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Bateu na Europa e voltou: Possíveis prognósticos

Por: Marcelo Rodrigues.

Embora não queira generalizar os casos, observamos infelizmente uma formação ruim dos nossos atletas do futebol brasileiro, notadamente quando são transferidos para algum clube europeu, detalhe este que passa despercebido muitas vezes por agentes, empresários e intermediários que, muitas vezes visando apenas ao lucro, se esquecem completamente dessa necessidade de preparação total do atleta.

Na ponta do iceberg, Barcelona, Paris Saint-Germain, Bayer de Munich, Benfica, Internazionale de Milão; Messi, Mbappé, Rodrygo, Neymar e Casemiro. Estas grifes e personalidades não são a regra do futebol internacional. Se iludam com os carrões, os salários em euros pagos regiamente em dia e não se preparem adequadamente… o resultado disso será o bater e voltar no concorrido futebol europeu.

Muito nessa falha de preparação se dá com os aspectos culturais do país para o qual o atleta irá mudar. Converso regularmente com atletas e eles têm o sonho de jogar na Europa. Não foram poucas as vezes em que alguns não souberam me responder adequadamente em qual país desejavam atuar, alguns acreditando até que Europa fosse um país, não um continente. Não exerço o meu trabalho para rir ou criticar pequenos deslizes, mas auxilio no esclarecimento de algumas dificuldades que terão, notadamen no Velho Mundo.

Esmiuçando aqui alguns aspectos:

1) Idioma: felizmente os clubes de ponta do futebol brasileiro (até em consonância com a legislação vigente) adota a prática escolar como regra básica. Contudo, no estudo de línguas, é recomendável que o jovem atleta tenha aulas de reforço por fora, investindo no inglês se pretende atuar na Premier League e demais ligas europeias, no espanhol se dese- jarem atuar na La Liga etc.

2) Cultura: felizmente, esse jeito relaxado de se levar a vida e ter penca de amigos não é regra lá fora. Assim, brasileiros muito acostumados a serem mais gregários poderão ter dificuldades com a forma mais fria com a qual lidarão com companheiros de time treinado- res etc. Esqueçam por ora a turma do pagode e churrasco. Lembrem-se do sábio provérbio: “Em Roma aja como os romanos”.

3) Alimentação: esqueçam o feijão e a culinária brasileira. Muitos pratos não encontram equivalentes aqui e uma dica que dou aos atletas é se permitirem alimentar coisas diferentes, afinal, você estará em um outro país com a sua culinária típica.

4) Clima: o inverno europeu é extremo e, em muitos casos, além da sensação térmica enregelante, você terá que driblar os dias nublados e com pouca ou nenhuma incidência do Sol. Transtornos psicológicos poderão acometer espíritos pouco preparados.

Observaram como em apenas quatro tópicos elenquei dificuldades a que atletas passar no exercício de sua profissão? Desenvolvimento de mentalidade, esta é a dica! Sonha ganhar os seus vencimentos em euros, a moeda que vale cinco vezes mais? Sonhar é permitido! Mas se prepare para viver o seu sonho. Nesta mochila de sugestões minhas, encha-a disso e muito mais: persistência, abnegação, escolha, compreensão e reta razão.

Empresários, agentes e intermediários que não dão atenção a esses detalhes, visando apenas ao lucro, estão corrompendo os so- nhos destes atletas, muitos deles jovens

Some-se a isso a nossa combalida educação pública que forma o cidadão apenas para pertencer ao mercado de trabalho, com pouca formação cidadã. Afinal, num país corrup como o Brasil, educação pública de qualidade seria o inseticida que acabaria com este flagel Rodrygo e Endrick, do Real Madrid e muitos outros atletas têm recorrido ao mental coach no sentido de auxiliarem suas respectivas carreiras, somando a todo um staff de profissionais. Cito estes dois, pois são casos públicos, fazendo eu questão de ajudar forma discreta e profissional, auxiliando para que estes sonhos sejam realizado entendendo o atleta como o ser humano no seu todo e não apenas como aquele boleiro endinheirado e rodeado de puxa-sacos que estão ali apenas para serem sanguessugas deste talento nato.

Autor do artigo: Marcelo Rodrigues.

Fotos:

Vitor Roque comemora gol pelo Real Betis – (crédito: Foto: Fran Santiago/Getty Images)

1) Fotomontagem (Autoria Própria)

2) https://midias.correiobraziliense.com.br/_midias/jp-g/2023/06 /08/675×450/ 1_melhores_brasileiros_na_euro- pa-28202567.jpg?20230608204209?20230608204209

3) https://assets.goal.com/images/v3/bltf9aa8d3750703d02/ Que_masda.jpg

4) https://asset.skoiy.com/jnrcnjwljorqgsbu/kvzo0qb681sj.jp- g?w=1852Gq=80G

Artigo originalmente escrito e cedido a Universidade do Futebol pela Revista Futebol Estudado, no seguinte endereço: https://www.revistafutebolestudado.com/

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Expected Goals (Gols Esperados) e a construção de uma equipe efetiva ofensivamente

Por: Matheus Grandim de Almeida .

Imagem1. Em PSG 0 x 1 Liverpool, Elliott marcou o único gol do jogo (Foto: REUTERS)

No espetáculo de uma partida de futebol, o momento máximo é o gol. As equipes se organizam para cumprir a lógica do jogo de futebol a todo o tempo: Marcar mais gols que o adversário com o menor número de ações possível (Leitão, 2009). Analiso o “menor número de ações possível” como número de ações ótimo, para cada jogada.

Porém, em partidas como o último PSG x Liverpool, marcado com vitória do Liverpool por 1 a 0 ficamos nos perguntando: Por que uma equipe que cria tanto não conseguiu converter?  A resposta vem com uma outra pergunta: Como foram essas chances?

Quando nos deparamos com essa questão, necessitamos compreender o conceito de efetividade no jogo de futebol. A equipe que busca sempre o número de ações ótimo para chegar ao gol, está de modo inerente visando um gasto energético coletivo ótimo para esse objetivo. Isso significa que a equipe tem como meta eliminar gastos energéticos desnecessários, alcançando maior efetividade.

Uma equipe, como sistema complexo, tem elementos, que com suas características individuais, interagem entre si e, através das interações formam uma organização específica daquele sistema, dando forma a um todo único. Se uma característica deste sistema mudar, ou se o modo como essas características se relacionam muda, o todo também irá mudar (Morin, 1997). Vamos deixar mais prático: Cada jogador tem suas características individuais, e essas características são expressas ao jogar. Ao interagir com colegas de equipe, diferentes características vão gerar um jogo específico daquela interação.

Se escalarmos no mesmo lado do campo Vinicius Junior, Rodrigo e Estevão, isso irá gerar um sistema específico desta interação. Se as interações forem buscando o ataque, teremos um sistema com dinâmicas que visam atacar o gol adversário gerando desequilíbrios específico dessa interação. Se as interações mudam e esse sistema precisa se organizar para ser mais defensivo, as dinâmicas mudam e o todo também muda.

Ainda, se fizer uma substituição e, por exemplo, trocar o Estevão pelo zagueiro Van Djik, as interações irão mudar e o todo também.

Isso nos leva à efetividade ofensiva de uma equipe, visto que a função dos treinadores e treinadoras é construir com o time, de acordo com as características individuais presentes na equipe, dinâmicas que tornem o ataque efetivo, chegando ao gol com o número de ações ótimo, com um gasto energético ótimo.

Uma métrica que nos ajuda nesse processo é o xG (Expected Goals, traduzindo como expectativa de gols). Recentemente, analisando dois recentes artigos sobre o tema construí reflexões para que isso seja treinável.

O primeiro texto analisado (Shot quality and results and football, da Soccerment) analisa as correlações das métricas de xG e a probabilidade de vitória de uma equipe.

Um exemplo bem recente, PSG 0 x 1 Liverpool do dia 05/03/2025 pela Champions League, mostra que não necessariamente um xG maior da equipe significa vitória. Veja como, apesar do grande volume de finalizações, as métricas do PSG apontam chances de baixo xG ou baixo xGOT, sendo a maior métrica obtida pela equipe francesa, a finalização de Dembelè com xG de 0.41 e xGOT de 0.43, métricas explicadas mais à frente.

Imagem 2. xG e xGOT de PSG e Liverpool pela partida da Champions do dia 05/03/2025 (SofaScore)

Após analisar que algumas equipes com xG total maior não venciam o jogo, os autores do primeiro artigo abordam que uma tendência observada está na verdade nas métricas de xG por chute e xGD (xG concedido).

(Imagem 3. Soccerment)

Equipes com xG por chute acima de 0,18 apresentam 70% de chance de vitória na partida. Porém, o adversário pode ter um alto xG por chute e essa porcentagem tende a cair, visto uma maior probabilidade do adversário em marcar.

Portanto, quanto maior a diferença entre a métrica de xG por chute das equipes, maior a chance de vitória para a equipe que obtiver maior xG por Chute.

Uma diferença de xG por chute maior que 0,05 apresentou vitória para o maior xG por chute em 71% dos casos. Já uma diferença menor que -0,05 apresentou vitória para o maior xG por chute em 10% dos casos.

Um aspecto importante é a influência do acaso. Em análise de regressão, a correlação entre xGD (xG concedido) e Xpoints (Expectativa de pontos na classificação) é maior (R2 de 0,55, respondendo 55% dos casos) que a correlação entre xG e a chance de vitória (R2 de 0,38, que responde 38% dos casos). São métricas consideráveis para o acompanhamento dessas tendências.

Baseado nisso, as equipes estão selecionando mais as finalizações, buscando finalizar cada vez mais próximas do gol, como podemos ver na imagem 3.

Um dos aspectos que analiso como influenciador dessa métrica é o grande repertório ofensivo, sustentados por conceitos robustos do ponto de vista tático, que fornece variações de infiltração e ataque a zonas vitais da área, regiões de difícil proteção, e que ocorrem a maioria dos gols, principalmente dentro do funil. Além disso, como abordado no texto, equipes que utilizam essas métricas como componentes do processo de treinamento também influenciaram esse cenário.

Mecanismos táticos como corridas de ruptura, auxiliadas por desmarques de apoio entre linhas, para gerar espaços de infiltração, dinâmicas para gerar bolas descobertas que possibilitam acionar atletas em ruptura são aspectos presentes que visam atacar zonais vitais na área, gerando e aproveitando as vantagens do jogo, como na imagem a seguir.

