogando esse jogo. Percebi que outros jogos por vezes mais e por vezes menos complexos do que o jogo da velha também tinham “combinações e possibilidades” que estruturadas apontavam para uma lógica que orientava a melhor forma de jogar.

Os desafios cresceram e a curiosidade também. Ficou para trás o jogo da velha. Surgiram jogos com cartas, damas, xadrez e claro, futebol!

Façamos um exercício com um jogo conhecido (dentre outros nomes) como batalha naval. Nele o objetivo do jogador é descobrir qual dos “quadrados” (A1, A2, A3, A4, A5, A6, A7, A8, B1, etc.) fora escolhido pelo seu adversário dentre os 64 possíveis. O seu adversário buscará descobrir o mesmo. Vence o jogo aquele que mais rapidamente chegar ao “quadrado” do seu oponente.

Para chegar à resposta certa, cada jogador pode fazer ao seu adversário perguntas em que as respostas sejam somente “SIM” ou “NÃO”. Então um jogador pode perguntar, por exemplo, se o quadrado do seu oponente está na coluna 1; mas não poderá perguntar se “o quadrado escolhido está na coluna 1 ou na coluna 2″ (pois aí a resposta deixaria de ser simplesmente “SIM” ou “NÃO”). De quantas perguntas você necessitaria para chegar à resposta correta?

Compreendendo a lógica desse jogo é possível, com um número reduzido de perguntas, chegar ao quadrado escolhido pelo oponente. Para isso, basta que a cada pergunta seja eliminado o maior número de quadrados possível. Então, em vez de perguntar se o quadrado escolhido está na coluna 1 (ou 2, 3, 4, 5, 6, 7 ou 8) – o que em caso de resposta negativa eliminaria apenas 8 quadrados – dever-se-ia buscar interrogações do tipo “o quadrado escolhido está entre a coluna 1 e a 4?“. Nesse caso, independentemente da resposta ser negativa ou positiva, o número de quadrados eliminados seria 32. Se a mesma idéia for aplicada a cada pergunta, em seis tentativas seria possível chegar à reposta correta.



É claro que questionamentos que se arriscam a eliminar apenas oito quadrados ou menos (no caso de resposta negativa) podem alcançar o privilégio de eliminar 56 em caso de resposta afirmativa. Eis aí algo peculiar ao jogo: a imprevisibilidade. Mesmo dominando “combinações e possibilidades”, é possível transpor o esperado e passar à frente (o inesperado!).

Obviamente, em um jogo como o de batalha naval, se os dois oponentes conhecessem a lógica do jogo (para eliminar o maior número possível de quadrados), e não houvesse a possibilidade de se arriscar, ganharia sempre aquele que começasse primeiro com as perguntas.

E o futebol com isso?

O futebol é um jogo de grande complexidade de ações e como jogo pode ter a sua Lógica compreendida. A diferença é que em vez de buscarmos quadrados, devemos buscar o entendimento de detalhes que desencadeiam situações que possam efetivamente aumentar as chances de fazer gols. Em vez de buscarmos a simplicidade, devemos entender a sua complexidade.

Ainda que possa parecer abstrato, comecemos por entender que de certa forma alguns técnicos de futebol tornam-se vitoriosos com suas equipes e fazem história em agremiações diferentes, em torneios diferentes, com jogadores diferentes usando esquemas táticos diferentes. Seria isso coincidência?

Diversos estudos têm sido realizados no mundo tentando descobrir, sob a perspectiva técnico-tática, quais são as variáveis que determinam o sucesso de equipes e treinadores vitoriosos. É claro que não é apenas de variáveis técnico-táticas que uma equipe sobrevive. Não estou aqui desprezando aspectos psicológicos, sociais, fisiológicos ou qualquer outro. O que busco é apontar para a possibilidade de se entender a lógica dentro do jogo de futebol e a partir dela construir estruturas táticas e estratégicas nos treinamentos que aumentem as chances de vitórias.

