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Táticas: restringem ou potencializam as tomadas de decisão? – Parte Final

Créditos imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Nesta terceira e última parte (Clique aqui para acessar a primeira parte ou aqui para a segunda parte), darei continuidade às discussões acerca da influência da tática nas tomadas de decisão, analisando uma outra possível abordagem do desenvolvimento tático na formação de um jogador, além de apresentar minhas conclusões sobre esse tema tão polêmico.

Princípios Táticos na Formação de um Jogador

Nessa parte, iremos discutir a formação do jogador de futebol através do desenvolvimento dos princípios táticos, usando como estratégias pedagógicas jogos condicionados e uma variedade de táticas individuais e de grupo.

Entenda por “princípios táticos” o resultado de décadas de estudos da pedagogia do esporte procurando compreender a lógica do jogo. Para Castelo (1994), citado por Costa et al. (2011), os princípios táticos são a tradução teórica a propósito da lógica do jogo, em que se busca operacionalizar os comportamentos técnico-táticos dos jogadores. Por isso, os jogadores precisam conhecê-los e saber como usá-los.

Diferentes princípios táticos, de acordo com o Glossário do Futebol Brasileiro (Fonte: CBF Academy, 2020).

Para que esses princípios possam ser compreendidos e desenvolvidos, uma opção de aprendizagem são os jogos condicionados, que envolvem atividades com mudanças nas regras (alterando o tamanho do campo, posicionamento e número de jogadores, gols etc.), procurando criar desafios para que os jogadores possam resolver os problemas do jogo (BALZANO, 2012).

Também é possível desenvolver princípios táticos específicos, através das táticas de grupo e individual, a partir do entendimento das mesmas como expressões do jogo, buscando soluções ótimas para desafios que se repetem em termos de lógica, dentro da variabilidade infinita do jogo. 

Dois exemplos de táticas individuais são a antecipação defensiva, no qual o defensor se antecipa ao atacante adversário a fim de interceptar a bola, e a antecipação ofensiva, que geralmente ocorre durante um cruzamento, no qual o atacante se antecipa ao defensor para tentar finalizar ao gol do oponente.

Para enriquecer o repertório e a criatividade dos jogadores, pode-se incluir no processo de ensino-aprendizagem características tanto da cultura brasileira, quanto de outras modalidades esportivas, especialmente o futsal.

Por exemplo, para fugir da marcação, pode-se ensinar uma movimentação típica do futsal conhecida como “dar o gato”, em que o jogador realiza rápidas mudanças de direção para criar espaço para receber a bola.

Ao pensar em táticas de grupo e combinações tradicionais como o “toca e vai” (também conhecida como “um, dois” ou “passe de parede”), pode-se adicionar variações a partir dos conceitos por trás de jogadas típicas do futsal, como os da paralela e da diagonal, para ajudar a desenvolver a capacidade de percepção das ações e as possibilidades da tomada de decisão dos jogadores (Antonelli, 2018).

Figura 2. Dentro de um modelo tático, os jogadores podem se utilizar da sua capacidade de leitura de jogo e realizar diferentes combinações para ludibriar a marcação adversária. Fonte (Antonelli, 2018).

Cada tática de grupo exigirá dos jogadores uma série de táticas individuais para serem aplicadas com eficiência. Por exemplo, durante as combinações descritas acima, o jogador poderá também decidir individualmente se faz uma corrida mais longa quando o marcador for ultrapassado ou curta com parada brusca quando o marcador se afastar (Balzano, 2020), proporcionando assim outras formas de realizar a conexão.

Para Santana (2019), as táticas individuais são uma forma de expressão da autonomia dos jogadores e representam um recurso importante na resolução dos problemas do jogo.

Dentro dessa perspectiva de adicionar elementos para o processo de leitura, tomada de decisão e execução das respostas, as táticas de grupo e individuais podem ser usadas como catalizadoras da tomada de decisão, desenvolvimento cognitivo e motor, permitindo ao jogador excelência na resolução dos problemas do jogo, podendo ser aplicadas em qualquer esquema tático e, assim, ajudando a formar um jogador “criativo”. Nessa perspectiva, um jogador com uma formação rica de estímulos que permita compreender a lógica do jogo será capaz de executar soluções eficientes dentro do universo “micro” do mesmo. E em momentos posteriores da sua formação, quando as capacidades cognitivas estiverem mais desenvolvidas, será possível aprender com maiores detalhes os esquemas táticos e as funções que irá desempenhar dentro dos modelos de jogo modernos.

Conclusões

Afinal, as táticas restringem ou ampliam as tomadas de decisão? As táticas podem tanto restringir quanto ampliar as capacidades de decisão dos jogadores. A questão não é buscar uma visão dualista e considerá-las como “boas” ou “ruins”, mas compreender o universo tático e as implicações de diferentes abordagens (didáticas-metodológicas), seja na formação de um jogador ou no aprimoramento do atleta em idade adulta.  A forma como o treinador entende, desenvolve e possivelmente exige a aplicação de cada tática pode torná-la mais restritiva ou abrangente.   

É preciso tomar cuidado para não as usar de forma a restringir o desenvolvimento de jogadores durante a sua formação, através de uma especialização precoce de “posição e função”, ou ao exigir que certas táticas (sejam elas individuais, de grupo ou coletivas) sejam utilizadas sem a compreensão das mesmas, o que pode acarretar em uma utilização fora do contexto mais apropriado.  Por outro lado, uma abordagem tática intencional e organizada, que considere os diferentes estágios de desenvolvimento, pode ajudar a desenvolver jogadores que sejam capazes de compreender e seguir esquemas e desempenhar funções específicas, e também de serem criativos e efetivos dentro dos campos, podendo ter capacidade autônoma de responder aos inúmeros problemas que emergem durante o jogo.

Referências

Antonelli 2021: O Futebol Potencializado pelo Futsal. Disponível em: https://www.soccerpoweredbyfutsal.com/livros

Balzano 2012: Metodologia dos Jogos Condicionados para o Futsal e Educação Física Escolar. 1 ed. Várzea Paulista, SP.

Balzano 2020: Dois Um Brasil: Um Método Genuinamente Brasileiro. Fontoura.

Beuker, M. (2021). Thinking differently at AZ Alkmaar. Disponível em: https://trainingground.guru/articles/marijn-beuker-thinking-differently-with-az-alkmaar

Da Costa, I. T., da Silva, J. M. G., Greco, P. J., & Mesquita, I. (2009). Princípios táticos do jogo de futebol: conceitos e aplicação. Motriz. Journal of Physical Education. UNESP, 657-668.

Santana, W. (2019). Qual o maior legado para o futebol do jogador formado no futsal? Clique aqui para acessar.

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Principal diferença entre a aula e o treino de futebol

Crédito imagem: Marcio Vieira/ATN

No processo de iniciação esportiva, considero importante os professores perceberem que dão aulas, e não treinos. Por que me importo com isso?

Alguém pode dizer, talvez, que, comercialmente, seja mais interessante chamar minha aula de treino, para que as crianças e, especialmente, seus pais sintam um clima do tão idealizado sonho de estar em um clube de futebol profissional. Se for apenas para simular uma situação que está no imaginário tanto dos pais quanto das crianças, até entendo, embora tenhamos que conscientizá-los de que há grandes diferenças que precisam ser respeitadas.

O problema é quando não há a devida distinção por parte dos professores. Eles mesmos se enxergam como treinadores de equipes adultas e não professores de crianças ou adolescentes em etapa de iniciação. Não quero de maneira nenhuma desmerecer a categoria de professores de futebol. Pelo contrário! Quero enaltecer que para ser professor(a) de iniciação e dar uma boa aula de futebol, precisamos saber coisas diferentes daqueles que dão bons treinos de futebol para jovens e adultos. Às vezes, pode ser até o(a) mesmo(a) profissional com competência para atuar nas diferentes etapas do processo de formação, caso ele ou ela entenda que a sua postura, didática, estímulos e feedbacks devem se alterar coerentemente ao público que está trabalhando. 

Entretanto, não é apenas a questão da idade do público-alvo que diferencia se daremos uma aula ou treino, concorda? A principal diferença está no processo de ensino-aprendizagem ao qual esse momento de interação entre o educador (professor ou treinador) e educando (aluno ou atleta) está inserido. Para entendermos em qual processo estamos inseridos, precisamos nos perguntar: (1) qual é a quantidade e a qualidade de prática que o(a) aprendiz necessita para ter uma aprendizagem efetiva? (2) quais variáveis posso conduzir e controlar dessa prática no meu trabalho de educação esportiva?

