Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br
Categoria: Sem categoria
Sejamos sinceros. A coisa está feia para o futebol brasileiro. Se a realidade já não ajuda muito, o futuro é ainda mais tenebroso. O pior é que há muito pouco o que se possa fazer. Afinal, não há um clube, uma federação ou algum outro elemento do cenário nacional que tenha capacidade de frear os dois maiores responsáveis pela construção desse amanhã sombrio: a globalização e o desenvolvimento tecnológico.
Na medida em que o mundo vai se tornando uma coisa única e a tecnológica permite que haja de fato um conteúdo global acessível a todos, é natural que a população comece a criar uma cultura mundial e que acabe convergindo sua atenção a interesses mais ou menos comuns. A internet, sabe-se muito bem, permite que os limites geográficos deixem de ser um obstáculo para qualquer tipo de informação. Isso tudo, obviamente, acaba tendo reflexos no futebol brasileiro. E esses reflexos não são nada bons.
É fato que o público do futebol no Brasil não vai a estádios. O Brasil, assim como tantos outros países latinos, possui uma enorme legião de torcedores de sofá, que raramente vai a um estádio, preferindo assistir um jogo no conforto da sua casa, da casa do amigo, ou do bar. Nada mais sensato, afinal ir a um estádio no Brasil é complicado e inseguro, além do jogo poder ser potencialmente chato.
Esse fato, por si, não é um problema, afinal o dinheiro que a televisão arrecada com seus telespectadores é eventualmente revertido em capital para os clubes brasileiros. Esse foi, pelo menos, o cenário até atualmente.
Agora, porém, é perceptível o surgimento de uma nova tendência no futebol brasileiro. Essa sim é pouco boa. Com a decadência da estrutura do futebol nacional e a conseqüente saída dos principais jogadores, é natural que os campeonatos estrangeiros, em especial os europeus, comecem a ganhar importância no país.
Isso afeta, e muito, a nova geração de torcedores de futebol que surge no Brasil. Hoje, é mais fácil uma criança assistir um bom jogo de algum campeonato do velho continente do que um bom jogo do futebol brasileiro. Com o avanço tecnológico, ficou tão ou mais fácil obter informações e criar uma identidade com clubes e jogadores da Europa do que do Brasil.
A própria disponibilidade das partidas não colabora. Com a gradual migração do futebol para a televisão fechada, Brasil e Europa competem dentro do mesmo meio. A diferença é que os horários dos jogos europeus, manhã e tarde, são muito mais amigáveis para uma criança do que qualquer horário depois da novela do futebol nacional. Além disso, enquanto as melhores partidas dos campeonatos europeus estão facilmente disponíveis nos canais da televisão fechada – e até da televisão aberta – as melhores partidas do futebol brasileiro ficam restritas ao pay-per-view.
Mercadologicamente, fica ainda mais simples compreender a decadência do futebol brasileiro. Analisando as matrizes básicas do marketing (produto, preço, ponto e promoção) o futebol brasileiro vem perdendo cada vez mais espaço. Em comparação com o futebol europeu, o produto é pior. O preço, baseado no pacote de televisão, também. O ponto, ou distribuição e acesso, era uma antiga vantagem, mas que hoje já não se aplica mais. A única matriz na qual o futebol brasileiro ainda consegue se sustentar é a promoção dos jogos, feita principalmente pela imprensa e pela história.
Entretanto, uma das regras mais básicas do marketing diz que nenhum produto se sustenta por muito tempo unicamente apoiado em promoção. Hora ou outra ele acaba tendo um fim.
É o prenúncio de uma morte lenta e agonizante do futebol brasileiro. Ou ele se ajeita, e logo, ou ele acaba.
Categorias
A visão mecanicista do futebol
René Descartes, filósofo, físico e matemático francês viveu de 1596 a 1650. Desde aquela época nossa cultura ocidental sofre a influência de seu pensamento. Uma influência tão grande que ele é considerado um dos maiores pensadores de todos os tempos.
Foi Descartes que deu forma à visão mecanicista de mundo. Ou seja, uma visão que tem como imagem do universo algo semelhante ao mecanismo de um relógio.
