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Clube-Empresa e Governança Corporativa, a solução para a vida financeira dos clubes?

É sabido que o futebol brasileiro carece de uma gestão profissionalizada, com executivos profissionais, devidamente remunerados para tal, com dedicação quase, se não, exclusiva ao cargo de gestão que ocupam nos clubes de futebol.

Certamente, o modelo jurídico adotado pelo futebol brasileiro, qual seja, o modelo associativo, de certo modo, não estimula uma gestão organizada e profissional dos clubes de futebol, ao passo que, na grande maioria das vezes, a indicação do conselho gestor dos clubes ficam nas mãos dos conselheiros, que em sua maioria, são apaixonados pelo time mas não gozam de conhecimento técnico suficiente para indicação e, até mesmo, gestão de associações desportivas.

Neste cenário, o momento da pandemia veio reforçar ainda mais o quão enriquecedor pode ser o processo de transformação dos clubes de futebol em clubes empresas, mas por quê?

Primeiramente, sem adentrar ao mérito das questões tributárias que ainda estimulam os clubes a se manterem como associações desportivas sem fins lucrativos e que poderão ser objeto de outra coluna, há que se reparar que o momento de pandemia demonstrou, mais ainda, a fragilidade financeira dos clubes de futebol brasileiros bem como a dependência de determinadas receitas para a manutenção da estrutura financeira.

É notório que os clubes de futebol têm em seu orçamento, de forma relevante, a contabilização das receitas advindas de direito de transmissão, bilheteria, dentre outras receitas vinculadas às partidas de futebol, o que com a pandemia, foi duramente afetado.

Logo, ficou evidente que instituições que possuem bons parceiros financeiros, conseguiram manter o nível de contratações em patamar diferenciado, além de conseguir manter a totalidade, ou quase a totalidade, das despesas recorrentes em dia. Mas surge o questionamento: Como esses valores ingressam nos clubes? A que título isso é realizado?

De uma forma simples, muito destes valores ingressam nos clubes por meio de contratos de mútuo, que é um mecanismo legal para empréstimo de quantias financeiras (não só isso, mas iremos nos limitar no presente caso).

Observa-se, então, que no modelo associativo, os clubes de futebol sempre ficam na dependência de aportes de terceiros, muitas vezes, com contrapartidas que, na primeira vista, podem não “doer” aos cofres dos mencionados times, mas no médio prazo, certamente aumentará de forma significativa o endividamento da instituição, o que pode acarretar problemas irreparáveis, por se tornar “bola de neve”.

Mas o modelo clube empresa mudaria isso? Certamente, tudo que é novo causa uma certa estranheza e desconfiança, e cravar que seria a solução é algo arriscado, pois o modelo, por si só, não anda sozinho, mas orienta a ações de pessoas.

Todavia, o clube ao se organizar no modelo empresarial, surgem algumas obrigações legais que trazem conforto para possíveis investidores, para os seus sócios/acionistas, que podem vir a ser, inclusive, torcedores.

É sabido que modelos jurídicos como as Sociedades Anônimas, por exemplo, demandam regras mínimas de governança corporativa, que podem ser aprimoradas e aprofundadas por cada instituição, que garantem aos seus acionistas e pessoas interessadas, segurança suficiente para obter retornos transparentes sobre a gestão e dia a dia do clube.

Outro ponto relevante, diz respeito a possibilidade de criar um plano de negócios que possa efetivamente ser cumprido, com executivos profissionais, devidamente escolhidos por acionistas e/ou investidores, e que terão papeis bem definidos e responderão pelos seus atos, nos termos da lei.

Ou seja, a gestão do clube, ao se tornar mais transparente e profissional, faz com que aquele clube se torne mais atrativo para captação de recursos, e ainda, que não necessariamente entrariam como dívidas para a instituição, mas sim, mediante aporte de capital, por exemplo.

Ainda, ao tornar a instituição desportiva em uma sociedade com fins lucrativos, com regras de gestão bem definidas, cargos diretivos sendo executado por executivos profissionais e remunerados por isso, divulgando suas demonstrações financeiras de forma coerente e transparente, e retirando das mãos de pessoas não totalmente capacitadas, mesmo que bem intencionadas, a gestão do clube, minimamente, torna mais seguro e justificável para investidores aportarem capital nas mencionadas instituições.

Ou seja, a implementação de boas estruturas de governança corporativa, que muitas delas já são abordadas nas próprias legislações específicas (Código Civil e Lei de S.A), passam a dar uma cara mais profissional à gestão do futebol, o que, certamente, atrairá grandes players para esse mercado.

Seria a solução? Não podemos cravar que sim, mas, certamente, a implementação de medidas de controle e estruturas mais organizadas, como em todos os mercados, atrai investidores, e por qual motivo não atrairia em um mercado tão sedutor como o da bola?

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol

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Em defesa do bobinho: um breve ensaio

Vocês sabem que o debate sobre futebol, como o debate sobre qualquer outra coisa, é uma questão de narrativas. Quem controla a narrativa, controla o debate. Como disse certa vez o Don Draper, personagem principal dessa brilhante série que foi Mad Men: if you don’t like what’s being said, then change the conversation – se você não gosta do que está sendo dito, mude o assunto – em tradução livre.

Digo isso porque, como já escrevi aqui e aqui, muito do que se vende hoje em dia como futebol ‘moderno’ talvez não o seja de fato, ou talvez seja, na verdade, apenas reflexo de uma ou de algumas novas narrativas, a partir de outras palavras que vão se colocando no debate. Vejam o caso do rondo, por exemplo: especialmente depois dos históricos resultados esportivos obtidos pela Espanha – e repare aqui como geralmente o debate não está bem na esteira dos processos em si, mas dos resultados subjacentes a eles, nós começamos, aos poucos, a não mais falar que fazemos bobinho, ou que jogamos bobinho, como se não tivéssemos jogado bobinho a vida inteira, mas sim que fazemos rondos, que em todos os nossos treinos há rondos, e aí falamos da importância pedagógica dos rondos e etc.  

Neste texto, gostaria de defender rapidamente duas coisas: uma que, na minha modesta opinião, bobinho e rondo são coisas diferentes, o que significa que não são termos automaticamente substituíveis e que não podem ser confundidos um com o outro. Ao mesmo tempo, gostaria de falar não apenas do uso, mas de uma própria defesa do bobinho enquanto palavra, e da importância do bobinho na articulação das nossas próprias narrativas sobre futebol. 