(Imagem 4. Soccerment)

Este gráfico mostra a importância de gerar dinâmicas de ataque ao funil, e estruturas defensivas coordenadas para defender regiões vitais (mais claras no gráfico) onde ocorrem a maior densidade de finalizações.

O xGOT é uma métrica importante neste cenário, referente às finalizações da equipe e afetando o xG por finalização final da equipe. Consiste em uma métrica que analisa apenas as finalizações que acertaram o gol e a probabilidade delas serem convertidas, fornecendo a informação sobre a eficiência técnica do atleta. Uma finalização pode ter um baixo XG, mas se executada com qualidade pode ter um xGOT alto. Assim, identifica-se também os atletas com alto nível técnico de finalização, informação importante para gerar boas situações de definição para este atleta.

Um exemplo é o gol marcado por Salah contra o Bournemouth. Esta finalização esteve como xG 0.05, ou seja, chance de gol de 5% em chances como esta, porém, nos pés de Salah o xGOT foi de 0.72, indicando que a eficiência do atleta em finalizar era altíssima, mesmo com uma chance de baixo xG.

Assim, gerar dinâmicas que deixem os atletas certos (melhores finalizadores) em zonas vitais da área e do funil é fundamental para maior efetividade da equipe. Veja as métricas desta finalização abaixo.

Imagem 5. (Estatísticas SofaScore)

De modo complementar ao primeiro texto, o segundo artigo analisado (Raheem Sterling Proves That Everything You Know About Goal-Scoring Is Wrong, escrito por Bobby Gardiner para o portal The Ringer) apresenta o caso de Sterling e sua efetividade ofensiva na temporada 18-19 da Premiere League, ilustra o conteúdo principal discutido: Potencializar as métricas xG dos atletas.

apresenta o caso de Sterling e sua efetividade ofensiva na temporada 18-19 da Premiere League, ilustra o conteúdo principal discutido: Potencializar as métricas xG dos atletas.

Para tanto, as perguntas que direcionam a resposta à essa questão são: O que é importante para uma finalização se tornar gol? O que de fato faz um atleta melhorar seu xG por finalização? Como um dos principais marcadores daquela temporada era criticado pela sua finalização?

Expected Goals (xG) é uma métrica que indica a probabilidade de gol por finalização, baseado em aspectos como localização, oposição, identidade do finalizador, técnica de finalização, tipo de passe recebido, a recepção deste passe, relação do posicionamento do goleiro e direção do chute.

O cerne do texto está nas métricas de Expected Goals e o aumento ou diminuição dessa métrica com base na qualidade das finalizações. Nesse ponto os gráficos abaixo ilustram bem esse ponto fundamental.

Imagem 6. (BobbyGardiner – Stratabet)

Imagem 7. (Bobby Gardiner – Stratabet)

Imagem 8. (Bobby Gardiner – Stratabet)

Os gráficos acima mostram o ranking de atletas por Expected Goals, e ao lado a sua margem de melhora ou piora de sua métrica com base na qualidade de suas chances. Messi, por exemplo, tem seu xG melhorado devido a suas chances terem muita qualidade. Esse aspecto se refere à sua capacidade de gerar chances qualificadas.

Aubameyang, por exemplo, já mostra piora de sua métrica de xG devido à qualidade ruim de suas chances de gol, e isso está ligado diretamente à sua capacidade de gerar chances de qualidade em suas ações.

A frequência de chances, porém, é tão importante quanto a qualidade delas. Cavani, como exemplificado pelo texto, teve alta frequência de chances, mas piora em sua métrica pela qualidade delas, porém mesmo assim fez 27 gols.

Com base nos gráficos, podemos dizer que o melhor jogador é aquele que tenha um alto xG e uma margem alta de melhora de sua métrica. Ou seja, é necessário aproveitar as chances, mas principalmente gerá-las com qualidade.

Para isso, é necessário compreender que o xG e o xGD são variáveis treináveis e devem estar presente na estruturação do treino.

De modo coletivo e setorial, desenvolver xG ocorre ao analisar as características dos jogadores e as interações dentro do sistema, sendo fundamental desenvolver dinâmicas que potencializem as interações e que geram chances com alto xG. Compreender quais dinâmicas geram chances com alto xG é importante pois a equipe passa a ser estruturada visando a efetividade ofensiva.

A mesma lógica se aplica ao xGD (xG por chance concedida), pois com base no estudo das situações geradas pelos adversários que obtiveram maiores xGD, as sessões de treino passam a ser voltadas em desenvolver o sistema defensivo para resolver problemas de modo setorial e coletivo visando anular essas situações nocivas ao sistema.

Esse conceito é fundamental para ser desenvolvido desde as categorias de base, mas é muito importante seu aprimoramento também no profissional. Os aspectos técnico-táticos individuais são de suma importância para que os atletas gerem situações qualificadas com potencial de alto xG.

Portanto, é interessante para melhora do xG por parte dos atletas, atividades em que o atleta necessite estar mapeando o espaço, gerar e atacar espaços, timing para a realização da ação, orientação corporal, resolução de problemas a um toque, repetições de diferentes situações de finalização com diferentes tipos de passes.

Abaixo, um exemplo de como isso pode ser utilizado na potencialização da equipe:

Imagem 9. (Estatísticas SofaScore)

Na imagem acima, é mostrado o mapa de todas as finalizações do Liverpool na partida contra o Bournemouth. Dentre todas as finalizações, a destacada é a que maior obteve xG, com métrica de 0.79. Além disso, mostra um alto xGOT (0.87).

Este dado mostra que esta finalização foi um pênalti e teve alta chance de gol e finalizada por um atleta com alta performance técnica de conversão. Resultado mais provável é o gol. Foi o que aconteceu. Essa finalização é um pênalti, e o retrospecto de Salah em pênaltis é positivo. Gerar situações de possibilidade de pênalti é uma vantagem para o Liverpool, porém vamos focar nossa análise em situações de bola rolando, assim como o texto enfatiza. Analisaremos a segunda finalização com maior xG, um cabeceio de Luis Dias.

Imagem 10. (Estatísticas SofaScore)

Esta finalização teve o maior xG dentre todas as situações geradas de bola rolando (0.50), e xGOT de 0.40. Ou seja, tinha uma alta probabilidade de gol, e uma execução com média probabilidade de conversão.

Nesse ponto, vemos que pode ser uma dinâmica em potencial, mas se um atleta com melhor aproveitamento dessa oportunidade estivesse nessa posição atacando a bola, a probabilidade de conversão poderia ser melhor.

Vamos a algumas situações práticas ilustradas.

Na partida entre Newcastle e Leicester, a finalização de bola rolando com maior XG foi a de Isaac, com métrica de 0.60 e xGOT 0.99. Alto xG, alto xGOT. Vamos analisar como essa jogada foi desenvolvida e como o Newcastle pode ter essa dinâmica gerada com maior frequência.

A jogada foi um cabeceio, que originou de uma transição ofensiva com ataque veloz pelo lado esquerdo de Gordon e Hall, com Joelinton livre no meio como armador.

Imagem 11. (Estatísticas SofaScore)

Imagem 11. A dinâmica criada inicia com o Newcastle com jogo apoiado com 4 jogadores do lado direito, atraindo a pressão de 5 jogadores no Leicester para este setor. No lado oposto, a equipe do Newcastle tem vantagem numérica de 4 x 2 com Joelinton livre no meio para a retirada. A inversão rápida e apoiada é fundamental para atacar o lado oposto em vantagem

Imagem 12. Bola no lado oposto, Tonali ataca o espaço entre o lateral e o zagueiro do Leicester, fixando o lateral adversário e dando tempo e espaço para Gordon esperar a ultrapassagem de Hall.

Imagem 13. Gordon conduz para dentro, atraindo a pressão de dois marcadores, liberando espaço para Hall ultrapassar e cruzar com liberdade.

Imagem 14. Isaac no funil, ataca o “espaço da dúvida” (espaço onde há milésimos de segundo de indefinição entre zagueiros e goleiro, vital para finalização. Gol de Isaac fechando o placar.

Imagem 15. Gol de Isaac

O aspecto importante para o desenvolvimento da equipe é treinar para que essa dinâmica possa ser gerada com mais frequência nas partidas, pois gera alto XG devido aos espaços para progressão e ataque à bola que surgem da dinâmica, além de espaço de força pela esquerda, com dois jogadores de espaço de força interagindo entre si (Gordon e Hall) com Joelinton livre por dentro.

O interessante é levar isso para o treino, atividades que trabalhem as situações em que a equipe conseguiu maior xG para tornar-se um padrão do sistema. Porém, para isso é fundamental que se analise quais características se relacionaram em cada momento da jogada, desde a construção, a criação e a finalização, como progrediu em cada fase do campo e como finalizou.

Os seres humanos que jogam são protagonistas do espetáculo, entender suas características individuais, o modo como interagem dentro do sistema é fundamental para que padrões sejam desenvolvidos, ou descobertos, pois dinâmicas não treinadas também podem surgir das interações. Vai da sabedoria dos treinadores e treinadoras identificarem essas dinâmicas para que passem a ser padrões no sistema.

Isso é efetividade ofensiva, é a estatística sendo muito mais que um número, não esquecendo que quem joga são seres humanos.

Referências:

LEITÃO, Rodrigo Aparecido Azevedo et al. O jogo de futebol: investigação de sua estrutura, de seus modelos e da inteligência de jogo, do ponto de vista da complexidade. Campinas (SP): Universidade Estadual de Campinas, 2009.

MORIN, E. O método 1. A natureza da natureza. Mem Martins: Publicações Europa-América, 1997.

Artigo 1. Shot quality and results in football – Soccerment

Artigo 2. theringer.com/2018/1/12/16879916/soccer-raheem-sterling-manchester-city-goal-scoring-expected-finishing-skill

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A “miniaturização” do adulto no futebol

Por: Rafael Castellani e João Batista Freire

Em nosso texto anterior, “Mais uma vez explicando sobre a especialização precoce no futebol”, afirmamos, trazendo para a discussão a questão da moral presente nesse contexto, que não é o futebol que se adapta à criança, como defendemos, mas sim o contrário. Se tomamos inicialmente como exemplo a moral para argumentar contra a especialização esportiva precoce, tomaremos como referência, agora, o desenvolvimento cognitivo nesse período de vida, sobretudo durante a primeira infância (até os 6 anos).