Mas antes de criticar indiscriminadamente suas idéias, temos que reconhecer que foi o paradigma mecanicista que ajudou a transformar o mundo medieval no mundo moderno, através das revoluções científica, industrial e tecnológica, tal qual o conhecemos hoje.
Entretanto, este é um modelo que está se exaurindo. Não podemos mais, como ainda querem muitos, continuar a entender o mundo, a vida, o corpo humano como uma máquina. E conseqüentemente é este mesmo entendimento que foi repassado para o futebol, para o atleta, e dura até nossos dias. Não é à toa, por exemplo, que nas conversas sobre futebol, ouvimos com freqüência jogadores serem tratados como “peças de reposição”.
Está mais do que na hora de compreendermos que um jogador não é em absoluto uma máquina que se soma a outras 10 máquinas para compor uma máquina maior a qual chamamos de time ou equipe de futebol.
Um atleta é, antes de qualquer coisa, um ser humano, dentro de toda a sua individualidade e complexidade. Um ser que se relaciona, que tem sentimentos e emoções, que pensa e é capaz de ser criativo.
Como nos ensina a consultora organizacional Margaret Wheatley, “a criatividade (numa empresa) é indesejável porque é sempre surpreendente e, portanto, incontrolável.”
Assim é que também um time de futebol não pode ser construído dentro desta perspectiva mecanicista. Isto porque a visão mecânica do atleta é incompatível com o pensamento, a emoção e a criatividade.
Infelizmente, enquanto continuarmos a enxergar e tratar o jogador como uma máquina, avançaremos muito pouco em seu desenvolvimento.
Para interagir com o autor: medina@universidadedofutebol.com.br
Categorias
Vovôs anticrise
Edmundo, Vampeta, Petkovic, Dodô, Fernandão. Todos foram craques indispensáveis há cinco, dez anos atrás. Hoje, curiosamente, são a válvula de escape para os cinco times que representam.
A exportação desenfreada do pé-de-obra brasileiro tem feito com que a longevidade do futebol no Brasil não seja uma questão meramente física, mas sobretudo psicológica.
A molecada do Corinthians visivelmente evoluiu desde que Vampeta entrou em campo. Mais do que o toque de qualidade, a malandragem ou a experiência, o que Vampeta dá aos jogadores é fôlego. Fôlego para escapar da pressão da mídia.
A história desses jogadores no futebol faz com que, invariavelmente, os jornalistas saiam em sua caça ao término da partida. O Corinthians perdeu? Vampeta fala. O Santos criou pouco? Perguntem ao Pet. O Inter ainda está bambo? É o Fernandão que sabe dizer legal o porquê. O Palmeiras não ganha em casa? O Botafogo parou de vencer? Edmundo e Dodô são que têm de dar explicações.
Os craques do passado recente se tornaram a referência de hoje para a imprensa, ávida por polêmica e carente de ídolos tanto quanto as torcidas. Vampeta sempre rende ótimas matérias e excelentes discussões. Edmundo nunca é apático quando dá uma resposta. E por aí vai.
Fernandão fez com que a imprensa do Sul pegasse leve com Pato. Vampeta é hoje o pára-raios da torcida.
Bom era o tempo em que um Corinthians tinha Viola, Neto e Ronaldo para criar polêmica. Mas, do jeito que a coisa está em breve os times pedirão para entrarem com 12 em campo.
E esse 12º jogador será uma espécie de porta-voz anticrise do clube.
Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br
Categorias
Três pequenas medidas
O presidente Lula reclamou do excesso de transferências de jogadores do Brasil para o exterior. Normal. Segue, como sempre, o discurso mais fácil. O discurso mais simples. O discurso mais compreensível.
Como a maioria dos brasileiros que acompanham futebol, Lula se incomoda com a saída dos atletas. Ainda mais ele, torcedor do Corinthians, que vê hoje um time bastante desfigurado em relação àquele de quando o time foi campeão brasileiro.
Lula tem razão para ficar preocupado. Afinal, nunca na história desse país tantos jogadores foram embora. Nos oito anos de governo FHC, a média de transferências foi de 560 jogadores por ano. Nos quatro primeiro anos de governo Lula, a média saltou para 842 jogadores, mais de 50% a mais.
