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A MP caducou, e agora?

O dinheiro pago pelas emissoras de TV e, nos últimos anos, por outras empresas da comunicação, pelo direito de transmitir partidas é um dos pilares que sustentam o negócio futebol. No Brasil, de acordo com análise publicada pelo Itaú BBA referente aos resultados financeiros de 25 clubes da elite do futebol brasileiro em 2019, os direitos de transmissão representaram 41% das receitas dessas organizações, no estudo estão incluídas as transferências de jogadores, sem elas a proporção das receitas dos direitos de transmissão é ainda maior, o que destaca a grande dependência dos clubes brasileiros em relação a esse tipo de entrada. Nos principais clubes do mundo, que buscam cada vez mais diversificar suas fontes de receita, o impacto dos direitos de transmissão nas finanças também se mantém significante. Entre os cinco clubes com maior receita do mundo, de acordo com o relatório Football Money League da consultoria Deloitte, os direitos de transmissão representam 33% de todo o faturamento, com a ressalva de que o estudo desconsidera a “venda” de jogadores, o que diminuiria esse percentual. Já entre as posições 16 a 20 do mesmo ranking, o número sobe para 65%, também sem contar as transferências.

Dada a importância dos direitos de transmissão para o negócio futebol, não é de se estranhar que a Medida Provisória 984/2020, editada pelo Poder Executivo no dia 18 de junho e que caducou no último domingo, tenha gerado tanta movimentação e discussão no setor. Entre outros pontos, o texto da MP alterava o entendimento sobre o direito de transmissão de cada partida. No formato atual os dois clubes que disputam uma partida são os detentores do direito, de modo que se a empresa interessada em transmitir a partida não entrar em acordo com as duas equipes, o jogo não pode ser transmitido. A MP alterava essa situação, dando apenas ao mandante o direito sobre a transmissão.

Esse bloqueio de jogos vendidos por apenas um dos clubes que disputa a partida em questão tem trazido como consequência a impossibilidade legal de transmissão de muitos jogos. São os chamados “jogos fantasma”, no qual apenas uma das equipes vendeu os direitos e o não acordo com a segunda equipe acaba inviabilizando a transmissão. Vale destacar que os direitos de transmissão das partidas são divididos em três diferentes classificações, a TV aberta, a TV fechada e o Pay-per-view, no qual se encaixa a transmissão paga em diferentes plataformas da internet, como canais próprios dos clubes, por exemplo, e o tradicional Premiere, da Rede Globo. Dentro do atual modelo jurídico e com a atual configuração de contratos entre clubes e empresas de comunicação, a Globo e a Turner, a situação na TV fechada, por exemplo, é a seguinte.

Caso entrasse em vigor, a MP 984, que também foi apelidada de “lei do mandante”, acabaria com o impedimento legal da transmissão de partidas entre clubes que entrassem em acordo com diferentes empresas de comunicação ou mesmo aqueles que optassem no futuro por não vender os seus direitos, já que o direito da transmissão das partidas passariam a ser exclusivamente dos mandantes, como ocorre em diversos países. A configuração proposta pela MP também aumentava o número de jogos disponíveis para as empresas, como é possível conferir a seguir.

Apesar das vantagens do modelo, a MP também desencadeou conflitos e se insere em um contexto mais amplo no que se refere às disputas de poder no país e ao futuro das transmissões e posicionamento dos clubes no mercado do futebol.  Ao ser considerada sua relevância, a forma abrupta como o tema foi tratado, por meio de medida provisória, e sem grandes discussões, sinalizou algumas movimentações no tabuleiro dos poderes dentro e fora do futebol.

Na política nacional, a assinatura da MP foi também mais um capítulo da guerra declarada pelo governo ao jornalismo e empresas de comunicação, em especial à Rede Globo, tida como potencial prejudicada com a configuração proposta. A vigência da MP proporcionou uma interpretação dúbia dos acordos que a empresa tinha com diversas equipes, gerando uma grande instabilidade no setor já que, se por um lado a organização não perderia o direito de transmitir nenhum de seus jogos, por outro ela perderia a exclusividade  de alguns e o bloqueio de outros, o que faz, naturalmente, parte do planejamento e dos cálculos da emissora que detém contratos de longo prazo em diferentes plataformas com os principais clubes do país, celebrados levando em consideração o modelo de direitos de transmissão compartilhados.

Sob essa perspectiva, a MP acabou trazendo como consequência uma chuva de liminares e meses de instabilidade jurídica, como analisa Emanuel Leite Júnior, pesquisador e autor do livro “cotas de televisão do campeonato brasileiro”. Para Emanuel, “o âmago da questão da insegurança é a divergência de interpretações que existem tanto de juristas quanto dos aplicadores da lei – advogados e magistrados”.  O pesquisador também defende que clubes que já possuíam contratos de direitos de transmissão assinados foram prejudicados no período da MP. Para explicar o entendimento, Emanuel cita o caso do campeonato carioca, envolvendo clubes, que já tinham acordo de transmissão com a Globo, a própria emissora, e o Flamengo, que não havia aceitado a proposta da empresa e se baseou na MP para transmitir partidas na reta final da competição, “a interpretação que diz que os clubes não vão perder seus jogos como mandantes, mas os mandantes que não tinham contrato vão poder transmitir os seus jogos, é evidente que os clubes que tinham jogos como mandates vão sair prejudicados. Quando eles negociaram contrato com a Rede Globo, o valor incluía todos os jogos que ele está participando, com exceção dos que o Flamengo estava, aí de repente, o Flamengo passa a negociar todos os seus jogos como mandante, incluindo o jogo daquele clube que já tem contrato com a Globo. Logo, esse clube não irá receber nada, por um jogo que será transmitido sem o seu consentimento, de acordo com a situação anterior à assinatura da MP”, conclui.

A assinatura da MP, que desencadeou esse e outros conflitos pela forma acelerada como foi conduzida foi apenas mais uma demonstração da aproximação que o Poder Executivo no atual governo tem buscado com o futebol, que inclui a presença em partidas e registros do Presidente com a camisa de diferentes clubes. No último dia 13, a transmissão em TV aberta da partida entre Peru e Brasil, pela segunda rodada das eliminatórias da Copa do Mundo masculina, foi viabilizada no dia do jogo e engrossou esse caldo. Os direitos de transmissão dessa partida pertenciam à empresa MediaPro e a forma como eles foram adquiridos permanece desconhecida. O que é fato, é que ao longo da transmissão realizada pela TV Brasil, um canal público, a equipe de transmissão mandou abraços para o Presidente e no intervalo foi veiculado material de propaganda do governo. Mestre e doutor em História pela USP e  professor do curso de pós-graduação História Sóciocultural do Futebol, Flávio de Campos, aponta como inédito na história do país o ocorrido durante a transmissão da partida, “isso não aconteceu nem na ditadura. Durante a Copa de 70 havia a cadeia nacional para os jogos da seleção, na qual se dividia cada tempo em 2 e tínhamos um locutor e um comentarista de cada emissora, mesmo assim não há registro de saudação ao presidente da república nem de qualquer utilização tão acintosa de um jogo da seleção brasileira para propaganda política. No período democrático isso com certeza também não existiu”, destaca. O professor também apontou a Itália e Alemanha dos períodos fascista e nazista, o regime militar da Argentina e o governo soviético como países e momentos históricos nos quais as transmissões de partidas no rádio e na televisão foram utilizadas, de maneira similar ao que se observou no confronto entre Peru e Brasil, como ferramentas de comunicação do governo. “A questão dos direitos de transmissão se encaixa nesse jogo político que envolve a aproximação entre governo e CBF, algo que não é recente no país, e o ataque à Rede Globo que tem sido crítica ao governo”, aponta Flávio. Dado o atual contexto é possível imaginar que as movimentações nesse jogo ainda poderão exercer influência sobre futuro das discussões que envolvem os direitos de transmissão.

Pelo lado dos clubes, a movimentação isolada do Flamengo em relação à assinatura da MP faz pender a balança para o lado contrário da união, ou de uma muito mencionada liga. Nesse cenário, a tendência é o de aumento da desigualdade entre os clubes brasileiros, em relação às receitas dos direitos de transmissão. O fenômeno dos “jogos fantasma”, anteriormente mencionado, que acontece por conta dos direitos de transmissão compartilhados, passou a ser uma realidade no Brasil também por conta das negociações individuais após a implosão do Clube dos 13 no início dos anos 10, que trouxeram como consequência também o aumento da desigualdade, como descreve Emanuel Leite “nunca fui um defensor do que o Clube dos 13 representava pois era uma associação privada que reunia os clubes de futebol e que tinha no seu estatuto a defesa dos seus associados, mas negociava os direitos de transmissão de todo o campeonato brasileiro, até daqueles clubes que não eram membros e isso gerava uma desigualdade já grande. Porém, ainda era um cenário de negociação coletiva. Existia um critério de distribuição de recursos entre os membros, e as migalhas para os não membros. Com a implosão vimos o fosso aumentar, para ilustrar esse movimento, vamos pegar o exemplo da diferença entre Flamengo e Botafogo, o quanto não aumentou a diferença nominal e percentual? O Botafogo passou a receber muito menos do que o Flamengo”. O pesquisador ainda aponta a desigualdade inerente às ligas e a necessidade de uma regulação para diminuir abismos, “a literatura da Economia e da Sociologia do Esporte está cansada de demonstrar cientificamente que campeonatos desregulados, ou seja, sem regulamentações que estabeleçam negociações coletivas, com o princípio de solidariedade na distribuição dos recursos, geram maiores desigualdades”, e lembra dos casos recentes da Espanha e Itália, no qual houve uma regulação, por meio de leis, que proporcionaram um maior equilíbrio nas ligas dos dois países, “depois que a legislação de cada um desses países mudou a forma de negociar e distribuir os recursos dos direitos de transmissão televisiva, passando a determinar negociação coletiva com regras pré-estabelecidas com critérios para a distribuição desses recursos, em ambos os casos houve uma diminuição significativa da desigualdade”.