            Durante a primeira infância, as crianças aprendem na convivência com os adultos, com outras crianças e com objetos. E elas o fazem ao seu modo. Nas escolas de educação infantil recebem orientação de professoras e professores, porém, em ambientes de bastante liberdade. Fora da escola aprendem, e muito, sem que haja profissionais indicando o que e como aprender.

O ritmo de aprendizagem das crianças na primeira infância surpreende os adultos. Seu sistema nervoso é extremamente plástico. É preciso lembrar, no entanto, que tal aprendizagem dá-se por convivência, na maior parte das vezes, sem orientações especializadas de adultos, e de um modo que permite à criança aprender do seu jeito e apenas por necessidade e interesse. Esse processo de desenvolvimento foi muito bem descrito por Piaget e por Vygotsky, o primeiro bastante focado na individualidade da criança e no sujeito universal, e o segundo nas interações sociais.

Os argumentos de Piaget e Vygotsky a respeito do desenvolvimento infantil, considerando, acima de tudo, as interações das crianças com o mundo, deitam por terra todas as formas de relações que não causam interesse a elas. No caso da aprendizagem do futebol, por qual motivo crianças se interessariam por driblar cones ou outros objetos imóveis?

As crianças, apesar das diferenças entre elas, têm um jeito particular de ser e aprender. No período que Piaget nomeou de pré-operatório, por exemplo, as crianças, até seis anos da idade, mais ou menos, resolvem seus problemas por passes de mágica, ou seja, sua maneira de pensar, referenciada em fantasias, é extremamente centrada nelas mesmas. Crianças, nesse período de vida, não conseguem, ainda, colocar-se no ponto de vista do outro, portanto, resolvem suas questões com base unicamente em seu ponto de vista, utilizando-se fartamente de suas fantasias. As regras coletivas, geralmente impostas a elas quando aprendem futebol, constituem um grande mistério para elas. Seguem-nas por obediência e não por compreensão. Se as crianças dessa faixa etária pensam e agem diferente dos adultos (e até mesmo de crianças mais velhas), por quais motivos muitos professores e donos de escolas de futebol acham que a melhor forma de lhes ensinar futebol é tratando-as como adultas, ou miniaturas de adultos, reproduzindo os métodos e exercícios realizados pelos adultos profissionais?

Para as crianças, especialmente aquelas que vivem a primeira infância, o futebol é um jogo de faz-de-conta. Seguir a lógica dos exercícios e jogos utilizados com adolescentes e adultos é uma agressão ao seu modo de sentir, pensar e se relacionar.

O que há por trás, portanto, da insistência em submeter crianças às rotinas de exercícios que replicam a lógica da exercitação de adultos, algo que é feito, geralmente, com a anuência da família? Por qual motivo o ensino do futebol, nesse período de vida das crianças, não considera o ponto de vista dessas crianças e suas características e necessidades, mas unicamente o interesse dos adultos?

Certamente porque esses adultos vislumbram em cada uma dessas crianças um atleta profissional e, se assumirem posto de destaque (somente cerca de 3% dos jogadores profissionais ganham mais de 5 salários-mínimos), ganharão, além da fama, rendimentos financeiros expressivos. É o futuro profissional e o lucro, mais que os cuidados com a criança, que definem a metodologia de ensino dessas crianças. Trata-se, acima de tudo, de integrar a criança ao modo de exploração de um capitalismo predatório que não tem freios ou ética, e pouco se importa com o bem viver de crianças, adolescentes ou adultos. A criança, precocemente vítima desse modo de exploração, é reduzida a matéria prima a ser jogada na máquina de revelar talentos/joias e fazer dinheiro.

Mais adiante, noutro artigo, discorreremos sobre as crianças da segunda infância, a partir dos sete anos, aproximadamente. Neste, manteremos o foco na primeira infância, inclusive porque temos notícias de que crianças de cinco e seis anos de idade estão sendo observadas e tratadas como futuros craques de futebol e, cada vez mais, estão na mira da cobiça de famílias e agentes do futebol profissional. Como não há justiça que caracterize atos como esses de criminosos, tecemos nossos argumentos para evidenciar que não há como justificar a especialização precoce. Toda a ciência atual argumentaria em contrário.

Criança brinca e a humanidade, mesmo que a maioria das pessoas não saiba disso, precisa que ela brinque. Especializar precocemente uma criança no esporte é evitar que ela brinque e se divirta e passe a realizar as rotinas de trabalho de um adulto. Treinar crianças em rotinas de exercícios exaustivas e nada divertidas é submetê-las a trabalhos e o trabalho precoce é proibido por lei, embora a lei não puna quem faz isso no esporte.

Vamos ao argumento de que ela precisa brincar. O ser humano, do ponto de vista biológico, e por seus recursos naturais, é frágil. Deixado à própria sorte na natureza, sem recursos tecnológicos, não sobreviveria. Ele precisou inventar recursos artificiais para sobreviver. E como fez isso? Fez isso utilizando-se de sua imaginação. Não há nada que mais precise de fertilização que nossa imaginação. No início, ela é apenas um potencial. Desenvolver-se-á mais ou menos a depender das experiências de imaginar que os humanos possam viver.

E o que é imaginar? Imaginar é esse fenômeno quase exclusivo dos seres humanos de ser capaz de ver, ouvir, tocar, degustar e cheirar para dentro, isto é, viver dentro de nós qualquer experiência vivida por nós. É uma espécie de vida elevada à segunda potência; assim como alguns animais ruminam seu alimento, os humanos “ruminam”, na imaginação, suas experiências. Podemos, por exemplo, ver algo fora de nós, fechar os olhos e ver essa coisa dentro de nós. Com a vantagem que, dentro de nós, ela pode ser modificada ao sabor de nossa imaginação. Nada existe mais poderoso no ser humano que a imaginação. Foi graças a ela que um dos ramos de hominídeos, o sapiens sapiens, sobreviveu. E o período mais propício para fertilizar a imaginação é a infância. Quanto mais a criança puder viver experiências de imaginar, isto é, de fantasiar, de fazer-de-conta, melhor. E a melhor forma de fazer isso é brincando. Por isso brincar é algo compulsivo na criança. É assustador perceber que até hoje a sociedade humana não reconhece isso e, por incrível que pareça, ainda entende a brincadeira como algo de pouco, ou nenhum, valor.

Se o que nos torna humanos é a imaginação, quando retiramos da criança seu direito ao brincar, estamos matando a humanidade. E esse direito é retirado quando a submetemos intensamente a rotinas de exercícios, tal como as realizam os jogadores profissionais. A criança, por exemplo, brinca de jogar bola imaginando ao seu modo. Muitos de nós brincávamos de bola querendo ser Pelé, Garrincha, Messi, Ronaldinho Gaúcho, dentre outros. A bola é, para a criança, o brinquedo por excelência, capaz de transportá-la para um mundo extraordinário de fantasias. Ao Impedir que ela viva o jogo de bola dessa maneira, transformando-a em miniatura de adulto, estamos prejudicando, não só a criança, mas, no âmbito do futebol, nos afastando cada vez mais do “jeito brasileiro de jogar bola”.  

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Participação no programa Oléé SA da BandSports

Neste programa, Beetto Saad conversa com Heloisa Rios sobre uma das instituições de ensino mais importantes do futebol brasileiro. A Universidade do Futebol está com mais de 20 anos possibilitando a formação do profissional do principal esporte do país.

Link no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=HbP-dnMpIhQ&list=PLItAGi98poIZ84iOLhdhGv7AiHJvIf0XA

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Clima motivacional: por quê Neymar tem tudo para dar certo nesta volta ao Santos?

Por: Rafael Castellani

É comum vermos atletas que se destacam em um clube e, quando transferidos para outro, não conseguem repetir seu desempenho esportivo. E vice-versa.  São também bastante frequentes os casos de atletas que não vivem “boa fase”, apresentando performance muito abaixo da esperada, e após mudanças na comissão técnica passam a jogar muito melhor. O mais recente, e evidente, caso que me vem à cabeça é o do atleta do Corinthians, Yuri Alberto. De extremamente criticado pela mídia e torcida, ridicularizado até em certos momentos, protagonizando com o treinador um desentendimento constrangedor, após a saída deste técnico, há uma melhora significativa na sua performance, fazendo um gol atrás do outro, se tornando o artilheiro do Campeonato Brasileiro.

Há muitos fatores que podem ter influenciado a mudança deste cenário, mas já podemos descartar uma à priori: um jogador de futebol não “desaprende” a jogar bola, muito menos volta a aprender, de “uma hora para outra”. Dentre os fatores viáveis que poderíamos elencar, há aqueles de questões táticas, o apoio psicológico que manifestou ter buscado e, o que gostaria de destacar neste texto, a mudança no clima motivacional.

Afinal, o que é o clima motivacional?

São as condições de um ambiente, sobretudo sob aspecto psicológico, que determinam ou orientam, para a tarefa ou para o ego, os motivos que as pessoas encontram para se dirigir a uma tarefa e/ou se relacionar com as pessoas que fazem parte deste ambiente.

Parto do pressuposto que ninguém tem a capacidade de motivar diretamente o outro. Somente a própria pessoa, ao encontrar motivos que o fazem dirigir a uma tarefa ou meta, possuem essa capacidade. Mas, gestores, dirigentes e treinadores podem (e devem) criar climas motivacionais que favoreçam essa motivação. Ser respeitado e acolhido, dotar de sentimentos de justiça, ser querido e ter pessoas do seu círculo próximo (amigos e familiares) por perto, ser bem remunerado e receber em dia, por exemplo, são condições que criam um clima motivacional positivo. 

É justamente devido ao clima motivacional criado nesta volta do Neymar ao futebol brasileiro que trago como hipótese seu, e do Santos, sucesso e retomada do bom futebol. Um atleta feliz, bem, acolhido, tratado com respeito e carinho, emocionalmente equilibrado e que trabalha num ambiente harmonioso “tem tudo para certo” e desempenhar esportivamente o que ele pode. Até mesmo um atleta que vem sofrendo ultimamente com inúmeras lesões, sob essas condições, provavelmente se sentirá melhor para fazer aquilo que faz tão bem: jogar futebol.