Obviamente que a culpa, se é que existe algum sentimento de culpa envolvido nesse processo, não cabe principalmente ao governo Lula. Mas ele, diferentemente de qualquer outro cidadão comum do país, pode de fato ajudar a atenuar o tamanho desse êxodo. Eis aqui, então, uma lista de três pequenas recomendações ao presidente Lula para diminuir o número de transferências internacionais que tanto lhe incomoda:
1) Reduzir a desigualdade:
O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, o que não é novidade pra ninguém. O que pode ser uma informação nova é que o tamanho da desigualdade de um país está diretamente atrelado ao número de jogadores de futebol presentes em campeonatos estrangeiros. Estudos comprovam que quanto maior a desigualdade social de um país, dentro de certo contexto, maiores são as possibilidades de sucesso internacional do selecionado nacional. Como países desiguais tendem a não ter condições econômicas para sustentar um campeonato forte, cria-se o cenário perfeito para a evasão de talentos. Obviamente que a redução da desigualdade também implicaria em uma perda de poderio da seleção brasileira, mas isso é outra história.
2) Melhorar a educação:
O Brasil tem excesso de jogador. Como tem excesso de laranja. O mercado interno não consegue absorver, o que eventualmente favorece a exportação. Ou seja, mesmo que os principais clubes do país não vendessem jogadores, ainda assim o número de transferências seria alto, principalmente de jogadores mais jovens, que na falta de absorção interna, buscariam o mercado externo. Casos como do Eduardo da Silva, do Arsenal e da Croácia, se multiplicariam. Para atenuar esse processo, é imprescindível que se melhore o sistema educacional, oferecendo maiores possibilidades de ascensão social para jogadores que não se consigam achar espaço nos clubes do país. Crianças das classes mais baixas que hoje saem de casa aos nove anos de idade para tentar jogar futebol e dar melhores condições para sua família poderiam permanecer na escola e ainda assim ter chances de subir de classe social. Eventualmente, a melhora da educação poderia refletir na perda de desempenho futuro da seleção brasileira, mas isso é outra história.
3) Reduzir os impostos ou melhorar o serviço público:
Com uma das duas ações, o governo desafogaria a classe média, que ganharia poder de consumo e poderia eventualmente decidir torrar parte da renda em jogos de futebol sem comprometer o orçamento familiar. Dessa forma, os principais clubes do país teriam mais mercado para se desenvolver, o que eventualmente poderia reduzir a necessidade da venda de jogadores para clubes de fora do país. Isso traria uma série de outras conseqüências, mas também é outra história.
Essas três pequenas recomendações não solucionariam todos os problemas do futebol brasileiro, infelizmente, mas já seria uma boa ajuda. Elas também não impediriam que jogadores como Kaká e Ronaldinho fossem jogar em outros países, mas colaborariam para que o Elano não fosse para o Shaktar.
De qualquer forma, essas três medidas não devem ser cobradas do governo apenas como forma de acabar com a evasão de talentos de jogadores de futebol. Elas devem ser cobradas para a melhora do país como um todo.
O problema é que a hora que algum representante ouvir isso, ele provavelmente vai dizer que, nesse caso, a história é bem diferente.
Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br
Categorias
O jogo ideal
O estádio está quase lotado. Os assentos disponíveis, confortáveis, acomodam torcedores, famílias, crianças e apreciadores do bom futebol.
No campo as duas equipes se enfrentam com expectativas diferentes. Uma ocupando as primeiras posições busca conquistar três pontos para ficar na ponta da tabela. A outra, entre os últimos, busca sua recuperação.
O jogo é dinâmico e vibrante. Com atletas de alto nível técnico, inteligentes e bem preparados em todos os sentidos, proporcionam um espetáculo inesquecível.
Além das inúmeras jogadas bem articuladas e treinadas, o improviso e a criatividade dão um toque mágico à partida.
Apesar da grande competitividade que cerca cada lance o jogo limpo está sempre presente.