Por várias vezes, inclusive dentro de campo como treinador, percebi um certo incômodo, ora de atletas, ora de outros atores envolvidos no processo, quando usei o termo bobinho – ao invés do termo rondo, por exemplo. Hoje, olhando com um certo distanciamento, sinto que esse incômodo tem uma origem dupla:

1) como está no diminutivo, parece que falar ‘bobinho’ significa falar de algo menor, inferior, desimportante, secundário, dispensável. Isso não deixa de ser interessante, porque como nossos processos de treino são fruto das narrativas que os alimentam, é claro que nos damos cada vez menos o direito de usar palavras supostamente menores, desimportantes, dispensáveis, porque nos nossos processos de treino, nós nos sentimos cada vez mais pressionados a aparentar – ainda que seja apenas e tão somente uma aparência – que estamos comprometidos com isso que se vende como ‘moderno’, ou mesmo com o que está associado à suposta ‘modernidade’ de determinados países europeus, e aí não surpreende que nós adotemos os nomes compostos, ou que falemos de pressing, de box-to-box, de pivotes e etc, ainda que o nosso idioma tenha palavras capazes de substituí-las. A partir da negação dos diminutivos, por exemplo, não surpreende que nos percebamos cada vez mais sisudos, com processos de treino tão sisudos que soam quase como laboratórios científicos – ainda que nem sempre fruto de ciência boa, e não por acaso também jogamos, vez por outra, um futebol sisudo, muito sério, muito ‘organizado’ – a partir de um entendimento bastante curto do que pode ser a ‘ordem’ no futebol, e que não raro se mostra contraído, pressionado, estéril, às vezes vazio. 

2) no caso do bobinho, além de um termo genuinamente nacional e no diminutivo, ele ainda faz, obviamente, referência ao bobo, ou mais especificamente a um certo sujeito que é bobo – ou, no caso do jogo, que está como bobo. Mas como estamos preocupados em nos mostrar sisudos demais, um pouco aborrecidos e às vezes mais preocupados com a letra do que com o pé, me parece que o simples fato de citarmos a palavra ‘bobo’ ou ‘bobinho’ gera um certo constrangimento, não apenas como se fosse algo menor e etc, mas também como se fosse um termo ligeiramente ofensivo, como se não pudéssemos sequer insinuar que um atleta esteja como bobo, ou possa vir a ser um bobo, o que imediatamente faz com que alguém nos advirta, explicitamente ou nas entrelinhas, que falemos dele não como bobo, mas como marcador, oponente, qualquer coisa do tipo. Repare que aqui há uma relação muito grande com o que escrevi outro dia, neste mesmo espaço, quando argumentei que o treino não existe para ser legal, e que quando nos preocupamos em fazer coisas sempre muito legais ou agradáveis demais – a partir, por exemplo, das palavras que usamos, talvez estejamos fazendo qualquer outra coisa que não educação.

O fato é que me parece claro que estamos devagarzinho negando o bobinho, que fez e faz parte de um pedacinho das nossas vidas, uma parte bonitinha de quando éramos pequenininhos – para usarmos palavras mais sofisticadas, com tons de estrangeirismo, como é o caso do rondo. O rondo é, basicamente, o jogo clássico de manutenção da posse dos espanhois, que passou a ser mais citado e cultuado, como eu mesmo já disse anteriormente, a partir dos resultados esportivos da primeira década deste século – curioso que, após tantos e tantos resultados esportivos do Brasil ao longo do tempo, não me lembro de nenhum país que tenha importado, nas suas narrativas, o bobinho – mas também a partir das práticas e dos discursos de um exímio treinador como Pep Guardiola, ou de uma geração de jogadores que dominaram a posse com maestria, como foram Xavi, Andres Iniesta, Xabi Alonso, Sergio Busquets, Cesc Fabregas, David Silva, o próprio Thiago Alcântara e etc. Mas há um ponto muito importante: na minha modesta opinião, bobinho e rondo são coisas diferentes

Em primeiro lugar, o simples fato de chamarmos o bobinho de bobinho já deixa claro que se trata de um jogo genuinamente brasileiro. Como vocês sabem, aliás, são poucos os lugares no mundo que usam termos e mesmo nomes no diminutivo, sendo o Brasil um deles. Salvo engano meu, no catedrático Raízes do Brasil, o próprio Sergio Buarque de Hollanda apresenta uma argumentação bastante particular para o fato de usarmos palavras e nomes no diminutivo, sendo uma expressão de um outro tipo de afeto que construímos por aqui. De qualquer forma, quando falamos alguma coisa no diminutivo (e falamos muitas coisas no diminutivo), basicamente falamos de um traço da nossa coletividade enquanto brasileiros. Negar o diminutivo, portanto, não deixa de ser uma negação da nossa própria cultura.

Ao mesmo tempo, o bobinho tem uma vinculação cultural muito forte para todos nós. Você, que lê este texto agora, provavelmente jogou futebol na rua, formou-se de alguma forma na rua – lembrando da rua, como já nos disse o professor João Batista Freire, como tudo aquilo que não é fruto de educação formal ou sistemática – de modo que é muito provável que todos nós tenhamos jogado bobinho. E uma das características centrais do bobinho, que sinceramente me chama muito a atenção, é que nós jogávamos o bobinho por jogar, de maneira descompromissada, nós nos sentíamos bem jogando bobinho, nós queríamos que o bobo continuasse como bobo e que nós não fôssemos o bobo, ao mesmo tempo em que nós também gostaríamos que o bobo, que às vezes estava como bobo há muito tempo, deixasse de ser o bobo e fosse para o outro lado da roda. Nós jogávamos bobinho pelo simples prazer de jogar, mesmo sabendo que o jogo tem sim um compromisso, às vezes implícito, às vezes não, com a vitória, mas nós só queríamos jogar, não queremos ser os estraga-prazeres, queríamos adversários de bom nível, queríamos jogos melhores e eventualmente mais difíceis. O ponto é que, a meu ver, jogávamos bobinho pelo prazer de jogá-lo.