Um país que caminhou no sentido oposto ao de Itália e Espanha é Portugal, no qual os direitos são também do mandante da partida, mas as negociações não têm nenhum tipo de regulação, sendo realizadas de maneira individual. A consequência é que o país lidera com folga a lista de países com maior desigualdade nas receitas de direitos de transmissão, com Benfica, Porto e Sporting recebendo valores mais de 10x maiores do que a média da liga.

Sem uma negociação coletiva dos direitos de transmissão, “a tendência, pelo que nós vimos nas experiências esportivas em todo o mundo é o que é maior receber mais. No caso do Brasil esses clubes seriam Flamengo, Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Vasco, que são os cinco grandes clubes do Brasil em termos de torcida nacional, ainda com destaque para os dois primeiros. E os outros? A alternativa é a negociação coletiva, com critérios que busquem garantir o mínimo de equidade, para impedir que quem tenha mais acumule a um ponto que inviabilize a competição”, avalia Emanuel.

João Ricardo Pisani, gestor esportivo, com carreira dedicada ao desenvolvimento de produtos no futebol, também analisou o cenário e possíveis consequências do que foi proposto na MP, “inicialmente, a lei do mandante isoladamente remove uma amarra, dá mais jogos para os clubes, e por isso permite que uma equipe venda mais jogos e, em teoria, arrecade mais. Os problemas tendem a aparecer com a possível negociação individual, que cria um cenário escorregadio porque, ao mesmo tempo que dá autonomia para uma equipe negociar de forma independente seus jogos com quem quiser, ela também coloca, em diversas ocasiões, os clubes na posição de concorrentes entre si pelo mesmo mercado, ou recursos”.  Ele ainda aponta, “o produto em questão não deveria ser reduzido ao jogo do mandante X contra um visitante Y, mas ser compreendido como o campeonato brasileiro como um todo. A negociação individual tende a aumentar os riscos que uma equipe tem ao sair sozinha no mercado, e a chance desse risco não compensar o retorno financeiro esperado é enorme. Porque as diferenças já existem, mas o verdadeiro abismo tem tudo para aparecer com as negociações independentes, quando os riscos dessa negociação individual cobrarem seus pedágios, como por exemplo, uma temporada ruim, contratos extremamente curtos, concorrência local com clubes de maior apelo nacional”.

Desgarrar dos concorrentes do nível nacional é o interesse da muitos dos maiores clubes de cada país, o que pode ser explicado, obviamente pela tendência natural da busca pela vitória, inerente ao ambiente competitivo, mas também pode ser potencializada por contextos específicos. No caso de Portugal, com a liga mais desigual da Europa, Benfica, Porto e Sporting buscam não apenas manter a hegemonia local, mas se manterem competitivos no continente e aí, para bater de frente com os gigantes europeus, cada centavo conta.

Dois projetos, um da FIFA e outro encabeçado por alguns dos maiores clubes do continente europeu, tem potencial para impactar diretamente na distribuição de recursos oriundos dos direitos de transmissão para os clubes. O primeiro é o Mundial de Clubes ampliado, com 24 equipes, disputado a cada 4 anos, que pode trazer uma quantidade de dinheiro significativa para os participantes, principalmente os não-europeus. Garantir presença constante na competição pode significar um salto definitivo no patamar financeiro para essas equipes em relação a seus pares locais, assim como ocorre com clubes de ligas periféricas do continente europeu na Champions League. O segundo é a liga europeia de clubes, que pode criar um abismo definitivamente intransponível entre o seleto grupo de convidados para o torneio e as demais agremiações do continente, mesmo aquelas dos países mais relevantes futebolisticamente. 

Streaming, futuro das transmissões esportivas e democratização do acesso aos jogos?

O debate sobre a viabilidade das plataformas de transmissão de jogos pela internet, o streaming, em diversos canais como YouTube, Facebook, Twitter, entre outros, também ganhou destaque a partir da assinatura da MP, principalmente com as experiências do Flamengo que inclusive chegou a cobrar diretamente dos torcedores pela transmissão das partidas. O que ajudou a abrir novas perspectivas para o setor.

Na análise de Pisani sobre o tema, “olhar só para TV é ter uma visão limitadora nos dias de hoje. Até porque, sob a ótica dos contratos começam a aparecer zonas cinzentas como streaming com paywall, que nada mais é do que uma versão atualizada do clássico pay-per-view, e transmissão aberta no site, que é praticamente o equivalente da TV aberta”, descrevendo os pontos positivos de cada plataforma “via TV, os clubes sempre vão ter o canal como intermediário, mas navegar numa mídia já consolidada e de fácil acesso para o brasileiro. Já o streaming trás a vantagem de que você pode estruturar ele dentro de casa mesmo, seja diluindo os custos em conjunto, por meio de uma liga, ou arcando com tudo sozinho, além de proporcionar uma infinidade de outros benefícios como, por exemplo, a coletar dados que te ajudam a dar maior escala e eficiência na hora de vender publicidade ou até refinar mais as entregas do seu produto. Por hora é possível utilizar o que cada um oferece de melhor conforme a necessidade”, conclui.

Para Fernando Borges, doutor em Ciências da Comunicação e Informação pela Universidade Pantheon-Assas, com diversos artigos publicados sobre a utilização de plataformas digitais por clubes de futebol é preciso cuidado para avaliar o cenário. O pesquisador ainda enxerga as emissoras como aliados importantes, “não basta ter uns quantos milhões de pessoas que se dizem torcedores de um time para ter sucesso financeiro em uma empreitada como essa. Acho que o Flamengo viu isso rapidamente com o caso dos jogos do Campeonato Carioca e o Benfica também viu isso com o seu canal. Não é apenas a quantidade absoluta que deve ser vista. No caso de Portugal, o Benfica tem cerca de metade da população identificada com o clube e cerca de 160 mil sócios. Mesmo assim, há um limite ao número de assinantes para um canal de TV paga, que é o modelo escolhido pelo clube. Eles dizem que chegaram a 300 mil assinantes – correspondente à meta estabelecida inicialmente, mas nunca anunciaram passar muito mais do que esse número. Além disso, para alavancar o negócio, além de todo os investimentos em recursos humanos e tecnológicos, eles investiram em outros produtos na época – campeonato inglês, por exemplo. Assim, os meios de comunicação de massa – TV aberta, TV a cabo – ainda são os melhores parceiros para os clubes de futebol das principais ligas e divisões para exibirem os seus jogos. São canais que conseguem entregar ao público um produto de qualidade, a uma audiência grande e variada, que interessa aos anunciantes da mídia e dos clubes e pagam bem aos clubes, sem grandes esforços por parte dos clubes”, pontua.

Fernando ainda explica que esse mercado ainda está longe de ter encontrado um modelo ideal, “acho que os clubes têm a possibilidade de explorar melhor o seu produto, se forem capazes de entender o que é esse produto. Aqui, não é nenhum demérito ao clubes, pois mesmo aqueles que são tidos como modelos de boa gestão, os grandes europeus e americanos, ainda estão experimentando e testando possibilidades para ver o que funciona. Não há um modelo definitivo na Europa: há canais de streaming, canais a cabo, com subscrição, gratuitos, clubes que fazem parcerias com outros players do mercado como a Amazon prime, Netflix, para fazer conteúdo. Não há uma fórmula pronta”.

No Brasil, um dos clubes que tem se destacado nas iniciativas de produção de conteúdo próprio é o Esporte Clube Bahia, com o Sócio Digital. A plataforma, própria do clube, disponibiliza conteúdos relacionados ao clube que contemplam o período entre o final de uma partida e o início da outra, com treinamentos, bastidores, etc. Com custo médio de R$ 8 mensais para o torcedor, a plataforma ofereceu mais de 100 horas de transmissão no primeiro mês com equipe própria. Em entrevista ao jornalista Rodrigo Capelo no podcast “Dinheiro em jogo”, foi disponibilizado no dia 9 de julho, o presidente do clube, Guilherme Bellintani mencionou que o clube vai buscar nos próximos anos aprimorar o seu modelo para que, ao final de 2024, com o encerramento dos grandes contratos com as emissoras, o clube esteja preparado para explorar o mercado da melhor maneira possível.