É inegável e indiscutível o talento e qualidade técnica do Neymar. Por isso que, se criado, de fato, um clima motivacional orientado para a tarefa e que, consequentemente, Neymar venha focado em retomar seus melhores momentos esportivos e reassumir “seu posto” na seleção brasileira, dificilmente sua volta ao futebol brasileiro e ao seu clube de coração não tenha sido uma decisão acertada. 

Foto: @RaulBaretta_Photo / Santos FC       

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A final de Libertadores que foi um “golaço” para a psicologia esportiva.

Há tempos não escrevo sobre a psicologia do esporte. Mas não poderia deixar passar a oportunidade de abordá-la após essa emocionante final de Taça Libertadores da América entre Botafogo e Atlético MG. A palavra emocionante trás em seu radical a palavra emoção e é justamente sobre ela, sobretudo em relação ao campo de intervenção que dela mais se apropria no futebol, que buscarei me aprofundar neste texto.

Em uma, e qualquer, final poderia dizer, sem medo de errar, que o preparo emocional é tão, ou mais, importante que a qualidade técnica, tática e física das equipes. E é aí que entra, ou deveria entrar, o papel da psicologia do esporte. Ambas as equipes finalistas contam, em suas comissões técnicas, com capacitados profissionais da psicologia do esporte, condição que pode ajudar a explicar, em partes, o sucesso de Botafogo e Atlético Mineiro.  

Há quem ainda ache que a psicologia do esporte no futebol está a serviço, somente, da identificação de perfis de personalidade, realização de testes psicológicos ou, cada vez mais, ao acolhimento e tratamento terapêutico à atletas que estão em estado de sofrimento psíquico. Ainda que não desvalorize ou despreze a importância destes objetivos de intervenção (pelo contrário, entendo que são de extrema importância), a psicologia do esporte tem, sobretudo no futebol de alto rendimento, outros inúmeros objetivos que pouco ganham destaque. 

Comecemos pela motivação. É inegável sua importância para se conquistar um campeonato (ou uma simples vitória), ou simplesmente para realizar qualquer ação. Mas a motivação, como qualquer outra emoção, precisa estar controlada e equilibrada. Da mesma forma que baixos níveis de motivação comprometem o desempenho em qualquer tarefa que se realize, altos e descontrolados níveis também possuem essa capacidade. Parece-me que este foi o caso do atleta expulso aos 40 segundos de jogo. A expulsão mais rápida em uma final de libertadores na história. E que fique claro: esta NÃO é uma crítica ao psicólogo do esporte desta equipe, a quem admiro e reconheço sua importância para a área da psicologia esportiva.    

Com um jogador a menos, outras tantas emoções e habilidades psicológicas tiveram que ser mobilizadas pela equipe do Botafogo para lidarem com o fato de terem um jogador a menos por, praticamente, todo o jogo. Além da própria motivação (é preciso achar um motivo para correr “pelo outro”), resiliência, coesão grupal, liderança, autoeficácia, manejo da ansiedade, agressividade (que não se confunda com agressão), concentração, dentre outras, facilmente são notadas em equipes vencedoras. Há, no entanto, outro recurso psicológico que, na minha opinião, é determinante em situações de grande pressão e altíssimo nível de estresse, tal qual uma final de Libertadores: as estratégias de coping. 

A equipe do Atlético Mineiro, por sua vez, ainda que visivelmente não tenha faltado motivação, aparentemente não conseguiu dosar seus níveis de ansiedade e, consequentemente, não soube aproveitar a vantagem que passou a ter desde o primeiro minuto de jogo. Sob elevados níveis de ansiedade, perde-se concentração e algumas decisões (algo que o jogador faz o tempo todo durante o jogo) passam a não ser as mais apropriadas para determinados momentos do jogo, por exemplo, levando uma equipe a confundir velocidade com pressa e a errar passes, ou perder gols, que normalmente não se erram/perdem. Ainda que jogar com um atleta a menos durante toda a partida faça com que o desgaste dos jogadores botafoguenses tenha sido enorme, sob alto índices de ansiedade, o corpo consome mais energia e, consequentemente, aumenta-se o cansaço físico, e mental, dos jogadores.   

Por isso, intitulo este texto como um golaço para a psicologia do esporte. Obviamente, as considerações aqui realizadas, em tom de suposição, não buscam criticar o trabalho realizado pela equipe da psicologia esportiva de ambas as equipes, tampouco estabelecer uma análise simplista da interferência dos fatores psicológicos no desempenho de uma equipe esportiva. Pelo contrário, meu intuito é destacar o quão importante é a psicologia do esporte e valorizar a presença destes profissionais nos clubes para que estes, clubes, reconheçam, cada vez mais, a importância desse trabalho para o (alto) desempenho esportivo. É urgente que deem a estes fundamentais profissionais (referências no campo da psicologia esportiva), bem como a todos seus colegas, as melhores condições de trabalho possível, inclusive, para que sirvam de exemplo para tantas outras destacadas equipes do futebol brasileiro que ainda, por incrível que pareça, não possuam psicólogos esportivos em suas comissões técnicas.   

Enfim, se para os telespectadores foi, sem dúvida, uma disputa muito emocionante, imaginem para os atletas e para os torcedores de ambas as equipes. Por isso foi tão linda essa final! Pois é da emoção que vive essa encantadora modalidade esportiva que apaixona pessoas pelo mundo todo.

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Mais uma vez explicando sobre a especialização precoce no futebol

É muito cansativa a tarefa de explicar as razões pelas quais as crianças não podem ser submetidas a treinamentos e competições esportivas precocemente, principalmente se realizadas nas perspectivas que vemos com frequência, isto é, adaptando-as ao esporte profissional e não adaptando o esporte à criança. Do ponto de vista científico, nada existe que fundamente essa precocidade; e tudo existe que a reprove. Por mais que artigos e livros a respeito do tema sejam publicados, prevalece a opinião daqueles que partem somente do seu conhecimento empírico ou seu “achismo”, e insistem na ideia de que, quanto mais cedo as crianças começarem a realizar treinamentos esportivos especializados, maiores as chances de êxito esportivo na adolescência e idade adulta.

Como argumento, citam as exceções de sempre, isto é, um ou outro atleta que foi iniciado precocemente e chegou ao topo do rendimento esportivo. Quanto à vida pessoal desses atletas nada se fala. Quanto aos diversos tipos de assédio, inclusive sexual, sofridos por meninas e meninos que buscam concretizar o sonho de serem jogadores profissionais de futebol, a memória se apaga. Quanto às contusões, dores e doenças decorrentes do excesso de esforço para organismos jovens, não há menções. Quanto aos problemas psicológicos causados pela pressão absurda a que são submetidos e pelo estresse de treinamentos e competições, os “entendidos” se calam.

               Apesar de cansativa, vamos, mais uma vez, à tarefa de desmascarar os arautos do treinamento precoce e as decorrentes competições.

               No futebol, as idades das categorias são cada vez menores: sub9, sub 7, sub 5 e, logo mais, sub-feto, envolvendo famílias ansiosas por exibir seus futuros campeões. Para os clubes e agentes, trata-se apenas de negócios, e as crianças, mercadorias. Se, entre milhares e milhares de criancinhas sacrificadas no altar do lucro, aparecer meia dúzia de talentos precoces, o rendimento financeiro estará garantido. Sem contar os atravessadores tirando dinheiro de pais e mães desesperados por evidenciar seus filhos (pagando para competir, pagando para treinar, pagando para passar por peneiras etc.).

               Poderíamos citar a ginástica, o atletismo, o voleibol e muitas outras modalidades esportivas. Mas o espaço para escrever isso exigiria um livro inteiro. A ideia generalizada no esporte brasileiro e mundial, com raras exceções, é a de que, quanto mais cedo se dá a iniciação esportiva em uma determinada modalidade, melhor.

               Trata-se de um absurdo científico e até de bom senso. Porém, o que prevalece é o mau senso. Vamos aos nossos argumentos que justificam essa afirmação.

               Comecemos pela questão moral. Como é possível comparar a moral de uma criança de 5, 6 anos com a moral de um adolescente ou de um adulto? Aos 5 ou 6 anos de idade uma criança está começando a formar aquilo que chamamos de julgamento moral. Uma pessoa só pode julgar moralmente (não necessariamente com acertos) os outros quando ela é capaz de se colocar no ponto de vista do outro. As brincadeiras das crianças, nessa idade, não devem ser orientadas com base em julgamentos morais, em regras rígidas. As regras para grupos dessa idade devem ser muito simples, pois as crianças sentem muita dificuldade em se colocar no ponto de vista dos colegas.

Os julgamentos morais no esporte são feitos com base na ideia de justiça. Quando um(a) jogador(a) se sente injustiçado(a), ele(a) reclama. A partir dos 6, 7 anos mais ou menos, já podemos perceber algum esforço das crianças para dividir, trocar e compartilhar, abrindo mão de parte de seus interesses. Nessa idade, com base nas insatisfações, uma professora bem formada reúne a turma e conversa a respeito. Se ela souber conduzir a conversa, as crianças chegarão a acordos, ou para aceitar a regra estabelecida (algumas das regras convencionais do esporte), ou para criar uma regra especialmente para o jogo que está sendo realizado. Quando chegam ao acordo, estabelece-se que, a partir daí, valerá tal ou tal regra. Os insatisfeitos, sentindo que a regra faz justiça, aceitam e o jogo continua.

O que significa essa regra? Significa que vários jogadores(as) abriram mão de interesses pessoais em busca do interesse comum. Ou seja, uma regra é uma norma de regulação das relações no grupo, feita de renúncias de interesses pessoais em favor do interesse geral do grupo. Isso, em crianças de 5 ou 6 anos de idade é muito incipiente, afinal, elas são ainda muito autocentradas, buscam, de maneira um tanto mágica, fazer prevalecer os próprios desejos. É por isso que, por exemplo, numa brincadeira de bola entre pequenos de 4, 5 anos ou até mais, a gente observa o grupo todo correndo atrás da bola. Isso porque o interesse é ter a bola, o objeto de desejo. Nada mais interessa além disso. E é assim que as brincadeiras devem ser realizadas, em função dessa dificuldade em julgar moralmente as situações.