Do lado de fora do campo os dois treinadores, ex-jogadores, mas formados pela Universidade do Futebol e com diversos cursos de especialização, participam ativamente do jogo, observando todos os movimentos de seus atletas e orientando-os quando necessário e integrando com equilíbrio a teoria com a prática.
Aos poucos, apesar da boa postura tática das duas equipes, naturalmente os gols vão surgindo para os dois lados.
O resultado é de 2 a 2 quando um gol duvidoso é marcado, mas o quarto árbitro alerta, com apoio de um comando eletrônico, que o lance foi ilegal e rapidamente o árbitro principal reconsidera sua decisão e a justiça é restabelecida.
No finalzinho do jogo uma das equipes marca o terceiro e decisivo gol, agora validado pela arbitragem. Um golaço feito com arte e muita imaginação. Um gol tão bonito que é aplaudido por todos os presentes no estádio.
Mas sem dúvida o mais bonito foi ver os jogadores do time derrotado reconhecerem os méritos dos vencedores e parabenizá-los ao final da partida.
Cheguei a pensar até que estava em outro planeta. Ou será que eu estava sonhando?
Para interagir com o autor: medina@universidadedofutebol.com.br
Categorias
Corinthians grande
“Salve o Corinthians
De tradição e glórias mil;
Tu és o orgulho
Dos esportistas do Brasil.
Teu passado é uma bandeira,
Teu presente, uma lição
Figuras entre os primeiros
Do nosso esporte bretão.”
Nunca foi tão necessário, na história de um clube de futebol, ele fazer jus ao que prega seu hino.
Os próximos meses são cruciais para o futuro do Corinthians, disso ninguém tem dúvida. Mas, dependendo do que for feito no clube, os próximos meses podem ser decisivos para o futuro do futebol brasileiro.
Desde o acordo Corinthians-MSI que o hino alvinegro não pode mais cantar que o Timão é o orgulho dos desportistas do Brasil. Hoje, o presente corintiano deve ser tomado de lição de como um clube de futebol não pode mais ser gerenciado.
O Corinthians tem, hoje, um presidente afastado que reinou durante 15 anos no poder. Nesse tempo, em que vangloria ter sido o mais vitorioso da história (esquecendo-se de dizer que também foi o mais longevo), Alberto Dualib construiu uma muralha para se perpetuar no comando sem ser contestado.
Hoje, para qualquer decisão ser tomada no clube, é preciso ter aprovação de 400 conselheiros vitalícios, que o próprio nome já diz o “breve” prazo de validade do cargo. Para ter maioria política, ao longo de 15 anos Dualib usou a máquina de cargos e funções. Sem dúvida perpetuou-se no poder. Até que, finalmente, percebeu-se que o Corinthians havia deixado de ter um presidente e passado a ter um dono.
Nada contra um clube de futebol ter dono. Pelo contrário. Manchester United, Milan, Chelsea e outras grandes potências do futebol mundial são clubes liderados por uma única pessoa. Goste ou não, seja correto ou não, o fato é que, quando uma instituição passa a ter um comando, ela passa a trabalhar em função do desempenho esportivo.
Hoje é impossível definir o que é o Corinthians na sua administração. Simplesmente não há palavras para descrever a situação alvinegra. Talvez apocalíptica seja a mais adequada, mas pode ser que nem o Apocalipse seja tão caótico quanto isso.
Nos próximos meses promete-se fazer a maior devassa da história de um clube de futebol. Só não se pode deixar que tanto barulho e escândalo sejam feitos em prol de uma mudança de fachada no Corinthians.
A faxina deve ser feita. O corintiano deve sair dessa batalha com orgulho de bater no peito e dizer que, do Brasil, é o clube mais brasileiro. E que o presente sirva de lição para acabar com um modelo de gestão falido como o que impera no Brasil.
O clube pode ter um conselho gestor. As grandes empresas mundiais têm conselhos gestores. Que trabalham com metas a serem cumpridas, com responsabilidade administrativa, com cobranças sobre os funcionários. Geralmente um conselho de administração não tem mais do que 15 membros. E todos remunerados, com bonificação a partir do lucro auferido pela empresa, etc.