Com relação à democratização do acesso dos torcedores, Pisani faz um paralelo com a música, “a internet e os serviços de streaming remodelaram a indústria fonográfica nas últimas décadas. Eles democratizaram o acesso a uma gama quase que infinita de artistas e estilos, e foram além, facilitaram a vida de quem quer consumir apenas o conteúdo X com quem quer apenas produzir o conteúdo X. Da banda de garagem no melhor estilo faça você mesmo até gigantes da indústria, todos se beneficiaram da praticidade que o streaming trás na hora de distribuir conteúdo. Porém isso não significa que seu vizinho virou o Jay-Z do dia para noite ou que os Beatles deixaram de ser uma das bandas mais escutadas do mundo mesmo sem produzir algo novo por décadas por passar a ter mais concorrência na hora de você montar a sua playlist. E nada explica melhor isso que a teoria da cauda longa.  Se o torcedor do clube X tem sua maioria concentrada num recorte que mostra um baixo acesso à internet, não dá para colocar a palavra democratização aí. Se assistir todas as partidas por mês do meu time significa consumir 90% do meu pacote de dados ou parte considerável da minha renda não posso chamar isso de democratização também. Então diria que o streaming dá autonomia e te permite colocar a mão diretamente na distribuição, mas não necessariamente trás democratização”, avalia. Segundo reportagem publicada no UOL, para acompanhar todas as competições disponíveis legalmente em território nacional o custo para o torcedor é de R$ 3,7 mil ao ano.



Há espaço para clubes longe da elite do futebol na Televisão, quais são as alternativas nesses casos?

João Ricardo PisaniDepende do como você enxerga a TV e que recortes gostaria de fazer. A cobertura e a facilidade da TV aberta ainda são elementos que garantem números expressivos de audiência e por consequência maior potencial de arrecadação. Porém, se o recorte for feito pensando em uma transmissão em rede nacional, ou nos horários já consolidados como quarta à noite ou domingo no meio da tarde diria que não existe espaço, porque há outros produtos que geram um retorno maior para a maioria dos canais. Contudo, se for algo regionalizado, pensando em retransmissoras e/ou afiliadas das grandes redes, ou eventualmente espaços alternativos da grade, nesse caso eu diria que sim. Mas a questão aqui é que pensar só em TV é algo que já não faz mais sentido. O ideal é pensar na transmissão do evento e em quais plataformas ele pode render melhor e compor em cima disso.

Por exemplo, o futebol feminino pode se beneficiar de um horário alternativo dentro da grade de TV aberta para ganhar mais projeção num projeto de consolidação de curto ou médio prazo da modalidade, mas pode ficar escondido dentro da grade da TV fechada e minar algumas vantagens que o streaming trás de forma mais tangível. A praticidade de ter o conteúdo de forma direta e a capacidade de explorar elementos acessórios, como por exemplo a coleta de dados, e um contato maior com quem consome o produto tendem ser mais interessantes do que brigar por espaço dentro da grade dos canais de TV fechada.




No último dia 13, o deputado André Figueiredo (PDT-CE) apresentou o Projeto de Lei 4876, que também versa sobre o direito do mandante. As discussões sobre o tema, que é complexo e esbarra em muitos aspectos do futebol e das comunicações, seguem a todo vapor.

*Desde a assinatura da MP, Emanuel Leite Júnior, João Ricardo Pisani e Fernando Borges, entrevistados para essa reportagem integraram discussões profundas sobre os temas abordados aqui e alguns outros que podem ser acessadas aqui.

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O impacto das mudanças de comando técnico no futebol brasileiro

Amplamente reconhecido como uma potência na produção de jogadores de alto nível, o futebol brasileiro renova, aprimora e exporta gerações de talentos com consistência à economia global da modalidade. Considerando apenas latino-americanos em 2020, o Brasil posiciona 1535 jogadores profissionais em território estrangeiro, superando o volume absoluto de argentinos (913), colombianos (457) e uruguaios (358). Além disso, ao relativizar quantidade e qualidade, é possível notar que a nacionalidade brasileira se mantém como a líder no quesito minutos em campo na principal competição de clubes do planeta pelo terceiro ano consecutivo (onde também permanece no TOP 3 há 16 temporadas, desde 2004-05 a 2019-20). Seja por uma defesa subjetiva ou levantamento quantitativo, o jogador de futebol produzido pelo sistema brasileiro segue valorizado pelo mercado consumidor ao redor do mundo.

No entanto, um dos agentes prioritários da cadeia de formação e desenvolvimento desses talentos tem sido subestimado dentro do seu próprio território nacional. Diferente do jogador, o treinador de futebol brasileiro aparenta enfrentar dificuldades crônicas para ser reconhecido e projetado em seu país de origem, bloqueando sua ascensão rumo a ligas de maior impacto internacional e afetando, sobretudo, o padrão de qualidade do esporte praticado no país. Nada obstante, se as criaturas formadas pelo sistema são nitidamente exaltadas, não há sentido negligenciar os seus criadores. Por isso, antes de julgamentos que tentem simplificar os profissionais atuantes na função, ou até mesmo questionamentos sobre a ausência de treinadores brasileiros nos principais centros europeus, é imprescindível avaliar a realidade que os cerca dentro do Brasil como ponto de partida para uma reflexão crítica.

Sustentado por literatura acadêmica, aplicação de metodologia científica e avaliação econométrica, o estudo em questão (conduzido na Universidade do Esporte da Alemanha em Köln – Deutsche Sporthochschule Köln) investigou 16 temporadas de Brasileirão no formato de pontos corridos, reunindo todos os 6506 jogos disputados, 264 treinadores empregados e 41 clubes participantes da Série A no período entre 2003 a 2018 (2019 não faz parte da amostra por ser o ano de conclusão da pesquisa).

Com uma base de dados compreensiva, nossa análise estatística avançada utilizou um volume superior a 1 milhão de pontos sob observação, sendo que a coleta de dados foi conduzida de forma precisa através de fontes públicas confiáveis para assegurar resultados assertivos que pudessem gerar interpretações realistas

Respeitando uma metodologia científica adequada para a aplicação econométrica, o estudo atendeu aos parâmetros, testes e regras estatísticas já definidos (além de revisados e aprovados) pela comunidade acadêmica internacional de gestão e economia do esporte. Seguindo este raciocínio, a investigação se destaca por trazer um material inédito ao cenário do esporte brasileiro em termos de abrangência, profundidade e análise de dados, esclarecendo informações com embasamento e evidência científica para melhores decisões adiante na administração do futebol nacional.

Conforme esclarecido por pesquisas já existentes na literatura administrativa e econômica do esporte (reunindo estudos similares em 15 países), o treinador de futebol detém uma posição de liderança dentro de um sistema altamente complexo, dinâmico e competitivo. Por isso, para examinar a sua contribuição, torna-se necessário uma avaliação racional, com métricas objetivas e que estejam de acordo com o ambiente onde o seu trabalho venha a ser julgado. Caso contrário, resoluções superficiais, com base em argumentos simplistas e tomadas de decisão subjetivas tendem a minimizar o contexto real de um esporte (coletivo) de alto rendimento. Sobretudo, quando efeitos sensíveis ao tempo são considerados (como é o caso na mudança de treinadores), é imperativo estender a análise estatística (avançada, não básica) a períodos maiores antes de qualquer comparação de resultados.

No Brasil, o calendário competitivo apresenta uma configuração muito particular, pois favorece o desgaste físico sem sequer oferecer tempo para a preparação no início do ano (uma vez que a pré-temporada dos clubes participantes do Brasileirão tende a durar menos de 30 dias em janeiro, com variações de duas a três semanas) e tampouco para a recuperação ao longo do panorama anual (devido à alta incidência de jogos com agendas apertadas de fevereiro a novembro). Ademais, duas janelas de transferência
inevitavelmente comprometem a composição dos elencos, sendo que a principal fase de negociação de jogadores da economia global ocorre no meio da temporada brasileira. Devido a essas particularidades, testemunhar flutuações no desempenho esportivo pode estar diretamente relacionado a falta de preparação, descanso e reposição de recursos, aliado a exposição dos jogadores a um maior volume de jogos e o risco iminente de lesões, que afetam a produtividade em longo prazo.

Além disso, desvios de programação são recorrentes no futebol brasileiro. Especificamente no período que integra a nossa pesquisa, somente o ano de 2015 respeitou o calendário de jogos original, conforme fora previamente estabelecido pela organização do campeonato. Todos os outros 15 anos que compõem a nossa amostra testemunharam uma série de jogos antecipados e adiados, envolvendo distintas equipes, datas e rodadas dentro da mesma temporada. Com isso, infelizmente tornou-se inviável estudar o efeito das posições na tabela durante o Brasileirão, pois a informação histórica disponível ao público não recalcula precisamente as disparidades do calendário conforme cada rodada acontecera. Para tornar a nossa análise precisa, assertiva e realista, todos os 6506 jogos das 16 temporadas foram reordenados de acordo com a sequência cronológica exata ao longo do período.

Já antecipando uma das implicações práticas deste estudo, o que percebemos após um profundo diagnóstico sobre o cenário de pontos corridos do Brasileirão desde 2003 a 2018 (lembrando que 2019 não faz parte da amostra por ser o ano de conclusão da pesquisa) é que, por estar desprovido de condições minimamente sustentáveis para exercer o seu trabalho, potencial e carreira, o treinador de futebol brasileiro tem visto o seu crescimento profissional ser barrado ao longo dos últimos anos (ou décadas) por fatores desassociados a uma avaliação racional no país.

Enraizados a um sistema político que privilegia ações impulsivas e benefícios de curto prazo, os dirigentes, diretores e presidentes de clubes de futebol no Brasil aparentam seguir tendenciosos ao engajamento de decisões subjetivas, emotivas e passionais, almejando atingir de forma desesperada os resultados desejados através da especulação no controle da liderança. Sob tais circunstâncias, descartar treinadores ressoa simplesmente como uma resposta arbitrária e sem esforço frente a pressão externa (ou conflito político interno), uma tensão que pode ser precipitada por derrotas, por expectativas superestimadas ou até mesmo pela manipulação da opinião pública em veículos de imprensa esportiva.

