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A posse de bola é meio, e não fim no futebol

Crédito imagem – Site oficial Manchester City

O futebol é pautado por tendências e atualizações que vão se renovando e são cíclicas. Tudo muda, tudo evolui, apesar de a lógica e o objetivo do jogo serem os mesmos desde os primórdios. A atual geração tem em Pep Guardiola um treinador que mudou o curso das coisas. O Barcelona dele ditou o rumo de todos os estudos táticos e metodológicos dos últimos dez anos. E as aulas do treinador catalão não param. O Manchester City dele ainda é uma pós-graduação que a cada dia traz coisas novas. Porém, Guardiola apresentou uma maneira de se chegar ao êxito.Não a única. Nunca nenhuma equipe jogará exatamente como outra. Mesmo com as mesmas ideias, mesmos conceitos e mesma metodologia de treinamento. Isso porque quem executa e toma as decisões são os jogadores. E cada jogador tem suas particularidades e a sinergia entre onze atletas nunca será igual a nenhuma outra.

Não descarto ter inspirações. Mas no mundo peculiar do futebol, com tanta complexidade – não só essa de jogadores que citei – como também de ambiente, contexto e relações interpessoais entre departamentos tanto de clubes como de seleções, é contraproducente buscar princípios e subprincípios de jogo para seguir a ferro e fogo, custo o que custar. 

Se convencionou no Brasil que apenas é bonito e refinado jogar com a posse de bola. Há treinadores que buscam estar embalados por esse rótulo apenas para estar ‘na moda’. Mas se a posse for um fim e não um meio voltamos à estaca zero e não cumprimos a lógica do jogo, que já citamos que é imutável desde a criação do futebol. 

Ter uma ideia clara do jogo a ser desenvolvido é fundamental. Mas ela tem que ser flexível e adaptável. Caso contrário continuaremos a ver equipes buscarem o número de mais posse de bola na estatística final do jogo sem que isso as aproxime da vitória. A posse que vale é aquela no último terço, agressiva, que gere situação real de gol. O número final pode ser dez por cento no total, por exemplo. Mas o que dá três pontos na tabela é marcar mais gols que o adversário e não porcentagem maior de posse. Questão de foco, entendimento e até personalidade. 

*As opiniões de nossos parceiros não correspondem, necessariamente, à visão da Universidade do Futebol

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Governança Corporativa – a controladoria

Créditos imagem: Kely Pereira – AGIF – CBF

Dando sequência ao tema Governança Corporativa no Futebol, neste 3º artigo iremos dissertar sobre a importância e o papel da área de controladoria nas organizações e os desafios a serem superados pelo respectivo profissional dentro dos clubes esportivos.

Cesar Grafietti defende que não há um modelo de gestão certo ou errado, independentemente do tipo e tamanho da organização. Concordamos com ele, mas indago sobre a atuação de um Controller ou gerente de controladoria em grandes instituições, especialmente naquelas em que o gestor trabalha após o horário comercial, o exercício de seu mandato possui curtíssimo período (três anos), mas o mandatário supracitado anseia por resultados esportivos paralelos ao exercício de seu poder, e, como observamos em algumas entidades de práticas esportivas, o orçamento e o potencial financeiro são ignorados ou inexistentes.

É de conhecimento comum que, de modo reduzido, o gerente de controladoria é responsável pelo planejamento, coordenação, direção e controle de atividades de curto, médio e longo prazo executadas nas áreas de planejamento, controladoria e finanças. Este profissional deve extrair e materializar informações pertinentes e legítimas, elaborando relatórios que auxiliem no processo decisório dos gestores de cada área, até mesmo dos diretores da organização. Os boletins informativos oriundos da gerência de controladoria devem conter elementos das atividades internas da corporação como do mercado no qual a instituição atue.

Gestores autocentrados são opinativos têm palpites excessivos, demitem técnicos, contratam inadequadamente atletas, desconsiderando as diretrizes orçamentárias. Tudo isso dificulta ou até mesmo anula a gerência de controladoria. Obviamente, não são demônios os gestores eleitos, muitos executam trabalhos primorosos, mas tantos outros colocam seu ego e sua vaidade além dos interesses do clube, comprometendo a governança.

O clube deve ser gerido para ser sustentável no longo prazo em um ambiente extremamente competitivo, e toda organização interessada na longevidade deve primar por boas práticas gestão e capacidade de execução dos planejamentos, o que invariavelmente exige como prerrogativa: avaliação, correção e compliance, convergindo aos valores organizacionais.

Imperativamente, sem esses passos a discussão sobre a implantação de uma área de controladoria será frívola. Não obstante, a existência de departamento de controladoria ainda não é pertencente à cultura organizacional (Figura 1 e 2) dos clubes de futebol. Em contraposição às demais organizações (Figura 3).

Figura 1: Organograma do Botafogo Futebol Clube (SP). Fonte: Bressan, Lucente e Louzada. Análise da estrutura organizacional de um clube de futebol do interior paulista: o estudo do Botafogo Futebol Clube, 2014.
Figura 2: Organograma de um Clube Europeu. Fonte: Bezerra, Feitosa e Gomes. Internacionalização de clubes de futebol: paralelo entre clubes europeus e brasileiros, 2017.

Figura 3: Posicionamento da Controladoria no Organograma Organizacional. Fonte: Lunkes, Schnorrenberger, Rosa e Alexandre. Funções da Controladoria: um estudo sobre a percepção dos gestores e do controller em uma empresa de tecnologia, 2015.

Lunkes, Gasparetto e Schnorrenberger apoiados na realidade organizacional alemã defenderam que a controladoria deve contribuir ao planejamento, sistema de informação, controle, gerência de pessoas e organizacional sem permitir a existência de lacunas com as funções primárias.