               Até os 6 anos de idade (e essa idade pode ser maior ou menor a depender da criança), se escolhermos bem as brincadeiras, as crianças jogarão ao seu modo e se divertirão. Não temos que enquadrá-las nas regras do esporte adulto, pois isso acarretará sérios prejuízos para elas e para o esporte. Para elas, pelas consequências futuras de tal pressão e, para o esporte, porque a maioria perderá o interesse pela prática esportiva e desistirá rapidamente.

               A partir do momento em que podemos conversar com elas e estabelecer regras, isso significa que não transgredirão? Não. Sempre uma ou outra transgredirá. Quando isso acontecer, retoma-se a conversa. Ou não. No esporte convencional, para aqueles que preconizam a especialização precoce, as regras são impostas e, quando transgredidas, as crianças são punidas. No esporte educacional, constrói-se regras junto com as crianças para que elas desenvolvam uma moral de autonomia, ideia democrática de convívio em grupo, a ideia de acordos, de enxergar o interesse comum.   

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10 coisas que o presidente da CBF deveria saber: Propostas para o resgate do “jogo bonito” brasileiro

Por João Paulo S. Medina – Fundador da Universidade do Futebol

Vamos começar pela raiz que justifica o mandato do Presidente da Confederação Brasileira de Futebol:

1.“Por força de sua filiação à FIFA e CONMEBOL, a CBF é a única entidade brasileira autorizada, de forma exclusiva, a dirigir e controlar o futebol no território brasileiro” (Art. 5; § 1° de seu estatuto), tendo assim o dever de dirigir e organizar todos os assuntos e questões relacionados à prática formal do futebol profissional e não profissional, administrando, difundindo, fiscalizando e, sobretudo, fomentando e aperfeiçoando constantemente a modalidade em todo o país.

Tamanho conjunto de responsabilidades, obriga que o mais alto mandatário desta instituição esteja devidamente preparado para cumprir estas exigências estatutárias, sabendo que:

2. O futebol não é uma simples modalidade esportiva, mas um fenômeno global de massa que serve a muitos interesses, alguns legítimos e necessários ao próprio desenvolvimento sociocultural, econômico e esportivo da sociedade, e outros nem tanto, que precisam ser combatidos ou neutralizados com muita determinação e energia.

3. Neste sentido, mesmo sabendo que toda ação social é um ato político, é bom também lembrar que o Estatuto da CBF define em seu Artigo 12, que é papel da instituição “dirigir, organizar e ordenar, no território brasileiro, todos os assuntos e questões relacionados com o futebol, de forma independente, prevenindo quaisquer ingerências políticas ou de terceiros”; entendendo aqui que estas ingerências políticas ou de terceiros devam significar o ato de combater ou neutralizar quaisquer interesses ilegítimos ou espúrios, muitas vezes facilitados pela própria importância que damos ao futebol.

4. Neste contexto amplo, é preciso que o presidente da CBF saiba que o desempenho esportivo e os resultados alcançados por suas Seleções são o resultado ou reflexo de tudo que é feito em sua base (nos clubes, nas escolas de futebol, nas escolas formais), precisando, portanto de toda a atenção, cuidados, parcerias e investimentos da instituição em recursos materiais, tecnológicos e, sobretudo, humanos para que o futebol se desenvolva adequadamente e se possa, assim, resgatar “o jogo bonito” que é, verdadeiramente, a identidade do futebol brasileiro, reconhecida em todo o mundo, mas que está se descaracterizando rapidamente por força não só da globalização, mas principalmente devido à falta desta compreensão e de investimentos consistentes em capacitação profissional competente.

E falando em “jogo bonito” e em identidade do futebol brasileiro, é fundamental que o mais alto mandatário da instituição que tem poderes legais para administrar o nosso futebol, saiba também que:

5. Assim como nossa identidade futebolística, com todas as suas nuances e características regionais, foi uma construção que se deu ao longo dos tempos, baseada sobretudo em uma “pedagogia da rua”, que garantia a nossa essência, sustentada pelo lúdico, pela alegria, imaginação, criatividade, ginga, malandragem etc., ela também se desconstrói histórica e culturalmente. Portanto, podemos inferir que resgatar o “jogo bonito” ou desenvolver um novo estilo contemporâneo brasileiro de jogar futebol não ocorre por geração espontânea ou apenas com boas intenções, mas com políticas que exigem muito conhecimento, planejamento e ações de longo prazo (5, 10, 20 anos), impossíveis de serem implementadas sem a liderança proativa da CBF.

6. Ainda pensando no movimento de globalização (que a tudo pasteuriza) e os interesses econômicos (que costumam secundarizar outros relevantes aspectos socioculturais e esportivos), é preciso que o dirigente da CBF entenda que a abertura indiscriminada de vagas para importação de jogadores estrangeiros, ao mesmo tempo em que os melhores jogadores(as) brasileiros(as) sofrem um processo inverso (de exportação), fragiliza o nosso futebol em sua essência, além de diminuir drasticamente as possibilidades de jovens brasileiros que se destacam nas categorias de base de seus clubes, ocuparem uma posição ou vaga em suas equipes principais. Atualmente é permitida a participação de 9 jogadores estrangeiros por equipe.

7. Convém destacar também que dada a complexidade do mundo atual, nenhum setor da atividade humana consegue mais ser administrado e evoluir quando seus líderes atuam de forma isolada ou centralizadora. Com o futebol, não é diferente. Todo gestor competente deve saber que as ideias inovadoras e as melhores soluções ocorrem por participação e esforços coletivos, contando com o engajamento e comprometimento de pessoas igualmente competentes e bem lideradas. Facilitar o surgimento de uma Liga Nacional de Clubes atuante, responsável e, tanto quanto possível, coesa, pode ser um grande exemplo para reunir proativamente dirigentes, executivos e gestores com o propósito de se buscar soluções coletivas que sejam benéficas para todo o ecossistema do futebol brasileiro, entre elas a adoção de medidas efetivas que garantam a implantação e regulamentação do “fair play financeiro”, tanto para as SAF´s quanto para os clubes associativos.

Muitas outras providências e projetos poderiam ser pensados, implantados e implementados, com divulgação transparente sobre os recursos materiais, financeiros, tecnológicos, ambientais e humanos utilizados e devidamente auditados. Vamos citar mais 3 providências essenciais que o Presidente da CBF, enquanto principal responsável pelo fomento do futebol brasileiro, precisaria ter clareza:

8. Para que o futebol brasileiro possa se desenvolver de forma consistente, é necessária a criação gradual de Centros de Excelência de Futebol (estaduais ou regionais) que possam servir de referência não só para as práticas educacionais (escolas de futebol) e competitivas (Seleções), mas também como centro de estudos e pesquisas que desenvolvam e fortaleçam uma prática saudável, com atividades pedagógicas que reforcem o “jogo bonito” enquanto essência do futebol brasileiro. Estes Centros de Excelência poderiam também servir de base para diferentes categorias de Seleções masculinas e femininas, melhorando sua estrutura e aumentando suas possibilidades competitivas de forma planejada.

9. Somente a criação de um Comitê Disciplinar e de Arbitragem democrático, competente, legítimo, com suficiente credibilidade e amplos poderes, poderia ser capaz de reverter o triste, feio e lamentável estágio atual (“modus operandi”) do futebol brasileiro. A. Simulações ridículas de faltas; B. Reclamações desproporcionais de atletas, treinadores e dirigentes; C. Erros grosseiros da arbitragem, com uso indevido dos recursos tecnológicos como o VAR (tão necessários para trazer mais acuidade e justiça às decisões do árbitro); D. Comportamento inadequado das torcidas, que exigem não só medidas punitivas severas, como principalmente medidas preventivas e educativas que incluam, inclusive, ações que não estimulem o comportamento viciante em apostas (fenômeno que está se tornando uma verdadeira epidemia, com gravíssimas consequências sociais); E. Constantes atitudes suspeitas em relação à manipulação de resultados, são alguns dos principais fatores que estão matando a nossa essência, nos distanciando cada vez mais do nosso “jeito de jogar futebol” e, infelizmente, fazendo com que sejamos cada vez menos admirados mundo afora.

10. E por fim, é urgente e inadiável a criação de um novo Calendário do Futebol Brasileiro, suficientemente abrangente para considerar estrategicamente todo o universo competitivo, desde nossas Seleções, equipes das Séries A, B, C, D, campeonatos regionais, até as competições de todas as divisões das categorias de base masculinas e femininas. Este novo calendário precisaria encarar de frente algumas questões de difícil solução, tais como: A. Conciliar interesses dos patrocinadores e meios de comunicação; B. Favorecer competições com níveis equiparados, tanto para o futebol masculino, quanto feminino; C. Propiciar um número de jogos anuais mais equilibrado para clubes das primeiras divisões (com demasiados jogos) e clubes que atuam quase que exclusivamente de forma regional ou estadual (com pouquíssimo jogos); D. Exigir a compatibilidade entre a frequência escolar e os jogos oficiais, para que haja um convívio salutar entre as atividades escolares e competitivas formando melhor nossos jovens atletas; E. Viabilizar deslocamentos razoavelmente racionais das equipes em um país com dimensão continental como o Brasil, para que os atletas tenham tempo suficiente para descansar e treinar, auxiliando a diminuir os riscos de lesões, e também aumentando o nível técnico das equipes, principalmente das que possuem elencos mais reduzidos; entre vários outros aspectos que poderiam ser pensados para aumentar o interesse do público e a qualidade do futebol brasileiro.

Enfim, são essas as principais atitudes e providências que, se entendidas e seguidas, certamente ajudarão a resgatar, nos próximos anos, o nosso orgulho e a admiração pelo jeito brasileiro de jogar futebol, trazendo de volta o nosso “jogo bonito”.

João Paulo S. Medina

Fundador da Universidade do Futebol

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Comportamento Organizacional Aplicado à Gestão de Clubes de Futebol: Uma Perspectiva Estratégica

A gestão eficaz de qualquer entidade é uma tarefa extremamente complexa e traz vários elementos e estratégias essenciais ao sucesso. Podemos chegar a um consenso de que, independentemente do objeto da instituição, saber gerenciar os recursos aplicados em mão de obra para o negócio, estabelecer um ambiente propício à ótima atuação dos profissionais, motivando-os a dar o seu melhor e, principalmente, saber organizar as relações humanas ali estabelecidas, são tarefas e desafios fundamentais a todo gestor que deseja ter sucesso em sua atuação profissional.