Vamos utilizar o exemplo do processo de ensino-aprendizagem do futebol. Muitas vezes, os alunos e alunas que apresentam um melhor nível de jogo nas escolas de futebol são aqueles(as) que, sempre que damos a oportunidade de terem tempo e espaço livres, querem brincar de bola ou certas brincadeiras tradicionais (que também ajudam de alguma forma para as habilidades aplicadas no futebol). As crianças que frequentam escolas de futebol, e apenas possuem esse tipo de experiência lúdica nesses espaços formais, costumam ter uma aprendizagem muito aquém daquelas que brincam em ambientes informais também. Se a escola for boa, ela contribuirá para a aprendizagem efetiva dos dois tipos de crianças. Contudo, sabemos que aquelas que chegam ao alto rendimento são as que praticaram uma quantidade de horas muito além daquelas fornecidas pelas escolas de futebol.

Este exemplo nos faz pensar no papel que as aulas de futebol têm para as crianças aprenderem efetivamente o jogo. A frequente prática informal de jogos de bola com os pés (Scaglia, 2003) pode ser muito eficaz na aprendizagem do futebol, como foi extensamente observado na história do futebol mundial, sobretudo brasileiro. Então, qual a contribuição que eu, como professor de futebol, posso dar aos meus alunos e alunas para que aprendam e melhorem na prática do futebol? Posso utilizar a minha aula para ensinar coisas importantes para a vida, que reverberarão no futebol, posso ensinar a gostarem de futebol e jogos relacionados a ponto de quererem praticá-los sempre que puderem, posso ensinar a pensarem o jogo e seus componentes de uma maneira diferente da que pensavam antes da aula e, com isso, conseguirem enxergar soluções para jogar que não viam anteriormente, posso ensinar a terem bons ídolos e referências de aprendizagem, posso ensinar que podem aprender e como aprender o jogo ou qualquer outra coisa. Como irão utilizar esses aprendizados? Não posso controlar, pois não fico tempo suficiente com meus alunos e alunas para isso. Eu ensino para autonomia plena, para que façam do futebol aprendido o que quiserem.  

Agora esse cenário muda um pouco de figura quando estou inserido em um processo de treino. O treinamento esportivo tem princípios que precisam ser respeitados, são eles (Lussac, 2008):

  • Princípio da individualidade biológica.
  • Princípio da adaptação.
  • Princípio da sobrecarga.
  • Princípio da continuidade/reversibilidade.
  • Princípios da especificidade.
  • Princípio da variabilidade.
  • Princípio da interdependência de volume/intensidade.
  • Princípio da saúde.
  • Princípio da interdependência dos princípios.

Alguns deles devem ser respeitados em aulas de escolas de futebol, porém outros, são mais difíceis. Especialmente o princípio da sobrecarga e da continuidade são dificilmente atingidos pelo fato de as crianças normalmente passarem muito poucas horas semanais na escola de futebol, cerca de 2 a 4 horas, tendo em vista a quantidade de conteúdos e adaptações orgânicas que o futebol demanda para que a criança o aprenda efetivamente. Se ela não tiver uma prática extra fora da escola, ela evoluirá vagarosamente e não conseguirá chegar a um grande nível de aptidão para a modalidade. Além disso, o princípio da especificidade deve ser relativizado na etapa de iniciação para que não haja a especialização precoce.

Em processos de treinamento, todos os princípios devem ser respeitados e controlados dentro da periodização, almejando a performance esportiva crescente. Este deve ser um objetivo claro de ambos, educador(a) e atleta. Não é à toa que em determinada etapa do processo de formação de atletas de futebol, eles ou elas são impedidos(as) de praticarem a modalidade fora do ambiente formal do clube. Sempre que há um treinamento por conta do(a) atleta, este trabalho deve ser bem coordenado com a comissão técnica responsável pelo seu treinamento dentro do clube. Quanto maior a estrutura de suporte à comissão técnica, mais variáveis importantes para o desempenho devem ser controladas: estímulos, adaptações, alimentação, sono, repouso, estresse, entre outras.

Esta distinção entre a aula e o treino pode ser aplicada a qualquer contexto. Para garantir a aprendizagem efetiva de um instrumento musical, de um novo idioma, de liderança, de uma nova área de trabalho etc., se a pessoa não tiver o comprometimento de organizar as variáveis de desempenho para canalizá-las à sua performance, ela não chegará ao alto nível. Em etapas de iniciação a qualquer atividade, não é momento de haver uma preocupação tão grande com todas as variáveis que interferem no desempenho, mas sim, na relação construída entre o indivíduo e a atividade. Por exemplo, construindo uma relação de que o indivíduo se sinta bem e feliz naquela atividade e queira estar fazendo-a sempre que possível. Esta tarefa do(a) educador(a) é extremamente importante e difícil, pois cada indivíduo traz consigo uma série de medos e inseguranças sobre o desconhecido. Além do mais, sobretudo quando a pessoa começa uma atividade (etapa de iniciação a qualquer coisa), ela e ninguém sabe bem o que representará essa atividade para a vida dela. É recomendado, inclusive, que a pessoa experimente coisas diferentes para, só depois, saber em qual delas ela realmente quer dedicar mais energia e se tornar boa.

Enfim, se me permitem dizer algo aos professores e treinadores de futebol, é que todos saibamos em que etapa estamos trabalhando para identificarmos as reais necessidades de estímulos à aprendizagem efetiva e o desenvolvimento integral do indivíduo, seja o(a) aluno(a) ou o(a) atleta.  

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Scaglia, A J. O futebol e os jogos/brincadeiras de bola com os pés: todos semelhantes, todos diferentes. Tese de Doutorado, Unicamp, 2003.

Lussac, R. M. P. Os princípios do treinamento esportivo: definições, possíveis aplicações e um possível novo olhar. EFDeportes.com – Ano 13, n. 121, 2008.

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Versatilidade individual, triunfo coletivo

Crédito imagem: Tobias Hase

Embora análises conservadoras no futebol sejam tendenciosas a defender que jogadores permaneçam atuando em uma única posição ao longo de suas carreiras, a natureza dinâmica e interativa do esporte pode favorecer leituras mais flexíveis (tanto para quem desempenha as ações dentro de campo como para quem enxerga margens de crescimento fora dele). Talvez pela falta de alternativas na iniciação, pelo contexto que os acompanha durante o processo de formação ou até mesmo pelas circunstâncias com maior pressão no regime profissional, muitos jogadores demoram a encontrar o seu diferencial competitivo devido a repetições automáticas em uma posição rígida, que consequentemente podem limitar o rendimento esportivo.

No entanto, se nos afastarmos de um julgamento estático, será que as supostas ‘funções de origem’ refletem o real potencial de cada indivíduo? Se o jogador em questão puder opinar, quais seriam as suas preferências, a sua leitura, o conhecimento sobre as suas principais valências e lacunas? Seria possível estimular o desenvolvimento de jogadores polivalentes por meio de oportunidades em diferentes funções?

Na literatura acadêmica, enquanto estudos sobre a prática deliberada investigam o engajamento precoce ou tardio em uma modalidade específica (por exemplo, no futebol), questionamentos em torno do volume e qualidade de treinos debatem a especialização e a diversificação em atividades esportivas. Isto é, ao se envolver com o esporte, um indivíduo pode se aprimorar ao praticar exclusivamente uma única modalidade e/ou se desenvolver por meio da participação em distintas atividades. Não se trata apenas de um acúmulo de horas em treinamento, mas sim da variedade, tipos e intensidade das experiências do praticante, que também é influenciado pelo seu próprio grau de motivação, disposição e comprometimento. Dez mil horas para quê? Como? Onde? Com quem? Contra quem?

Transportando o raciocínio ao campo de futebol, independentemente da idade ou histórico, todo e qualquer jogador apresenta margens de evolução, recuperação e adaptação, pois sua curva de aprendizado não é fixa, tampouco estática. Ainda que o processo de identificação, maturação e desenvolvimento de talentos seja gradual, não-linear e específico a cada indivíduo, conforme as etapas de transição se aproximam do âmbito profissional a tendência é que oportunidades, tentativas e alternativas para testar variações sejam cada vez menores. Porém não impossíveis.

Vamos a alguns exemplos para facilitar a compreensão.