Concluindo, a controladoria favorece positivamente a administração ampla de qualquer organização, contribuindo à elevação da credibilidade, imagem positiva e alinhamento aos valores e propósito institucionais. Portanto, caracterizada como uma engrenagem necessária à governança.

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Futebol e tecnologia: possibilidades e limites

Crédito imagem: CBF/Divulgação

O Catar está criando sistema de refrigeração com energia solar, para amenizar a temperatura nos estádios na próxima Copa do Mundo. Para tomar as decisões do VAR mais rápida e precisa a FIFA pensa em usar inteligência artificial com “árbitros robôs” para marcar impedimentos nos jogos. Árbitros de linha seriam substituídos. Nas mídias sociais, clubes deixam de ser apenas notícia e objeto de reportagem – passam a ser sujeitos produtores de conteúdo. As revoluções tecnológicas e informacionais criam novas redes de interação entre clubes, jogadores, torcedores, jornalistas, patrocinadores, e demais agentes do futebol.  

Nas práticas internas do clube, a coleta, análise e cruzamento de dados mudou o futebol como espetáculo esportivo. Os clubes criaram laboratórios e soluções de software para atender as necessidades de diferentes áreas. Valendo-se das ciências de dados, clubes constroem chaves de indicadores de performance (KPIs), entendendo realidades presentes e tentando prever cenários futuros.

Dentro do campo, softwares quantificam padrões de movimento e exigência física, monitoram a fadiga, ocupação de espaços no campo de jogo (mapa de calor), tomadas de decisões, padrões táticos e outros. Mecanismos de inteligência artificial, como algoritmos, ajudam analistas a avaliar a performance de equipes, identificar e prospectar indicadores de desempenho, e localizar jogadores, com base em perfis de jogo, ao redor do mundo. As novas tecnologias transformaram metodologias, conteúdos e recursos de treinos, e princípios táticos que norteiam ações individuais e coletivas do jogo. Estenderam um sistema informatizado, arbitro de vídeo (VAR) para auxiliar o arbitro dentro de campo, em lances polêmicos. A tecnologia não apenas assessora o jogo – ela muda o jogo.

Nessas condições, os softwares se tornam símbolo de possibilidade e de risco: por um lado, o uso de dados ajuda a profissionalizar práticas, trocando intuições por conhecimentos mais objetivos e verificáveis; por outro lado, a linguagem dos softwares e da tecnologia ameaça reduzir a imaginação e a percepção do jogo, como se fosse objeto de tipo técnico-científico, previsível e manipulável. O futebol mescla técnica e improviso, previsibilidade e surpresa, dados objetivos e emoções pessoais e coletivas. É um esporte complexo, permeado por cultura, psicologia, sociedade, política. A tecnologia deve compreender, e não reduzir, essa riqueza do futebol. 

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Raio X da gestão do marketing nos clubes de futebol – Áreas de execução do marketing

Na quinta parte da série sobre a gestão do marketing nos clubes que disputaram a Série A1 do Paulistão 2018 iremos continuar abordando como os clubes executavam o marketing, agora focando nos seguintes aspectos: gestão comercial, da marca e dos relacionamentos e a realização de ações de entretenimento.

Iniciando pela gestão comercial, os entrevistados foram questionados sobre como ocorria o processo de prospecção de novos patrocinadores, parceiros e negócios. Cinco citaram que atuavam de forma ativa, buscando novas oportunidades; sete atuavam de forma passiva, respondendo aos contatos dos interessados; e dois clubes adotavam ambas posturas. Foram identificadas várias formas de início das negociações:

  • Respostas aos interessados: 9 clubes;
  • Indicações de pessoas próximas: 8 clubes;
  • Atuação de presidentes e diretores: 7 clubes;
  • Atuação direta do marketing: 7 clubes;
  • Uso de agências de publicidade ou de Marketing Esportivo: 4 clubes;
  • Busca de empresas que investiam ou haviam investido no futebol: 2 clubes.

Os principais problemas relatados pelos entrevistados sobre o tema foram adequação ao planejamento e ao calendário das empresas; equipe comercial limitada; e pouco conhecimento e valorização do Marketing Esportivo e das suas possibilidades por grande parte das empresas. No geral, pelo observado, destaque para o fato que grande parte dos clubes atuava comercialmente de forma passiva, apenas respondendo aos interessados, além da dependência da indicação e da atuação de presidentes e diretores, sem um amplo e profundo trabalho de análise e prospecção do mercado, o qual poderia incluir apresentações sobre os benefícios de investir no futebol para diversas empresas.

A gestão da marca dos clubes, ponto fundamental em diversos modelos de gestão do Marketing Esportivo e elemento central do marketing dos principais clubes europeus, foi abordada por apenas quatro entrevistados. Um desses citou a marca com um viés limitado de caracterização do clube, enquanto três indicaram ações esporádicas e limitadas para a manutenção e reafirmação dos valores e características da marca do clube. Esse ponto se mostra como um dos principais problemas da gestão do marketing nos clubes analisados, que ao lado do planejamento e da ausência de pessoal, limita a atuação da área.

Outro ponto abordado pela pesquisa e cada vez mais relevante é o processo de gestão dos relacionamentos, principalmente com torcedores/consumidores. Tal processo deve ser baseado em sistemas específicos, os chamados CRMs, mas somente quatro dos 14 clubes possuíam esse sistema. Desses, só dois contavam com softwares específicos para tal finalidade, que eram utilizados de forma limitada devido à ausência de pessoal capacitado para opera-los corretamente. Os clubes que não contavam com CRM justificaram devido ao elevado custo para adquiri-lo e mantê-lo e pela falta de pessoal para gerir essa ferramenta.