Se os dados de pesquisas apontam para o fato de que seqüências ofensivas que resultam em gols têm em sua eficácia uma relação inversa ao seu tempo de duração (em outras palavras, as jogadas que têm maior chance de se reverter em gol são aquelas que têm poucos segundos de duração), por que não, por exemplo, criar estratégias para que a partir da recuperação da posse de bola em dada região do campo, uma equipe tenha condições de levá-la ao gol adversário rapidamente (e indo além, por que não investigar como tornar isso possível?)?

O que proponho, caros amigos, é a partir do entendimento da lógica do jogo, buscar o domínio do maior número possível de variáveis que a compõe, tornando uma equipe ao mesmo tempo mais imprevisível para o adversário e ele (o adversário) menos imprevisível para ela. O que sugiro é que busquemos responder sob a perspectiva técnico-tática os porquês de tantas vitórias desse ou daquele treinador, dessa ou daquela equipe, fugindo do acaso e dos achismos que sobrevivem no futebol.

Pra quê perguntar por quê? Será que vale a pena? Será?

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Sobre a saída de Dualib

Dualib se foi do Corinthians. Dizem que não volta mais. Depois de mais de uma década se sustentando no poder, não resistiu ao efeito MSI e largou mão do clube.
 
É fácil entender parte da razão da perpetuação de Dualib no cargo. Afinal, trata-se do segundo clube mais popular do país, o clube do coração do presidente da república e um dos clubes que mais atraem atenção da mídia e da população em geral. Os atrativos intangíveis são imensos, dificilmente oferecidos por qualquer outro tipo de atividade. Eu, no lugar dele, provavelmente também tentaria desfrutar dessa posição o maior tempo possível.
 
Acima de tudo, porém, a pseudo-deposição de Dualib do cargo ofereceu um grande argumento para aqueles que se posicionam contra a idéia do clube-empresa. Afinal, fosse o Corinthians uma empresa, e não um clube, poderia Alberto Dualib ter sido destituído do cargo? E se o clube fosse do próprio Dualib? Adiantaria alguma coisa os torcedores protestarem contra a sua permanência?
 
É essa, hoje, a grande briga que existe contra o formato empresarial dos clubes de futebol. Afinal, quando alguém compra alguma coisa, essa coisa é dela, e não dos outros. Supondo que Dualib fosse dono do clube, tudo que um torcedor poderia fazer caso discordasse desse fato, era deixar de torcer pelo clube. Foi o que aconteceu com o Manchester United, na verdade. Alguns torcedores ficaram tão desapontados com o fato de não ter nenhuma legitimidade de opinião contra o fato da família Glazer ter tomado comprado o clube que resolveram criar o próprio time, o FC United.
 
Bem ou mal, o regime associativo oferece canais mais diversos de acesso do torcedor ao clube, ainda que esses canais sejam bastante deturpados na realidade brasileira. Mas pelo menos eles existem. Um torcedor pode se associar a um clube, se tornar um conselheiro e eventualmente ter influência no poder decisório. É difícil, mas pelo menos existe a possibilidade de acontecer.
 
Um dos problemas, porém, é que o torcedor possui um comportamento naturalmente irracional, o que acaba deturpando a real legitimidade da sua opinião, principalmente no que se relaciona às questões administrativas. Acima de tudo, torcedores e conselheiros são motivados pela performance do seu clube e, portanto, suas opiniões e seus juízos serão diretamente influenciados pelo desempenho do time.
 
O que me leva a uma pergunta: Teria tudo isso acontecido caso o Corinthians estivesse no topo da tabela?

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A força que supera o planejamento

O planejamento é sempre uma palavra de ordem quando se pensa em trabalho organizado, científico e que busca vitórias de forma sustentada no esporte. Entretanto, há momentos que em outros fatores falam mais alto. Isto é o que demonstra a recente conquista pela seleção do Iraque da Copa da Ásia, uma competição correspondente à Copa América, ao vencer a Arábia Saudita na final por 1 a 0.
 