O rondo, por sua vez, me parece ter uma outra natureza. O rondo me parece uma ideia muito mais utilitária do que o bobinho. Ou seja, quem joga o rondo, joga pensando em uma utilidade específica, em um certo fim, que de alguma forma se sobrepõe ao prazer do jogar. Não por acaso são tão grandes e repetidas as associações que fazemos dos rondos com a performance esportiva, justamente porque é a partir dela – e de nenhum outro lugar – que conhecemos o rondo, é ela que nos ilustra o significado do rondo, é a partir de livros de treinadores vitoriosos que lemos coisas e mais coisas sobre o rondo, por que fazê-lo, para onde eles vão, o que fazem e etc. E vejam bem, isso não é um problema: isso é fruto de uma dada cultura, em um dado tempo, com dadas intenções, e essa cultura, e esse tempo e e essas intenções não precisam – e nem querem ser – as nossas. Nós temos a nossa cultura, o nosso tempo, as nossas intenções. Não é preciso negá-las para reconhecer a cultura dos outros.

Se me permitem, reparem numa outra questão fundamental, ainda que um pouquinho mais sociológica: pelo menos para mim, é muito difícil não olhar para o rondo, tendo em conta o lugar de onde vem, sem lembrar das touradas tão características da cultura espanhola. Para muito além da questão ética das touradas, me chama a atenção que a dinâmica do rondo seja muito parecida com a dinâmica toureiro-touro, sendo este último o enganado, ludibriado, distraído, enquanto o toureiro, cuja mente não pode ser estéril e nem demasiadamente sisuda, cria armadilhas para, no último instante, enganá-lo definitivamente. Não tenho nenhum estudo mais aprofundado neste sentido, talvez nem queira ter, mas não deixo de pensar que existe alguma coisa na psicologia do sujeito espanhol que lhe faça admirar esse tipo de coisa, esse tipo de engano, essa forma mais utilitária de ludibriar que, portanto, tem um outro fim além dela própria, e talvez por isso seja, por um detalhe, bastante diferente daquilo que nos acontece por aqui. Sobre este assunto, escrevi pela primeira vez em 2018, num largo ensaio que produzi sobre a Espanha, à época treinada por Julen Lopetegui – que me parecia fazer várias touradas dentro do jogo jogado.   


Por hoje, acho que estamos conversados. Este é um assunto que me interessa muito – não por acaso me estendi um bocadinho, logo voltarei a ele. 

Seguimos nos comentários. 

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Futebol e cultura – potências nacionais que podem abrir portas para o Brasil

A genial ação de marketing do Burger King, que envolveu uma equipe da 4ª divisão inglesa masculina, o Stevenage FC, videogame – FIFA – e a distribuição promocional de produtos da rede de fast-food, tomou a internet na última semana, quando foi divulgada de maneira oficial nas redes sociais do clube. Oferecendo prêmios aos jogadores virtuais que escolhessem o Stevenage como equipe no jogo, o Burger King, atingiu resultados impressionantes desde o início da campanha como os mais de 25 mil gols do clube inglês feitos pelos jogadores virtuais e compartilhados nas redes sociais, obviamente com o logo da companhia estampado na camiseta da equipe. A equipe inglesa passou a ser a mais escolhida do modo carreira do jogo e pela primeira vez na história do clube o estoque de camisas foi esgotado.

Abaixo você pode conferir o vídeo de divulgação dos resultados da campanha compartilhado nas redes sociais do Stevenage (o material está em inglês).

É possível que você não tenha notado, mas além de Neymar, temos outra presença brasileira no vídeo que é o funk. A trilha sonora do material de divulgação traz referências claras ao ritmo brasileiro, muitas vezes desvalorizado e até perseguido em sua terra natal.

Assim como o futebol, que é, provavelmente, o maior símbolo da identidade brasileira ao redor do mundo, a música, e a cultura de maneira geral, também tem um grande potencial para aproximar o país do público global. Esse poder de atração que a cultura e o futebol podem exercer no âmbito global está relacionado ao conceito conhecido nas relações internacionais como soft power. O soft power, ou poder suave, de um país consiste na capacidade daquela nação de abrir portas e atingir seus objetivos por meio da persuasão, evitando o uso da violência ou ameaça militar e até mesmo econômica. Vale aqui mencionar o livro “Clube empresa: abordagens críticas globais às sociedades anônimas no futebol” que se aprofunda em exemplos atuais de como o futebol vem sendo utilizado como instrumento de soft power por diferentes países.

Apenas pela definição do que é o soft power talvez não fique tão claro como ele funciona na prática, um exemplo que pode ajudar a ilustrar essa dinâmica é o da Coreia do Sul e o grande investimento feito pelo país em seu setor cultural. No final da década de 90, o governo coreano, que buscava alternativas para ajudar o país a sair da crise econômica que atingia a região, decidiu investir em sua indústria criativa. Foi a partir desse movimento que o K-Pop, estilo que conquistou o mundo nos últimos anos, ganhou espaço e investimento, ganhando até um departamento próprio dentro do Ministério da Cultura do país. No longo prazo, o investimento e a valorização da música e dos artistas locais trouxe como fruto o reconhecimento internacional, e os milhões de fãs do gênero e de seus grupos musicais que vem ajudando a aquecer a economia local. O interesse pela música e suas bandas tem feito aumentar o interesse e até a simpatia pelo país, 1 a cada 13 turistas citou o BTS, o principal grupo musical do estilo como motivo de escolher visitar a Coreia do Sul, de acordo com o Instituto Hyundai. O turismo total no país triplicou em um período de 15 anos.

A admiração que ultrapassou as fronteiras do território nacional também ajuda a quebrar barreiras tidas normalmente como intransponíveis como na relação das Coreias do Sul e do Norte. Em 2018, um acordo entre os dois países permitiu que shows do gênero fossem realizadas na Coreia do Norte. Também em 2018, o BTS foi convidado para discursar na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU – durante o lançamento de um projeto que visa aumentar o investimento na melhoria de vida de crianças e jovens em todo o mundo.

O impacto econômico do fenômeno do K-Pop também é relevante para o país. Em 2018, a indústria musical local cresceu 17,9%, apenas o gênero rende mais de US$ 4,7 bilhões ao ano. Para efeito de comparação, todo o futebol brasileiro movimentou R$ 52,9 bilhões – ou US$ 13,56 bilhões considerando a cotação da época no fim de 2018, que era de cerca de R$ 3,90.