Ao seguir os passos de seu antecessor Philipp Lahm no Bayern de Munique e na seleção alemã, Joshua Kimmich se destaca atualmente como um dos principais meio-campistas da Europa, mas também permanece apto a atuar como lateral (outrora sua posição primária), adaptando suas valências na construção ofensiva e na retaguarda defensiva dependendo das exigências de cada função. Um de seus antigos companheiros de equipe, David Alaba elevou a versatilidade a níveis ainda mais admiráveis com a sua capacidade e conhecimento em se ajustar como lateral, zagueiro ou meio-campista. Caso semelhante ao do brasileiro Fabinho, um dos atletas fundamentais do recente ciclo vitorioso do Liverpool. Na Inglaterra, João Cancelo e Oleksandr Zinchenko também oferecem maior flexibilidade ao Manchester City. E retornando à Alemanha, Christopher Nkunku encontrou sua ascensão esportiva no setor ofensivo do Red Bull Leipzig após a concorrência em Paris limitar suas aparições no meio-campo e no ataque.

Fabinho, Alaba e Nkunku: exemplos de jogadores versáteis que potencializam o êxito coletivo.
Créditos: (1) Press Association / (2) Reprodução/@David_Alaba/Twitter / (3) Reprodução/@C_Nkunku/Instagram
Oleksandr Zinchenko: de meio campista no PSV a lateral no Manchester City.
Fonte: Man City/YouTube

A narrativa em questão obviamente passa longe de argumentar que todo jogador deva trocar de posição, pois as limitações de tempo reduzido, menor confiança e aversão aos riscos também dificultam eventuais inovações na camada profissional. Mas mesmo em uma única posição, a abertura ao senso crítico e criativo pode ajudar alguns jogadores a se tornarem especialistas em suas funções mediante o aprimoramento de sua percepção visual, coordenação motora e atenção às demandas de jogo da equipe.

De forma resumida, ao questionar as necessidades e pontos de melhoria para uma posição específica, despertamos o questionamento sobre as condições técnicas, táticas, físicas e psicológicas do indivíduo que executa a função, aliado às interações e características dos seus companheiros de equipe, além da capacidade de leitura das ações dos adversários. Vale lembrar que o futebol é um esporte de contato coletivo, marcado por constantes deslocamentos, coberturas e reorganização espaço-temporal.

Um centroavante, por exemplo, deve se adaptar a situações com intensa marcação, pouco espaço ou tempo disponível dentro da área, que exigem um rápido raciocínio no seu deslocamento, priorizando o equilíbrio na mecânica para finalizar a jogada com qualidade técnica. Quando o mesmo centroavante recebe um passe ou lançamento de costas para o gol, a antecipação na jogada pode afastá-lo dos defensores, permitindo que ele retenha a posse de bola girando o corpo ou facilitando a próxima jogada com um passe a um dos companheiros que visualizam o ataque de frente. Por fim, se o próprio centroavante conduz a bola em direção à área adversária, a projeção da sua corrida pode manipular os defensores a reagirem no momento em que ele optar por um passe, drible ou aceleração prévia ao chute. Em cada exemplo hipotético há variações para o centroavante executar os fundamentos técnicos, medir a velocidade necessária em seus movimentos e prever as possíveis consequências de suas escolhas táticas. Tudo em questão de segundos, considerando as interações ao seu redor.

Poderíamos ilustrar outros casos, mas a reflexão também fica a critério de como cada leitor interpreta o jogo. Talvez o ângulo mais importante seja espelhar pensamentos que traduzam a dinâmica interativa do futebol, cujas situações reais exigem versatilidade conforme o jogo acontece. Por exemplo, muitas vezes um atacante se ajusta como lateral ao acompanhar uma transição defensiva, zagueiros ajudam o setor ofensivo em oportunidades com bola aérea, enquanto meio-campistas monitoram deslocamentos com e sem bola para definir em que setor do campo devem agir ou reagir. Hoje, aliás, até mesmo goleiros apresentam maestria ambidestra para participar ativamente da construção de jogadas, representando (possivelmente) a posição que mais evoluiu na última década.

“Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas sim o que melhor se adapta às mudanças.” – Charles Darwin

Zé Roberto: versátil em campo e flexível a adaptações ao longo de sua carreira profissional.
Créditos: (1) Imago/Ulmer / (2) Paulo Pinto/AE / (3) Reprodução/SE Palmeiras

A versatilidade atrai benefícios individuais que fortalecem o diferencial competitivo de quem a protagoniza. Ainda assim, o real triunfo é coletivo.

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O futebol como negócio

Crédito imagem: Reprodução/Conmebol

Ainda ouviremos, vinda de quem dirige o futebol brasileiro, a frase de Michael Corleone dita no filme O poderoso chefão: “Não é nada pessoal, são apenas negócios.” Com ela, nossos ilustres dirigentes responderiam aos reclamos da torcida brasileira a respeito da decadência do futebol pátrio, com seus espetáculos insuportáveis. De fato, eles, que dirigem o futebol e outras coisas no Brasil, sabem que não precisaria ser assim tão ruim o jogo de bola por estas bandas, mas, com muito menos trabalho e com igual ou maior lucro, para que melhorar?

Talvez nem tenham nada contra o povo brasileiro, sobretudo a parcela admiradora e torcedora do nosso futebol, mas são apenas negócios. Não se trata de futebol, especificamente. Poderia ser qualquer outra atividade profissional, como exportação de carne, reciclagem de lixo, venda de franquias, não importa, desde que produza lucros astronômicos. Portanto, por que não o futebol? Das práticas sociais esportivas, certamente a mais lucrativa no cenário brasileiro; seu peso na economia brasileira não se limita ao Esporte e assume importância considerável.

Não é de hoje que o futebol assumiu ser, além de uma prática social que expressa, de modo hegemônico, nossa cultura corporal, uma poderosa arma política e de rentabilidade econômica incomparável. Em sua tese de doutorado, a professora Mariana Martins (2016) já corroborava essa compreensão, e ainda acrescentava que há um mercado que gira em torno do futebol, que atua, então, como um meio de valorização de outros negócios.  

A transformação dos estádios em arenas multiusos, a espetacularização das transmissões das partidas e a apropriação do futebol como objeto de marketing foram outras mudanças efetivadas que o transformaram, acima de tudo, num negócio.  

Há ainda outra abordagem que poderíamos fazer a partir desta compreensão do futebol enquanto negócio. O futebol, por vezes, não é somente um negócio para os empresários, patrocinadores, clubes, emissoras de televisão e investidores (dentre outros), mas é também uma importante fonte de renda para as famílias, certamente, que visualizam na carreira do seu filho (e quem sabe, no futuro, da sua filha) uma possibilidade de ascensão social.

Dessa forma, muitas famílias investem na carreira do seu filho. Destinam os recursos limitados que possuem para que ele possa treinar, comer melhor, viajar para fazer testes/peneiras, comprar uma boa chuteira. E não é raro que larguem até mesmo seus empregos para terem maior disponibilidade para cuidar integralmente da sua carreira e fazer dele, seu filho, um ídolo do futebol profissional. 

Pois é… para ter o futebol como um negócio, e muito rentável, é preciso transformar os jogadores em celebridades.  O público vive de mitos, de heróis, de ídolos! Mas empresarialmente falando, isso é coisa fácil de resolver: mitos e ídolos podem ser fabricados a qualquer momento, basta incensar um jogador por algum tempo, produzir vídeos apenas com suas boas jogadas, congestionar as redes com as imagens do escolhido e, pronto!, está feito o herói. O público também vive de escândalos, de denúncias, de jogadas e arbitragens duvidosas. Há muita coisa para empolgar a torcida; nem só de futebol vive o futebol! Se o futebol é, então, uma mercadoria e um negócio, ele precisa de produtos. É aí que entram os jogadores. Mas esse debate vamos deixar para um próximo texto.

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O certificado de clube formador e a formação de jogadores

Nos dias 19, 20 e 21 de agosto a Universidade do Futebol promove o seminário “o ensino do futebol – uma alternativa à captação”, com o objetivo de propor uma reflexão sobre a formação de jogadores e a gestão sustentável das categorias de base no futebol.

Um dos aspectos fundamentais para o desenvolvimento de seres humanos, e consequentemente, jogadores e jogadoras mais preparados para os desafios do futebol do futuro é a garantia de seus direitos básicos nos ambientes e processo de formação.

Nesse sentido, uma das ferramentas que têm se mostrado mais promissoras para promover a melhora das condições de vida e treinamento de jovens jogadores é o Certificado de Clube Formador – o CCF. Entretanto, a análise de alguns dados sobre as emissões do documento e o número de clubes com categorias de base ativas pelo país acabam, na verdade, acendendo um alerta sobre o assunto no âmbito nacional.