O Iraque, ao terminar a competição à frente de seleções como Arábia Saudita, Coréia do Sul, Japão, Irã, China, que sabidamente representam países que na atualidade possuem federações de futebol bem mais estruturadas, sinaliza que nem sempre apenas o planejamento garante o sucesso de uma equipe de futebol.
 
A preparação da seleção do Iraque caracterizou-se pelo improviso, carências e dificuldades de diversas ordens. Enquanto outros países se prepararam utilizando-se dos mais modernos e sofisticados recursos, o Iraque contou com condições bastante precárias de preparação.
 
O próprio treinador, o brasileiro Jorvan Vieira, com apenas dois meses de trabalho, mal conhecia os seus jogadores iraquianos. Mas então devemos concluir como afirmam alguns, que futebol não tem lógica? Ou será que existem outros aspectos que podem ser decisivos para uma conquista, como a conseguida pelo aparentemente fraco e despreparado Iraque?
 
Penso que esta última hipótese seja a mais correta. O que sobrou ao modesto Iraque e talvez tenha faltado às outras seleções consideradas mais qualificadas, foi aquela inabalável força interior capaz de unir solidamente um grupo em torno de uma meta ou finalidade comum. No caso do Iraque, país destroçado por problemas de ordem política, religiosa e econômica esta força quase mágica resgate do orgulho nacional, permitiu até que etnias historicamente divididas como xiitas, sunitas e curdos, se unissem em torno de uma causa comum.
 
Esta é a maravilhosa força da natureza humana. E esta é uma das características mais destacadas do futebol que o torna aparentemente imprevisível e encantador.

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A leitura tática do jogo

Certa vez, numa cidade do estado de São Paulo, em uma greve de ônibus, proprietários de “vans” (peruas) perceberam grandes oportunidades de trabalho: poderiam transportar os passageiros que ficaram sem ônibus, tentariam junto a prefeitura a legalização do seu meio de transporte e, claro, lucrariam com isso.
 
Com a permissão aos chamados “perueiros” os proprietários de ônibus protestaram e fizeram previsões catastróficas para a “saúde” das suas empresas. Um deles, contrário aos demais, viu na situação uma oportunidade de crescimento: acrescentaria na sua frota, “vans” bem equipadas (poltronas confortáveis, ar-condicionado e a promessa de que somente transportaria passageiros sentados) e passaria a concorrer em excepcionais condições com o meio “alternativo” de transporte.
 
No mundo, enquanto alguns enxergam o “ponto final” outros vêem o “início do próximo parágrafo”.
 
Muitos de nós brasileiros somos (por auto-intitulação) especialistas em futebol. Mas tantos especialistas sentados à mesa acabam por, na maioria das vezes, não chegar a um “ponto comum” sobre aspectos de uma partida.
 
Nos estádios, o técnico é “burro”, é gênio. Torcedores têm a solução imediata para qualquer problema que apareça no jogo. Incrível saber que mesmo essas soluções imediatas possivelmente serão tão distintas que é provável que se tenha mais de uma centena de idéias e não se tenha realmente a solução.
 
O fato é que mesmo os técnicos, “grandes” ou “pequenos”, desconhecidos ou famosos podem não chegar a um consenso quando o assunto é a leitura do jogo.
 
Como será que o técnico Vanderlei Luxemburgo viu a derrota da seleção brasileira para a seleção da França na Copa do Mundo de 2006? Como será que Luiz Felipe Scolari, José Mourinho, Parreira ou Domeneche viram o mesmo jogo. O mesmo jogo? – (certamente o “mesmo diferente jogo”) – O que teriam feito se fossem todos, naquele momento, técnicos da seleção brasileira? Como teriam tentado reverter o resultado da partida?
 