Nos clubes de futebol, não é diferente. É observável a presença marcante de características ecléticas entre os profissionais envolvidos neste ambiente. Podemos elencar por alto profissionais de diferentes áreas, com distintas formações (profissionais da saúde, educadores físicos, advogados, gestores, ex-atletas, atletas etc.), com origens culturais diversas, muitas vezes com características educacionais geográficas distintas, além de possuírem relações diversas com o clube (Estatutários, Terceirizados, P.J., CLT, Contratos Especiais de trabalho desportivo etc.). Esta vasta diversidade gera uma riqueza potencial intelectual grandiosa para a instituição, mas também vários desafios advindos das relações humanas e profissionais ali estabelecidas. Não é difícil encontrar clubes, ou até empresas em geral, que tratam tal gestão citada de maneira muito superficial e pouco reflexiva, sendo materializada através da construção de um organograma e a criação de um setor responsável por processos seletivos, controle de folha de ponto e demissão, mesmo sendo sua importância estratégica conhecida por todos envolvidos na instituição.

Que fique claro, entendemos a importância da apresentação visual da estrutura através do organograma e não estamos aqui para julgar práticas gerenciais encontradas no mercado, mas temos como obrigação refletir se tais ferramentas e mecanismos são suficientes para gerar um ambiente otimizado de ganhos para a instituição.

Diante disso, clubes de futebol, independentemente de sua personalidade jurídica ou tamanho da instituição, devem ter uma compreensão aprofundada das interações humanas, estrutura organizacional e dinâmicas de grupo, elementos centrais do campo do Comportamento Organizacional. Com a introdução da terminologia citada, apesar de não ser este o objetivo central do texto, vale uma diferenciação, com intuito de evitar confusão em nomenclatura, sobre a diferença entre Comportamento Organizacional, Cultura Organizacional e Gestão Organizacional. Podemos definir, segundo Robbins (2020), Comportamento Organizacional como a área de estudo do comportamento humano dentro de uma organização, isso inclui a maneira como os indivíduos se comportam, interagem e se relacionam no ambiente de trabalho. Já a Cultura Organizacional refere-se ao conjunto de valores, crenças, normas, símbolos e práticas compartilhadas pelos membros de uma organização. A cultura organizacional molda a maneira como as pessoas dentro da organização pensam, agem e percebem o ambiente de trabalho. E por fim, Gestão Organizacional refere-se aos processos e práticas utilizados para coordenar e direcionar os recursos humanos, financeiros, tecnológicos e materiais de uma organização para alcançar seus objetivos. Isso envolve planejamento, organização, liderança e controle das atividades organizacionais.

É claro para todos os leitores e consenso entre os gestores que estratégias de liderança efetiva e gestão de ambiente são elementos cruciais para o sucesso da gestão organizacional de uma instituição. Contudo, isso daria conteúdo suficiente para outro texto. Por hora vamos nos atentar em como criar uma estrutura organizacional eficaz dentro de uma instituição desportiva.

Uma Estrutura organizacional define como são formalmente divididas, agrupadas e coordenadas as tarefas, atribuições e cargos da instituição. Existem seis elementos fundamentais que os administradores deveriam considerar quando projetam a estrutura de suas organizações, sendo cada um deles um ponto central para responder uma questão estrutural importante: 01 – ESPECIALIZAÇÃO DO TRABALHO (Em que medida as tarefas são subdivididas em cargos distintos?); 02 – DEPARTAMENTALIZAÇÃO (Em que base os trabalhos serão agrupados?); 03 – CADEIA DE COMANDO (A quem se reportam os indivíduos e os grupos?); 04 – MARGEM DE CONTROLE (Quantos indivíduos e como funcionará o comando dos gerentes com eficiência e eficácia?); 05 – CENTRALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO (Em que reside a autoridade para tomada de decisões?); 06 – FORMALIZAÇÃO (Em que medida haverá regras e regulamentos para comandar os funcionários e gerentes?). Vamos tentar aprofundar em cada um deles.

01 – ESPECIALIZAÇÃO DO TRABALHO.

No início do século XX, Henry Ford ficou rico e famoso ao instituir o modelo de linha de montagem móvel em suas fábricas automotivas, inspirado no desenvolvimento de Honoré Blanc que resultou, em 1778, no uso de partes intercambiáveis no processo de produção de armas. A cada trabalhador era designada uma tarefa muito específica e repetitiva. Por exemplo, um profissional ficaria responsável por montar as rodas dianteiras, outro por instalar as rodas e outro por apertar os parafusos. Dividindo os trabalhos em pequenas tarefas padronizadas, sendo repetidamente executadas, a Ford revolucionou os meios de produção e foi capaz de desenvolver seus produtos, os carros, em um ritmo relativamente veloz, ainda que usando profissionais com qualificações limitadas.

Este exemplo foi pioneiro na construção de um entendimento administrativo que, mesmo tendo mão de obra relativamente limitada em suas qualificações e consequentemente mais baratas, o trabalho poderia ser executado de maneira mais eficaz se permitisse que o profissional responsável se especializasse nesta atividade específica. Este conceito hoje é denominado de Especialização do trabalho, ou divisão do trabalho, em suma tem por princípio descrever o grau em que as tarefas na organização são subdivididas em cargos distintos.

A essência da especialização do trabalho é que uma ação profissional completa não é executada por apenas um indivíduo, sendo dividida em etapas, onde cada uma é executada por uma pessoa diferente, trazendo os ganhos do meio de produção. Então ficou fácil, mecanizando a atividade profissional da minha estrutura organizacional eu consigo ter eficiência e economicidade nos meios de produção. Não é tão simples. Durante a metade do século XX, empresas consideraram a especialização do trabalho como uma fonte inesgotável de aumento de produtividade. E provavelmente isso era verdade. Mas por volta do início dos anos 1960, tornava-se cada vez mais evidente que tal especialização trazia consequências aos empregados que poderiam não somente impactar na vida pessoal destes atores (que os administradores mais preocupados com indicadores de produção e sociocomportamentais de seus colaboradores podem querer levar em consideração), mas também impactavam diretamente nos ganhos de produtividade e até gerar custos econômicos à empresa maiores do que os ganhos de produtividade (que os administradores mais preocupados com indicadores econômicos podem querer levar em consideração). A verdade é que tal especialização do trabalho aplicado de maneira intensa gera uma “deseconomia humana” advinda da especialização, como monotonia, fadiga, tensão, baixa produtividade, baixa qualidade, maior absenteísmo e maior rotatividade. Fato é que tal tema deve ser dosado de maneira efetiva para trazer ganhos e evitar problemas dentro da estrutura.

Trazendo ao cenário futebolístico, pode ser observado na estruturação de diversos departamentos com eixos temáticos específicos, e até profissionais dentro dos departamentos com funções especializadas. Nesse cenário, diferentes profissionais se especializam em áreas específicas para otimizar o desempenho da equipe. Por exemplo, dentro da comissão técnica, temos diversos cargos com atribuições e pré-requisitos de áreas específicas do conhecimento, executando funções distintas na estrutura. A especialização do trabalho neste contexto permite uma divisão eficiente de responsabilidades e competências, resultando em um funcionamento mais eficaz e uma melhor performance esportiva.

Entretanto, é importante considerar que embora a especialização possa aumentar a eficiência em tarefas específicas, ela também pode levar à monotonia e à falta de motivação para os trabalhadores. Além disso, uma excessiva divisão do trabalho pode resultar em falta de compreensão do quadro geral, na perda da capacidade de adaptação a novas situações e, principalmente, na perda da rica possibilidade de construção conjunta de demandas complexas advindas do setor. Portanto, é essencial equilibrar a especialização com oportunidades para o desenvolvimento de habilidades multifuncionais e a promoção de um ambiente de trabalho que incentive a criatividade, o aprendizado contínuo e o bem-estar dos colaboradores.

02 – DEPARTAMENTALIZAÇÃO.

Uma vez determinados os cargos, suas atribuições e seus pré-requisitos, pela especialização do trabalho, é preciso agrupá-los de forma que as tarefas comuns possam ser coordenadas. O conceito por trás desta base na qual os cargos são agrupados é chamado de Departamentalização. Apesar de historicamente, termos de modo mais difundido o agrupamento das atividades pela função desempenhada, temos vários conceitos a serem levados em consideração para esta atuação. Vamos passar por eles:

  • Departamentalização Funcional: Este método envolve agrupar atividades e funções semelhantes em departamentos distintos. Por exemplo, um clube de futebol pode ter departamentos funcionais dedicados à gestão de recursos humanos, finanças, marketing e operações. Cada departamento é liderado por um gestor funcional com conhecimentos especializados na área;
  • Departamentalização por Produto: Nesse método, as atividades são agrupadas com base nos produtos ou serviços oferecidos pela organização. Por exemplo, um clube de futebol que possui equipes de futebol masculino e feminino pode ter departamentos separados para cada equipe, cada um focado nas necessidades específicas de seu produto (ou seja, a equipe de futebol masculino e a equipe de futebol feminino). Podemos expandir para a diversidade de modalidades e até para manifestações que o clube porventura explore em cada uma delas;
  • Departamentalização Geográfica: Aqui, as atividades são agrupadas com base na localização geográfica e território. Por exemplo, um clube de futebol que possui filiais, sucursais ou até interesse em implementar vários centros de iniciação ou captação, por exemplo, em diferentes cidades ou países pode optar por departamentalizar suas operações de acordo com essas localizações geográficas. Cada localização pode ter seu próprio departamento responsável por gerenciar as atividades específicas relacionadas àquela região. Confesso que desconheço a estrutura organizacional aplicada ao grupo City, Red Bull ou outros exemplos de clubes com equipes em diversos países, mas acredito ser uma boa representação deste tópico;
  • Departamentalização por Processo: neste método, as atividades são agrupadas com base nos processos ou fluxos de trabalho envolvidos na produção de bens ou serviços. Por exemplo, um clube de futebol pode ter departamentos dedicados a diferentes processos, como recrutamento de jogadores, desenvolvimento de talentos, preparação física, treinamento tático e análise de desempenho;
  • Departamentalização por Cliente: Aqui, as atividades são agrupadas com base nos diferentes tipos de clientes atendidos pela organização. Por exemplo, um clube de futebol pode ter departamentos separados para lidar com diferentes categorias de clientes, como torcedores, patrocinadores corporativos, parceiros comerciais e membros do clube.