Um exemplo de como apenas o certificado não garante que os direitos básicos de jovens futebolistas são respeitados, é o nome do Flamengo estar constando na lista de clubes formadores certificados pela CBF, divulgada quatro dias antes do incêndio que vitimou 10 jovens das suas categorias de base em 2019. O incêndio, além de ajudar a trazer à tona a discussão sobre as condições de vida e trabalho às quais milhares de jovens são submetidos por todo o país, também colocou uma lupa sobre a efetividade do certificado para assegurar direitos básicos de jogadores na base, razão pela qual o documento é frequentemente celebrado.

Afinal, o que é o Certificado de Clube Formador?

Regulamentado em janeiro de 2012 pela CBF, o CCF é um mecanismo previsto na lei Pelé que incentiva as confederações esportivas nacionais, no caso do futebol a CBF, a conceder uma certificação reconhecendo clubes e entidades esportivas filiadas como formadoras caso atendam requisitos mínimos. Como contrapartida, os clubes adquirem legalmente o direito à preferência na assinatura do primeiro contrato profissional dos jovens treinados na instituição ou à uma indenização caso ele chegue a um acordo com outra agremiação e também ao mecanismo de solidariedade da FIFA, muito comemorado por clubes brasileiros em grandes transferências internacionais como a de Neymar do Barcelona para o Paris Saint Germain e de Philippe Coutinho do Liverpool para o Barcelona, que geraram, respectivamente, R$ 33 mi para o Santos e R$ 15,8 mi para o Vasco. Em resumo, o CCF previne que a instituição que investiu tempo e dinheiro na formação de um jogador deixe de contar com seus serviços em um momento crucial, que é a assinatura do primeiro contrato de trabalho ou, ao menos, receba uma compensação financeira por isso. Algo muito relevante em um cenário no qual a maioria dos clubes do país tem dívidas significativas se comparadas a seus faturamentos anuais e tem na venda de jogadores uma das poucas maneiras de equilibrar as contas.

Apesar dessa garantia jurídica, o número de clubes com certificado de clube formador representa apenas uma pequena parcela dos filiados à CBF. Em agosto de 2019 eram 25 clubes com o certificado, na última lista atualizada pela CBF em abril do presente ano, o número de clubes que possuem o documento é de 33. De 2015, quando a CBF começou a divulgar a lista de clubes certificados, para cá o número variou entre 45, em 2018, e 25, em 2019.

Para Ivan Furegato, mestre em Gestão Desportiva pela Universidade do Porto, isso acontece, pois, poucos clubes têm expectativa de grandes receitas com a negociação de jogadores formados em sua base, “[quem busca o certificado] são aqueles clubes de médio ou grande porte, que vendem jogadores, ou que tem pretensões de vender. Essa pressão do mercado, vamos dizer assim, não chegou nos pequenos e médios de uma forma mais ampla”, analisa.

Pedro Smania, diretor do Movimento dos Clubes Formadores do Futebol Brasileiro e coordenador das categorias de base do São Paulo Futebol Clube, acredita que a pouca evolução no número de clubes certificados desde a regulamentação do CCF se dá por uma falta de conscientização geral sobre a relevância do documento por um lado e regras mais rígidas, que forcem sua obtenção, por outro, “o importante é que os clubes não busquem o certificado pelo certificado e sim que se tenha o entendimento da necessidade de se atingir os requisitos mínimos para uma criança estar morando em um ambiente diferente da sua casa, independentemente de sua origem ou classe social. Por outro lado, sua obrigatoriedade para participar de determinadas competições e outras medidas nesse sentido poderiam ser mais uma maneira de pressionar os clubes a buscar a certificação”, ressalta. O dirigente não acredita que flexibilizar os requisitos, como defendem alguns clubes, seja uma medida positiva “cada clube tem a responsabilidade de contemplar essas condições básicas, considero isso extremamente positivo. Um clube minimamente saudável tem condições de atingir os requisitos do certificado. Não vejo como solução abrandá-los para facilitar que outros clubes consigam se adequar. A gente precisa ter uma responsabilidade, e a responsabilidade precisa ser de todos. Se algum clube não consegue manter os requisitos ele não merece ter o certificado”, pontua.

O Estatuto da Criança e do Adolescente

Independente das pressões do mercado, um fato é que todos os clubes que se dispõem a alojar jovens em suas dependências devem respeitar o estabelecido no estatuto da criança e do adolescente, o ECA, que é uma lei federal e possui mais de 200 artigos. É o que afirma Thais Toledo, profissional do Serviço Social com 13 anos de experiência no futebol, “assim como qualquer outra instituição dentro do país que queira trabalhar com crianças e adolescentes é necessário que o clube de futebol, escolinha ou projeto social atinja requisitos mínimos, não tem como ser diferente disso”.

Um dado alarmante é que em 2019, ano pré-pandemia, 337 clubes disputaram competições sub-15 pelo Brasil sem possuir o certificado.

As condições de vida dos jovens que defendem esses clubes preocupam. O incêndio no Ninho chocou pela tragédia e atraiu holofotes pela dimensão do Flamengo, em clubes com menos recursos diversos tipos de violação são muito mais frequentes, “a gente vê muita coisa difícil de absorver. 14 meninos em um quarto, dormindo só em colchão, um banheiro para 30 garotos. Alguns clubes que só disponibilizam almoço e jantar, refeições sem nenhum valor nutricional, arroz feijão e salsicha ou coisas piores. Outros que não viabilizam a visita dos jovens às suas famílias, o garoto fica anos sem voltar para casa, isso ocorre até em alguns grandes. Sem falar dos desgastes físicos e emocionais sem que haja um responsável para zelar. Tudo isso é muito comum de ver por aí, com mais frequência nos clubes menores”, relata Thais.

CBF “certificado não substitui fiscalização”

Dias após o incêndio, a CBF divulgou uma nota afirmando que “cumpre rigorosamente suas atribuições”, ressaltando o aspecto esportivo do certificado, “a CBF atesta a qualidade dos clubes no desenvolvimento técnico de jovens atletas. Não participa, nem concorre com as funções dos órgãos públicos quanto à adequação e segurança de instalações”.

De 2012 para cá: a melhora nas condições de vida dos jovens jogadores após o CCF

Para Ivan Furegato, que acompanhou o processo de certificação do Botafogo de Ribeirão Preto, nointerior do estado de São Paulo, o documento trouxe benefícios para os jovens jogadores do clube, “foi possível perceber que não só os diretores, mas os próprios meninos da base diziam se sentir mais à vontade, render mais, depois ter acesso a psicólogo, acompanhamento social e educacional. Isso tudo aconteceu em uma época na qual o Botafogo teve resultados expressivos no campo, sendo vice-campeão sub-20 e chegando na final da Copa São Paulo, justamente com essa garotada, a primeira geração que se beneficiou da implementação do certificado”, conta.

Ivan ainda ressalta a importância do trabalho de profissionais das áreas da psicologia e do serviço social para a garantia dos direitos básicos dos jovens jogadores “se você contrata, por exemplo, uma psicóloga ou assistente social, por mais que o clube não siga o que determina o ECA, essas pessoas, até pela sua formação, acabam por conhecer essas exigências e colocando-as em prática. A existência de um profissional que está dedicado ao clube, fazendo um trabalho de prevenção é algo muito positivo. Supondo que alguém tente abusar desses garotos, se ele souber que existe um psicólogo lá dentro, um treinador profissional, que estão ali prestando atenção e conhecem o que podem denunciar, é possível inibir muita coisa e mostrar para os meninos que eles têm pessoas ali que se importam com eles e podem protegê-los”.

Thais Toledo também enxerga uma melhora na garantia dos direitos básicos após a regulamentação do certificado, “os aspectos positivos são fortes, os clubes que tem hoje o certificado estão em melhores condições, e os que não tem estão em movimento para busca-lo, isso significa que muita coisa está sendo mudada”, ela complementa destacando que o certificado também é benéfico no aspecto esportivo, “o indivíduo melhor formado vai render melhor em todas as áreas, tanto na parte pessoal, como profissional. Então, as chances dele conseguir um resultado em campo, um bom contrato e até uma transferência aumentam. Isso eu tenho visto acontecer, claro que não no ritmo que nós desejamos, mas me sinto satisfeita em sentir esse movimento”, comemora.