As portas que a Coreia do Sul vem abrindo por meio do investimento na cultura, com o K-Pop e também com outras manifestações como o cinema, cabe lembrar o filme “Parasita” que venceu o Oscar de melhor filme em 2019, costumam ser abertas pelo Brasil e pelos brasileiros com uma tal camisa amarela acompanhada de 5 estrelas bordadas e um número 10 nas costas. Não faltam relatos de viajantes brasileiros sobre como, quando a coisa aperta, mencionar o país de origem e o futebol pode salvar de enrascadas. Mas será que não poderíamos fazer mais? Quantas pessoas visitam o Brasil por conta da nossa música? E para conhecer algum clube? O Museu do Futebol ou da Seleção Brasileira? O Maracanã?

Grandes jogadores e jogadoras brasileiros costumam, além de desfilar um talento único pelos gramados do mundo, fazer boas tabelas com a música e cultura nacional. O último movimento de destaque foi o de Neymar e sua “JBL” nas finais da Champions League, já em 2011, a comemoração de Marcelo e Cristiano Ronaldo ajudaram a fazer bombar o hit “Ai se eu te pego” que rodou o mundo na época. Voltando para os videogames a cantora Anitta, que já há algum tempo se movimenta para conquistar o mercado internacional, ganhou espaço de destaque na mais nova versão do FIFA, sendo uma das estrelas do show de lançamento do jogo. Além disso, Anitta terá música e uniforme especial dedicado à ela dentro do jogo.

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Neymar e sua JBL nas finais da Champions League, “o pai tava on” e o Brasil e mundo foram de carona. Crédito: redes sociais/UEFA

O carisma e irreverência brasileiros conquistam o mundo sem muita força. Com ações estratégicas e a valorização do futebol e da música, assim como como K-Pop e o cinema na Coreia, esse carisma natural tem tudo para alçar voos ainda mais altos e duradoros.

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Aprendizados da “Rua Pernambuco”

Este texto se propõe contar algumas histórias vividas na rua Pernambuco, em uma cidade do litoral do Rio Grande do Sul, na década de 1990. Eu era a primeira filha de um casal recém-chegado ao local, assim como outras pessoas que foram até essa cidade em razão da urbanização e ocupação do território, durante os anos 1980. A rua era de paralelepípedos e havia alguns terrenos baldios ao redor das casas onde eu e meus vizinhos morávamos, meu irmão dois anos mais novo participava das brincadeiras, mas não gostava dos jogos de futebol. Assim, eu cresci rodeada de meninos, com a liberdade de brincar durante as tardes com eles, na rua Pernambuco e arredores.

Olhando para trás percebo o quanto aquela experiência foi importante para minha formação, como pessoa e como jogadora de futebol (não cheguei ao estágio profissional, mas pratiquei e pratico até hoje). Jogar com os meninos sempre foi desafiador, tínhamos quase a mesma idade, mas algumas questões físicas e de experiência mesmo acabavam pesando. Mas sempre nos acertávamos nas regras e nas trocas de aprendizados: por que eu sempre caía quando eles me acertavam com o famoso “carrinho”, e quando eu tentava a artimanha, eles facilmente escapavam? O jogo corria no pátio dos fundos de casa, era uma tarde cinza de inverno, até que eu perguntei qual era o segredo, a resposta veio entre risos: tu precisa levantar um pouco a perna, para o adversário não conseguir pular ou desviar. Pronto! Agora já sei, todos sabíamos.

O primeiro “campinho” foi no terreno bem em frente à minha casa, não lembro com precisão, mas algum adulto nos ajudou a construir a goleira, tinha rede e marcação da área. A parede atrás da goleira era de uma casa de pessoas conhecidas, “veranistas” que raramente apareciam no inverno, mas sabíamos que poderíamos ter problemas com as “boladas” na parede. Quantos jogos de 3 dentro, 3 fora disputamos lá! Era cada “bomba” na parede! Ela segue em pé até hoje.

Não lembro a razão, mas nosso “campinho” precisou ser transferido, acho que os “veranistas” não estavam gostando da bola pegando na parede deles, nem quando subíamos no telhado para recuperá-la. Onde seria o nosso novo espaço sagrado? Jogamos pelos pátios por um tempo (naquela época as casas não contavam com grades nem muros altos, bons tempos!) e, em seguida, encontramos o lugar ideal. Ficava mais adiante da minha casa, um espaço um tanto mais baixo que a rua, uns 30 ou 40 metros de largura, fazendo divisa com casas atrás das duas goleiras. Minha lembrança não ajuda muito, o que ficou nítido é que, quando tínhamos tempos de chuva, o jogo na lama era pura diversão, depois a gente via como limpar as roupas, a alegria e a parceria eram garantidas. Algumas pessoas mais velhas, tios, primos, amigos(as) apareciam para jogar e algumas vezes tivemos boas disputas no nosso campinho.

Eu estudava pela manhã, então às tardes podia brincar com os meninos, jogar bola, óbvio. As vezes jogávamos com a minha bola, outras vezes, com a bola do vizinho da frente. Alguém batia palmas lá na frente de casa e íamos convidando uns aos outros no caminho até o campo. Jogávamos gol a gol, driblezinho, bobinho, goleirinha de chinelo. Tudo era motivo de aprendizado, para todos um momento importante e aguardado do dia. Quando tinha alguém de castigo era uma tristeza, por que o fulano não ia brincar?

As lembranças são de um tempo divertido, de aventuras, de descobertas. Certo dia um deles comentou que começaria a jogar em uma escolinha, que máximo! O que seria isso? pensei. Ele era muito bom de bola mesmo, ia ser profissional. O pai dele e meu tio jogavam no campo da associação do bairro, meu pai e eu sempre íamos assistir. Ficava na grade observando os lances, comentando com meu pai, perguntando, ouvindo o que falavam. Como o mundo era legal!

Teve um tempo em que formamos um time de verdade. E nos sábados éramos desafiados ou desafiávamos times de outros bairros. Os jogos aconteciam nas praças que tinham campos bem grandes, com goleiras, as marcações eram definidas minutos antes do jogo: a calçada é o limite da lateral, vamos cravar essa estaca para marcar o escanteio e a linha de fundo. E assim seguia o jogo. Algumas famílias sempre acompanhavam, meu pai sempre estava junto, entusiasta do esporte (mesmo não jogando).