Por fim, os entrevistados foram questionados sobre a realização de ações de entretenimento durante os jogos e em outros momentos. Grande parte citou realizar ações antes e no intervalo dos jogos, sendo as mais citadas: brincadeiras no intervalo, principalmente a cobrança de pênaltis; uso de mascotes; ações com patrocinadores e parceiros; sorteios de prêmios e brindes; ações para crianças e a entrada delas com os jogadores; e o uso do sistema de som dos estádios.

Já como exemplos de ações de entretenimento realizadas em momentos em que não houvessem jogos foram indicados concursos de musa; jogos para os sócios-torcedores; lançamento de novos uniformes; promoções em redes sociais; e eventos com jogadores. 

No geral, foi verificado uma falta de diversificação e criatividade na realização das ações de entretenimento. Grande parte delas são citadas na literatura, mas há opções pouco utilizadas, como a presença de bandas e shows musicais; outros tipos de brincadeiras que não fossem os pênaltis; jogos com temas ligados à história ou à atletas dos clubes; eventos especiais para além do lançamento de uniformes; e a utilização de celebridades ligadas ao clube para atrair novos torcedores/consumidores.

Os entrevistados indicaram que o número limitado de ações, principalmente nos jogos, se devia a uma série de limitações impostas pela CBF, Federação Paulista e Policia Militar. Também foi citada a falta de recursos para a realização de mais ações e a proibição da venda e do consumo de bebidas alcoólicas antes e durante os jogos, o que faz com que o torcedor entre no estádio momentos antes do início dos jogos, limitando o período para a realização das ações de entretenimento. A restrição às bebidas alcoólicas limita a obtenção de receitas pelos clubes no dia do jogo, diferentemente do que ocorre nos clubes europeus.

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A educação e o futebol brasileiro

No meio de 2019 publicamos o relatório categorias de base e a educação, apresentando alguns números das categorias de base no país e alertando sobre a necessidade de darmos atenção especial ao acesso à escola por parte do exército de jovens jogadores que existe no Brasil.

A educação foi também um dos temas de dois de nossos últimos bate-papos que você acompanha semanalmente no FutTalks. Ontem, com o executivo de futebol Rui Costa e na próxima quinta-feira, na entrevista com Mauricio Marques, coordenador técnico dos cursos da CBF Academy.

As falas de nossos dois convidados incentivaram reflexões importantes sobre como o ensino formal pode ter um impacto muito grande não apenas para os jovens que não atingem o alto rendimento, mas para aqueles que continuam no futebol tanto como jogadores, e, principalmente, como para treinadores e outros profissionais que atuam no futebol.

Ao destacar a necessidade de enxergar o futebol de maneira sistêmica, percebendo as correlações das suas diversas áreas para o objetivo final que é o bom desempenho esportivo, Rui Costa ilustrou, “ser competente na especificidade não é suficiente. Trabalhei com gente com pós-doutorado, mas que não consegue falar, por exemplo, sobre a floresta amazônica”, lamentando a hiperespecialização de alguns profissionais no futebol. Podemos encontrar um exemplo muito bem terminado do que o executivo do futebol defende no trabalho e resultados alcançados nos últimos anos pela seleção uruguaia de futebol.

Depois de uma longa crise sem títulos nem brilho no futebol internacional o Uruguai iniciou em 2006 um projeto de reformulação liderado pelo treinador Óscar Tabarez. O trabalho teve como fruto a recuperação do prestígio da seleção nacional, o desenvolvimento regular de jogadores de alto nível no futebol mundial – o país se mantém nos últimos anos entre os líderes de jogadores per capita atuando fora de seu território – e resultados expressivos nas competições internacionais, com destaque para o título da Copa América de 2011.

Curiosamente, assim como Rui Costa ao afirmar que muitos especialistas no futebol “não sabem falar sobre a floresta amazônica”, o jornalista Lúcio de Castro ao escrever sobre o trabalho desenvolvido na seleção uruguaia, descreve Oscar Tábarez como “um maestro e um líder capaz de discorrer sobre botânica, história, política e filosofia em um papo, além de deliciosas histórias sobre o futebol de ontem e hoje”. Falas que convergem ao sublinhar a necessidade de se conhecer e debater o futebol para muita além do campo, porque ele é sempre muito mais do que isso.

Aqui pegamos carona em uma outra passagem da entrevista de Rui Costa, quando o executivo fala de nossa carência na produção de conhecimento escrito sobre o futebol, para refletir sobre nosso país de maneira mais ampla. Ao longo de nosso bate-papo, Rui Costa lamenta a baixa produção literária sobre futebol no país, que vem a reboque dos nossos hábitos de leitura. Segundo o estudo “Retratos da leitura no Brasil”, de 2019, entre aqueles que possuem o hábito de leitura, o brasileiro lê menos de cinco livros por ano, mesmo que apenas uma parte deles, e 44% da nossa população sequer tem o hábito.

Esse dado é causa, mas também consequência. Causa, porque pode ser visto diretamente na maneira como transferimos o rico conhecimento do futebol que existe no país, de maneira artesanal e pouco estruturada. Como você poderá acompanhar no FutTalks da próxima quinta, movimentos para tentar formalizar esses conteúdos vem se fortalecendo no Brasil, tanto dentro da própria Universidade do Futebol, que ajudou a dar a largada para essa corrida em 2003, como liderado por outros atores. Consequência, porque é um reflexo da falta de estímulo à leitura e à educação de maneira mais ampla, que temos em nossas “categorias de base” do país, que são as escolas do nível fundamental.

Assim como no futebol, o país precisa valorizar a nossa base e ela está nas escolas, na base do ensino. Se quem só sabe de futebol, nem de futebol sabe, como diria o grande pensador do futebol Manuel Sérgio, precisamos que cada vez mais crianças e jovens consigam discorrer sobre “a Amazônia, botânica, história, filosofia” e muito mais. Com muitos “Oscar Tabarez” pelo país, quantos craques nas mais diversas áreas, inclusive no futebol, não conseguiríamos formar?