Possíveis caminhos

Apesar de proporcionar uma melhora nas condições de trabalho de jovens jogadores, o número de clubes certificado permanece estagnado. Em seu estudo sobre o tema Ivan Furegato traz algumas proposições que ajudariam a fazer com que mais clubes aderissem à certificação. Para ele, CBF e federações deveriam ser mais atuantes, padronizando o processo de certificação e buscando ativamente clubes que ainda não possuem o documento, incentivando a obtenção do certificado, “ajudaria muito na organização dos processos a criação de um departamento de categorias de base e ter uma pessoa responsável apenas pelo certificado, ter um maior controle, não ser uma coisa esporádica”, argumenta. Ivan acredita que as categorias do certificado e até a redação da lei podem ser aprimoradas para permitir que mais clubes busquem a obtenção do documento “uma ideia seria a de criar categorias de acordo com as possibilidades de cada equipe para fazer o certificado realmente funcionar em todo o território. Entendendo as diferenças, por exemplo, de um clube grande de primeira divisão e outro sem divisão. Hoje é muito fácil um clube pequeno falar que é impossível atingir as exigências e a CBF, por outro lado, aceitar isso e não cobrar. Aí entra um ponto que também acho fundamental que é a obrigatoriedade, se algo não é obrigatório no Brasil, e o futebol não foge à regra, a coisa não anda”, defende.

Para Thais, independentemente da certificação, a prioridade é fazer com que o clube seja um dos agentes a promover os direitos dos jovens jogadores, “o desafio é como se organizar para vincular o clube de futebol ao sistema de garantia de direitos. Para que o estado também se responsabilize por tudo isso. Para dar um tipo de registro, autorizando o clube funcionar, algo até anterior ao certificado. Afinal, se uma entidade quer trabalhar com crianças e adolescentes ela tem que desenvolvê-los de maneira responsável. O clube que tem recurso está se mexendo depois do incêndio, mas me pergunto o que está sendo feito nos clubes menores. Mesmo sabendo que vai ser fiscalizado eles não têm recursos para mudar sua realidade e os meninos continuam lá, em situação de risco”, analisa.

Thais Toledo e Ivan Furegato serão alguns dos palestrantes presentes no seminário “o ensino do futebol – uma alternativa à captação”, que será realizado nos dias 19, 20 e 21 de agosto de maneira remota. Fique atento às nossas redes sociais, é por lá que vamos divulgar todos os detalhes referentes à inscrição e participação no evento.

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Arte, design e tecnologia – um paradoxo funcional ao desenvolvimento de talentos?

“Localização, localização, localização!”

Ilustrado como um mantra emblemático no mercado imobiliário, o aspecto da localização afeta não apenas o preço, mas também as preferências e o acesso à qualidade em torno de um imóvel, filtrando oportunidades de investimento em residências, escritórios, infraestrutura urbana e, inclusive, …ambientes esportivos.

Ciente dessa realidade, a literatura acadêmica costuma investigar alegações controversas sobre a alocação de recursos públicos para a construção de estádios e arenas esportivas, cujos subsídios provenientes do contribuinte serviriam como catalisadores ao avanço das comunidades locais, mas que não apresentam necessariamente resultado prático. Quando um espaço esportivo (individual ou multiuso) é construído ou reformado, atraindo uma frequência mais alta de torcedores, visitantes e curiosos, o que de fato acontece é reconhecido como o efeito da novidade. Uma espécie de lua-de-mel, que basicamente se refere a índices maiores de presença de público após um estádio ser inaugurado ou passar por uma reconstrução. Em outras palavras, o cenário se resume a investimentos estruturais de larga escala, seguido pelo casamento entre uma localização específica e os indivíduos nela interessados. Uma situação que pode ser meramente temporária.

Mas o que aconteceria se nos apoiássemos em intervenções mais sustentáveis, visualizando a arte, o design e a tecnologia como elementos que alavanquem o futebol sob um prisma criativo? Seria possível gerar ambientes socialmente atrativos e que estimulem o talento esportivo local?

Conheça o Projeto Backboard, que revitaliza quadras de basquete comunitário nos EUA.
No Brasil e na América Latina, os projetos da love.fútbol potencializam o âmbito social por meio de campos de futebol e quadras de futsal.

Conforme nos aproximamos de mais uma Copa do Mundo, as ruas de grande parte do território brasileiro tendem a se transformar em um colorido particular. A famosa tradição de infância, que testemunha a união entre crianças e vizinhos dar vida a pinturas que literalmente expõem suas expectativas pelo sucesso esportivo da seleção nacional. Por outro lado, ao transitarmos entre diferentes países é possível encontrar sinais artísticos espalhados pelo pavimento urbano sem a necessidade de uma competição mundial, uma vez que a integração cultural entre arte e esporte pode ser testemunhada ao longo do ano em quadras e parques públicos.

Exemplos de inspiração à prática esportiva e à integração sociocultural na Bélgica e na França.

Uma das condições mais importantes para que atletas (ou, em princípio, entusiastas e praticantes) se envolvam integralmente, participando e aprimorando seus níveis de consumo e experiência com um esporte, uma atividade física ou um exercício motor diz respeito a como eles formam e evoluem a sua atitude pela modalidade escolhida.

Para facilitar o entendimento de como um indivíduo expressa seus traços de personalidade e responde a determinada situação ou objeto (no nosso caso, uma plataforma esportiva), o Modelo FAN (Fan Attitude Network) se mostra útil na avaliação dos elementos que influenciam a identidade esportiva individual e consequentemente refletem atitudes pessoais. Apesar de ser desenhado com um foco primário em torcedores e espectadores, algumas semelhanças também podem ser extraídas para atletas ou praticantes. Isto porque, devido a importância de aspectos psicológicos, sociais e ambientais no processo de desenvolvimento, toda e qualquer plataforma que sirva de espaço para a prática esportiva pode apresentar um impacto benéfico aos indivíduos envolvidos na modalidade.

Ao oferecer uma experiência enriquecedora em torno do ambiente esportivo, seja pela qualidade do serviço ou pela solidariedade comunitária ao longo de um processo colaborativo, atletas e praticantes tendem a aprimorar seus níveis de autoestima e a formação da sua identidade esportiva. Nesse sentido, uma forte identificação aliada a uma atitude positiva ao ambiente esportivo pode desencadear práticas mais frequentes com a participação de talentos locais. Embora jogar mais vezes o futebol não se traduz automaticamente em jogar melhor o futebol, a recorrência prática pode servir como um indício a busca pela melhoria de rendimento.

E como o rendimento atlético pode ser influenciado quando ajustamos a superfície onde o jogo acontece?

Kobe Bryant liderou o projeto House of Mamba na China, replicando o poder da tecnologia no rastreamento de jogadas e no uso de gráficos e vídeos simultâneos ao jogo.

Na vanguarda da inovação tecnológica aplicada ao esporte, uma construtora de quadras (originalmente de squash) da Alemanha tem mostrado como o design e a inteligência artificial podem revolucionar as superfícies de treino e jogo, independente da modalidade, colaborando para gerar novos ângulos de apoio ao desenvolvimento de talentos com plataformas não apenas modernas, mas acima de tudo democráticas e abertas a uma participação esportiva pluralista. Experiências bem-sucedidas já foram comprovadas com a prática de futsal, handebol e badminton na Ballsport Arena em Dresden (um dos espaços pioneiros a abraçar a revolução), onde a obra atende aos requisitos técnicos e se flexibiliza adaptando as luzes do piso segundo a disposição necessária para cada esporte. Além de evitar o conflito de raciocínio entre as linhas (algo comum em quadras poliesportivas), o piso de vidro antiderrapante foi projetado para reduzir o risco de lesões e queimaduras na pele.

Design e tecnologia a favor do esporte: futsal jogado em piso de vidro com iluminação própria.

Enfim, já que vivemos em uma cultura de experiências multiplataforma, redesenhar o ambiente esportivo por meio de intervenções apoiadas pela arte, pelo design e pela tecnologia podem potencializar a identificação, a formação e o desenvolvimento de talentos locais. Seja em um espaço comunitário, um clube amador ou uma escola pública, inovações estruturadas podem desencadear benefícios, estímulos e diferenciais sustentáveis aos praticantes de uma modalidade esportiva.

Reconhecido como um fenômeno de integração sociocultural, a essência do futebol acontece em todos os ambientes recreativos do país. Justamente por isso, o pensamento crítico e criativo pode ir muito além dos campos profissionais.