De fato, ao compararmos a média de trocas de comando técnico do Brasileirão a outras importantes ligas de futebol do planeta, o Brasil se destaca com números alarmantes e assume a posição isolada como o campeonato que detém a taxa mais alta de mudanças de treinadores (considerando apenas trocas realizadas durante o Brasileirão, desde o primeiro ao último jogo de cada temporada – sem contabilizar mudanças que ocorreram entre uma edição e outra da liga nacional, que naturalmente incluiria os campeonatos estaduais e aumentaria os números).

Para tornar viável o emprego de treinadores efetivos e interinos, o estudo em questão definiu que os técnicos que foram publicamente anunciados como interinos e permaneceram no cargo até no máximo 15 dias (durante a transição entre a saída de um líder efetivo e a entrada do seu substituto) receberam a classificação final como interino. Tal medida respeitou a aplicação de um critério métrico (evitando contradições subjetivas) ao calcular que um treinador interino poderia ficar no cargo até aproximadamente um quarto do tempo médio que um treinador efetivo permaneceu durante a vigência do Brasileirão (apenas 65 dias, em média – que ilustra uma janela de 8 a 10 jogos na liga nacional).

Vale ressaltar que até a liga nacional ser equilibrada (em 2006) com a composição atual de 20 equipes na disputa, os anos de 2003 e 2004 foram conduzidos com 24 clubes participantes, enquanto 2005 reuniu 22 clubes.

Em termos descritivos, entre todas as 594 mudanças de comando técnico identificadas ao longo das 16 temporadas de Brasileirão sob análise (2003 a 2018), 131 trocas referem-se a passagens de treinadores interinos na função, cuja participação total representa somente 1,48% da nossa amostra.

A fim de facilitar o entendimento sobre o formato de pontos corridos na disputa da liga nacional, registramos cada um dos 264 treinadores que atuaram no período respeitando a ordem cronológica de suas aparições na competição. Desta forma, visualizamos que, em média, 34,6% dos treinadores por temporada são novos entrantes na Série A (ou seja, novos treinadores entrando pela primeira vez na competição de pontos corridos do Brasileirão), que ajuda a ilustrar uma abertura do mercado brasileiro a novos profissionais (independente da idade ou experiência do treinador).

Muito embora novas oportunidades teoricamente recebam espaço constante na Série A, torna-se nítida a insegurança da profissão no topo do cenário nacional. Porém, apesar de reclamações, argumentos e discussões públicas iniciadas pelos próprios treinadores acerca da volatilidade na função, a incidência de profissionais que se repetem na mesma temporada chamou muito a nossa atenção, pois aparentemente quase um quarto dos indivíduos (por ano) não colocam em prática a teoria que a sua classe defende

Em média (por ano), 22,7% dos treinadores atuantes no Brasileirão aparecem duas ou mais vezes na mesma temporada. Isto significa que, em média, 10 profissionais por ano aceitam assumir o cargo de treinador em pelo menos duas situações distintas durante a mesma competição (apesar de argumentos públicos contrários às trocas por parte da classe de treinadores no país). Tal repetição pode ocorrer por quatro motivos: (a) treinador exerceu a função como interino pelo menos duas vezes; (b) treinador exerceu a função como interino e também como efetivo; (c) treinador exerceu a função em pelo menos dois clubes distintos; (d) treinador exerceu a função duas vezes no mesmo clube, sendo recontratado após uma rescisão (voluntária ou involuntária).

Considerando a importância da sucessão de líderes (técnicos) por meio de planejamento estratégico na gestão esportiva (além de assustados com números tão expressivos, porém nada invejáveis sob uma perspectiva econômica no esporte), resolvemos aprofundar o tema e examinar minuciosamente as potenciais causas que antecedem as mudanças de comando técnico no futebol brasileiro, bem como as consequências das trocas de treinadores sobre o rendimento esportivo.

Por meio da econometria, respondemos exatamente as duas perguntas abaixo:

  1. Sobre as CAUSAS:
    Quais são os fatores determinantes para as trocas de comando técnico no Brasil?
  2. Sobre as CONSEQUÊNCIAS:
    Como as trocas de comando técnico impactam o desempenho esportivo no Brasil?

Visão geral de todas as mudanças de comando técnico inclusas na amostra (em ordem cronológica, 2003 a 2018)

A PARTE 2 trará as respostas da primeira pergunta do estudo, dissecando a evidência científica sobre as causas que determinam asmudanças de comando técnico no Brasileirão.

Em seguida, a PARTE 3 irá tratar das respostas da segunda pergunta do estudo, explicando o impacto da alta rotatividade de treinadores e as reais consequências sobre o rendimento esportivo.

Por fim, a PARTE 4 concluirá o estudo, revisando as principais implicações práticas em torno dos treinadores, dirigentes e torcedores interessados no avanço do futebol brasileiro.

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Clube-Empresa e Governança Corporativa, a solução para a vida financeira dos clubes?

É sabido que o futebol brasileiro carece de uma gestão profissionalizada, com executivos profissionais, devidamente remunerados para tal, com dedicação quase, se não, exclusiva ao cargo de gestão que ocupam nos clubes de futebol.

Certamente, o modelo jurídico adotado pelo futebol brasileiro, qual seja, o modelo associativo, de certo modo, não estimula uma gestão organizada e profissional dos clubes de futebol, ao passo que, na grande maioria das vezes, a indicação do conselho gestor dos clubes ficam nas mãos dos conselheiros, que em sua maioria, são apaixonados pelo time mas não gozam de conhecimento técnico suficiente para indicação e, até mesmo, gestão de associações desportivas.

Neste cenário, o momento da pandemia veio reforçar ainda mais o quão enriquecedor pode ser o processo de transformação dos clubes de futebol em clubes empresas, mas por quê?

Primeiramente, sem adentrar ao mérito das questões tributárias que ainda estimulam os clubes a se manterem como associações desportivas sem fins lucrativos e que poderão ser objeto de outra coluna, há que se reparar que o momento de pandemia demonstrou, mais ainda, a fragilidade financeira dos clubes de futebol brasileiros bem como a dependência de determinadas receitas para a manutenção da estrutura financeira.

É notório que os clubes de futebol têm em seu orçamento, de forma relevante, a contabilização das receitas advindas de direito de transmissão, bilheteria, dentre outras receitas vinculadas às partidas de futebol, o que com a pandemia, foi duramente afetado.

Logo, ficou evidente que instituições que possuem bons parceiros financeiros, conseguiram manter o nível de contratações em patamar diferenciado, além de conseguir manter a totalidade, ou quase a totalidade, das despesas recorrentes em dia. Mas surge o questionamento: Como esses valores ingressam nos clubes? A que título isso é realizado?

De uma forma simples, muito destes valores ingressam nos clubes por meio de contratos de mútuo, que é um mecanismo legal para empréstimo de quantias financeiras (não só isso, mas iremos nos limitar no presente caso).

Observa-se, então, que no modelo associativo, os clubes de futebol sempre ficam na dependência de aportes de terceiros, muitas vezes, com contrapartidas que, na primeira vista, podem não “doer” aos cofres dos mencionados times, mas no médio prazo, certamente aumentará de forma significativa o endividamento da instituição, o que pode acarretar problemas irreparáveis, por se tornar “bola de neve”.

Mas o modelo clube empresa mudaria isso? Certamente, tudo que é novo causa uma certa estranheza e desconfiança, e cravar que seria a solução é algo arriscado, pois o modelo, por si só, não anda sozinho, mas orienta a ações de pessoas.

Todavia, o clube ao se organizar no modelo empresarial, surgem algumas obrigações legais que trazem conforto para possíveis investidores, para os seus sócios/acionistas, que podem vir a ser, inclusive, torcedores.

É sabido que modelos jurídicos como as Sociedades Anônimas, por exemplo, demandam regras mínimas de governança corporativa, que podem ser aprimoradas e aprofundadas por cada instituição, que garantem aos seus acionistas e pessoas interessadas, segurança suficiente para obter retornos transparentes sobre a gestão e dia a dia do clube.

Outro ponto relevante, diz respeito a possibilidade de criar um plano de negócios que possa efetivamente ser cumprido, com executivos profissionais, devidamente escolhidos por acionistas e/ou investidores, e que terão papeis bem definidos e responderão pelos seus atos, nos termos da lei.

Ou seja, a gestão do clube, ao se tornar mais transparente e profissional, faz com que aquele clube se torne mais atrativo para captação de recursos, e ainda, que não necessariamente entrariam como dívidas para a instituição, mas sim, mediante aporte de capital, por exemplo.

Ainda, ao tornar a instituição desportiva em uma sociedade com fins lucrativos, com regras de gestão bem definidas, cargos diretivos sendo executado por executivos profissionais e remunerados por isso, divulgando suas demonstrações financeiras de forma coerente e transparente, e retirando das mãos de pessoas não totalmente capacitadas, mesmo que bem intencionadas, a gestão do clube, minimamente, torna mais seguro e justificável para investidores aportarem capital nas mencionadas instituições.

Ou seja, a implementação de boas estruturas de governança corporativa, que muitas delas já são abordadas nas próprias legislações específicas (Código Civil e Lei de S.A), passam a dar uma cara mais profissional à gestão do futebol, o que, certamente, atrairá grandes players para esse mercado.

