Estudos que analisam o comportamento das pessoas perante situações de risco demonstram que a maioria das pessoas tende a assumir riscos maiores para evitar perdas do que para obter ganhos. Em outras palavras, quando se está para perder algo arrisca-se mais para minimizar a possibilidade dessa perda se concretizar. Quando a idéia é correr maiores riscos para obter ganhos a maioria das pessoas tendem a ser contidas.
O grande matemático John Allen Paulos, em seu livro “A lógica do Mercado de Ações” (página 32), nos apresenta, baseado em estudos de Amos Tversky, Daniel Kahneman e Paul Slovic (“Julgamento sob Incertezas”)a seguinte situação:
“Imaginemos um benfeitor que ofereça US$ 10 mil a todos os membros de um grupo, e então proponha a cada um deles a seguinte escolha:
a) dar a cada um deles mais US$ 5 mil, ou;
b) dar a cada um mais US$ 10 mil ou zero, dependendo do resultado de um sorteio de Cara ou Coroa.
A maioria das pessoas prefere receber mais US$ 5mil.
Agora comparemos essa situação com a escolha apresentada a outro grupo, quando um benfeitor lhes oferece US$ 20 mil e então lhes propõe as seguintes alternativas:
a) tirar de cada um deles US$ 5mil, ou;
b) tirar deles US$ 10 mil ou zero, dependendo do resultado de um sorteio de Cara ou Coroa.
Nesse caso, na tentativa de evitar qualquer perda, a maioria das pessoas prefere o sorteio de cara ou coroa. A conclusão, como geralmente ocorre, é que as escolhas oferecidas aos dois grupos são as mesmas: a certeza de receber quinze mil dólares ou um sorteio de Cara ou Coroa para determinar se ficarão com US$ 10 mil ou US$ 20 mil”.
Repare que sem percebermos, por vezes somos manipulados pelo nosso medo. E isso não é “privilégio” dos momentos de importantes decisões sobre ganhos ou perdas financeiras. No jogo de futebol há uma grande e constante oscilação de situações de maior ou menor risco, de maiores ou menores ganhos, de maiores ou piores perdas.
É típico do jogo de futebol, que treinadores imponham as suas equipes maiores riscos defensivos na tentativa de reverter um resultado negativo; se arrisquem mais. Não é incomum que se observe equipes apresentando melhor desempenho nesses momentos de “maiores riscos”.
Um jogador a mais participando do “volume ofensivo”; um jogador a menos na sobra defensiva, realmente, seja qual for a “estratégia tática”, incomum mesmo é vê-la em uma ocasião em que o risco não seja conseqüência de uma perda que quer ser evitada.
E assim como o “medo” da perda pode induzir indivíduos a essa ou aquela conduta, isso também não é diferente para a equipe como estrutura tática.
No jogo de futebol, todas as situações representam relações de equilíbrio e desequilíbrio. O tempo todo, as equipes tentam gerar desequilíbrios, umas nas outras ao mesmo tempo em que buscam se manter em equilíbrio. Em outras palavras uma equipe tenta se manter equilibrada e desequilibrar a outra ao mesmo tempo.
Pesquisas que usam como ferramenta de estudo o “rastreamento” de jogadores e equipes ao longo das partidas de futebol tem apresentado um tipo de informação que por vezes passa desapercebida por nossos treinadores e preparadores físicos, mas que pode ser muito relevante para as questões de equilíbrios e desequilíbrios, perdas e ganhos, riscos e manipulações.
Trata-se de um tipo de dado que demonstra que existe uma constante alternância de distâncias percorridas (e velocidades de deslocamento) por faixas de tempo ao longo do jogo. Interessante que a alternância da distância percorrida por uma equipe desencadeia alternância da distância percorrida pela outra equipe (e o mesmo acontece com a velocidade). Isso quer dizer que quando uma equipe aumenta o volume de deslocamentos e sua intensidade, acaba por desencadear o mesmo na equipe adversária.
No jogo, a intensidade dos deslocamentos e o seu volume podem refletir a capacidade de uma equipe de se estruturar taticamente para se manter em equilíbrio defensivo e para provocar desequilíbrio defensivo no adversário. Se compreendermos que os elementos técnico-tático-físico-mental compõem uma estrutura indissociável torna-se evidente que a falta de inteligência tática de um jogador pode fazê-lo “correr errado” mesmo que corra em grande volume e intensidade. Ao mesmo tempo, a constante interação com a equipe adversária (que tenta provocar desequilíbrios táticos) e com a própria plataforma de jogo (leia-se esquema tático) requer condição física condizente para que isso aconteça.