É hora de o Corinthians inovar, mostrar que é grande, que fará história fora de campo como já cansou de fazer dentro dele, principalmente ao fundar a “Democracia Corintiana” nos anos 80. É hora de figurar entre os primeiros do nosso esporte bretão.
Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br
Documentos e textos escritos no Japão, sobre histórias de guerras, batalhas, samurais e feudos, contam que os famosos guerreiros “Ninjas” eram tão exigidos nos seus treinamentos que desenvolviam a capacidade de antever coisas que estavam por acontecer. Não se tratava de um desenvolvimento de forças sobrenaturais que davam ao Ninja o poder da premonição; tratava-se do desenvolvimento da percepção do ambiente, sobre detalhes que para a maioria das pessoas poderia passar despercebido, mas que para eles, guerreiros treinados a exaustão, poderia significar o ponto de partida para reagir com velocidade máxima a uma situação de perigo (antes mesmo dela efetivamente ocorrer).
No nosso dia-a-dia existe uma enormidade de coisas que para grande parte das pessoas são apenas detalhes invisíveis. É interessante como deixamos de reparar, de perceber o que ocorre a nossa volta. Já reparou que você nunca presta atenção a um determinado modelo de carro, até que resolve ter um? Aí parece que todos os carros que você vê passar são justamente o tal.
O que você vê nessas figuras? Apenas folhas ao vento ou uma mulher de “bruços” (tecnicamente decúbito ventral)? Uma taça de vinho, uma cortina, ou uma mulher nua? Ou estaria vendo todas essas coisas ao mesmo tempo?
Essas figuras simbolizam o que eu chamaria de barreira do senso comum. Não ultrapassar essa barreira significa ver o que todo mundo vê, fazer o que todo mundo faz; transpô-la representa utilizar-se de conhecimentos científicos e a sabedoria adquirida para ir além (ver mais do que os outros, ver o que poucos ou ninguém vê).
Talvez a melhor pergunta seja o que você quer ver? E não o que você vê? O fato é que se você quer conhecer bem alguma coisa deve olhar a fundo (se aprofundar), o máximo possível. Quando penso que o que queremos conhecer a fundo é o futebol vejo a grande massa de conhecimento científico disponível aguardando para ser consumida e servir de energia para a transposição imediata da barreira mencionada.
Como já apontei em outras vezes podemos olhar para o jogo de futebol e ver aquilo que todo mundo vê (ou acha que vê). Isso não é difícil. Complexo e árduo é “mergulhar” no jogo e ver aquilo que poucos são capazes de ver.
Podemos nos apoiar em diversas lentes para refinar nosso olhar. Dentre os olhares possíveis, o da ciência, é no aspecto tático, o mais distante no quesito aplicação prática. Não pela inaplicabilidade ou ausência de teorias. O fato é que, o seu acesso (e não somente o acesso a ela) é dificultado por obstáculos paradigmáticos.
Dentro do jogo de futebol, é possível observar conceitos e princípios que podem ser lentes orientadoras para melhor enxergá-lo, melhor entendê-lo. Isso não é privilégio do futebol. Qualquer esporte, individual ou coletivo, de força ou resistência, assim como apresenta uma lógica (discutido no texto anterior) possui também princípios.
Nos esportes coletivos, são inúmeros os pesquisadores e especialistas que se dedicam a estudar suas dinâmicas, sistemas e imprevisibilidades. Um deles, Claude Bayer, aponta em suas reflexões para o fato de que certos “eventos” da dinâmica do jogo são comuns a diversos “Jogos Desportivos Coletivos”, e que seu entendimento particular aplicado as características ímpares de cada modalidade pode auxiliar na compreensão da mesma.
Esses eventos são como “lentes” para enxergar o jogo, e essas “lentes” Bayer chama de Princípios Operacionais de Ataque e Princípios Operacionais de Defesa do jogo.
Os Princípios Operacionais de Ataque (POA) são as estruturas dinâmicas que sistematizam o jogo de ataque. São três os POA: 1) a conservação individual e coletiva da posse da bola; 2) a progressão da equipe e da bola visando o alcance da meta adversária; 3) a finalização da jogada para a obtenção do ponto, do gol, da cesta, etc.
