O INÍCIO: “Um dia me disseram que as nuvens não eram de algodão; um dia me disseram que os ventos às vezes erram a direção”…
Faz alguns anos (se não me engano desde 1998), venho me dedicando ao estudo e à análise de jogos de futebol.
Dentro desses estudos, muitas foram as ferramentas investigadas e desenvolvidas. Uma delas, notória e notada em tantos esportes, e que talvez tenha recebido mais da minha atenção, é o “scout”.
Quando comecei a estudar scout, percebi que seriam vastas as possibilidades a serem desenvolvidas. Havia um grande caminho a ser descoberto. Muito do que se fazia em “termos de scout” deixava a desejar.
De início foi fácil perceber que ele (o scout) quase sempre era confundido com “estatística de jogo”, ou utilizado simplesmente como uma ferramenta para tabulação de números (muitas vezes sem sentido e incapazes de responder questões simples e básicas sobre os eventos de um jogo).
O tempo passou (já se foram quase dez anos) e com raras exceções (raras mesmo!) ainda vejo os mesmos scouts, os mesmos conceitos, as mesmas tabelas…
Não sejamos ingênuos. É claro que muitos “scoutistas” transcenderam a “fase da tabela” (e entraram na “era do campograma”). É claro também que algumas coisas hoje são bem mais úteis, práticas e aplicáveis do que eram em 1998. Existem hoje bons modelos.
O entrave, porém, continua sendo a má utilização das ferramentas (o pincel não faz o artista!). Idéias, conceitos e essência ficam em segundo plano para darem lugar à maciça e desenfreada coleta de números; e quando eles não são o foco (os números) confunde-se análise quantitativa com análise qualitativa, variável qualitativa com análise qualitativa, e por aí vai…
Dia desses, ao término de um módulo sobre “treinamento tático no futebol” em um curso de pós-graduação, propus aos alunos que desenvolvessem em grupos um modelo de scout que tivesse como objetivo avaliar a compactação e a amplitude de uma equipe em jogos de futebol. Sem que entremos em detalhes sobre as grandes elaborações construídas, notemos que um scout precisa responder perguntas (que sejam notoriamente relevantes para alterar o desempenho das equipes). Porém, se essas perguntas proporcionarem respostas fragmentadas, algo estará errado.
A boa construção de um modelo de scout necessariamente precisa conceber três dimensões presentes no jogo: a dimensão tarefa (o quê?), a dimensão espaço (onde?) e a dimensão tempo (quando?, quanto tempo?). Essas dimensões em interação constante entre si e com seus agentes (dimensão sujeito – quem?), precisam ser orientadas pelo sistema organizacional que rege o jogo.
Então, ao considerar, por exemplo, que um modelo de scout tem como objetivo analisar a compactação e amplitude de uma equipe, devemos ter claro que investigar tal questão de forma desvinculada do jogo significa não conseguir responder a mais importante de todas as perguntas quando se analisa o jogo: o “por quê?”.
Em outras palavras, se um modelo de scout der conta de responder “o quê” aconteceu, “onde”, “quando” e “quem” fez acontecer, mas não considerar o sistema organizacional do jogo e sua complexidade, certamente não terá indícios para dizer “como” e “por quê” determinada coisa aconteceu; e aí… bom, aí terá transcendido as “tabelas” mas continuará com problemas.
Interessante que o scout, através dos seus “scoutistas”, em função dessa “fragmentação do sistema”, apesar de considerar (e por considerar) isoladamente as dimensões mencionadas, arrisca-se ingenuamente a fazer apontamentos táticos (que realmente acabam sendo um “boleirismo camuflado” de ciência).
E se já são, de certa forma, indigestos alguns modelos de scout quando o ponto básico das suas construções é o entendimento do jogo, mais pesado ainda é para o estômago olhar para ele como ferramenta pedagógica.
Ferramenta pedagógica?!
Sim, caros amigos! O scout (que nas categorias de base precisaria de enfoques particulares) é uma ferramenta pedagógica, que associada a outros recursos pode auxiliar na compreensão (por parte de atletas e equipes) de situações importantes do jogo. Em outras palavras, o scout é elemento contribuinte para significação e tomada de consciência de tarefas do jogo, onde ocorreram, quando, como e por quê.
Notemos quantas são as lacunas a serem preenchidas e quanto podemos avançar a caminho da compreensão e da utilização do scout.
Mas talvez a questão básica aí não seja o quanto podemos avançar, mas o quanto queremos avançar.
Tabelas, estatísticas, campogramas, fragmentações; dimensões, sistemas, complexidade, pedagogia, o jogo…
A que perguntas o seu scout responde?
O FIM: “(…) E tudo ficou tão claro. Um intervalo na escuridão; uma estrela de brilho raro; um disparo para um coração…” (Humberto Gessinger/Engenheiros do Hawaii)
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