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Raio X da gestão do marketing nos clubes de futebol – Execução do marketing dos 4 P’s

Na continuação da série sobre a gestão do marketing nos clubes de futebol iremos tratar da execução das atividades e das ações de marketing tomando como referência o Composto de Marketing, o chamado 4 P’s: Produto, Preço, Praça e Promoção.

Iniciando pelos produtos oferecidos e gerenciados pelos 14 clubes analisados, foi verificado um total de dez, com a predominância dos patrocínios, parcerias e permutas, licenciamento da marca e programas de sócio-torcedor. Destaque para o fato que alguns deles estão presentes em todos os clubes e que quando comparado com a literatura e com os clubes europeus é verificado que a quantidade por clubes é limitada, restringindo a obtenção de recursos e o atendimento dos diferentes tipos de clientes.

Os programas de sócio-torcedor eram extremamente relevantes para os clubes que os possuíam, sendo em muitos o principal produto. Apesar da importância, a gestão deles era terceirizada em mais da metade das equipes, ponto que pode ser problemático devido à um controle limitado sobre a empresa terceirizada. É notável o fato de que apenas dois clubes utilizavam parte das receitas dos programas para reinvestir nos mesmos, o que acabava por afetar a operação, captura e manutenção dos sócios. No geral, o foco era fundamentalmente direcionado para a obtenção de receitas, sem visar o desenvolvimento de um relacionamento constante e amplo com os sócios, o que contribuía para uma elevada da taxa de desistência, questão mencionada por muitos entrevistados.

processo de precificação dos produtos e serviços ofertados foi abordado de forma limitada pelos entrevistados e somente um citou que o utilizava constantemente em diversos produtos/serviços. Sobre a definição do valor dos ingressos, apenas três entrevistados indicaram que o marketing participava desse processo: na maioria dos clubes essa definição era responsabilidade da diretoria ou do presidente, sem a utilização de métodos claros para tal, estes presentes somente em dois clubes.

A análise da praça foi dividida em dois itens: estádios e lojas. Seis clubes possuíam estádios próprios e oito o alugavam, sendo que dos que era proprietários somente três os utilizam para outros eventos, como shows. Quatro entrevistados citaram que realizavam ações para os torcedores antes dos jogos nos estádios e quatro afirmaram que não o faziam devido aos clubes possuírem estádios antigos que limitavam a realização de parte das ações de marketing.

Sobre as lojas oficiais, sete clubes possuíam lojas físicas, um possuía de forma temporária e seis não tinham, fato justificado por dois entrevistados devido ao custo elevado de manutenção da loja. Dos clubes sem lojas físicas quatro indicaram possuírem parceiras com comerciantes locais para a venda de produtos oficiais e dos 14 clubes analisados apenas seis possuíam loja online, todos com loja física que atuava como suporte a virtual. Apenas um clube terceirizava a gestão da loja oficial e três comercializavam franquias das lojas físicas oficiais para investidores interessados.

Por fim, sobre a promoção, que visa divulgar o clube e seus produtos e serviços, foram identificadas variadas ações, mas elas estavam diluídas nos clubes de forma que a quantidade por clube era limitada.  

Foi observada uma repetição das mesmas ações em muitos clubes e que as formas de promoção tidas como “tradicionais” e offline ainda são muito frequentes e bem sucedidas, especialmente em clubes do interior. As ações online, tendências nos principais clubes europeus, não são utilizadas constantemente e quando são é de forma limitada, sem explorar toda a potencialidade que o ambiente virtual, especialmente a redes sociais, proporciona.  

As entrevistas acabaram por evidenciar que a utilização dos 4 P’s pelos clubes analisados é limitada, desde o oferecimento e a gestão de produtos e serviços para torcedores/consumidores e empresas até a realização de ações promocionais para divulgar os mesmos e a equipe. Os clubes tendem a crer que a exposição frequente na mídia gera a devida divulgação, sem considerar que a mesma não é controlada e direcionada por eles, o que acaba limitando a divulgação dos seus produtos e serviços. 

O processo de precificação é extremamente limitado e muito baseado em impressões pessoais de dirigentes, especialmente com relação aos ingressos. Já a ausência de lojas oficiais, físicas ou virtuais, em quase metade dos clubes revela que os clubes não enxergam na comercialização dos produtos uma fonte de renda relevante, considerado as lojas como um gasto elevado, diferentemente dos clubes europeus, onde parte significativa das receitas vem do chamado merchandising, que envolve o licenciamento da marca e a venda de diversos produtos e serviços esportivos ou não. 

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Otimismo no futebol feminino brasileiro em 2021

Crédito imagem – Felipe Oliveira/EC Bahia

Não é nenhuma novidade que 2019 foi um ano importante na consolidação do futebol feminino no Brasil. Em virtude da força e o crescente interesse da população na prática – por exemplo, com a transmissão da Copa do Mundo Feminina – o ano de 2020 vinha com grandes expectativas.

No entanto, o ano de 2020 foi fortemente marcado pela pandemia do COVID-19 e todas as restrições nas quais fomos submetidos em um esforço conjunto para erradicação dessa doença que até hoje assola o mundo inteiro.

Infelizmente vários âmbitos da sociedade foram acometidos pela crise, e com a comunidade esportiva não seria diferente. Várias competições ao redor do mundo foram paralisadas, e mesmo quando aconteciam, foi com a ausência do público.

A título de exemplo, no Brasil, apenas 11 dos 26 estados conseguiram concluir seus campeonatos femininos estaduais, evidenciando não apenas um período de crise mundial, mas acabando também por intensificar ainda mais os percalços que a prática ainda enfrenta no país como a falta de estrutura, maior planejamento e etc.