Não saberia dizer qual e quando foi nossa despedida dos campos da rua Pernambuco, aos poucos os temas da escola ficaram mais intensos, as demandas para ajudar em casa começaram a aparecer, os tempos de festinhas e as mudanças de interesses. O jogo acompanhou e acompanha minha vida, comecei na rua de casa, depois na escola, na “escolinha”, depois no time da empresa, e, por último, no grupo de amigas. Naquela época parece que nenhum de nós sabia dos preconceitos, e não saber que esse esporte era “proibido” às meninas me ajudou a ultrapassar as barreiras que hoje enxergo, assim como o apoio da família.

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Sobre os leitores e leitoras do bom futebol

Vocês sabem que eu estava lendo, outro dia, um pedaço de um desses livros que usei como referência na minha pesquisa de mestrado. Chama-se ‘Nietzsche & a Educação’, escrito por este brilhante filósofo que é o Jorge Larrosa – que já citei algumas vezes aqui. Num certo momento, analisando uma das passagens escritas pelo Nietzsche, Larrosa faz uma observação muito interessante, que gostaria de trabalhar com vocês. Diz ele o seguinte:

“É a vida em sua totalidade, e não só a inteligência, a que interpreta, a que lê. Mais ainda, viver é interpretar, dar um sentido ao mundo e atuar em função desse sentido. Por isso a incapacidade para ler um livro não implica tanto a falta de ‘preparação’ do leitor como a falta de uma comunidade de experiências com o livro que, em última instância, remete a uma diferença vital e tipológica. Ser ‘surdo’ a uma obra, mesmo que a tendo ‘compreendido’, supõe ter outra disposição diferente daquela que a obra expressa. Quando um livro expressa em uma linguagem inédita experiência muito pouco comuns, ou radicalmente novas, e um tipo vital fora do comum, quase ninguém poderá lê-lo.”

No ano passado, escrevi neste mesmo espaço um texto apresentando um pouco do que entendo como o jogador inteligente. Basicamente, usei a origem da palavra para defender que o jogador inteligente é aquele capaz de ler nas entrelinhas. Ou seja, enquanto os outros só conseguem enxergar o literal, o jogador inteligente enxerga além, enxerga entre, lê o que os outros não leem. Não sei se fica tão claro assim, mas podemos tirar pelo menos duas coisas daqui: a primeira é que o texto que se apresenta ao jogador inteligente é o mesmo texto que se apresenta aos outros – portanto, a diferença não está no ‘texto’ em si, mas na ‘leitura’ que se faz dele. A segunda é que isso não vale apenas para o jogador, vale também para treinadores, assistentes, analistas, fisiologistas, preparadores físicos, gestores e etc. A inteligência, enquanto capacidade de ler e de tentar compreender as entrelinhas, cabe a todos nós.

Mas repare que quando nos dispomos a assistir a um jogo de futebol, ou mesmo assistir às nossas sessões de treino, ou de outros colegas, quando nos dispomos a analisá-las e a interpretá-las, a inteligência em si não basta. O motivo por que citei aquela passagem do Larrosa é para questionar a nossa leitura do futebol, ou de qualquer outra modalidade, acontece de corpo inteiro ou não. Será que os olhos são suficientes para assistir ou analisar bem um jogo de futebol? A meu ver, não. É preciso ir além e refinar todos os sentidos, para uma educação capaz de ouvir ao jogo – para que não sejamos surdos a ele, de tocar o jogo – para que ele também nos toque, de sentir o aroma do jogo – para que saibamos reconhecer uma equipe pelo perfume, ou mesmo uma educação capaz de saborear o jogo – pois a palavra sabor, não se esqueça disso, tem a mesma origem da palavra saber. A visão, embora seja um sentido privilegiado, não basta. A inteligência também não.

Só que vocês haverão de convir comigo que nada disso é ensinado por aí, essas coisas não aparecem nos cursos de formação – pois há quem diga que não é ‘prático’. Afinal, acreditamos que o que nos faz melhores é a quantidade de conhecimento que acumularmos. Bom, isso não é um problema em si, mas basicamente significa que podemos cair facilmente no mesmo problema apresentado pelo Larrosa acima, ou seja, da ‘falta de preparação do leitor’. Porque quando nos dispomos a ler um determinado jogo, ou uma determinada metodologia, ou uma determinada sessão de treino, ou um determinado atleta, quando nos dispomos a ler a nós mesmos em relação com o mundo, não é preciso que nos defendamos – ou que nos escondamos – atrás da preparação, ou da suposta falta de preparação, ou dos saberes, ou da suposta falta de saberes, não é preciso – nem é inteligente – nos restringirmos com barreiras tão pequenas: podemos muito bem nos apoiar na comunidade de experiências que fazemos com o jogo, ou com o método, ou com o treino, ou com o atleta – e isso se faz de corpo inteiro. As coisas que precisamos saber não estão nas coisas em si, mas na qualidade das relações que estabelecemos com elas, no sentido que damos a elas, por isso cada saber é único, particular, não se repete. Não por acaso, aplicamos muitas vezes um mesmo conteúdo, de maneiras diferentes, no processo de treino: porque uma vivência apenas não basta, e quanto mais vezes voltarmos aquele conteúdo, provavelmente melhor e mais refinada será a relação que nós mesmos e os atletas estabelecemos com ele.

Para ser um bom leitor ou uma boa leitora de futebol, é preciso ler de corpo inteiro, não apenas com os olhos. E é justamente assim, lendo pela audição, pelo olfato, pelo tato, pelo paladar, lendo de corpo inteiro, que refinamos a nossa capacidade de dar sentido às coisas. Como diz o texto que citei no início: viver é interpretar. Eu realmente admiro a importância das avaliações mais objetivas e as colaborações das ciências mais duras em modalidades como o futebol, mas gostaria de pedir sinceramente a vocês que não confundam a razoabilidade dos saberes objetivos com uma completa negação da subjetividade, como ser sujeito fosse um problema e ser objeto, uma solução . Porque o sentido que eu dou ao jogo, ao método, ao treino ou ao atleta, será apenas e tão somente meu, assim como o sentido dado por você será apenas seu, assim como o sentido dado por um terceiro será apenas dele e portanto ninguém além de mim pode dar sentido às coisas como eu, ninguém além de você pode dar sentido às coisas como você – e assim sucessivamente. E é justamente nessa coisa meio plural, meio complexa, nessa coisa meio transitória, nessas contradições, nessa impureza, nessas diferenças – é nesses desencontros que eu, você e todos os outros nos fazemos únicos, nos tornarmos melhores leitores, do jogo que se joga mas não apenas dele, nos tornamos mais inteligentes. Nessas diferenças que o nosso saber contrai, relaxa, fadiga, supercompensa. Se não existem verdades próprias do jogo – me lembro aqui do Dostoieviski, tudo é possível.