Seria a solução? Não podemos cravar que sim, mas, certamente, a implementação de medidas de controle e estruturas mais organizadas, como em todos os mercados, atrai investidores, e por qual motivo não atrairia em um mercado tão sedutor como o da bola?

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol

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Em defesa do bobinho: um breve ensaio

Vocês sabem que o debate sobre futebol, como o debate sobre qualquer outra coisa, é uma questão de narrativas. Quem controla a narrativa, controla o debate. Como disse certa vez o Don Draper, personagem principal dessa brilhante série que foi Mad Men: if you don’t like what’s being said, then change the conversation – se você não gosta do que está sendo dito, mude o assunto – em tradução livre.

Digo isso porque, como já escrevi aqui e aqui, muito do que se vende hoje em dia como futebol ‘moderno’ talvez não o seja de fato, ou talvez seja, na verdade, apenas reflexo de uma ou de algumas novas narrativas, a partir de outras palavras que vão se colocando no debate. Vejam o caso do rondo, por exemplo: especialmente depois dos históricos resultados esportivos obtidos pela Espanha – e repare aqui como geralmente o debate não está bem na esteira dos processos em si, mas dos resultados subjacentes a eles, nós começamos, aos poucos, a não mais falar que fazemos bobinho, ou que jogamos bobinho, como se não tivéssemos jogado bobinho a vida inteira, mas sim que fazemos rondos, que em todos os nossos treinos há rondos, e aí falamos da importância pedagógica dos rondos e etc.  

Neste texto, gostaria de defender rapidamente duas coisas: uma que, na minha modesta opinião, bobinho e rondo são coisas diferentes, o que significa que não são termos automaticamente substituíveis e que não podem ser confundidos um com o outro. Ao mesmo tempo, gostaria de falar não apenas do uso, mas de uma própria defesa do bobinho enquanto palavra, e da importância do bobinho na articulação das nossas próprias narrativas sobre futebol. 


Por várias vezes, inclusive dentro de campo como treinador, percebi um certo incômodo, ora de atletas, ora de outros atores envolvidos no processo, quando usei o termo bobinho – ao invés do termo rondo, por exemplo. Hoje, olhando com um certo distanciamento, sinto que esse incômodo tem uma origem dupla:

1) como está no diminutivo, parece que falar ‘bobinho’ significa falar de algo menor, inferior, desimportante, secundário, dispensável. Isso não deixa de ser interessante, porque como nossos processos de treino são fruto das narrativas que os alimentam, é claro que nos damos cada vez menos o direito de usar palavras supostamente menores, desimportantes, dispensáveis, porque nos nossos processos de treino, nós nos sentimos cada vez mais pressionados a aparentar – ainda que seja apenas e tão somente uma aparência – que estamos comprometidos com isso que se vende como ‘moderno’, ou mesmo com o que está associado à suposta ‘modernidade’ de determinados países europeus, e aí não surpreende que nós adotemos os nomes compostos, ou que falemos de pressing, de box-to-box, de pivotes e etc, ainda que o nosso idioma tenha palavras capazes de substituí-las. A partir da negação dos diminutivos, por exemplo, não surpreende que nos percebamos cada vez mais sisudos, com processos de treino tão sisudos que soam quase como laboratórios científicos – ainda que nem sempre fruto de ciência boa, e não por acaso também jogamos, vez por outra, um futebol sisudo, muito sério, muito ‘organizado’ – a partir de um entendimento bastante curto do que pode ser a ‘ordem’ no futebol, e que não raro se mostra contraído, pressionado, estéril, às vezes vazio. 

2) no caso do bobinho, além de um termo genuinamente nacional e no diminutivo, ele ainda faz, obviamente, referência ao bobo, ou mais especificamente a um certo sujeito que é bobo – ou, no caso do jogo, que está como bobo. Mas como estamos preocupados em nos mostrar sisudos demais, um pouco aborrecidos e às vezes mais preocupados com a letra do que com o pé, me parece que o simples fato de citarmos a palavra ‘bobo’ ou ‘bobinho’ gera um certo constrangimento, não apenas como se fosse algo menor e etc, mas também como se fosse um termo ligeiramente ofensivo, como se não pudéssemos sequer insinuar que um atleta esteja como bobo, ou possa vir a ser um bobo, o que imediatamente faz com que alguém nos advirta, explicitamente ou nas entrelinhas, que falemos dele não como bobo, mas como marcador, oponente, qualquer coisa do tipo. Repare que aqui há uma relação muito grande com o que escrevi outro dia, neste mesmo espaço, quando argumentei que o treino não existe para ser legal, e que quando nos preocupamos em fazer coisas sempre muito legais ou agradáveis demais – a partir, por exemplo, das palavras que usamos, talvez estejamos fazendo qualquer outra coisa que não educação.

O fato é que me parece claro que estamos devagarzinho negando o bobinho, que fez e faz parte de um pedacinho das nossas vidas, uma parte bonitinha de quando éramos pequenininhos – para usarmos palavras mais sofisticadas, com tons de estrangeirismo, como é o caso do rondo. O rondo é, basicamente, o jogo clássico de manutenção da posse dos espanhois, que passou a ser mais citado e cultuado, como eu mesmo já disse anteriormente, a partir dos resultados esportivos da primeira década deste século – curioso que, após tantos e tantos resultados esportivos do Brasil ao longo do tempo, não me lembro de nenhum país que tenha importado, nas suas narrativas, o bobinho – mas também a partir das práticas e dos discursos de um exímio treinador como Pep Guardiola, ou de uma geração de jogadores que dominaram a posse com maestria, como foram Xavi, Andres Iniesta, Xabi Alonso, Sergio Busquets, Cesc Fabregas, David Silva, o próprio Thiago Alcântara e etc. Mas há um ponto muito importante: na minha modesta opinião, bobinho e rondo são coisas diferentes

Em primeiro lugar, o simples fato de chamarmos o bobinho de bobinho já deixa claro que se trata de um jogo genuinamente brasileiro. Como vocês sabem, aliás, são poucos os lugares no mundo que usam termos e mesmo nomes no diminutivo, sendo o Brasil um deles. Salvo engano meu, no catedrático Raízes do Brasil, o próprio Sergio Buarque de Hollanda apresenta uma argumentação bastante particular para o fato de usarmos palavras e nomes no diminutivo, sendo uma expressão de um outro tipo de afeto que construímos por aqui. De qualquer forma, quando falamos alguma coisa no diminutivo (e falamos muitas coisas no diminutivo), basicamente falamos de um traço da nossa coletividade enquanto brasileiros. Negar o diminutivo, portanto, não deixa de ser uma negação da nossa própria cultura.

Ao mesmo tempo, o bobinho tem uma vinculação cultural muito forte para todos nós. Você, que lê este texto agora, provavelmente jogou futebol na rua, formou-se de alguma forma na rua – lembrando da rua, como já nos disse o professor João Batista Freire, como tudo aquilo que não é fruto de educação formal ou sistemática – de modo que é muito provável que todos nós tenhamos jogado bobinho. E uma das características centrais do bobinho, que sinceramente me chama muito a atenção, é que nós jogávamos o bobinho por jogar, de maneira descompromissada, nós nos sentíamos bem jogando bobinho, nós queríamos que o bobo continuasse como bobo e que nós não fôssemos o bobo, ao mesmo tempo em que nós também gostaríamos que o bobo, que às vezes estava como bobo há muito tempo, deixasse de ser o bobo e fosse para o outro lado da roda. Nós jogávamos bobinho pelo simples prazer de jogar, mesmo sabendo que o jogo tem sim um compromisso, às vezes implícito, às vezes não, com a vitória, mas nós só queríamos jogar, não queremos ser os estraga-prazeres, queríamos adversários de bom nível, queríamos jogos melhores e eventualmente mais difíceis. O ponto é que, a meu ver, jogávamos bobinho pelo prazer de jogá-lo.

O rondo, por sua vez, me parece ter uma outra natureza. O rondo me parece uma ideia muito mais utilitária do que o bobinho. Ou seja, quem joga o rondo, joga pensando em uma utilidade específica, em um certo fim, que de alguma forma se sobrepõe ao prazer do jogar. Não por acaso são tão grandes e repetidas as associações que fazemos dos rondos com a performance esportiva, justamente porque é a partir dela – e de nenhum outro lugar – que conhecemos o rondo, é ela que nos ilustra o significado do rondo, é a partir de livros de treinadores vitoriosos que lemos coisas e mais coisas sobre o rondo, por que fazê-lo, para onde eles vão, o que fazem e etc. E vejam bem, isso não é um problema: isso é fruto de uma dada cultura, em um dado tempo, com dadas intenções, e essa cultura, e esse tempo e e essas intenções não precisam – e nem querem ser – as nossas. Nós temos a nossa cultura, o nosso tempo, as nossas intenções. Não é preciso negá-las para reconhecer a cultura dos outros.

Se me permitem, reparem numa outra questão fundamental, ainda que um pouquinho mais sociológica: pelo menos para mim, é muito difícil não olhar para o rondo, tendo em conta o lugar de onde vem, sem lembrar das touradas tão características da cultura espanhola. Para muito além da questão ética das touradas, me chama a atenção que a dinâmica do rondo seja muito parecida com a dinâmica toureiro-touro, sendo este último o enganado, ludibriado, distraído, enquanto o toureiro, cuja mente não pode ser estéril e nem demasiadamente sisuda, cria armadilhas para, no último instante, enganá-lo definitivamente. Não tenho nenhum estudo mais aprofundado neste sentido, talvez nem queira ter, mas não deixo de pensar que existe alguma coisa na psicologia do sujeito espanhol que lhe faça admirar esse tipo de coisa, esse tipo de engano, essa forma mais utilitária de ludibriar que, portanto, tem um outro fim além dela própria, e talvez por isso seja, por um detalhe, bastante diferente daquilo que nos acontece por aqui. Sobre este assunto, escrevi pela primeira vez em 2018, num largo ensaio que produzi sobre a Espanha, à época treinada por Julen Lopetegui – que me parecia fazer várias touradas dentro do jogo jogado.   