No início de dezembro de 2020 a CBF emitiu um ofício determinando que os campeonatos estaduais que não aconteceram no ano passado poderiam ser realizados até 28 de março de 2021. Alguns campeonatos já retornaram às suas atividades, mas caso outros não retornem, nos deparamos com um problema: o Brasileirão deste ano está agendado para começar em maio, e corremos o que risco de que alguns campeões estaduais ainda não tenham nem sido definidos quando a data chegar.

Mas, mesmo diante de tantos obstáculos e incertezas, o futebol feminino conquistou alguns recordes em 2020. O Brasileirão Feminino foi transmitido pela Band, e registrou números de audiências significativos e impressionantes para o horário nobre da televisão brasileira, além investir e transmissões exclusivamente femininas, sob o comando de Alline Calandrini, Milene Domingues e a narradora Isabelly Morais.

Com a popularização dos jogos nas redes sociais e algumas transmissões realizadas via Twitter e Facebook, houve um aumento expressivo no público que acompanhou as competições – um aumento de cerca de três vezes o número em relação ao ano anterior.

O destaque foi tanto que a final do campeonato mineiro fez história, recebendo no Mineirão o clássico duelo entre Cruzeiro e Atlético-MG que foi transmitido na televisão aberta, também com grande audiência. E o destaque não ficou apenas por conta das competições nacionais: as semifinais e final da Champions League feminina foram transmitidas pela ESPN, resultando também em grande engajamento nas redes sociais.

O resultado foi tão relevante que os campeonatos viraram aposta para diversos canais neste ano de 2021. A Band possui os direitos de transmissão do Brasileirão feminino até 2022, mas também já se sabe que a Disney está à procura de mais competições para que possa investir nas transmissões, uma vez ela já detém os direitos da Champions feminina e a Supercopa da Espanha, por exemplo.

Além disso, a Globo também vêm demonstrando crescente interesse em mais transmissões da modalidade; além da contratação da narradora Renata Silveira e de outras comentaristas, o objetivo também é negociar e tentar comprar os direitos do Campeonato Brasileiro Feminino.

O projeto é ainda mais estratégico: as contratações foram feitas em partes, inserindo de maneira gradual nomes femininos nas transmissões masculinas, buscando uma maior representatividade no esporte como um todo. A ideia originalmente era transmitir as partidas do campeonato no lugar da transmissão da Fórmula 1, que teria seu contrato finalizado ao final de 2020, o que não ocorreu. Porém, a emissora global ainda está interessada em transmitir os jogos em outros horários acessíveis, o que apenas corrobora o potencial econômico da modalidade.

Vale ressaltar que a transmissão dos jogos femininos ajudaria no desfalque que a emissora carioca passou a enfrentar com a perda dos direitos de transmissão do Campeonato Carioca e a Libertadores de 2021.

O ano de 2021 também merece destaque uma vez que serão realizadas as Olimpíadas de Tóquio, e a seleção feminina brasileira tem vaga garantida. Lideradas pela técnica Pia Sundhage, as jogadoras já se encontram em Viamão-RS desde o dia 5 de janeiro para início dos treinos e preparações para a competição. O primeiro compromisso oficial da seleção será na disputa da sexta edição do Torneio She Believes, entre os dias 15 a 24 de fevereiro em Orlando, nos Estados Unidos. O Brasil é um dos convidados da competição e disputará com as seleções do Japão, Canadá e as anfitriãs e atuais campeãs mundiais, os Estados Unidos. A estreia será contra o Japão, no dia 18 de fevereiro, as 18 horas (horário de Brasília).

Ou seja, mesmo diante de tantos desafios, o futebol feminino só vem crescendo – e ainda tem muito a crescer. Os patrocínios e investimentos estão em evidente expansão, e podemos apontar como exemplo o Guaraná Antártica e a Riachuelo, que patrocinaram o Campeonato Brasileiro de 2020.

Uma maior exposição ajudaria ainda mais no crescimento da modalidade, cativando um maior público e catapultando o esporte a um destaque cada vez maior e merecido.

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Raio X da gestão do marketing nos clubes de futebol – o perfil dos gestores

Ao longo das próximas semanas iremos apresentar um raio X sobre como os clubes da Série A1 do Paulistão gerem a área de marketing. As informações são frutos da tese de doutorado intitulada “Gestão do Marketing Esportivo no futebol: proposta de modelo teórico/prático para clubes profissionais brasileiros”, finalizada em maio de 2020 na Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo.

A pesquisa, realizada entre 2016 e 2020, teve por objetivo propor um modelo para a gestão do marketing nos clubes brasileiros a partir da teoria sobre o tema e da análise da prática dos clubes brasileiros. O estudo foi realizado em quatro partes e aqui iremos abordar a etapa da pesquisa de campo, que utilizou como amostra os 16 clubes que disputaram a Série A1 do Paulistão 2018. Aceitaram participar 14 clubes[1] com os responsáveis pela área de marketing (total de 15 pessoas) concedendo entrevistas em profundidade sobre 35 itens relacionados aos processos de planejamento, estruturação, execução e controle dos clubes e da área de marketing. Foram obtidas mais de 15 horas de gravações e 244 páginas de dados que geraram um amplo painel sobre a gestão do marketing nesses clubes, o qual será apresentado ao longo dessa série.

Começamos analisando os 15 entrevistados: pessoas com diferentes cargos se apresentaram como responsáveis pelo marketing, como presidentes, gerentes de marketing, assessores de imprensa e coordenadores de marketing. Foram ouvidos 11 homens e quatro mulheres cuja idade variou entre 24 e 52 anos (média de 38 anos). Apenas uma pessoa não possuía graduação e a maioria era formada em Marketing ou Publicidade e Propaganda, com uma entrevistada possuindo mestrado e 11 especialização/MBA, sendo sete na área do Marketing Esportivo. Somente um entrevistado não era remunerado e cinco não possuíam contrato de trabalha com dedicação exclusiva ao clube.