O ritmo de jogo de uma equipe pode conduzir o ritmo de jogo de outra equipe. Isso é fato. E se uma equipe “acelera” o ritmo de jogo sem que a outra acompanhe; o risco se torna iminente (para a que não acompanha) . A questão é que aumentar o ritmo de jogo não significa “apenas” mudar a performance física da equipe (mais volume e intensidade de deslocamentos).
Se não se pode separar o que é físico, do que é técnico, do que é tático, do que é mental (porque tudo “é” ao mesmo tempo, o tempo todo, o jogador e a equipe, o indivíduo e o grupo; então um está para o outro assim como o outro está para o “um”, numa interação multi-inter-translateral); quando se pensa em acelerar o ritmo de jogo, busca-se várias coisas ao mesmo tempo (por exemplo: a) aumentar a velocidade da transmissão da posse de bola (o passe); b) ocupar mais rapidamente os espaços; c) alternar em alta freqüência a criação desses espaços; d) acelerar o ritmo de jogo significa resolver mais rapidamente as situações-problema que aparecem o tempo todo no jogo.
O jogo de futebol é imprevisível e por mais que nos custe acreditar, é possível encontrar nele uma “lógica inexorável” norteadora que transforma esse jogo em um dos mais estratégicos dos nossos jogos desportivos coletivos (e como ainda se “engatinha” no campo da estratégia não podemos engolir a tese de que no futebol não há mais nada para se “criar” – haja paciência!). Por ser assim, dentro do imprevisível, devemos buscar os “possíveis previsíveis”, criando situações-problema a partir deles, “tornando-o (o jogo) menos imprevisível”.
Caros amigos, o futebol é o esporte dos paradigmas engessados.
Outro dia no Café dos Notáveis, alguém disse que numa situação de jogo, deixar a defesa da equipe no “mano-a-mano” enquanto se ataca é “pedir pra sofrer gol no conta-ataque”. Não, não, não, mil vezes não!!!
Ao invés do paradigma engessado, por que não, enxergar que se há um jogador a menos na sobra da defesa haverá um jogador a mais na organização do ataque àcom um jogador a mais, aumenta a opção de passe à se aumenta a opção de passe, dificulta a marcação adversária àse dificulta a marcação adversária melhoram as possibilidades de ataque e diminui as chances de se perder a bola. Então, em resumo: aumentam as chances ofensivas e diminuem a chances da perda de bola (o que indiretamente aumenta as chances defensivas).
É evidente que um jogador a mais por si só não é tudo. A estratégia precisa contemplar esse jogador a mais. Mas o risco para aumentar as chances de ganho faz com que se enxerguem somente as perdas!
Reflexão tática
No dia 12 de setembro a Seleção Brasileira de Futebol venceu a Seleção Mexicana em um jogo amistoso nos EUA. O placar; 3 a 1. Depois de não ter conseguido vencer os mexicanos nos últimos jogos, fora ecoado aos quatro cantos pela imprensa brasileira que o México aprendera jogar contra o Brasil (e o contrário também: o Brasil não mais sabia jogar contra o México).
Pois bem, no último jogo, vitória brasileira. E o que teve de incomum esse jogo se comparado aos outros?
Algo que pode ser analisado pontualmente e reflete bem a discussão desse texto:o ritmo de jogo.
Nos últimos confrontos, a dificuldade tática da equipe brasileira fora reflexo de uma “manipulação orquestrada” desse ritmo pelos mexicanos (na maior parte do tempo). O ritmo conduzido pelos mexicanos, por muitas vezes vinha provocando nos jogadores brasileiros dificuldades para ocupar os espaços, lentidão na circulação da bola (e grande velocidade quando se necessitava correr atrás dela) e demora na criação de linhas de passe. O número de erros passou a ser maior (numa equipe que pouco erra). Erros maiores, tensão maior. Tensão maior; riscos evitados. Uma coisa desencadeando outra; e no final as derrotas.
Ao analisarmos os scouts desses confrontos notaremos apenas a ponta do iceberg (maiores erros de fundamentos do que a média normal da seleção brasileira). E se analisarmos apenas a ponta do iceberg, provavelmente façamos o diagnóstico errado (como freqüentemente vem acontecendo). E diagnóstico errado é igual a tratamento errado. Então que fique claro, quando os problemas começam a ser visíveis na ponta do iceberg, é porque na sua “base” a estrutura já “foi para o espaço”; e quanto mais demorarmos para perceber isso mais difícil vai ficando o conserto (e mais derrotas vão acontecendo). Por isso, quem não sabe por que ganha, quando perde também fica sem saber; e aí…
Então respondam se hesitar:
1) Os desequilíbrios táticos podem desencadear desequilíbrios físicos?
2) Os desequilíbrios físicos podem desencadear desequilíbrios táticos?
3) Se são indissociáveis o físico, o técnico, o tático e o mental, você seria capaz de responder “não” às perguntas anteriores?
Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br