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Táticas restringem ou potencializam as tomadas de decisão? – Conceitos

Crédito imagem destacada – Carolina Brito/CBF

Retomando a discussão que iniciamos no primeiro texto, para poder responder à questão proposta no titulo dessa serie de artigos, e necessária uma compreensão ampla do termo “táticas”. Assim, daremos sequência agora trazendo algumas concepções de tática no futebol brasileiro.

Usaremos como guia o “Glossário aberto do Futebol Brasileiro”, que foi publicado em 2020 pela CBF Academy e busca auxiliar em um sentido de padronização das terminologias no âmbito do esporte mais praticado no país.

O Glossário trata de tática no contexto do que chama de “dimensão tática do jogo”, e segundo o mesmo:                                            

Tática: “é a forma como os/as jogadores/jogadoras, por meio de seus posicionamentos e movimentações, ocupam e gerenciam os espaços do campo. Para isso é necessário que o/a jogador/jogadora manifeste o conhecimento na ação, sendo este caracterizado como a sua capacidade de perceber, analisar, decidir e realizar ação que melhor se adapte a uma situação do jogo. A tática no futebol se expressa em diferentes níveis de relação dos/das jogadores/ jogadoras dentro da equipe, como a tática coletiva (de equipe e grupo) e a individual”.

O glossário segue definindo táticas da seguinte forma no futebol:

Tática de equipe – a partir de 5 jogadores,

Tática de grupo – de 2 a 4 jogadores,

Tática individual – 1 jogador.

Além da tática; os conceitos de cultura, ideia e modelo de jogo, bem como, sistema e esquema de jogo, são importantes para a devida compreensão do tema, e também têm espaço no Glossário com as seguintes definições:

Modelo de jogo é o conjunto de referencias táticas que permite delimitar e concretizar o treinamento e a competição

Sistema de jogo, ou sistema tático, “são descritos no formato numérico, indicando a quantidade de jogadores/jogadoras que atuam em cada setor do campo ou subsetores (goleiro/goleira, defesa, meio-campo e ataque), como, por exemplo: 1-4-4-2, 1-3-5-2, 1-4-2-3-1, entre outros.

Esquemas de jogo, ou esquemas táticos, “são as ligações estabelecidas entre os/as jogadores/jogadoras durante as partidas, ou seja, a forma como eles/elas se relacionam ou se comunicam a partir das funções desempenhadas em campo, das suas virtudes e limitações.” O manual vai além e define uma variedade de princípios táticos: gerais, operacionais, fundamentais e específicos. Apontando uma lista para cada um deles, exceto para os princípios táticos específicos, que englobam as táticas de equipe, grupo e individuais e que seriam “selecionados pelo treinador”.

Considerando todas essas possíveis “variações” parece ficar claro que uma discussão sobre as consequências das “táticas” no processo de decisão de um jogador, podem trazer à tona diferentes elementos relativos ao tema e também levar a conclusões diversas.

Nesse sentido, propomos analisar as consequências no processo de formação de diferentes abordagens relacionadas a dimensão tática.

Primeiramente, iremos discutir uma formação baseada em determinado sistema tático, e ao esquema tático associado ao mesmo.

A tática na formação de um jogador – Sistemas & esquemas táticos

No intuito de criar referências para o posicionamento em campo, uma equipe de futebol necessita da organização que vem dos sistemas e esquemas táticos. No entanto, ao pensarmos no desenvolvimento de jogadores, é preciso ter muito cuidado para que estes não limitem a evolução dos mesmos. Por exemplo, se esse jogador cresceu tendo o seu desenvolvimento baseado em um certo sistema e esquema tático, desenvolveu uma compreensão do jogo a partir da função que deveria exercer, e trabalhou as habilidades e competências necessárias para o papel que deveria desempenhar.

As figuras mostram diferentes setores de uma equipe, e as posições dos jogadores em algumas diferentes situações.

A partir dessas habilidades e competências específicas da função, o jogador pode aprender a desempenhar com eficiência as responsabilidades que lhe foram deferidas. Quanto mais elevada a idade da equipe, a tendência é que mais detalhado seja o esquema, e que mais complexas sejam as tarefas que os jogadores devam desempenhar.

Enquanto essa parece ser uma progressão lógica, do mais simples ao mais complexo, em termos de formação de jogadores, existe um problema que pode ocorrer de acordo com essa forma de abordagem.  

Vamos ilustrar esse cenário com dois exemplos:

  1. Um jogador que cresceu como “volante”, jogando sempre pelo meio, seguindo as instruções para jogar em dois toques e passar curto ao receber ou roubar a bola.
  2. Um jogador que cresceu como “ponta”, sendo instruído sempre a que a equipe tenha a bola, jogar “aberto” e procurar o “1v1”, e sem a bola, defender o lateral da equipe adversária.

Se durante a formação de um jogador todo o seu treinamento for “específico para a posição”, durante os anos cruciais para a lapidação da motricidade, o jogador pode ter tido limitado o seu desenvolvimento tanto técnico quanto cognitivo, pela aplicação das funções que lhe foram exigidas pelo treinador.

O volante ao qual nos referimos acima possivelmente não terá desenvolvido o drible e capacidade de criação; assim como o ponta talvez não tenha desenvolvido como jogar por dentro, flutuar na marcação ou criar vindo de uma posição mais defensiva, etc. Se essas exigências chegarem, por exemplo, no sub 17, os jogadores já não terão a mesma capacidade de adaptação ao jogo que teriam quando eram mais novos.

Buscando amenizar o problema, uma estratégia frequentemente utilizada por treinadores da base, é a de fazer com que jogadores atuem em diferentes posições, para experimentar diferentes desafios e desenvolverem uma variedade de capacidades (necessárias para a devida compreensão do jogo de forma global).

Mesmo nesse caso, vale ressaltar que o entendimento do jogo e desenvolvimento das capacidades se darão através das posições onde o jogador irá atuar, e as funções que ele irá desempenhar no esquema e modelo de jogo da equipe. 

Nesta segunda parte refletimos um pouco melhor sobre o conceito de tática, de acordo com a terminologia no nosso país, e alguns cenários iniciais onde ela pode interagir com as possibilidades de desenvolvimento da tomada de decisão dos jogadores, sobretudo nas categorias de base.

Na terceira parte, iremos aprofundar um pouco mais no assunto, discutindo o desenvolvimento dos jogadores em perspectiva de outros aspectos relacionados a dimensão tática, e buscando uma resposta para o tema central do artigo. Até lá!

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Final da Champions – A preparação na semana da decisão

Crédito imagem – Chelseafc.com

Quando ouvirem o hino da Champions no sábado, Manchester City e Chelsea estarão finalizando uma longa temporada, onde ambos disputaram quatro competições em um quadro de calendário congestionado com jogos de alta exigência física, tática e mental. Se os Citizens jogaram 61 partidas oficiais, os Blues não estiveram muito distantes do mesmo número com 59 partidas, algo que não parece justificar uma diferença a nível de desgaste acumulado na temporada.

Se o Chelsea é um finalista improvável pelo seu percurso no início da temporada, do outro lado o Manchester City assume a posição de novato em uma final de Champions para finalmente comemorar uma ambicionada conquista desde o início do projeto do Grupo City. Para todos nós treinadores e profissionais do futebol, a semana de preparação para esse cenário parece ser a mais gratificante de todas, uma vez que estamos falando de uma final de Champions League (motivante por si só), o finalizar de um processo de treinamento de 10 meses e o alívio de uma semana “cheia” para descansar ativamente e ajustar os últimos detalhes táticos e estratégicos para a partida.

Polimento e Últimos Ajustes
As alterações logísticas da partida, a final será novamente em Portugal, não influenciarão negativamente a planificação da última semana de treinamentos, podendo dizer inclusive que beneficiarão ambas as equipes com uma viagem mais curta e uma aclimatação muito semelhante para o mesmo período a mesma época do ano na Inglaterra. O City chega a cidade do Porto com a vontade de conquistar o seu “triplete” e o Chelsea carrega na bagagem uma recente final de FA Cup e dois jogos ainda importantes para a sua classificação no campeonato inglês. Nesse ponto talvez, podemos encontrar “citizens e blues” em níveis de concentração e prontidão diferentes, mas uma vez mais, pela qualidade de ambas as equipes e por seu percurso na temporada, ambas deverão chegar a final em um improvável pico de performance.