Dos 14 clubes apenas dois não tinham profissional contratado responsável pelo marketing e se considerarmos apenas os entrevistados que atuavam diretamente na área é verificado o seguinte perfil do profissional responsável pelo marketing nos clubes analisados: homem, de 36 anos, graduado em Marketing ou em Publicidade e Propaganda, com especialização em Gestão ou Marketing Esportivo, que ocupava cargo de direção (gerente ou diretor executivo de marketing) e atuava no clube de forma remunerada, com dedicação exclusiva por um período aproximado de dois anos e meio.

Os entrevistados que atuavam diretamente com o marketing foram questionados sobre as principais atividades que eles e a equipe de marketing do clube realizavam, sendo as citadas indicadas no quadro abaixo

É possível constatarmos o predomínio de atividades operacionais e o atendimento aos patrocinadores. As atividades de comunicação refletem a junção do Marketing com a Comunicação em muitos clubes, ponto que será abordado em outra parte desta série. Destaque para a não citação de atividades chave do marketing, como planejamento; pesquisa e análise sobre a situação do clube e os torcedores; e o desenvolvimento de novos produtos e serviços.

Ao observamos as indicações das regras de licenciamento de clubes da CBF[2] sobre o marketing, foi verificado que a grande maioria dos entrevistados não realizava as ações exigidas, especialmente as de cunho estratégico. A atuação era basicamente direcionada para o atendimento das demandas diárias, apagar “incêndios”, e fidelizar os patrocinadores, com limitado desenvolvimento de novas ações, produtos e serviços e atendimento aos torcedores/clientes. Assim, a ação era mais voltada para empresas (B2B) do que para os torcedores/clientes (B2C). Os principais problemas do dia-a-dia relatados foram:

  • Sobrecarga de funções;
    • Falta de recursos humanos e financeiros;
    • Atendimento de demandas de outros departamentos do clube;
    • Atividades operacionais;
    • Falta de tempo para atividades estratégicas;
    • Quantidade de jogos.

Também foi abordada a realização de atividades não relacionadas ao marketing, com quatro entrevistados citando que não as realizavam. Outros quatro afirmaram que realizavam outras atividades, mas que isso não era um problema enquanto cinco indicaram que frequentemente desempenhavam atividades não relacionada ao marketing que impediam o foco total na área. As atividades negativas mais citadas foram a venda de ingressos, o controle dos uniformes, a atuação como guia de visitas e o atendimento a outros departamentos, clientes da loja, imprensa, diretoria e conselheiros.

Pelos resultados podemos observar que a grande maioria dos clubes possuíam profissionais com formação em Marketing Esportivo, ainda que seja somente em nível de especialização, e renumerados, apesar dos casos em que não havia dedicação exclusiva. Chama a atenção o foco em atividades operacionais e a não indicação da realização de atividades estratégicas, além da sobrecarga de trabalho e a execução de atividades não relacionadas à área que acabavam por afetar a atuação dos profissionais, sendo estes uns dos principais problemas identificados pela pesquisa.


[1] Por questões éticas os nomes dos clubes e dos entrevistados não serão revelados.

[2] A CBF indica como atribuições do departamento de marketing a elaboração do planejamento da área; avaliação do mercado; definição de estratégias sobre canais de comunicação, marcas e produtos; posicionamento da marca; e o planejamento e a coordenação de ações para gerar negócios e de campanhas para engajar os torcedores e fortalecer a imagem e marca do clube.


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O atleta de alta performance

Crédito imagem – Daniela Porcelli/CBF

A explicação para a alta performance está nos detalhes. Poucos conseguem alcançar os picos de rendimento porque poucos estão dispostos a oferecer tudo o que é necessário. Admiro os campeões. Os que conseguem ganhar algo relevante. E admiro ainda mais quem se mantém no topo por muito tempo. O clichê se faz verdadeiro: chegar é ‘fácil’, o difícil é manter.

Trazendo para o futebol um jogador que alcança o nível profissional já é um vencedor por natureza. Seguramente, foram ultrapassadas barreiras específicas da própria modalidade.- ele teve que ser melhor do que a maioria para ir avançando nas categorias até chegar na equipe de cima. E em inúmeros casos, verdadeiras crianças vencem desafios que a maioria da população talvez não conseguisse superar. Quantos meninos com dez, onze, doze anos de idade saem de casa, deixando a família, para tentar a carreira de jogador em outra cidade, outro estado?

E transpassada essa peneira estreita e cruel que separa o amadorismo do profissionalismo vem outra bem parecida que diferencia o jogador ‘comum’ do extraordinário. E observando, estudando e analisando quem consegue ter um destaque acima da média percebi que a diferença que faz a diferença é o aspecto mental. São habilidades comportamentais que vêm precedidas por pensamentos e crenças fortalecedoras que apenas alguns poucos que tem.

Um atleta campeão treina mais e melhor do que os outros porque entende que apenas dessa maneira será superior ao que ele mesmo foi ontem. O cuidado com o corpo também é uma questão essencial porque os resultados dependem desse ‘equipamento’. Uma busca incessante por um entendimento maior sobre o jogo, suas nuances, detalhes e maneiras assertivas de ser eficaz com e sem a bola também é fundamental. Sem falar de um espírito coletivo porque ninguém faz sucesso sozinho. Poderia listar aqui outras dezenas de comportamentos, e todos eles teriam um viés muito mais psicológico do que técnico.