Certamente cada um desses treinadores mencionados e mais tantos outros mundo afora, vêem em cada jogo pedaços de si próprios. Por exemplo, Mourinho “lê” o jogo dentro de um contexto de possibilidades criadas de acordo com os conhecimentos e saberes que fora adquirindo ao longo de toda sua jornada (não somente jornada como técnico, mas jornada como pessoa – algo que ele tem consciência e que fica cada vez mais evidente em sua fala). O mesmo vale para Scolari, Parreira, Domeneche, Luxemburgo e para cada um de nós, quando ao assistirmos um jogo encontramos as respostas para as dificuldades desta ou daquela equipe.
 
O fato é que essa “leitura” de jogo particular remete para soluções também particulares e muito peculiares. Portanto, ainda que Parreira e Scolari enxerguem que algo está errado com as “roubadas” de bola pela esquerda da defesa de uma equipe, é possível que cada um deles faça apontamentos e tome atitudes diferentes para corrigi-las.
 
É nessa diferença interpretativa dos fatos que futebol, arte e ciência se confundem, ao ponto de se perder por diversas vezes a lucidez para buscar respostas que justifiquem vitórias e derrotas.
 
Certamente dois engenheiros podem discordar sobre a melhor forma de se construir bases sólidas para levantar um grande edifício, mas não precisarão construir dois edifícios iguais com bases diferentes para terem a certeza de qual é a melhor solução. Eles estudam, analisam, levam a Ciência para sua prática e finalmente podem tirar conclusões exatas sem que seja necessária para isso a queda de um edifício.
 
No futebol existem lógicas e princípios que ao serem entendidos podem elucidar a forma de se enxergar um jogo (o empirismo e os “achismos” que nele [no futebol] “imperam de maneira imperial” acabam contribuindo muito pouco para a sua evolução tática e estratégica).
 
E por que não vemos a busca do entendimento desses princípios e lógicas? Por que o “termômetro” de um jogo vem sendo a décadas dado pela experiência desvinculada do conhecimento?
 
Simples caros amigos; porque em terra de greve de ônibus, quem tem “van” é rei…
Poucas e “escondidas” são as “rodas” em que se discute dentro do futebol princípios como “apoio”, “profundidade” ou “penetração”; que experienciam cientificamente conceitos como “compactação”, “bloco”, “balanço defensivo”; que debatem por exemplo como manter a “amplitude” de uma equipe em um 4-4-2, ou o porquê é fácil tê-la no 4-3-3 ou no 3-5-2.
 
No futebol, mais se acha do que se compreende, mais se acredita do que se comprova.
Se pelo menos achassem o conhecimento (que pelo jeito que a coisa vai, deve estar escondido). Se pelo menos se acreditasse nos fatos ao invés dos mitos…
 
Não creio ser possível uma leitura uniforme dos eventos que desequilibram uma partida de futebol para esta ou aquela equipe, mas certamente é possível trazer a discussão sobre vitórias e derrotas a um nível mais apropriado, palpável, concreto, enfim científico.
 
Isso não significa engessar o jogo de futebol. Significa apenas uma aproximação cada vez maior da “arte do imponderável” (“pois até no caos ocorrem padrões”).
Semana que vêm começaremos a discutir quais são e o que são os princípios ofensivos, os princípios defensivos, os princípios operacionais e a lógica do jogo no futebol. Quem sabe, a gente não consegue levar a ciência para a tática e a estratégia de jogo e comece a entender a arte que se expressa no futebol.
 

PS – Quem sabe não começaremos a enxergar o princípio do parágrafo onde todo mundo vê o ponto final. Então, em vez de terminar com o próprio, finalizo hoje com reticências…

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A falta que uma liga faz

Dos males que assolam o futebol profissional brasileiro – e você bem sabe que são muitos – talvez nenhum possua tanta influência direta no composto total das coisas como a falta de uma liga propriamente estabelecida. Antes de eu começar a me prolongar por aqui, porém, é preciso que você, e tantos outros, entenda o que de fato é uma liga.
 