E se tudo é possível, é melhor ler – e criar – de corpo inteiro.

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A cultura esmaga a proatividade

Com mais de dois meses do retorno do futebol em todo o país, já temos uma fotografia bem clara do cenário envolvendo clubes, técnicos, jogadores e as ambições e projeções de todos. Para aqueles que defendem uma melhor qualidade do jogo o contexto não é nada animador. O fato é que temos a mesma conjuntura de anos anteriores: técnicos cobrados pela vitória custe o que custar e com isso a tendência natural a privilegiar a defesa, dificuldades gritantes para criar comportamentos ofensivos elaborados e coordenados e o que é pior neste ano: a ausência do elemento torcida no contexto tem tirado um pouco mais a velocidade dos jogos.

Fazendo um exercício de empatia e nos colocando no lugar dos técnicos é mais do que compreensível essa postura dentro de campo. Sabendo que a média de duração de um profissional no cargo é de apenas três meses, que com o calendário apertado as sessões de treino são escassas, que a cobrança é inteiramente a curto prazo e que não há paciência para colher os frutos de um processo pelo menos a médio prazo, são raros os que se arriscam a buscar algo diferente.

É claro que para desenvolver conceitos ofensivos é preciso ter muito conhecimento, principalmente uma metodologia de treinamento capaz de operacionalizar as ideias. Porém aqui a questão é mais de mentalidade do que capacidade técnica. Para fazer algo diferente, um técnico tem que ter a voracidade de se impor frente a um cenário caótico, a gana de triunfar com algo diferente frente a uma mesmice já desgastada e, sobretudo, confiança na própria capacidade. Reconheço que quando um treinador estrangeiro chega ele tem uma tolerância maior do ambiente para desenvolver tudo isso. Mas já passou da hora de termos um técnico brasileiro vencendo com ideias diferentes do que costumamos ver. Enfrentar a cultura não é pra qualquer um! 

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Estamos preparados para o retorno do público às partidas?

Recentemente, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) apresentou ao Ministério da Saúde o plano para o retorno gradual do público aos estádios de futebol, em razão da redução do contágio do novo coronavírus, bem como da queda da média móvel do número de óbitos. O plano enviado pela CBF propõe a liberação dos estádios até 30% da capacidade de público, assim como a presença exclusiva da torcida do time do público do mandante. O Ministério da Saúde, em 22/09/2020, aprovou o referido plano, sendo que o retorno presencial da torcida nos jogos do Campeonato Brasileiro Série A ocorrerá em outubro/2020.

Não obstante as inúmeras discussões que surgem quando o assunto é a retomada gradual do público às partidas de futebol, principalmente relacionadas aos riscos de contágio da COVID-19, medidas de segurança e outros tópicos, proponho aqui o debate de um tema tão tormentoso quanto o coronavírus que é o assédio às mulheres que participam do cenário futebolístico, sejam como torcedoras ou profissionais. Tal tema nos faz refletir: estamos realmente preparados para o retorno do público às partidas de futebol?

Há muito, o futebol já se consolidou como a paixão de muitas mulheres, que participam ativamente do dia-a-dia dos seus clubes, praticam o esporte em seus momentos de lazer ou mesmo atuam de forma profissional no meio do esporte. Mesmo assim observamos com frequência nos estádios de futebol, a violação de nossos direitos fundamentais, somos alvos de comentários sexistas, machistas, misóginos e, até mesmo, assédio e violência.

São inúmeros os relatos de mulheres que tiveram seus direitos e garantias
fundamentais violados, especialmente a dignidade da pessoa humana, o que é repugnante e coloca em xeque toda nossa sociedade. Como exemplos, cito o caso da repórter que foi assediada sexualmente por dois
torcedores que tentaram beijá-la à força. Na mesma partida, uma torcedora foi agredida verbal e fisicamente nas arquibancadas do estádio. Tais casos foram amplamente divulgados na mídia, sendo certo que inúmeros outros sequer chegam a ser noticiados às autoridades competentes. Estas condutas, além de serem tipificadas como crimes, perpetuam o machismo estrutural e a retrógada ideologia de que futebol não é coisa para mulher, o que, lamentavelmente, está no consciente de muitas pessoas.

Ante a trágica situação, algumas mulheres estão se unindo, formando grupos que visam, basicamente, a busca pela igualdade na arquibancada, bem como apoio ao futebol feminino. As integrantes do grupo se reúnem antes das partidas e vão juntas para o estádio de futebol, ficando unidas e defendendo umas às outras. Assim, as mulheres podem exercer o direito básico de torcerem para os seus times, se sentindo mais seguras e acolhidas.

O papel desses grupos é fundamental para romper a cultura machista instalada no futebol, vez que reforçam que o lugar da mulher é onde ela quiser e sua escolha deve ser respeitada. Tais grupos aumentam a representatividade das mulheres no futebol e legitimam o direito de torcer sem sofrer assédio ou serem incomodadas com questionamentos sobre sua presença no estádio de futebol e até sobre o seu conhecimento sobre o tema. Porém, tais grupos são insipientes, sendo que a luta das mulheres por respeito à dignidade da pessoa humana e igualdade, direitos básicos, ainda é árdua e encontram inúmeros entraves.

Não bastasse a violência em campo sobre a qual temos uma oportunidade única para repensar refletir e transformar, a pandemia evidenciou os inúmeros casos de violência doméstica sofridas por mulheres, seja de forma física, psicológica e – ou – financeira.

Assim, reforço o questionamento, em um futuro próximo, estamos realmente preparados para o retorno do público aos estádios de futebol?