Quando estamos no nível profissional a diferença mora nos detalhes. Todos tem as habilidades, as valências físicas e o entendimento tático mínimo para jogar. Mas poucos vão além. Poucos se dedicam e se entregam de corpo e alma para ser hoje um por cento melhor do que foi ontem. Por isso que só temos um campeão, um melhor do mundo e etc. Porque essa condição é única. E ela não é obra do acaso. Pelo contrário, é previsível e deixa rastros. Não estou dizendo que é fácil. Mas justamente por dar muito trabalho poucos pagam o preço.

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A diferença entre driblar ou fintar um cone e uma pessoa

Crédito imagem: Clube Náutico Capibaribe/Divulgação

A escola não é a Rua. Tampouco a rua é a escola. A rua é outro ambiente, com outra orientação, outro modo de fazer as coisas, e onde as relações se estabelecem de outra forma. Diferente. Nem melhor, nem pior. Aprender a controlar bem a bola em uma brincadeira de rua, não significa que fazer do mesmo jeito na escola levará ao mesmo resultado. Principalmente porque não será possível fazer do mesmo jeito. A Rua, isto é, o espaço de convivência de crianças (mas também de adolescentes e adultos em diversas situações), tem características irreprodutíveis.

Quando a prática da Rua vai para a aula na escola – por exemplo, uma brincadeira – ela é, ou deveria ser, pedagogizada. Significa que servirá a propósitos diferentes, porque a escola, ou qualquer outra instituição de ensino, tem compromissos com a sociedade fora dela mesma. Ela prepara conscientemente para uma vida em sociedade (mesmo que esse trabalho não seja bem feito); a Rua não tem essa orientação. A brincadeira de Rua esgota-se nela mesma, é jogo apenas, isto é, aquele tipo de acontecimento que não tem qualquer compromisso além dele mesmo. Isso não quer dizer que as aprendizagens da Rua não terão repercussões em diversas outras situações ao longo do tempo futuro, inclusive na escola. Porém, na Rua não há esse propósito, afinal, a Rua não é uma instituição cujos propósitos e ideologias estão declarados.

Mais especificamente no caso do Futebol, quando o ensino é institucionalizado, tal como se busca fazer principalmente nas escolas de futebol e categorias de base dos clubes, é possível ocorrer uma orientação pedagógica totalmente desvinculada da cultura da Rua, assim como é possível também adotar uma orientação pedagógica que procura reproduzir a Rua ou tê-la como referência.

É comum vermos, independente da instituição/espaço na qual se ensina o futebol às crianças e adolescentes, cones dispostos simetricamente em filas para serem fintados ou driblados. Vale ressaltar que tal prática também é notada, com frequência, no âmbito do futebol profissional com adultos. Diante destas circunstâncias, não há risco, não há mobilidade nos cones, não há ameaças, não há um tempo imprevisível para realizar a finta ou drible, não há tensão, não há diversão, não há jogo. O cone simplesmente fica ali, inerte, no lugar em que o colocaram, dócil, não mais que uma referência para repetições mecânicas de gestos previamente determinados. Sua função é simular a presença de uma pessoa, algo que nem de longe consegue. Quando muito, resta, para quebrar a monotonia, uma ou outra fantasia que meninos e meninas produzam, intimamente, sem que ninguém saiba disso além deles mesmos.

Julgam os inventores da tal pedagogia do cone, que isso levará os praticantes ao conhecimento e desenvolvimento de determinadas ações técnicas relacionadas ao futebol, tal qual a finta, drible, condução, entre outras.  Há método nisso, claro, mesmo que esse método não habite a consciência do inventor. Nada se faz sem método. Trata-se de um método de transmissão, pura e simples. Um professor ou treinador diz para um aluno ou atleta repetir o gesto de contornar os cones, porque, dessa maneira, o aluno/atleta repetidor aprenderá a conduzir a bola e driblar um adversário. O adversário, no caso, é o cone, e o repetidor terá que realizar um enorme esforço criativo (talvez consiga, talvez não) para imaginar que o cone é seu adversário. É esperado pelo inventor, ou mero reprodutor, da pedagogia do cone que, como resultado desses exercícios, os jogadores (repetidores), quando estiverem participando de um jogo contra um time adversário, possam aplicar o conhecimento de conduzir e fintar cones diante de pessoas de carne e osso.

Há algum sentido nisso? Com tal procedimento os meninos e meninas aprenderão o difícil gesto de fintar e driblar adversários em jogos de futebol? Sim, é impossível que nada se aprenda agindo dessa maneira. Os pés dos meninos e meninas se ajustarão ao gesto, que ficará mais refinado. Há um objetivo nisso que orientará o modo de tocar a bola, de se ajustar a ela, de mantê-la sob controle enquanto a pessoa muda de direção etc. As repetições filtrarão o gesto, eliminarão resíduos e, ao final, algum conhecimento restará. Alguns dirão que o gesto técnico estará refinado! Ainda assim, de que forma se espera que crianças e jovens se envolvam em exercícios como esse? Com alegria e prazer? Ou com tédio e impaciência diante do “interminável” tempo de espera nas filas?

Porém, é bom que se esclareça: embora ocorra alguma aprendizagem a respeito da arte de fintar, driblar ou conduzir a bola, neste caso específico, essa arte se aplica, antes de tudo, aos cones, não às pessoas. Considerando que cones são pouco semelhantes às pessoas, quando, no jogo, no lugar de cones houver adversários de carne e osso, a generalização desse conhecimento será, provavelmente, muito pequena, ou insignificante. Convenhamos que é bem diferente fintar um cone e fintar uma pessoa! Ou seja, de que adianta um(a) jogador(a) possuir uma técnica refinada para determinados gestos se este não poderá ser reproduzido no contexto do jogo?