Por hoje, acho que estamos conversados. Este é um assunto que me interessa muito – não por acaso me estendi um bocadinho, logo voltarei a ele. 

Seguimos nos comentários. 

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Futebol e cultura – potências nacionais que podem abrir portas para o Brasil

A genial ação de marketing do Burger King, que envolveu uma equipe da 4ª divisão inglesa masculina, o Stevenage FC, videogame – FIFA – e a distribuição promocional de produtos da rede de fast-food, tomou a internet na última semana, quando foi divulgada de maneira oficial nas redes sociais do clube. Oferecendo prêmios aos jogadores virtuais que escolhessem o Stevenage como equipe no jogo, o Burger King, atingiu resultados impressionantes desde o início da campanha como os mais de 25 mil gols do clube inglês feitos pelos jogadores virtuais e compartilhados nas redes sociais, obviamente com o logo da companhia estampado na camiseta da equipe. A equipe inglesa passou a ser a mais escolhida do modo carreira do jogo e pela primeira vez na história do clube o estoque de camisas foi esgotado.

Abaixo você pode conferir o vídeo de divulgação dos resultados da campanha compartilhado nas redes sociais do Stevenage (o material está em inglês).

É possível que você não tenha notado, mas além de Neymar, temos outra presença brasileira no vídeo que é o funk. A trilha sonora do material de divulgação traz referências claras ao ritmo brasileiro, muitas vezes desvalorizado e até perseguido em sua terra natal.

Assim como o futebol, que é, provavelmente, o maior símbolo da identidade brasileira ao redor do mundo, a música, e a cultura de maneira geral, também tem um grande potencial para aproximar o país do público global. Esse poder de atração que a cultura e o futebol podem exercer no âmbito global está relacionado ao conceito conhecido nas relações internacionais como soft power. O soft power, ou poder suave, de um país consiste na capacidade daquela nação de abrir portas e atingir seus objetivos por meio da persuasão, evitando o uso da violência ou ameaça militar e até mesmo econômica. Vale aqui mencionar o livro “Clube empresa: abordagens críticas globais às sociedades anônimas no futebol” que se aprofunda em exemplos atuais de como o futebol vem sendo utilizado como instrumento de soft power por diferentes países.

Apenas pela definição do que é o soft power talvez não fique tão claro como ele funciona na prática, um exemplo que pode ajudar a ilustrar essa dinâmica é o da Coreia do Sul e o grande investimento feito pelo país em seu setor cultural. No final da década de 90, o governo coreano, que buscava alternativas para ajudar o país a sair da crise econômica que atingia a região, decidiu investir em sua indústria criativa. Foi a partir desse movimento que o K-Pop, estilo que conquistou o mundo nos últimos anos, ganhou espaço e investimento, ganhando até um departamento próprio dentro do Ministério da Cultura do país. No longo prazo, o investimento e a valorização da música e dos artistas locais trouxe como fruto o reconhecimento internacional, e os milhões de fãs do gênero e de seus grupos musicais que vem ajudando a aquecer a economia local. O interesse pela música e suas bandas tem feito aumentar o interesse e até a simpatia pelo país, 1 a cada 13 turistas citou o BTS, o principal grupo musical do estilo como motivo de escolher visitar a Coreia do Sul, de acordo com o Instituto Hyundai. O turismo total no país triplicou em um período de 15 anos.

A admiração que ultrapassou as fronteiras do território nacional também ajuda a quebrar barreiras tidas normalmente como intransponíveis como na relação das Coreias do Sul e do Norte. Em 2018, um acordo entre os dois países permitiu que shows do gênero fossem realizadas na Coreia do Norte. Também em 2018, o BTS foi convidado para discursar na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU – durante o lançamento de um projeto que visa aumentar o investimento na melhoria de vida de crianças e jovens em todo o mundo.

O impacto econômico do fenômeno do K-Pop também é relevante para o país. Em 2018, a indústria musical local cresceu 17,9%, apenas o gênero rende mais de US$ 4,7 bilhões ao ano. Para efeito de comparação, todo o futebol brasileiro movimentou R$ 52,9 bilhões – ou US$ 13,56 bilhões considerando a cotação da época no fim de 2018, que era de cerca de R$ 3,90.

As portas que a Coreia do Sul vem abrindo por meio do investimento na cultura, com o K-Pop e também com outras manifestações como o cinema, cabe lembrar o filme “Parasita” que venceu o Oscar de melhor filme em 2019, costumam ser abertas pelo Brasil e pelos brasileiros com uma tal camisa amarela acompanhada de 5 estrelas bordadas e um número 10 nas costas. Não faltam relatos de viajantes brasileiros sobre como, quando a coisa aperta, mencionar o país de origem e o futebol pode salvar de enrascadas. Mas será que não poderíamos fazer mais? Quantas pessoas visitam o Brasil por conta da nossa música? E para conhecer algum clube? O Museu do Futebol ou da Seleção Brasileira? O Maracanã?

Grandes jogadores e jogadoras brasileiros costumam, além de desfilar um talento único pelos gramados do mundo, fazer boas tabelas com a música e cultura nacional. O último movimento de destaque foi o de Neymar e sua “JBL” nas finais da Champions League, já em 2011, a comemoração de Marcelo e Cristiano Ronaldo ajudaram a fazer bombar o hit “Ai se eu te pego” que rodou o mundo na época. Voltando para os videogames a cantora Anitta, que já há algum tempo se movimenta para conquistar o mercado internacional, ganhou espaço de destaque na mais nova versão do FIFA, sendo uma das estrelas do show de lançamento do jogo. Além disso, Anitta terá música e uniforme especial dedicado à ela dentro do jogo.

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Neymar e sua JBL nas finais da Champions League, “o pai tava on” e o Brasil e mundo foram de carona. Crédito: redes sociais/UEFA

O carisma e irreverência brasileiros conquistam o mundo sem muita força. Com ações estratégicas e a valorização do futebol e da música, assim como como K-Pop e o cinema na Coreia, esse carisma natural tem tudo para alçar voos ainda mais altos e duradoros.

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Aprendizados da “Rua Pernambuco”

Este texto se propõe contar algumas histórias vividas na rua Pernambuco, em uma cidade do litoral do Rio Grande do Sul, na década de 1990. Eu era a primeira filha de um casal recém-chegado ao local, assim como outras pessoas que foram até essa cidade em razão da urbanização e ocupação do território, durante os anos 1980. A rua era de paralelepípedos e havia alguns terrenos baldios ao redor das casas onde eu e meus vizinhos morávamos, meu irmão dois anos mais novo participava das brincadeiras, mas não gostava dos jogos de futebol. Assim, eu cresci rodeada de meninos, com a liberdade de brincar durante as tardes com eles, na rua Pernambuco e arredores.

Olhando para trás percebo o quanto aquela experiência foi importante para minha formação, como pessoa e como jogadora de futebol (não cheguei ao estágio profissional, mas pratiquei e pratico até hoje). Jogar com os meninos sempre foi desafiador, tínhamos quase a mesma idade, mas algumas questões físicas e de experiência mesmo acabavam pesando. Mas sempre nos acertávamos nas regras e nas trocas de aprendizados: por que eu sempre caía quando eles me acertavam com o famoso “carrinho”, e quando eu tentava a artimanha, eles facilmente escapavam? O jogo corria no pátio dos fundos de casa, era uma tarde cinza de inverno, até que eu perguntei qual era o segredo, a resposta veio entre risos: tu precisa levantar um pouco a perna, para o adversário não conseguir pular ou desviar. Pronto! Agora já sei, todos sabíamos.

O primeiro “campinho” foi no terreno bem em frente à minha casa, não lembro com precisão, mas algum adulto nos ajudou a construir a goleira, tinha rede e marcação da área. A parede atrás da goleira era de uma casa de pessoas conhecidas, “veranistas” que raramente apareciam no inverno, mas sabíamos que poderíamos ter problemas com as “boladas” na parede. Quantos jogos de 3 dentro, 3 fora disputamos lá! Era cada “bomba” na parede! Ela segue em pé até hoje.

Não lembro a razão, mas nosso “campinho” precisou ser transferido, acho que os “veranistas” não estavam gostando da bola pegando na parede deles, nem quando subíamos no telhado para recuperá-la. Onde seria o nosso novo espaço sagrado? Jogamos pelos pátios por um tempo (naquela época as casas não contavam com grades nem muros altos, bons tempos!) e, em seguida, encontramos o lugar ideal. Ficava mais adiante da minha casa, um espaço um tanto mais baixo que a rua, uns 30 ou 40 metros de largura, fazendo divisa com casas atrás das duas goleiras. Minha lembrança não ajuda muito, o que ficou nítido é que, quando tínhamos tempos de chuva, o jogo na lama era pura diversão, depois a gente via como limpar as roupas, a alegria e a parceria eram garantidas. Algumas pessoas mais velhas, tios, primos, amigos(as) apareciam para jogar e algumas vezes tivemos boas disputas no nosso campinho.