Lembra-se daquelas ligas regionais criadas há quase dez anos, que prometiam revolucionar o futebol brasileiro? Pois então. Esqueça delas. Apague da sua memória. Comecemos do zero.
 
Um clube sozinho, sem adversários, não faz nada. Joga paredão. Malha, talvez. Com um time só não existe futebol. É W.O. Para que uma partida de futebol possa existir é preciso um adversário. O futebol, portanto, não é um clube em si, mas sim o jogo resultante da disputa entre dois clubes.
 
Pois bem. Com dois times só, também, a coisa fica meio chata. Jogar contra o mesmo adversário repetidamente eventualmente acaba com o interesse na partida. Que diga o He-Man. Com um adversário apenas, o futebol até existe, mas fica bastante limitado.
 
Eis que um clube pode, portanto, procurar outros adversários para competir, despertando assim um interesse maior entre seus torcedores e seus próprios atletas. De forma desordenada, porém, as partidas acabam ficando sem propósito, cada uma acabando em si mesma. Dessa forma, cria-se um calendário para que determinadas equipes possam se enfrentar entre si de forma a conhecer qual é a melhor entre todas as concorrentes. Caracteriza-se, assim, uma liga, ou um campeonato.
 
No futebol moderno, a essência do interesse do torcedor e de todos os outros agregados no esporte se faz a partir da liga, e não do clube em si, tampouco em um seleto jogo. O Manchester United, em si, não representa nada. Ele possui o valor que tem por causa dos seus adversários. Se o Man Utd entrasse em campo no Old Trafford sem adversário, ninguém daria a menor bola. Bom, talvez alguns coreanos e chineses que eu conheço dessem, mas esses não batem muito bem.
 
O fato de o Manchester United poder jogar com times como Liverpool, Chelsea e Arsenal todo o ano oferece um valor agregado à marca que ela dificilmente encontraria em algum outro lugar. O mesmo acontece quando o clube se classifica para a Champions League e abre o leque de adversários para clubes como Barcelona, Real Madrid, Juventus, Milan, Bayern, Lyon, Benfica. Caso o Manchester passasse a jogar regularmente contra adversários do nível do Tranmere Rovers, por exemplo, é óbvio que o seu valor diminuiria consideravelmente. E que a família Glazer sentiria na pele a força daqueles que possuem cerveja em vez de sangue nas veias.
 
É possível afirmar, portanto, que todos os produtos do futebol são derivantes da própria liga em si. Quanto melhor a liga, melhor tende a ser a percepção dos produtos. Quanto pior, pior. Não à toa que as principais equipes dos principais esportes do mundo possuem por trás uma liga forte que a sustente. É o caso do futebol, mas principalmente dos esportes americanos, com a NFL, MLB, NBA, entre outras.
 
No futebol, as ligas não são novidades. A primeira de todas, a Football League inglesa, começou em 1888. Desde então, outras ligas foram surgindo ao redor do mundo com o intuito de organizar e comercializar a competição nacional.
 
Liga e Federação são coisas bastante diferentes. Uma federação nacional de futebol deve prezar pelo desenvolvimento do futebol em um determinado país, em seus mais diversos níveis, do amador ao profissional, da criança ao adulto, do homem e da mulher. Uma liga, porém, preocupa-se em organizar, promover e comercializar um determinado campeonato. São coisas diferentes, que precisam ser organizadas por instituições também diferentes. A idéia é outra, a filosofia é outra e os interesses são outros.
 