Os POA são os óculos que nos ajudam a ver o jogo sob uma perspectiva orientada para a construção e identificação de possibilidades de ataque. Então, orientados por esse olhar, dentro do treinamento do sistema ofensivo de uma equipe, dever-se-ia criar estratégias que possibilitassem melhor desempenho na manutenção da posse de bola, maior eficiência e eficácia na construção de seqüências ofensivas, e por fim grande intensidade de concentração no arremate final. Vejam senhores; criar estratégias não significa espernear, esbravejar, fazer cena na beira do gramado gritando aos quatro campos para a equipe manter, por exemplo a posse da bola.
Criar estratégias, senhores, significa possibilitar no treinamento, situações-problema para o desenvolvimento desse ou daquele princípio, com atividades que levem ao como fazer, através de sua compreensão.
Os Princípios Operacionais de Defesa (POD) são as orientações das dinâmicas de defesa de uma equipe. Segundo Bayer são três os POD: 1) a recuperação da posse da bola; 2) o “bloqueio” ao avanço da equipe adversária e da bola (em progressão ao próprio alvo); 3) a proteção do alvo propriamente dito para impedir que a equipe adversária finalize.
Ao olharmos o jogo com os óculos do POD provavelmente nos tornemos capazes de identificar o porquê, por exemplo, equipes sofrem poucos gols no decorrer de um campeonato. Repare, uma equipe com poucos gols sofridos pode ter essa marca porque tem uma boa estratégia de recuperação da posse da bola. Outra porque tem uma boa estratégia de posicionamento para impedir o avanço da equipe adversária e/ou da bola; ou ainda porque consegue com muita eficiência proteger sua meta propriamente dita.
É fácil então, a partir daí, perceber que além de existirem possibilidades distintas a se trabalhar (princípios distintos a se desenvolver) para o ataque e para a defesa é possível dentro de um mesmo princípio ter infinitas estratégias para se obter o resultado desejado.
Provavelmente ao olhar para um jogo de futebol, muitos de nós (torcedores, jornalistas, especialistas, treinadores, pesquisadores) realmente somente sejamos capazes de ver a “figura superficial” das
dinâmicas táticas que compõe uma partida. Mas é necessário ir além (ir além é medida obrigatória para treinadores e especialistas). É necessário transcender as tradições, as manias, os vícios, os padrões, a simplicidade fragmentada, o comum vazio de conteúdo; é necessário que olhemos para o jogo e sejamos capazes de ver os problemas e buscar respostas (os por quês) e não simplesmente apontá-los e fazer exigências improdutivas de melhoras.
dinâmicas táticas que compõe uma partida. Mas é necessário ir além (ir além é medida obrigatória para treinadores e especialistas). É necessário transcender as tradições, as manias, os vícios, os padrões, a simplicidade fragmentada, o comum vazio de conteúdo; é necessário que olhemos para o jogo e sejamos capazes de ver os problemas e buscar respostas (os por quês) e não simplesmente apontá-los e fazer exigências improdutivas de melhoras.
Não podemos deixar de ver o carro, mesmo quando não é ele que vamos comprar. Não podemos deixar de ver o carro, principalmente quando é ele que pretendemos adquirir.
Não é necessário que sejamos “Ninjas”, nem tenhamos poderes sobrenaturais. Exercitemos apenas a possibilidade de detectar taticamente em seu início o fracasso anunciado (para não permitir que ele aconteça) ou o sucesso eminente (para amplificar sua magnitude e fazê-lo chegar mais rapidamente).
Olhemos para ver! Olhemos novamente para entender! Olhemos com profundidade para transcender!
Vitórias e derrotas não são conseqüências da sorte ou do acaso. Então vamos vestir o óculos porque o jogo está começando…
Para interagir com o colunista: rodrigo@universidadedofutebol.com.br
Categorias
Futebol sim, seleção não
Dias atrás, Sílvio Torres sugeriu fazer da seleção brasileira um patrimônio cultural nacional. Ontem, Ronaldo falou que quem manda na seleção brasileira é o povo brasileiro. Um ditado diz que todos os brasileiros, inclusive a minha avó de 95 anos, são técnicos da seleção. Afinal de contas, de quem é a seleção?