Eu estudava pela manhã, então às tardes podia brincar com os meninos, jogar bola, óbvio. As vezes jogávamos com a minha bola, outras vezes, com a bola do vizinho da frente. Alguém batia palmas lá na frente de casa e íamos convidando uns aos outros no caminho até o campo. Jogávamos gol a gol, driblezinho, bobinho, goleirinha de chinelo. Tudo era motivo de aprendizado, para todos um momento importante e aguardado do dia. Quando tinha alguém de castigo era uma tristeza, por que o fulano não ia brincar?

As lembranças são de um tempo divertido, de aventuras, de descobertas. Certo dia um deles comentou que começaria a jogar em uma escolinha, que máximo! O que seria isso? pensei. Ele era muito bom de bola mesmo, ia ser profissional. O pai dele e meu tio jogavam no campo da associação do bairro, meu pai e eu sempre íamos assistir. Ficava na grade observando os lances, comentando com meu pai, perguntando, ouvindo o que falavam. Como o mundo era legal!

Teve um tempo em que formamos um time de verdade. E nos sábados éramos desafiados ou desafiávamos times de outros bairros. Os jogos aconteciam nas praças que tinham campos bem grandes, com goleiras, as marcações eram definidas minutos antes do jogo: a calçada é o limite da lateral, vamos cravar essa estaca para marcar o escanteio e a linha de fundo. E assim seguia o jogo. Algumas famílias sempre acompanhavam, meu pai sempre estava junto, entusiasta do esporte (mesmo não jogando).

Não saberia dizer qual e quando foi nossa despedida dos campos da rua Pernambuco, aos poucos os temas da escola ficaram mais intensos, as demandas para ajudar em casa começaram a aparecer, os tempos de festinhas e as mudanças de interesses. O jogo acompanhou e acompanha minha vida, comecei na rua de casa, depois na escola, na “escolinha”, depois no time da empresa, e, por último, no grupo de amigas. Naquela época parece que nenhum de nós sabia dos preconceitos, e não saber que esse esporte era “proibido” às meninas me ajudou a ultrapassar as barreiras que hoje enxergo, assim como o apoio da família.

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Sobre os leitores e leitoras do bom futebol

Vocês sabem que eu estava lendo, outro dia, um pedaço de um desses livros que usei como referência na minha pesquisa de mestrado. Chama-se ‘Nietzsche & a Educação’, escrito por este brilhante filósofo que é o Jorge Larrosa – que já citei algumas vezes aqui. Num certo momento, analisando uma das passagens escritas pelo Nietzsche, Larrosa faz uma observação muito interessante, que gostaria de trabalhar com vocês. Diz ele o seguinte:

“É a vida em sua totalidade, e não só a inteligência, a que interpreta, a que lê. Mais ainda, viver é interpretar, dar um sentido ao mundo e atuar em função desse sentido. Por isso a incapacidade para ler um livro não implica tanto a falta de ‘preparação’ do leitor como a falta de uma comunidade de experiências com o livro que, em última instância, remete a uma diferença vital e tipológica. Ser ‘surdo’ a uma obra, mesmo que a tendo ‘compreendido’, supõe ter outra disposição diferente daquela que a obra expressa. Quando um livro expressa em uma linguagem inédita experiência muito pouco comuns, ou radicalmente novas, e um tipo vital fora do comum, quase ninguém poderá lê-lo.”

No ano passado, escrevi neste mesmo espaço um texto apresentando um pouco do que entendo como o jogador inteligente. Basicamente, usei a origem da palavra para defender que o jogador inteligente é aquele capaz de ler nas entrelinhas. Ou seja, enquanto os outros só conseguem enxergar o literal, o jogador inteligente enxerga além, enxerga entre, lê o que os outros não leem. Não sei se fica tão claro assim, mas podemos tirar pelo menos duas coisas daqui: a primeira é que o texto que se apresenta ao jogador inteligente é o mesmo texto que se apresenta aos outros – portanto, a diferença não está no ‘texto’ em si, mas na ‘leitura’ que se faz dele. A segunda é que isso não vale apenas para o jogador, vale também para treinadores, assistentes, analistas, fisiologistas, preparadores físicos, gestores e etc. A inteligência, enquanto capacidade de ler e de tentar compreender as entrelinhas, cabe a todos nós.

Mas repare que quando nos dispomos a assistir a um jogo de futebol, ou mesmo assistir às nossas sessões de treino, ou de outros colegas, quando nos dispomos a analisá-las e a interpretá-las, a inteligência em si não basta. O motivo por que citei aquela passagem do Larrosa é para questionar a nossa leitura do futebol, ou de qualquer outra modalidade, acontece de corpo inteiro ou não. Será que os olhos são suficientes para assistir ou analisar bem um jogo de futebol? A meu ver, não. É preciso ir além e refinar todos os sentidos, para uma educação capaz de ouvir ao jogo – para que não sejamos surdos a ele, de tocar o jogo – para que ele também nos toque, de sentir o aroma do jogo – para que saibamos reconhecer uma equipe pelo perfume, ou mesmo uma educação capaz de saborear o jogo – pois a palavra sabor, não se esqueça disso, tem a mesma origem da palavra saber. A visão, embora seja um sentido privilegiado, não basta. A inteligência também não.

Só que vocês haverão de convir comigo que nada disso é ensinado por aí, essas coisas não aparecem nos cursos de formação – pois há quem diga que não é ‘prático’. Afinal, acreditamos que o que nos faz melhores é a quantidade de conhecimento que acumularmos. Bom, isso não é um problema em si, mas basicamente significa que podemos cair facilmente no mesmo problema apresentado pelo Larrosa acima, ou seja, da ‘falta de preparação do leitor’. Porque quando nos dispomos a ler um determinado jogo, ou uma determinada metodologia, ou uma determinada sessão de treino, ou um determinado atleta, quando nos dispomos a ler a nós mesmos em relação com o mundo, não é preciso que nos defendamos – ou que nos escondamos – atrás da preparação, ou da suposta falta de preparação, ou dos saberes, ou da suposta falta de saberes, não é preciso – nem é inteligente – nos restringirmos com barreiras tão pequenas: podemos muito bem nos apoiar na comunidade de experiências que fazemos com o jogo, ou com o método, ou com o treino, ou com o atleta – e isso se faz de corpo inteiro. As coisas que precisamos saber não estão nas coisas em si, mas na qualidade das relações que estabelecemos com elas, no sentido que damos a elas, por isso cada saber é único, particular, não se repete. Não por acaso, aplicamos muitas vezes um mesmo conteúdo, de maneiras diferentes, no processo de treino: porque uma vivência apenas não basta, e quanto mais vezes voltarmos aquele conteúdo, provavelmente melhor e mais refinada será a relação que nós mesmos e os atletas estabelecemos com ele.

Para ser um bom leitor ou uma boa leitora de futebol, é preciso ler de corpo inteiro, não apenas com os olhos. E é justamente assim, lendo pela audição, pelo olfato, pelo tato, pelo paladar, lendo de corpo inteiro, que refinamos a nossa capacidade de dar sentido às coisas. Como diz o texto que citei no início: viver é interpretar. Eu realmente admiro a importância das avaliações mais objetivas e as colaborações das ciências mais duras em modalidades como o futebol, mas gostaria de pedir sinceramente a vocês que não confundam a razoabilidade dos saberes objetivos com uma completa negação da subjetividade, como ser sujeito fosse um problema e ser objeto, uma solução . Porque o sentido que eu dou ao jogo, ao método, ao treino ou ao atleta, será apenas e tão somente meu, assim como o sentido dado por você será apenas seu, assim como o sentido dado por um terceiro será apenas dele e portanto ninguém além de mim pode dar sentido às coisas como eu, ninguém além de você pode dar sentido às coisas como você – e assim sucessivamente. E é justamente nessa coisa meio plural, meio complexa, nessa coisa meio transitória, nessas contradições, nessa impureza, nessas diferenças – é nesses desencontros que eu, você e todos os outros nos fazemos únicos, nos tornarmos melhores leitores, do jogo que se joga mas não apenas dele, nos tornamos mais inteligentes. Nessas diferenças que o nosso saber contrai, relaxa, fadiga, supercompensa. Se não existem verdades próprias do jogo – me lembro aqui do Dostoieviski, tudo é possível.

E se tudo é possível, é melhor ler – e criar – de corpo inteiro.

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A cultura esmaga a proatividade

Com mais de dois meses do retorno do futebol em todo o país, já temos uma fotografia bem clara do cenário envolvendo clubes, técnicos, jogadores e as ambições e projeções de todos. Para aqueles que defendem uma melhor qualidade do jogo o contexto não é nada animador. O fato é que temos a mesma conjuntura de anos anteriores: técnicos cobrados pela vitória custe o que custar e com isso a tendência natural a privilegiar a defesa, dificuldades gritantes para criar comportamentos ofensivos elaborados e coordenados e o que é pior neste ano: a ausência do elemento torcida no contexto tem tirado um pouco mais a velocidade dos jogos.

Fazendo um exercício de empatia e nos colocando no lugar dos técnicos é mais do que compreensível essa postura dentro de campo. Sabendo que a média de duração de um profissional no cargo é de apenas três meses, que com o calendário apertado as sessões de treino são escassas, que a cobrança é inteiramente a curto prazo e que não há paciência para colher os frutos de um processo pelo menos a médio prazo, são raros os que se arriscam a buscar algo diferente.