No Brasil nunca existiu uma liga propriamente dita. A CBF não é uma liga, é uma federação, e como tal preocupa-se com as coisas do parágrafo anterior. No começo, era ela a principal responsável pela organização do Campeonato Brasileiro, muito por causa da pressão do Estado na realização desse campeonato. De uns tempos pra cá, porém, a CBF tem passado a responsabilidade do campeonato para o Clube dos 13. O C13, porém, também não é um liga. O C13 ainda é uma organização fechada que reúne e preza pelo interesse de alguns determinados clubes, não do campeonato em si. Uma liga, na sua forma natural, é composta por membros temporários, que assumem ou deixam os postos de acordo com a performance esportiva. A liga preocupa-se com ela, e não com os clubes que a compõe.
 
Uma liga, no Brasil, poderia gerenciar melhor diversos elementos cujas responsabilidades hoje são atribuídas ou à federação ou ao governo. Uma liga poderia, por exemplo, exigir que determinados pré-requisitos fiscais fossem seguidos para que o clube fosse autorizado a participar do campeonato. Poderia, também, estipular regras claras sobre a presença e influência de empresários e grupos de investidores nos clubes. Poderia, enfim, dar pelo menos um passo inicial no controle e na solução das diversas mazelas que aos poucos vão acabando com o futebol nacional.
 
O Campeonato Brasileiro de futebol profissional não é da federação. Muito menos do Estado. O Campeonato Brasileiro de futebol profissional é daqueles que de fato fazem parte da tabela. Eles que se organizem para conseguir fazer o melhor possível para atrair interesse e dinheiro dos torcedores. O problema é da liga. O problema é dos clubes. Se não conseguirem se entender, que joguem paredão. Ou malha.

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Futebol e os números

Todos nós sabemos que o futebol é uma das mais significativas manifestações culturais dos nossos tempos. Como espetáculo fascina grande parte da população mundial que hoje já passa dos 6,5 bilhões de habitantes. Como prática esportiva, encontramos milhões e milhões de praticantes, entre homens e mulheres, espalhados pelo mundo todo.
 
Em pesquisa realizada em 2006, pela Federação Internacional de Futebol, a Fifa, instituição que organiza o futebol mundial, podemos observar números impressionantes.
 
Na China, por exemplo, mais de 26 milhões de pessoas praticam o futebol. A Índia, país sem tradição neste esporte, com apenas cerca de 400 jogadores profissionais, tem, contudo mais de 20 milhões de praticantes. Claro que temos que considerar que sua população já ultrapassa um bilhão de habitantes e, portanto, proporcionalmente estes 20 milhões pode não ser considerado um número tão grande assim. Mas para se ter uma idéia do que isso significa basta verificar que no Brasil, com uma população chegando próximo aos 200 milhões, temos cerca de 13 milhões de praticantes.
 
O Brasil, entretanto, é imbatível em número de jogadores profissionais entre os 207 países que são associados à Fifa. Possuíamos em 2006, 16,2 mil atletas profissionalizados. Bangladesh, país asiático, com população de 150 milhões de habitantes, possui mais de seis milhões de praticantes, porém nenhum jogador profissional.
 
Até os Estados Unidos, que parecem ser um país que não dá muita atenção a este esporte, possui a maior quantidade de mulheres futebolistas, com um número fantástico de mais de sete milhões de praticantes. Em segundo lugar vem a Alemanha com menos de dois milhões de mulheres que jogam futebol.
 
Os números são incríveis como podemos constatar. Não é à toa, portanto, que a Fifa, aproveitando-se da importância que este fenômeno sócio-cultural possui em escala global, vem procurando chamar a atenção para os aspectos da responsabilidade social potencialmente presentes no futebol enquanto instituição.
 
O significado do futebol é tão grande que a missão da Fifa, descrita em vários documentos por ela produzidos, de “desenvolver o jogo, comover o mundo e construir um futuro melhor” bem que poderia se transformar em realidade, na medida em que mais homens e mulheres de bem também participassem deste processo. O futebol seria um instrumento perfeito para isso.

Para interagir com o autor: medina@universidadedofutebol.com.br