Na teoria do treinamento desportivo, os modelos de planificação mais tradicionais pressupõem um modelo de ATR, onde o ano de treinamento se divide basicamente em três partes: acumulação, transformação e recuperação. Obviamente que temos que adequar a discussão dos modelos tradicionais para os modelos mais contemporâneos que estão mais intimamente relacionadas as modalidades coletivas e as suas demandas competitivas semanais para a melhor performance. De que maneira as grandes equipes do futebol europeu e as equipes do nosso futebol periodizam o treinamento para que o estado de “fitness” sempre supere o estado de “fadiga” nos momentos competitivos?

De fato, os mesociclos (conjunto de 3-4 microciclos) e os microciclos sempre assumirão a maior importância na planificação, em estruturas que podem significar 2 ou 3 picos de carga ao longo de semanas completas de treinamento de acordo com fases onde se pressupõe uma maior necessidade de treino, ou 1 pico de carga em caso de microciclos ou mesociclos em que a manifestação competitiva se mostra mais presente através de calendários congestionados. Como isso influenciará tanto City quanto Chelsea?

Levando em consideração o cenário da temporada e com ambas as equipes contando com três semanas completas com jogos apenas ao final de semana, é possível esperar que os treinadores irão optar por uma abordagem mais conservadora, com apenas um pico de carga semanal e treinos pautados na qualidade de execução dos exercícios, tanto do ponto de vista técnico e tático quanto do ponto de vista físico (aqui podemos considerar treinamentos com características predominantemente anaeróbias). Podemos supor que em uma semana decisiva, as equipes técnicas que melhor administrarem as suas cargas de treino de forma a evitar a complacência e realizar a manutenção dos atuais níveis de performance, terão mais sucesso em alcançar o dia decisivo com indicadores de performance positivos, e tendo seus jogadores mais “frescos” para a final.

Podemos pensar que em uma última semana de uma temporada de 10 meses, prestes a competir em uma final europeia os treinadores irão realizar uma semana de “tapering”? Aqueles familiarizados ao conceito de tapering, poderão questionar se é possível realizá-lo em esportes de equipe, sendo inclusive questionável do ponto de vista da literatura científica e sua aplicação prática. Pois bem, se consideramos uma equipe como um conjunto de indivíduos, é possível sim aplicar estratégias de tapering individualizado com base nas suas métricas de treinamento e de desempenho ao longo da temporada. Os resultados justificam-se? Se pensarmos que a literatura demonstra melhoras de 0,5% a 6% na performance, e que podemos melhorar os índices de desempenho dos atletas nessa grandeza, podemos afirmar que uma redução planeada da carga de treino na semana prévia a final se justifica, sempre optando por reduzir o volume de treinamento e realizando a manutenção da intensidade do mesmo.

Outros aspectos de potencialização para a final

Para além da redução das cargas de treinamento a nível do volume, uma já habitual rotina nutricional individualizada (tanto na gestão do consumo dos macro e micronutrientes, como na personalização da hidratação) deverá ser adequada a esse ajuste nas rotinas de treinamento, potencializando a recuperação ativa dos atletas e permitindo que se mantenha a prontidão para a competição.

Muito importante para a planificação da semana, é um ajuste das rotinas de monitoramento da qualidade do sono dos atletas, onde é possível identificar necessidades de melhora e assim adequá-los para as necessidades impostas pela semana (viagem para um ambiente novo, ansiedade pré-competitiva). Também fazem parte dessa última semana de treinamento da temporada, um “passar de olhos” pelas habilidades psicológicas dos atletas, com um momento de avaliação, relaxamento e estabelecimento de um planejamento individualizado para a derradeira final, estimulando a autoeficácia e o foco.

De maneira geral, é inquestionável que ambas as equipes estarão no Estádio do Dragão em um momento de ápice competitivo, em que o esforço (já inegociável) não encontrará limites para a conquista do mais ambicionado troféu de clubes. Com dois treinadores experientes e altamente qualificados de cada lado e dois clubes que dispõem  das melhores estruturas e staff do mundo, podemos esperar um elevado nível de competição como já pressupõe o hino que nos convida a acompanhar a Liga dos Campeões ano após ano.

Confira abaixo um exemplo de organização semanal

Exemplo de estruturação da semana de treinos para a final. Adaptado de Owen et al (2017).

Referências

Owen AL, Lago-Peñas C, Gómez M-Á, Mendes B, Dellal A. Analysis of a training mesocycle and positional quantification in elite European soccer players. International Journal of Sports Science & Coaching. 2017;12(5):665-676. doi:10.1177/1747954117727851

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Estaduais no Brasil -Possíveis desdobramentos e benefícios

Crédito imagem – César Greco/Palmeiras

Após a exposição da ideia através da qual se pretende redesenhar algo tradicional no ambiente do futebol brasileiro como os campeonatos estaduais, é natural que surjam questionamentos sobre as consequências advindas da inovação proposta.

Apresentarei nesse último texto, os reflexos imaginados para cada um dos envolvidos no mercado do futebol: Federações; Confederação; clubes maiores; equipes menores; mercado de trabalho; setor de serviços; imprensa; investidores; patrocinadores; fornecedores; redes de televisão; governos municipal, estadual e federal; economia nacional; e, por último, a população em geral.

. Federações: Localizadas em cada um dos estados do país, comandam e organizam a prática do futebol nesses espaços. Imaginando a nova conformação dos campeonatos estaduais, essa redundaria em ganhos consistentes. Afinal, maiores seriam as receitas advindas de registros de clubes e de jogadores; além dos ganhos com as taxas incidentes na organização e realização dos jogos.

. Confederação Brasileira de Futebol: Sediada no Rio de Janeiro e responsável pelo desenvolvimento do esporte no país, a CBF também receberia um considerável aumento de receitas pelo maior número de registros; tanto de clubes quanto de atletas. Sendo que o número de atletas profissionalizados aumentaria exponencialmente. Soma-se a isso, as receitas advindas das taxas incidentes sobre os diferentes eventos esportivos a serem realizados por essa instituição. Por último, a CBF teria maiores receitas para investimentos na organização e premiação dos campeonatos nacionais, além do planejamento das agendas das seleções nacionais.

. Clubes maiores: Além de uma disputa mais enxuta pela menor quantidade de datas, essas equipes que possuem calendários nacionais extensos teriam a possibilidade de adquirir os jogadores que se destacassem nesse campeonato interno de maior abrangência a um custo muito menor do que se fosse necessário garimpar tais valores em outras localidades fora desse estado de origem.

. Clubes menores: Haveria a conquista do sonhado calendário anual e a manutenção do elenco de atletas de forma contínua. Atrelado a isso, ter-se-ia a possibilidade de exposição de seus jogadores em nível estadual, o que facilitaria a realização de negócios entre os clubes participantes. Com isso, podendo acarretar uma elevação nas receitas e resultando na possibilidade de novos investimentos.

. Mercado de Trabalho: Ocorreria a abertura de maiores oportunidades de emprego não apenas para atletas profissionais, mas também para educadores físicos, fisioterapeutas, contadores, administradores, advogados, dentistas, nutricionistas, dentre outras profissões que habitualmente gravitam dentro desse mercado onde se insere o futebol. Seria incrementada a busca por essas ocupações em âmbito local, o que aumentaria a população ativa e reduziria índices de ociosidade desses profissionais graduados que hoje, muitas vezes, estão subaproveitados.

. Setor de serviços: Pelo maior número de partidas durante um tempo mais extenso no decorrer do ano, esse setor da economia seria estimulado a novos investimentos pela necessidade do deslocamento contínuo de torcedores adversários e suas demandas por hospedagem e alimentação. Novos trabalhadores seriam requeridos e novas receitas seriam geradas.

. Imprensa: Estes profissionais seriam requisitados pelo segmento de esportes que se constituiriam em áreas especializadas em cada uma das cidades envolvidas nas disputas. Isso aumentaria a audiência dos canais locais de comunicação, gerando a necessidade da contratação de novos jornalistas e a construção de uma relação mais produtiva com as empresas interessadas em atrelar suas marcas aos clubes de suas cidades.

. Investidores: Realizando um planejamento bem delineado, naturalmente ocorreria o interesse de organizações em investir nesse rentável ambiente do futebol. Para isso, bastaria que existissem regulamentações claras quanto a entrada e saída desses recursos. O interesse em investir no esporte é perene, o que faz com que muitas vezes isso não se concretize, é a falta de regras transparentes das responsabilidades de cada um dos atores envolvidos: clubes e interessados em investir.

. Patrocinadores: Com realização de jogos nas proximidades, certamente, os empresários residentes na cidade desejariam investir (e lucrar) com o apoio aos clubes locais. Assim, quanto mais benéfica a construção de uma parceria, maior seria o interesse em patrocinar uma equipe de futebol.