Da CBF, óbvio. Quem manda e desmanda, quem assume as responsabilidades, os contratos, os lucros e tudo mais é a organização que comanda o futebol no país. Na verdade, olhando de uma forma mais ampla, quem manda mesmo na seleção brasileira é a Fifa. A CBF é uma espécie de governadora. Mas, de qualquer forma, quem atua mais diretamente é de fato a Confederação Brasileira de Futebol.
O argumento para a defesa do domínio público do selecionado nacional vem da importância histórica da marca para os ideais da unificação nacional ao longo do século XX. Por ser mais barata do que qualquer outra coisa que tivesse o mesmo efeito de propaganda, o poder público investiu muito na seleção. A marca se tornou, assim, um dos pilares da construção da cultura brasileira, fato que por mais incomodante que seja, é inegável.
Entretanto, a seleção jamais deixou de assumir o seu status de uma equipe de futebol vinculada ao campeonato promovido por uma organização internacional que é representada aqui por uma confederação nacional. A seleção sempre foi um elemento privado, e sempre continuará sendo.
A peça chave dessa discussão entre as esferas públicas e privadas está no erro histórico da política governamental de apostar tanto no uso de um bem que não lhe cabia o controle pleno de fato, por mais que algumas decisões do Estado tivessem sido empurradas goela abaixo durante o período militar. Hoje, não cabe mais imaginar a seleção como um bem público, assim como não se pode mais entender a seleção como um símbolo nacional.
A seleção brasileira de futebol é controlada diretamente pela CBF e indiretamente pela Fifa. O futebol como esporte, desvinculado de qualquer controle ou marca, não é de ninguém. Esse sim pode ser considerado do povo. Esse sim pode ser considerado parte do patrimônio cultural do Brasil.
Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br
Categorias
Panorama do futebol brasileiro
O Brasil é reconhecidamente um produtor de jogadores de futebol em grande quantidade e qualidade, tanto para compor as centenas de equipes profissionais brasileiras, como para o mercado internacional.
Fontes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e do Banco Central do Brasil informam que 2.380 jogadores de futebol deixaram o país entre 2002 e 2005, movimentando mais de US$ 1 bilhão em transferências.
Por outro lado, levantamentos apontam que mais da metade (cerca de 60%) desse contingente exportado retorna rapidamente ao Brasil, devido principalmente às dificuldades de adaptação e ao despreparo dos atletas.
Durante décadas que a formação de nossos jogadores de futebol ocorria preferencialmente através da prática intensa e arraigada em nossa cultura, disseminada em campos de várzea, campinhos, praias e espaços urbanos improvisados, entre outros.
Com a crescente e acelerada urbanização (*) esse processo também se adaptou e se transformou, passando a se caracterizar por práticas mais sistematizadas e reguladas realizadas em quadras e escolinhas de futebol que se multiplicaram nas duas últimas décadas.
Esta transformação de uma prática natural e espontânea, para uma prática mais sistematizada, regulada e regulamentada, provocou mudanças importantes que muitas vezes não são consideradas pelos especialistas, mas repercutem no perfil atual e futuro dos profissionais de futebol.
A “marca registrada” do futebol brasileiro é o talento técnico de seus jogadores, caracterizado principalmente pela sua capacidade de improvisação e criatividade, que realça um diferencial apreciado e valorizado em todo o mundo.
Manter esse diferencial é tarefa que os projetos pedagógicos e/ou metodológicos consistentes devem cumprir, para garantir uma prática que não só incorpore os novos conhecimentos advindos das diversas ciências que dão suporte à performance esportiva, como também garantam o ambiente favorável para o adequado desenvolvimento da habilidade criativa.
(*) Por volta de 1958, quando o Brasil conquistou a primeira Copa do Mundo, a maioria da população brasileira era rural. Hoje mais de 80% vivem em áreas urbanas.
Para interagir com o autor: medina@universidadedofutebol.com.br