Imaginemos agora outra situação: meninas e meninos aprendendo a fintar ou driblar pessoas. Uma professora propôs um jogo em que seus alunos serão incentivados a fintar ou driblar e conduzir uma bola durante uma prática muito divertida. Eles tentam fazer gols, mas há mais defensores que atacantes. E qualquer gol feito após uma finta vale o dobro.

Como difere esta situação da anterior, em que os praticantes (sejam eles crianças, adolescentes e até mesmo adultos que já praticam o futebol profissionalmente) tinham que conduzir a bola e fintar ou driblar cones, não é mesmo?! Os adversários não estão dispostos estaticamente em filas. O risco de perder a bola é permanente, os adversários não param de se movimentar, o tempo para agir é mínimo, a imprevisibilidade é a marca de todas as ações, a tensão é constante, mas, ainda assim cria diversão, há jogo, há alegria, há prazer. Os adversários são de carne e osso, não ficam inertes, dóceis e os gestos de quem vai fintar não podem ser previamente determinados.

Imaginemos, também, que, na mesma aula/treino, a criança viveu, não uma, mas dez ou quinze situações em que teve que enfrentar um adversário e decidiu fintá-lo. A cada vez, seus gestos, mesmo sendo semelhantes a gestos anteriores, não eram iguais. Não eram iguais, porque seus oponentes eram diferentes, a posição no espaço era diferente, as reações dos adversários eram sempre diferentes, e porque ela, a cada vez, mantinha uma relação estreita com o adversário, suas reações tornavam-se sempre diferentes. Algumas vezes ela conseguia fintar, em outras não, e tudo isso se incorporava ao seu baú de repertórios, ao seu leque de oportunidades. Em uma única aula ela acumulou em seu repertório, talvez, centenas de novos movimentos, somente em relação à finta. Claro que todos esses movimentos guardam semelhanças, pois têm em comum o gesto mais geral da finta (ou drible), mas que, na vida de ações práticas, não existe; é apenas um esquema geral que une todas as ações de fintar, pois nunca um gesto para fintar será igual a qualquer gesto anterior.

Seguramente, a criança que fintava pessoas repetiu muito mais vezes o gesto de fintar, durante uma aula, que a criança que fintava cones, mas em ambas as situações, as repetições eram de caráter completamente diferentes.

 Sob nosso entendimento, é muito mais significativo o enriquecimento das coordenações que formam a habilidade de fintar (ou driblar e conduzir a bola, por exemplo) quando se trata de fintar pessoas. Sem contar que consideramos apenas o plano das coordenações motoras. Sequer discutimos (e isso deverá ser feito em outro momento), por exemplo, o plano afetivo, afinal, não é preciso ter coragem para fintar um cone, mas é preciso ter coragem para fintar uma pessoa. Um cone não dá medo, uma pessoa pode dar, e assim por diante.

Tentemos traduzir em um exemplo aquilo que vimos buscando explicitar. Imagine uma menina, criança, de apenas nove anos de idade, chamada Cinara. Cinara tinha frequentado durante seis meses uma escola de futebol. Nessa escola de futebol, seus maiores oponentes eram cones. E ela aprendeu a fintar cones. Tornou-se exímia dribladora de cones. Mas Cinara pediu para deixar a escola de futebol depois do primeiro jogo contra a equipe de outra escola de futebol, pois ela não conseguiu driblar ninguém e nem marcou gols. Deu “tudo errado” e saiu do jogo chateada. Sua mãe ouviu falar de uma escola de futebol que as crianças adoravam e matriculou Cinara nessa outra escola. Ela começou a aprender a jogar futebol de outro jeito, não havia cones, parecia mais difícil, mas a professora inventava um monte de brincadeiras de driblar e as crianças se divertiam muito. Erravam bastante e, num primeiro momento, Cinara errava muito mais do que quando driblava cones, mas também acertava bastante. Quando foram fazer o primeiro jogo contra outra equipe, Cinara conseguiu driblar várias vezes e saiu muito feliz do jogo. Até hoje ela está nessa escola de esporte.

Quando a Cinara, ou qualquer outra criança, jovem ou adulto em fase de aprendizagem, conduz a bola durante o jogo e para na frente do adversário, ela pode ter várias opções, mas tem um tempo mínimo para se colocar diante de tais opções e escolher a melhor. Isso não quer dizer que, conscientemente, colocará à sua frente todas as opções de gestos que acumulou. Trata-se de um processo quase que inteiramente inconsciente. Vamos supor que ela tenha escolhido como melhor opção fintar seu oponente. Novamente, vale ressaltar, o adversário não é um cone, é uma pessoa e tem um tamanho diferente de todos os outros adversários. Seu oponente se mexe, ele não fica parado como um cone, e isso dificulta tudo. Cinara experimenta se mover para o lado direito, o adversário faz o mesmo e a cerca, ela volta, para, movimenta-se para frente e volta, imediatamente sai pela esquerda, para, retrocede, avança pela esquerda de novo e consegue enganar seu(sua) rival. Ao contrário do que ocorria quando tinha que driblar um cone, ela fez, não um, mas dezenas de gestos diferentes. Teve êxito, mas poderia não ter tido. Mas se fracassasse, o enriquecimento de seu repertório para fintar, ainda assim, seria enorme. Cada gesto feito ficou guardado, como em um banco de dados. Nas próximas vezes em que ela tiver que enfrentar a situação de fintar, poderá recorrer a um repertório maior que nas vezes anteriores.

Na rua dribla-se ou finta-se cones? Não! Aprende-se a fintar e driblar os adversários na rua? Muito! Então, o que podemos levar pedagogicamente da rua para as escolas e clubes onde se almeja o aprendizado ou aperfeiçoamento do futebol? Esperamos ter respondido a esta pergunta no decorrer deste texto.