Grandes organizações, que possuem sucesso em sua atividade, costumam combinar diversas destas formas de departamentalização e criar estratégias de relações intersetoriais na prática profissional, mas isso é tema para apresentarmos mais à frente.

03 – CADEIA DE COMANDO.

A cadeia de comando é uma linha contínua de autoridade, que se estende do topo da organização até níveis mais operacionais, indicando quem reporta a quem e quem tem autoridade sobre quem.

É impossível discutir cadeia de comando sem refletirmos sobre dois conceitos complementares: Autoridade e unidade de comando. Autoridade diz respeito aos direitos inerentes a uma posição de dirigir e ordenar ações a seus comandados. Já o princípio da Unidade de comando ajuda a preservar o conceito de uma linha contínua de autoridades.

Outro conceito fundamental para adotarmos dentro desta reflexão seria de liderança efetiva e como organizar o fluxo de cadeia de comando sobre as atribuições e expectativas referentes ao perfil da execução do cargo proposto, considerando fatores situacionais (Tamanho do grupo, pressão de tempo, Maturidade dos comandados), Características dos liderados (Dependentes / Autônomos), Qualidades do líder (Empatia / Comunicação), Estilo de liderança (Autocrático / Democrático), Fontes de poder (Coerção, conexão, recompensa, legitimidade, referência, informação, competência), entre outros fatores importantes para determinar estratégias efetivas de liderança e na cadeia de comando. Mas como já dito, pretendo dedicar um texto exclusivamente a este tema.

Trazendo este conceito ao cenário temático do texto, temos muitos elementos importantes e específicos que, quem já atuou dentro de um clube sabe muito bem que são desafios reais. Como dito, uma estrutura grande, com grande diversidade e muito suscetível a vaidade pessoal dos atores envolvidos, traz desafios complexos de como estabelecer uma cadeia de comando efetiva, delimitando autoridade, estabelecendo unidade de comando e desenhando estratégias de liderança efetiva.

Para isso, é importante ter clareza sobre elementos políticos, culturais, históricos, econômicos e individuais da instituição, analisando stakeholders internos e externos, para tentar entender como o relacionamento entre estes profissionais funciona historicamente na instituição e como podemos criar fluxos a fim de otimizar os processos.

Pode parecer superficial, mas esta decisão é muito estratégica ao clube e pode ser decisiva para processos de prevenção de problemas graves e como mecanismos de Gestão de Riscos. Um exemplo claro é entendermos como os diretores executivos e estatutários se relacionam dentro da instituição, qual a legitimidade de poder atribuído e suas devidas responsabilidades de prestação de conta e a quem devem relatar os indicadores de desempenho de seu setor. Outro exemplo ilustrativo que já vivenciei muitos problemas em instituições que adotavam estratégias distintas ao setor, é entender como o departamento/setor responsável pela comunicação externa está localizado dentro da cadeia de comando. Reporta a uma diretoria de marketing? a diretoria de futebol? possui uma diretoria própria? eles quem determinam os stakeholders internos a dar entrevistas pós jogo? Como decidem isso? Eles que estabelecem estratégias de Midia Training? Este exemplo mostra o quão complexo é esta decisão e, como isso pode impactar diretamente no dia a dia do clube.

04 – MARGEM DE CONTROLE.

A margem de controle refere-se ao número de subordinados que um gestor pode ou consegue supervisionar efetivamente. Isso impacta na construção dos níveis hierárquicos e na quantidade de gerentes necessários para conduzir as atividades, tendo uma relação direta com a quantidade de profissionais e os impactos orçamentários, os quais estão intimamente ligados à eficiência produtiva da instituição. Este conceito é particularmente relevante para estruturas que lidam com a produção de bens ou serviços. No contexto da gestão de um clube de futebol, a aplicação desse conceito pode ser observada na estruturação da equipe técnica e administrativa do clube.

Por exemplo, considere um clube de futebol que conta com um treinador principal, um diretor de futebol e diferentes departamentos, como o departamento técnico, o departamento de marketing e o departamento financeiro, entre outros. Cada um desses líderes possui uma margem de controle que determina quantos subordinados eles podem supervisionar eficazmente.

Portanto, é crucial para a gestão do clube de futebol encontrar um equilíbrio adequado entre o número de líderes e subordinados em cada nível da organização, levando em consideração a capacidade de supervisão efetiva de cada gerente. Isso garantirá uma comunicação clara, uma coordenação eficiente, um monitoramento eficaz e um desempenho máximo em todas as áreas do clube.

05 – CENTRALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO.

Em algumas empresas, a alta administração toma todas as decisões, enquanto os gerentes de nível operacional meramente executam as diretrizes. No entanto, o oposto também é visível em organizações onde a tomada de decisões é transferida para gerentes mais próximos da ação ou deliberada entre vários profissionais.

Este fenômeno descrito ilustra o conceito agora abordado neste texto. Podemos conceituar o termo “centralização” como o grau em que a tomada de decisões está concentrada em um único ponto da organização, e “descentralização” quando o processo de tomada de decisão é formalmente atribuído a diferentes níveis da instituição, ou até mesmo quando são criados órgãos colegiados deliberativos para tal fim.

No contexto da gestão de um clube de futebol, esses conceitos podem ser aplicados de várias maneiras, dependendo das necessidades, objetivos, tamanho e estratégia do clube.

Vamos considerar exemplos práticos de centralização e descentralização comumente observados na gestão de um clube de futebol:

Tomada de Decisão Financeira: Em um clube de futebol centralizado, todas as decisões financeiras importantes, como orçamento anual, investimentos em jogadores e contratos de patrocínio, são tomadas pela diretoria executiva ou pelo presidente do clube. Pouca ou nenhuma autonomia é concedida a outros membros da equipe de gestão ou departamentos.

Modelo de jogo O treinador principal pode adotar uma abordagem centralizada na definição dos Princípio Táticos Específicos utilizados no modelo de jogo, bem como suas alterações estratégicas dedicadas a confrontos com adversários específicos. Ele pode tomar todas as decisões relacionadas à formação da equipe, Sistema de jogo, Estratégia de Jogo, Modelo de Jogo e substituições durante as partidas, sem delegar muita autoridade para sua equipe técnica. Esta decisão pode ser imposta de maneira centralizada pelo clube, tendo o diretor executivo estabelecendo um Modelo de Jogo padrão ao clube, devendo ser adotado por todos os treinadores das categorias de base, por exemplo.

Tomada de Decisão nos Departamentos: Em um clube de futebol descentralizado, a autoridade de tomada de decisão pode ser distribuída entre os diferentes departamentos. Por exemplo, o diretor de futebol pode ter autonomia para tomar decisões relacionadas ao recrutamento de jogadores e contratação de membros da equipe técnica, enquanto o diretor de marketing pode ter autonomia para decidir sobre estratégias de marketing e parcerias comerciais.

Identificação de Talentos: A descentralização também pode ser aplicada no processo de captação e identificação de talentos dentro das categorias de base do clube. Os profissionais das categorias de base podem formar um comitê para avaliar os atletas e decidir em conjunto quais jogadores continuarão e quais serão dispensados. Essa abordagem também pode ser aplicada à dispensa de jogadores do elenco principal.

Em resumo, a centralização e descentralização na gestão de um clube de futebol afetam a distribuição de autoridade e responsabilidade dentro da organização. Essa estrutura organizacional estratégica impacta diretamente o poder atribuído a determinados cargos e a eficiência/velocidade na resolução dos problemas do dia a dia, sendo essencial na construção da estrutura organizacional da instituição. A escolha entre os dois depende das preferências, cultura organizacional e objetivos estratégicos do clube, bem como das necessidades específicas de cada departamento e área de atuação.

06 – FORMALIZAÇÃO.

O conceito de formalização diz respeito ao grau em que as atividades, procedimentos e responsabilidades são claramente definidos e documentados em uma organização. No contexto da gestão de um clube de futebol, a formalização pode ser aplicada em várias áreas para garantir a consistência, a eficiência e a transparência das operações.

Dentro da estrutura organizacional de um clube, é essencial atribuir responsabilidades a cargos específicos e estabelecer processos e fluxogramas bem definidos com o intuito de formalizar as atividades práticas do clube. Isso envolve elaborar e implementar políticas e procedimentos em diversas áreas:

  1. Contratos de Jogadores: O clube pode instituir procedimentos formais para a contratação e renovação de contratos de jogadores. Isso inclui definir claramente os termos e condições dos contratos, os procedimentos para negociação salarial, bônus por desempenho, cláusulas de rescisão, entre outros aspectos. A formalização desses processos ajuda a garantir que todas as partes envolvidas estejam cientes de suas responsabilidades e que os contratos sejam executados de maneira justa e transparente.
  2. Políticas de Recrutamento de Talentos: O clube pode estabelecer políticas formais para o recrutamento de talentos, especificando critérios de seleção de jogadores, métodos de avaliação, procedimentos de monitoramento e canais de comunicação com agentes e clubes parceiros. Isso assegura que o processo de recrutamento seja consistente e baseado em critérios objetivos, minimizando o risco de favoritismo ou arbitrariedade na seleção de jogadores.
  3. Procedimentos de Treinamento e Desenvolvimento: O clube pode desenvolver procedimentos formalizados para o treinamento e desenvolvimento dos jogadores, incluindo cronogramas de sessões de ensino-aprendizagem-treinamento, planos individuais de desenvolvimento, métodos de avaliação de desempenho e protocolos médicos. A formalização desses procedimentos ajuda a garantir que todos os jogadores recebam o suporte necessário para alcançar seu potencial máximo e minimiza o risco de lesões ou sobrecarga.
  4. Políticas Financeiras e Orçamentárias: O clube pode estabelecer políticas formais relacionadas à gestão financeira, como orçamentos anuais, controles de despesas, políticas de investimento e relatórios financeiros. Isso contribui para garantir a transparência e a responsabilidade na gestão dos recursos financeiros do clube, protegendo contra o mau uso ou desperdício de fundos.