É evidente que, como sociedade, temos muito a evoluir, para que direitos fundamentais, garantidos a todos os seres humanos, notadamente as mulheres, sejam efetivados e respeitados. Nos estádios de futebol, não é diferente. É imperiosa a necessidade de mudança da realidade vivenciada pelas mulheres no cenário do futebol, devendo ser criados mecanismos efetivos de proteção à mulher.

Certamente, para que seja possível o retorno do público aos estádios de futebol, estes deverão ser adequados, a fim de que se respeite os procedimentos de segurança, a fim de conter a disseminação da COVID-19. Aproveitando as mudanças estruturais que deverão ser realizadas, em razão do novo coronavírus, os estádios podem providenciar a instalação de postos de combate à violência à mulher, contando com pessoal especializado para adotar as medidas cabíveis, inclusive posteriores ao crime cometido.

Ademais, os próprios clubes devem criar mecanismos de punição do torcedor agressor, como forma de coibir a prática de crimes. Tais medidas podem variar desde a suspensão de participação dos jogos, até a proibição. Lado outro, devem ser criadas campanhas de conscientização, a fim de evidenciar a violência às mulheres e as formas de combate.

Assim, como resposta ao questionamento feito acima, tenho certeza de que precisamos implementar mudanças substanciais, para que o retorno aos estádios seja seguro para todos, principalmente para as mulheres.

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Quem treina o treinador de futebol no Brasil? O autoconhecimento

Salve, salve amantes do futebol! Na coluna anterior falamos sobre o autodidatismo do treinador de futebol no Brasil, suas vantagens/desvantagens e sugerimos algumas soluções para auxiliar no processo de formação desse treinador nos diferentes contextos de atuação, da participação ao alto rendimento. Hoje, falaremos sobre a importância do autoconhecimento na carreira de um treinador.

Estudos apontam que treinadores que possuem maior consciência acerca de sua identidade, filosofia (ideias, princípios, valores e crenças) e propósitos, tendem a ser mais eficazes e, portanto, atingem com mais frequência os objetivos estabelecidos para suas carreiras. Eles também acabam sendo mais assertivos em suas tomadas de decisões, já que possuem maior lucidez sobre quem são e o que almejam. E já que o autoconhecimento é tão relevante para os resultados e a carreira dos treinadores, como é possível desenvolvê-lo? De quem é o papel de torná lo mais consciente sobre si mesmo? Como se dá esse processo?

As competências intrapessoais podem e devem ser exercitadas no início da trajetória profissional. Porém, como nesse momento o treinador ainda é inexperiente, suas reflexões ainda são rasas e, principalmente, pautadas no que se lê, vê e ouve, diferente de alguém mais experiente que já dispõe de um campo maior de vivências. Mas se o iniciante for estimulado, desde o princípio, a dispender um tempo para refletir sobre sua prática, entender as razões que o fazem querer ser treinador e por que reage de uma ou outra forma nas diversas situações a que é exposto, ou seja praticar constantemente o exercício do autoconhecimento, quando mais experiente saberá desenvolver tais competências.

Portanto, para os treinadores que buscam desenvolver de maneira contínua o autoconhecimento e outras competências intrapessoais, recomenda-se:

a) Responder as seguintes perguntas: por que quero ser treinador? Quais valores, princípios e crenças norteiam meus comportamentos? Qual meu propósito?

b) Para treinadores iniciantes: tomar muito cuidado em assumir verdades absolutas pautadas no que se lê, vê e ouve. Lembre-se que a pouca experiência o impede de enxergar detalhes ambientais que, naturalmente, virão com o tempo. Foque em refletir sobre a sua experiência e escute mais

c) Para treinadores intermediários: Buscar um coach developer ou uma aprendizagem mais formal que auxilie a compreensão de suas vivências, preenchendo assim algumas lacunas que ficaram do início. Tentar rascunhar o que guia seu comportamento e ouvir treinadores mais experientes

d) Para treinadores mais experientes: Buscar um processo de mentoria, ou um mental coach, escrever/falar sobre sua trajetória, rascunhar sua filosofia (ideias) e procurar discernir sobre “convicção x adaptação” – quando devo manter a convicção? e até que ponto devo me adaptar?

Fez sentido? E você, já pensou em desenvolver o autoconhecimento? Traga mais sugestões! Continuaremos na semana que vem com mais uma coluna sobre treinar o treinador. Grande abraço e até lá!

Referências

Gould, D., Pierce, S., Cowburn, I., & Driska, A. (2017). How Coaching Philosophy Drives Coaching Action: A Case Study of Renowned Wrestling Coach J Robinson. International Sport Coaching Journal, 4(1), 13-37. doi: 10.1123/iscj.2016-0052

Sobre o autor

Gabriel Bussinger é treinador e instrutor da CBF academy. Mestre em Educação Física pela UFSC, com 3 pós graduações na área. Já atuou em categorias de base e profissional, no Brasil e Dinamarca. Possui as licenças C e B da CBF e é parceiro de conteúdo da Universidade do Futebol.

Acompanhe as redes sociais do Gabriel Bussinger: YouTube; LinkedIn; Telegram; Podcast – Diário do treinador; Instagram

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Quem treina o treinador de futebol no Brasil? – O treinador autodidata

Salve, salve amantes do futebol! Na coluna anterior falamos sobre a importância do treinador conhecer e dominar os diferentes contextos de atuação, a fim de que tenha uma prática eficaz. Nesta, falaremos sobre os perigos do “autodidatismo” dos treinadores brasileiros e como podemos contribuir para recalcular essa rota.

A trajetória de um treinador esportivo não é linear, sendo cheia de altos e baixos. Em algumas fases da carreira, é possível sentir o desenvolvimento e o crescimento profissional, já quando chegam as derrotas, demissões, “rebaixamento” de cargos, o treinador precisa ter paciência e clareza para compreender que todos passam por isso e que momentos como esses são essenciais para sua aprendizagem. Porém, quem vai dizer isso a ele? Quem pode treiná-lo para refletir e digerir essas situações da melhor forma?

Treinadores brasileiros mais experientes, ao refletirem sobre suas trajetórias, talvez estejam pensando que aprenderam a passar por isso sozinhos e que, por isso, todos também devem passar. Será? Será que ser autodidata durante toda sua carreira é o melhor, ou o único, caminho para o desenvolvimento do treinador? Por outro lado, será que ser guiado e mediado durante toda carreira também pode trazer como consequência um perfil de treinador limitado e pouco preparado para a dureza da profissão?