. Fornecedores: Para estas empresas, o redesenho dos estaduais redundaria em lucros crescentes pela exigência de maiores insumos para a realização de jogos. Organizações que produzam artigos a serem utilizados ou consumidos na prática desse esporte teriam uma grande rentabilidade. Outras, também interessadas nesses ganhos, surgiriam.

. Redes de televisão: É sabido que, no formato atual, os índices de audiência que retratam o interesse do público têm apresentado seguidamente um viés de queda. Com a adoção da sugestão apresentada, a audiência deveria ser ampliada dentro do espaço estadual. Novas adesões aos pay-per-view por parte dos torcedores de clubes menores seriam criadas, algo ainda inexistente. Assim, como o interesse pelas fases decisivas, mais curtas e intensamente disputadas.

. Governos municipal, estadual e federal: O conjunto de instituições da Administração Pública espalhadas pelos diferentes níveis de governos poderiam ter uma maior arrecadação de impostos advinda do aumento no número de partidas; da expansão do setor de serviços; de maiores contratações de profissionais; da ampliação na comercialização de produtos; do incremento no gasto dos clubes com investimentos.

. Economia nacional: Essa seria favorecida pela melhoria nos indicadores de empregos formais e informais com o aumento da população ativa e contribuinte à Previdência nacional; pela diminuição da ociosidade de jovens e adultos; expansão da atividade industrial para o fornecimento de insumos para a prática do esporte; incremento no faturamento de empresas inseridas no mercado do futebol; ampliação dos rendimentos dos profissionais envolvidos; busca por capacitação de profissionais interessados em trabalhar nesse segmento esportivo; investimento em infraestrutura por parte de estados e municípios para cumprirem requisitos mínimos exigidos aos clubes; movimentação do setor de serviços, principalmente hospedagem e alimentação; possibilidade de interrupção ou mesmo reversão parcial do êxodo rural; aumento esperado no percentual de estudantes.

. População em geral: Abertura de novas oportunidades profissionais no interior do país, além do agronegócio; possibilidade de migração para cidades menores com os benefícios similares aos centros urbanos; diminuição do desemprego; redução dos indicadores de violência pela queda na ociosidade de jovens e adultos; possibilidade de reversão da evasão escolar; ampliação da prática do futebol em âmbito local; melhoria dos indicadores de saúde dos praticantes desse esporte.

Imaginar que apenas a exposição dessa ideia possa fazer com que o futebol brasileiro se transforme é uma ilusão da qual não compartilho. A intenção é a de oferecer uma visão mais ampliada desse esporte na configuração estrutural do nosso país. Onde uma observação atenta sob esse aspecto macroeconômico possa proporcionar uma noção do quanto se perde em receitas para o país, simplesmente pela falta de ousadia em se inovar – de uma forma mais planejada e estratégica – em uma atividade econômica para a qual, culturalmente, somos capacitados desde a infância.

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Estaduais no Brasil – Uma ideia apresentada

Crédito imagem – César Greco/Palmeiras

Ainda que seja conhecida a dificuldade de se implementar mudanças em alguns segmentos do nosso país, existe uma necessidade de se enxergar o nosso futebol sob um aspecto mais planejado. Assim, buscarei apresentar o esporte preferido dos brasileiros dentro de uma visão macroeconômica.

O que seria inovador em um redesenho dos nossos campeonatos estaduais? E como transformá-los em algo rentável que gere receitas e crie empregos? Para isso, convido-o a repensar – por alguns instantes – a visão atual do futebol existente no país e ampliar o entendimento sobre como, dentro de em um formato estrategicamente construído, poderia impactar decisivamente na economia a ponto de se transformar em um novo setor.

Analisemos o cenário futebolístico de um município qualquer do interior onde exista, ao menos, um clube que dispute um determinado campeonato estadual. A atividade econômica gerada nesse espaço estende-se por meros cinco meses, sendo que apenas nas últimas oito ou dez semanas – dependendo do desempenho do time na competição – existirão a ocorrência de jogos na cidade. Tal situação se repete nas mais diferentes localidades do país. No restante do ano, os amantes desse esporte localizados em cidades interioranas – excetuando, claro, aqueles que se mantém ativos nas competições nacionais – terão de se contentar em assistir jogos pela TV com a economia local deixando de ser favorecida por esse esporte, pois não há geração de empregos ou produção de receitas de forma continuada.

Em um novo cenário a ser redesenhado para o futebol nacional, haveria uma maior rentabilidade para o interior: através de um maior número de jogos em cidades de diferentes portes; do resgate de históricas rivalidades regionais, hoje latentes; e, pela movimentação econômica advinda do trânsito de milhares de torcedores que precisariam de hotéis, de alimentação e de ingressos para estarem presentes nas partidas distantes de seus municípios. Algo que estimularia os setores locais de serviços, de comércio e que hoje encontram-se completamente desprezados na maior parte do ano com relação à essa atividade específica.

O resgate de muitos desses clubes de futebol em cidades interioranas brasileiras poderia ser inspirado com o que ocorre na NBA, pois nesse esporte, os torcedores norte-americanos cultivam uma rivalidade que respinga nas cidades. As do interior desafiam as maiores em jogos que mobilizam um grande contingente de pessoas durante a temporada e isso movimenta positivamente a economia interna. Para citar apenas um exemplo: No Texas, é grande a disputa entre os times de Houston (Rockets), de San Antonio (Spurs) e de Dallas (Mavericks).

Desconsiderar o papel econômico do segmento esportivo na cadeia produtiva dos diferentes países é uma perspectiva reduzida da realidade em que vivemos e que poderia ser melhorada.

Assim, sabendo que os estados brasileiros são divididos em mesorregiões[1], tomemos por base, uma dessas em qualquer um deles. Nesse recorte territorial, existem várias cidades que possuem times de futebol profissional. Ou seja, já está inserido um potencial esportivo – pouco explorado – de geração de receitas advindas dessa rubrica nesses municípios. Imaginando uma ampliação do campeonato estadual em um formato diferente, outras fontes de renda e de oportunidades poderiam surgir.

Supondo agora, a construção de uma disputa em determinada região de um estado qualquer, essa nova competição poderia se iniciar em maio, após a fase final do campeonato estadual do ano corrente. Inicialmente, com os times existentes dentro das diferentes cidades desse espaço onde todos jogariam contra todos. Ao final do certame, provavelmente no mês de agosto, teríamos a classificação final dessa região e os dois primeiros colocados seguiriam para a continuação da competição.

Sabendo que esse mesmo estado possua outras nove regiões, além dessa citada. Isso permitiria uma nova fase da competição composta por vinte clubes (os campeões e vices de cada uma dessas dez regiões) que deveria ser realizada nos meses subsequentes, por exemplo, de setembro a dezembro.

Após o fim das férias anuais do futebol, a partir da metade do mês de fevereiro do ano subsequente, os cinco melhores colocados disputariam – com os principais clubes (2 a 4, dependendo do estado) – o título de campeão estadual. Com a utilização de até dez datas: seis a oito para o enfrentamento inicial dos clubes participantes (variando conforme o estado); uma para as semifinais e mais uma para a final.

Atendendo assim aos anseios desses clubes maiores que sempre desejaram uma competição regional mais enxuta para poderem ter maior tempo para uma pré-temporada adequada e, principalmente, para focarem nos campeonatos mais rentáveis que ocorrem no decorrer do ano: os nacionais e os internacionais. Todavia, satisfazendo também aos menores que, anualmente, pleiteiam um campeonato mais extenso e com um maior período de atividade.

Como todos os estados têm suas divisões por mesorregiões de planejamento, essa nova perspectiva poderia ser facilmente replicada em outras unidades do país. Claro que seria algo de menor amplitude em Alagoas, Espírito Santo ou Santa Catarina pela menor dimensão territorial, porém, necessariamente mais abrangente em São Paulo, Bahia ou Rio Grande do Sul pelo mesmo motivo. Tudo se acertaria com pequenos ajustes e vontade de inovar para o resgate do verdadeiro futebol brasileiro; aquele que ainda pulsa em cada município do nosso país.

Certamente, essa configuração mais ampliada do futebol brasileiro traria desdobramentos para os diversos envolvidos. Algo a ser discutido no nosso próximo texto.

Estaduais no Brasil -Possíveis desdobramentos e benefícios

[1] Mesorregião é uma subdivisão dos estados brasileiros que congrega diversos municípios de uma área geográfica com similaridades econômicas e sociais, que por sua vez, são subdivididas em microrregiões