Em suma, a formalização na gestão de um clube de futebol envolve a criação e implementação de políticas, procedimentos e documentação claramente definidos em diversas áreas da operação do clube. Isso promove a consistência, eficiência e transparência nas atividades do clube, contribuindo para o seu sucesso a longo prazo.

CONCLUSÃO

Para finalizarmos, vamos apresentar brevemente outro assunto que, apesar de complementar os temas já descritos, vale um texto próprio e este é o objetivo deste autor. Na construção da estrutura organizacional, considerando os 06 elementos fundamentais citados, podemos apresentar 07 tipos de estruturas organizacionais, segundo Robbins (2003), sendo eles:

  1. Estrutura Simples: É caracterizada por uma autoridade centralizada em uma única pessoa, geralmente o fundador ou líder da organização. As linhas de comunicação são simples e diretas, com poucas camadas hierárquicas. Decisões são tomadas de forma rápida e flexível, mas pode haver falta de formalidade e de processos claros.
  2. A Burocracia: Baseia-se em regras e regulamentos formais, com uma hierarquia clara de autoridade. As tarefas são divididas de forma especializada e as decisões são tomadas de acordo com procedimentos estabelecidos. A burocracia é conhecida por sua eficiência e previsibilidade, mas pode ser lenta para se adaptar a mudanças e propensa à rigidez.
  3. A Estrutura Matricial: Combina características de departamentalização funcional e por projetos. Os funcionários reportam a dois supervisores: um funcional, para assuntos relacionados à especialização técnica, e outro por projeto, para questões específicas do projeto em que estão envolvidos. Isso permite uma melhor coordenação entre diferentes áreas da organização, mas pode gerar conflitos de autoridade.
  4. Estrutura Baseada em equipes: Organização na qual as equipes multifuncionais têm papel central. As equipes são responsáveis por completar tarefas e alcançar metas específicas, com membros com habilidades complementares. A estrutura é flexível e promove a colaboração, mas pode haver dificuldades na coordenação e comunicação entre as equipes.
  5. Unidades internas autônomas: Caracteriza-se pela divisão da organização em unidades autônomas, cada uma responsável por suas próprias funções e decisões. Cada unidade opera como uma entidade separada, com sua própria estrutura e recursos. Isso pode aumentar a agilidade e a inovação, mas pode levar a problemas de coordenação e coesão organizacional.
  6. A Organização Virtual: É uma estrutura flexível e descentralizada, na qual os funcionários trabalham remotamente, muitas vezes usando tecnologias de comunicação online. A organização virtual permite uma maior flexibilidade e redução de custos, mas pode desafiar a coesão da equipe e a comunicação eficaz.
  7. A organização sem Fronteira: Refere-se a uma estrutura organizacional que transcende fronteiras geográficas, culturais e funcionais. Ela enfatiza a colaboração global, a integração de diferentes unidades e a flexibilidade para se adaptar a um ambiente globalizado. Essa estrutura promove a inovação e a diversidade, mas pode enfrentar desafios na coordenação e comunicação entre unidades dispersas.

A gestão eficaz de clubes de futebol requer uma compreensão profunda do comportamento organizacional e uma perspectiva estratégica. O texto destaca a importância de gerenciar recursos humanos, criar um ambiente propício ao desempenho dos profissionais e organizar as relações humanas de forma eficaz. Em um ambiente tão diversificado como o dos clubes de futebol, com profissionais de diferentes origens e áreas de atuação, esses desafios são ainda mais pronunciados.

O texto delineia conceitos-chave, como especialização do trabalho, departamentalização, cadeia de comando, margem de controle, centralização e descentralização, e formalização, todos fundamentais na construção de uma estrutura organizacional eficaz. Cada um desses elementos desempenha um papel crucial na definição das responsabilidades, autoridades e fluxos de comunicação dentro da organização. Além disso, são apresentados sete tipos de estruturas organizacionais, desde a estrutura simples até a organização sem fronteiras, cada uma com suas próprias características e desafios. A compreensão desses modelos pode orientar os gestores na escolha da estrutura mais adequada para o contexto específico do clube de futebol, levando em consideração suas necessidades, objetivos e cultura organizacional.

Por fim, se meu amigo leitor sair deste texto entendendo a importância de uma abordagem estratégica e reflexiva na gestão de clubes de futebol, reconhecendo a complexidade do ambiente e a necessidade de considerar uma variedade de fatores ao tomar decisões organizacionais, teremos alcançado nosso objetivo ao escreve-lo. Ao adotar uma perspectiva fundamentada no comportamento organizacional e na estratégia, os gestores estarão mais bem preparados para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades que surgem no cenário do futebol profissional.

Até a próxima e bom jogo a todos!!!

Fontes:
“Comportamento Organizacional” – Stephen P. Robbins (2020)
“A verdade sobre gerenciar pessoas: … e nada mais que a verdade” – Stephen P. Robbins (2003)

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Rasgando a declaração dos direitos da criança

João Batista Freire & Rafael Castellani

Assistimos recentemente a um vídeo em que alguns pais vaiavam um garotinho de uns seis anos, aproximadamente, porque ele, brincando de ser goleiro durante um jogo entre crianças, tomou um gol. Cenas como essa, lamentavelmente, são mais frequentes do que imaginamos.   

No decorrer de nossa trajetória profissional, de décadas, como professores de Educação Física, lidando com a formação, acadêmica e cidadã, de jovens na Universidade, de crianças em escolas da educação básica e escolas de esporte, de jovens esportistas e com treinamento de alto rendimento em diversas modalidades, principalmente no futebol, cansamos de assistir cenas semelhantes às do vídeo em que o garotinho é vaiado. São cenas de humilhação e de abuso.

Crianças são frequentemente abusadas no esporte, ou porque são humilhadas, ou porque são submetidas a treinamentos exaustivos e de especialização precocemente, ou porque passam a ser responsáveis, desde muito cedo, pelo sustento da família, ou porque são agredidas verbalmente por pais, professores, técnicos, torcida.

São inúmeras as situações presenciadas por nós que denotam o quão abusiva e humilhante é, ou pode ser, a prática esportiva realizada por crianças e jovens: O que pensar quando um pai pula o alambrado e invade o campo para bater em uma criança que tinha feito uma falta no filho dele?  Por sorte esse pai foi contido a tempo por algumas pessoas com juízo, mas a violência já estava manifestada. Ou então, outro fato muito frequente, vaias e xingamentos de alguns pais contra o professor das crianças ou até contra as próprias crianças da equipe adversária.

Em 24 de setembro de 1990 o Brasil ratificou a Convenção Sobre os Direitos da Criança, que foi adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989. No artigo 31 dessa convenção, lê-se que “Os Estados Partes reconhecem o direito da criança ao descanso e ao lazer, ao divertimento e às atividades recreativas próprias da idade, bem como à livre participação na vida cultural e artística.” (O Brasil é um Estado Parte). No Artigo 32, a Convenção declara que “Os Estados Partes reconhecem o direito da criança de ser protegida contra a exploração econômica e contra a realização de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou que seja prejudicial para sua saúde ou para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social.”

Em nosso país, ratificamos solenemente a convenção, mas, na prática, pouco se fez. Em 1990 criamos no Brasil o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, apesar da sua importância e do avanço que significou para a proteção de crianças e adolescentes, ainda são diariamente desrespeitados, passam fome, morrem de doenças que não deveriam mais existir, recebem educação de péssima qualidade, meninos e meninas (principalmente) são violentadas dentro das próprias famílias. Tivemos avanços, sem dúvidas, mas o prejuízo ainda é gigantesco. Já não se permite mais o trabalho antes dos 16 anos (embora ele exista em alguns lugares), mas, no esporte, é diferente. No futebol, por exemplo, uma criança de 14 anos, ou menos, pode ser submetida a treinamentos quase idênticos aos que realizam atletas profissionais adultos. Para dar conta das inúmeras sessões de treinamentos e competições, perdem dias, semanas e até meses de aulas. Crianças de 14 anos deixam suas residências, seus familiares e amigos para morar em alojamentos dos clubes com a missão de representar aqueles poucos (cerca de 3%) que conseguem a profissionalização no futebol. Antes mesmo dos 14 anos, algumas crianças arcam com a responsabilidade de garantir o sustento da família e alimentam a esperança de ascensão social. Crianças que possuem o sonho de tornar-se jogador ou jogadora profissional de futebol, podem sofrer abusos (inclusive, sexuais) no ambiente nem sempre confiável e seguro do futebol. Geralmente silenciam sua dor e escondem seu sofrimento com medo de terem que interromper esse sonho ou frustrarem seus familiares. 

Um futebol que foi forjado em brincadeiras de rua, nos clubes proíbe a brincadeira, em nítido desrespeito à convenção da ONU ratificada pelo Brasil. Cada vez mais cedo ocorre a especialização esportiva. Já existe a categoria de crianças de 6 anos de idade (sub 7). Daqui a pouco sub-6, 5, 4… aonde chegaremos? Há projetos em análise que diminuem para 12 anos a idade mínima para uma criança poder alojar-se em clubes. Contratos são feitos clandestinamente com as famílias para garantir aos agentes a exclusividade dos negócios, caso a criança se torne jogadora habilidosa e tenha seu potencial reconhecido no mundo do futebol.

No futebol brasileiro, criança não pode ser criança. Aquilo que foi escrito na Convenção Sobre os Direitos da Criança da ONU foi rasgado e jogado no lixo. Deveria ser um caso para o Ministério Público (MP), Conselho Tutelar, Unicef, não só no futebol, mas em qualquer modalidade esportiva. Com raras exceções, sobretudo a partir de denúncias grandes/graves e de viés jornalístico, MP, Conselho Tutelar e demais instâncias responsáveis por garantir a segurança e direitos das crianças e adolescentes pouco têm conseguido fazer.               

Sem contar a estupidez dos métodos. Professores e treinadores, alimentados pelo ego e orgulho de “revelar” grandes talentos, impulsionados por alguns agentes inescrupulosos, adestram pequenas crianças para que alimentem os lucros dos gananciosos que, sem qualquer pudor, arrancam o couro dos pequenos e pequenas, sugam-lhes as entranhas em busca do ouro que elas podem representar alguns anos adiante. É preciso que tratemos as crianças como crianças. Que devolvamos o jogo a elas. Que possam voltar a brincar e se divertir com o futebol e, acima de tudo, que sejam respeitadas e tenham os seus direitos garantidos.