O fato é que os dois extremos são perigosos. Um processo de desenvolvimento do treinador demasiadamente mediado e formal pode tirar a sua autonomia e podar o seu talento. Em contrapartida, um treinador exclusivamente autodidata (situação mais frequente na construção da carreira da maioria dos treinadores de futebol no Brasil), terá uma defasagem na sua formação, principalmente no início de sua carreira, momento em que mais necessita de mediação e formação. Mas afinal, como fazer para “recalcular essa rota”, já que a maioria experiente já é autodidata e muitos que estão iniciando uma trajetória?

Diante de um cenário tão heterogêneo em que alguns são graduados em educação física e outros não, alguns são autodidatas e outros não, alguns são ex-atletas e outros não, podemos entregar as seguintes sugestões:

a) Pesquisar sobre toda a aprendizagem que os mais experientes (autodidatas) vivenciaram durante suas trajetórias e sistematizar esse conhecimento para transmitir em cursos formais para iniciantes

b) Esboçar um currículo de formação para uma escola de treinadores na qual exige-se que, no início da trajetória, o treinador aprenda a aprender e aprenda a refletir, para que quando mais experiente desenvolva a capacidade de extrair aprendizagem de forma autônoma (fase na qual ser “autodidata” se torna mais salutar)

c) Identificar lacunas de aprendizagem em treinadores intermediários e colocar nas ementas de cursos de formação

d) Conscientizar treinadores que ser um autodidata supercompetente é exceção e não regra, e que o caminho pode ser encurtado, ao se aprender com erros já cometidos pelos mais experientes

e) Conscientizar treinadores mais experientes a buscarem suportes de aprendizagens com MENTORIAS de profissionais que sejam referência para estes mais experientes.

Fez sentido? E você, em que fase está e como procura se desenvolver? Traga mais sugestões! Continuaremos na semana que vem com mais uma coluna sobre treinar o treinador. Grande abraço e até lá!

Sobre o autor

Gabriel Bussinger é treinador e instrutor da CBF academy. Mestre em Educação Física pela UFSC, com 3 pós graduações na área. Já atuou em categorias de base e profissional, no Brasil e Dinamarca. Possui as licenças C e B da CBF e é parceiro de conteúdo da Universidade do Futebol.

Acompanhe as redes sociais do Gabriel Bussinger: YouTube Telegram; Podcast – Diário do treinador; Instagram

Referências

JARVIS, P. Democracy, lifelong learning and the learning society: Active citizenship in a late modern age. Abingdon: Routledge, 2008.

http://149.28.100.147/udof_migrate/especial-a-importancia-de-um-curriculo-do-treinador-de-futebol-parte-final/

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Quem treina o treinador? – O contexto de atuação

Salve, salve amantes do futebol! Em nossa primeira coluna abordando as questões que envolvem a formação dos treinadores, ou o que chamamos de treinar o treinador, falamos um pouco acerca do que se deve fazer para iniciar uma trajetória profissional na área aqui no Brasil. Já na coluna de hoje, falaremos sobre preparar o treinador para atuar nos diferentes contextos que compreendem essa função.

Geralmente, treinadores que atuam em escolas desejam atuar em categorias de base, e a maioria dos que atuam em base almejam trabalhar no profissional. Entretanto, quem treina o treinador para que este saiba adequar a didática, metodologia, comunicação, liderança e outras competências nesses diferentes contextos? Muitos, por não serem orientados ou por inexperiência, ao lerem um livro do Guardiola, Mourinho ou Klopp, ou assistirem treinamentos no youtube de Bielsa, Sampaoli ou Simeone, se precipitam e reproduzem o que leram/viram acriticamente e de forma descontextualizada. Essa precipitação no processo de ensino do futebol é conhecida entre os pesquisadores como ansiedade pedagógica.

De modo geral, os contextos que mencionamos acima podem ter 4 diferentes classificações, dentro de dois grandes ambientes, o da participação e o do rendimento, conforme apresentado abaixo:

a) ESCOLAS E PROJETOS SOCIAIS – Contexto de PARTICIPAÇÃO crianças e jovens
b) RECREAÇÃO E AMADOR – Contexto de PARTICIPAÇÃO adulto
c) CATEGORIAS DE BASE – Contexto de RENDIMENTO crianças e jovens
d) PROFISSIONAL – Contexto de RENDIMENTO adulto

Nesse sentido, para que o treinador tenha uma prática eficaz, o mesmo deve adequar suas competências aos diferentes contextos nos quais ele pode atuar ao longo de sua carreira. Além disso, a melhor maneira de desenvolver-se, independente do meio onde o profissional está inserido, é por meio da prática deliberada, como vimos na semana passada. Portanto, para quem quer atuar em um ambiente diferente, recomenda-se:

a) atuar como auxiliar de um treinador expert contextual, ou seja, aprender com um treinador que possui experiência no contexto no qual se pretende trabalhar;

b) após vivenciar a nova conjuntura, realizar cursos que abordam tal realidade;

c) dialogar com pares mais experientes no referido contexto;

d) obter licenças de atuação para o novo contexto;

e) refletir sobre erros e tratar as “dores” do novo cenário (porque vão existir muitos no início);

f) criar links e adaptar criticamente os conhecimentos do contexto anterior;

g) buscar uma mentoria.

Fez sentido? Continuaremos na semana que vem com mais uma coluna sobre treinar o treinador. Grande abraço e até lá!

Referências

CÔTÉ, J.; GILBERT, W. An Integrative Definition of Coaching Effectiveness and Expertise. International Journal of Sports Science and Coaching. v. 4, n. 3, p. 307-323, 2009.

Sobre o autor

Gabriel Bussinger é treinador e instrutor da CBF academy. Mestre em Educação Física pela UFSC, com 3 pós graduações na área. Já atuou em categorias de base e profissional, no Brasil e Dinamarca. Possui as licenças C e B da CBF e é parceiro de conteúdo da Universidade do Futebol.

Acompanhe as redes sociais do Gabriel Bussinger: YouTube Telegram; Podcast – Diário do treinador; Instagram