É claro que para desenvolver conceitos ofensivos é preciso ter muito conhecimento, principalmente uma metodologia de treinamento capaz de operacionalizar as ideias. Porém aqui a questão é mais de mentalidade do que capacidade técnica. Para fazer algo diferente, um técnico tem que ter a voracidade de se impor frente a um cenário caótico, a gana de triunfar com algo diferente frente a uma mesmice já desgastada e, sobretudo, confiança na própria capacidade. Reconheço que quando um treinador estrangeiro chega ele tem uma tolerância maior do ambiente para desenvolver tudo isso. Mas já passou da hora de termos um técnico brasileiro vencendo com ideias diferentes do que costumamos ver. Enfrentar a cultura não é pra qualquer um! 

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Estamos preparados para o retorno do público às partidas?

Recentemente, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) apresentou ao Ministério da Saúde o plano para o retorno gradual do público aos estádios de futebol, em razão da redução do contágio do novo coronavírus, bem como da queda da média móvel do número de óbitos. O plano enviado pela CBF propõe a liberação dos estádios até 30% da capacidade de público, assim como a presença exclusiva da torcida do time do público do mandante. O Ministério da Saúde, em 22/09/2020, aprovou o referido plano, sendo que o retorno presencial da torcida nos jogos do Campeonato Brasileiro Série A ocorrerá em outubro/2020.

Não obstante as inúmeras discussões que surgem quando o assunto é a retomada gradual do público às partidas de futebol, principalmente relacionadas aos riscos de contágio da COVID-19, medidas de segurança e outros tópicos, proponho aqui o debate de um tema tão tormentoso quanto o coronavírus que é o assédio às mulheres que participam do cenário futebolístico, sejam como torcedoras ou profissionais. Tal tema nos faz refletir: estamos realmente preparados para o retorno do público às partidas de futebol?

Há muito, o futebol já se consolidou como a paixão de muitas mulheres, que participam ativamente do dia-a-dia dos seus clubes, praticam o esporte em seus momentos de lazer ou mesmo atuam de forma profissional no meio do esporte. Mesmo assim observamos com frequência nos estádios de futebol, a violação de nossos direitos fundamentais, somos alvos de comentários sexistas, machistas, misóginos e, até mesmo, assédio e violência.

São inúmeros os relatos de mulheres que tiveram seus direitos e garantias
fundamentais violados, especialmente a dignidade da pessoa humana, o que é repugnante e coloca em xeque toda nossa sociedade. Como exemplos, cito o caso da repórter que foi assediada sexualmente por dois
torcedores que tentaram beijá-la à força. Na mesma partida, uma torcedora foi agredida verbal e fisicamente nas arquibancadas do estádio. Tais casos foram amplamente divulgados na mídia, sendo certo que inúmeros outros sequer chegam a ser noticiados às autoridades competentes. Estas condutas, além de serem tipificadas como crimes, perpetuam o machismo estrutural e a retrógada ideologia de que futebol não é coisa para mulher, o que, lamentavelmente, está no consciente de muitas pessoas.

Ante a trágica situação, algumas mulheres estão se unindo, formando grupos que visam, basicamente, a busca pela igualdade na arquibancada, bem como apoio ao futebol feminino. As integrantes do grupo se reúnem antes das partidas e vão juntas para o estádio de futebol, ficando unidas e defendendo umas às outras. Assim, as mulheres podem exercer o direito básico de torcerem para os seus times, se sentindo mais seguras e acolhidas.

O papel desses grupos é fundamental para romper a cultura machista instalada no futebol, vez que reforçam que o lugar da mulher é onde ela quiser e sua escolha deve ser respeitada. Tais grupos aumentam a representatividade das mulheres no futebol e legitimam o direito de torcer sem sofrer assédio ou serem incomodadas com questionamentos sobre sua presença no estádio de futebol e até sobre o seu conhecimento sobre o tema. Porém, tais grupos são insipientes, sendo que a luta das mulheres por respeito à dignidade da pessoa humana e igualdade, direitos básicos, ainda é árdua e encontram inúmeros entraves.

Não bastasse a violência em campo sobre a qual temos uma oportunidade única para repensar refletir e transformar, a pandemia evidenciou os inúmeros casos de violência doméstica sofridas por mulheres, seja de forma física, psicológica e – ou – financeira.

Assim, reforço o questionamento, em um futuro próximo, estamos realmente preparados para o retorno do público aos estádios de futebol?

É evidente que, como sociedade, temos muito a evoluir, para que direitos fundamentais, garantidos a todos os seres humanos, notadamente as mulheres, sejam efetivados e respeitados. Nos estádios de futebol, não é diferente. É imperiosa a necessidade de mudança da realidade vivenciada pelas mulheres no cenário do futebol, devendo ser criados mecanismos efetivos de proteção à mulher.

Certamente, para que seja possível o retorno do público aos estádios de futebol, estes deverão ser adequados, a fim de que se respeite os procedimentos de segurança, a fim de conter a disseminação da COVID-19. Aproveitando as mudanças estruturais que deverão ser realizadas, em razão do novo coronavírus, os estádios podem providenciar a instalação de postos de combate à violência à mulher, contando com pessoal especializado para adotar as medidas cabíveis, inclusive posteriores ao crime cometido.

Ademais, os próprios clubes devem criar mecanismos de punição do torcedor agressor, como forma de coibir a prática de crimes. Tais medidas podem variar desde a suspensão de participação dos jogos, até a proibição. Lado outro, devem ser criadas campanhas de conscientização, a fim de evidenciar a violência às mulheres e as formas de combate.

Assim, como resposta ao questionamento feito acima, tenho certeza de que precisamos implementar mudanças substanciais, para que o retorno aos estádios seja seguro para todos, principalmente para as mulheres.

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Quem treina o treinador de futebol no Brasil? O autoconhecimento

Salve, salve amantes do futebol! Na coluna anterior falamos sobre o autodidatismo do treinador de futebol no Brasil, suas vantagens/desvantagens e sugerimos algumas soluções para auxiliar no processo de formação desse treinador nos diferentes contextos de atuação, da participação ao alto rendimento. Hoje, falaremos sobre a importância do autoconhecimento na carreira de um treinador.

Estudos apontam que treinadores que possuem maior consciência acerca de sua identidade, filosofia (ideias, princípios, valores e crenças) e propósitos, tendem a ser mais eficazes e, portanto, atingem com mais frequência os objetivos estabelecidos para suas carreiras. Eles também acabam sendo mais assertivos em suas tomadas de decisões, já que possuem maior lucidez sobre quem são e o que almejam. E já que o autoconhecimento é tão relevante para os resultados e a carreira dos treinadores, como é possível desenvolvê-lo? De quem é o papel de torná lo mais consciente sobre si mesmo? Como se dá esse processo?

As competências intrapessoais podem e devem ser exercitadas no início da trajetória profissional. Porém, como nesse momento o treinador ainda é inexperiente, suas reflexões ainda são rasas e, principalmente, pautadas no que se lê, vê e ouve, diferente de alguém mais experiente que já dispõe de um campo maior de vivências. Mas se o iniciante for estimulado, desde o princípio, a dispender um tempo para refletir sobre sua prática, entender as razões que o fazem querer ser treinador e por que reage de uma ou outra forma nas diversas situações a que é exposto, ou seja praticar constantemente o exercício do autoconhecimento, quando mais experiente saberá desenvolver tais competências.

Portanto, para os treinadores que buscam desenvolver de maneira contínua o autoconhecimento e outras competências intrapessoais, recomenda-se:

a) Responder as seguintes perguntas: por que quero ser treinador? Quais valores, princípios e crenças norteiam meus comportamentos? Qual meu propósito?

b) Para treinadores iniciantes: tomar muito cuidado em assumir verdades absolutas pautadas no que se lê, vê e ouve. Lembre-se que a pouca experiência o impede de enxergar detalhes ambientais que, naturalmente, virão com o tempo. Foque em refletir sobre a sua experiência e escute mais

c) Para treinadores intermediários: Buscar um coach developer ou uma aprendizagem mais formal que auxilie a compreensão de suas vivências, preenchendo assim algumas lacunas que ficaram do início. Tentar rascunhar o que guia seu comportamento e ouvir treinadores mais experientes

d) Para treinadores mais experientes: Buscar um processo de mentoria, ou um mental coach, escrever/falar sobre sua trajetória, rascunhar sua filosofia (ideias) e procurar discernir sobre “convicção x adaptação” – quando devo manter a convicção? e até que ponto devo me adaptar?

Fez sentido? E você, já pensou em desenvolver o autoconhecimento? Traga mais sugestões! Continuaremos na semana que vem com mais uma coluna sobre treinar o treinador. Grande abraço e até lá!

Referências

Gould, D., Pierce, S., Cowburn, I., & Driska, A. (2017). How Coaching Philosophy Drives Coaching Action: A Case Study of Renowned Wrestling Coach J Robinson. International Sport Coaching Journal, 4(1), 13-37. doi: 10.1123/iscj.2016-0052

Sobre o autor

Gabriel Bussinger é treinador e instrutor da CBF academy. Mestre em Educação Física pela UFSC, com 3 pós graduações na área. Já atuou em categorias de base e profissional, no Brasil e Dinamarca. Possui as licenças C e B da CBF e é parceiro de conteúdo da Universidade do Futebol.

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