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Faz alguns anos redigi um trabalho científico, em Ciências do Desporto, a respeito da imprevisibilidade como princípio de treinamento nos jogos desportivos coletivos. O trabalho fora aceito por uma revista científica mas acabou não publicado.
Passou um ano e recebi da mesma revista o “aviso” de que ele (o artigo) estaria presente na próxima edição. Como a Ciência é dinâmica, veloz e implacável com o tempo, achei por bem não mais autorizar a publicação (um ano havia se passado, e a contar os meses que levou para o aceite inicial, era tempo demais – o que poderia ser novidade em um primeiro momento, na minha opinião não causaria mais impacto algum).
Mas eis que dia desses, num embate científico surgiu a seguinte questão: a imprevisibilidade pode ser treinada (em nosso caso específico, no futebol)?
Já escutei muita bobagem a respeito do assunto. Certa vez um pesquisador aficionado por futebol disse que imprevisibilidade para ele era “urubu marcando gol” ou “bola murchando antes de cruzar a linha de meta”.
Obviamente a imprevisibilidade a que me refiro é a característica “mais inerente das inerentes ao jogo”; é e está no jogo assim que ele se inicia, independente de “urubus, corujas ou bolas furadas”.
E se há equívoco por um lado no conceito; por outro há na sua aplicação.
Dia desses, assistindo a um jogo do campeonato italiano, um dos comentaristas (brasileiro), ao explanar sobre um chute ao gol da região da meia-lua após passe vindo pela lateral esquerda, disse que “raramente acontece no jogo um lance como aquele, bem parecido com os treinamentos de finalização em que se repete à exaustão aquele tipo de movimentação”; e que por isso era inadmissível que o jogador tivesse chutado a bola para fora do gol.
Noto, nas minhas observações e nas falas do “cientista aficionado” e do “comentarista esportivo”, que ainda treina-se muito o que é previsível e que portanto não vai acontecer no jogo, porque ainda se considera que o que é imprevisível não é treinável (total desconhecimento sobre o jogo!).
A imprevisibilidade está no jogo, quer queiram ou não. Dominá-la totalmente seria o fim do jogo (a equipe que o fizesse não mais perderia). Mas não é possível, e não estou eu aqui a defender isso.
O que estou a defender é que o treinar tem que estar atrelado ao jogar (mais uma vez precisamos lembrar que “treino é jogo e jogo é treino”).
Treinar a imprevisibilidade significa possibilitar à equipe e jogadores pré-disposição e eficácia imediata para resolver problemas (situações-problema) tornando aqueles que seriam totalmente desconhecidos (imprevisíveis), parcialmente ou totalmente conhecidos.
Não se trata de tornar o jogo previsível, mas sim menos imprevisível.
Enquanto isso não for compreendido viveremos ainda do “treino é treino, jogo é jogo”. Então, treinar para quê?
Sendo assim, em prol do jogo, por fim sugiro: abandonemos os treinos.
Caros amigos da Universidade do Fubebol,
Não só a Fifa, como também todas as partes envolvidas no mercado do futebol, estão preocupadas com a manutenção da credibilidade do futebol, perante torcedores, patrocinadores, mídia, etc.
Nesse âmbito, a Fifa tem demonstrado grande preocupação com a transparência das transferências internacionais de jogadores (em que ela tem competência para regular), bem como em garantir a traceabilidade dos recursos pagos em cada negócio realizado. Como sabemos, são nessas transações onde residem as maiores suspeitas de atividades ilícias dentro dessa indústria.
Assim, durante o seu 57º congresso, realizado em maio de 2007, em Zurich, a Fifa decidiu introduzir dentro do escopo de sua Task Force “For the Good of the Game” a criação de um sistema de cruzamento de dados para transferências de jogadores, visando melhor monitorar as transferências internacionais de jogadores. Esse sistema deve alterar substancialmente o atual sistema em vigor, que determina que as diversas federações nacionais dos clubes vendedores e compradores devem simplesmente certificar as transferências via fac-símile.
A matéria foi inicialmente regulada no Ofício Circular da Fifa nº 1108, que apresenta o sistema denominado “International Transfer Matching System”, com o objetivo de “de um lado, garantir que as autoridades do futebol tenham maior detalhes disponíveis acerca de cada transferência, e, de outro lado, aumentar a transparência de cada transação, que por sua vez aumentará a credibilidade e todo o sistema de transferências de jogadores. Ao mesmo tempo o sistema deverá garantir que, de fato, um jogador está sendo transferido, e que não haja simplesmente uma transferência de valores com a transferência de um “jogador fictício” (i.e., lavagem de dinheiro). Finalmente, o sistema deverá garantir que todos os pagamentos relacionados com as transferências sejam feitos apenas de um clube para outro”.
Tão logo o sistema encontre-se totalmente em funcionamento, todas as transferências intenacionais deverão estar eletronicamente registradas, e devidamente checadas em um único sistema de base de dados.
O International Transfer Matching System encontra-se em fase experimental em algumas federações ao redor do mundo desde janeiro deste ano. Uma segunda fase deverá ser iniciada em breve, com o envolvimento de outras tantas federações.
D
e acordo com as deliberações tomadas na Fifa Exco de outubro de 2007, todas as atividades relacionadas com esse novo sistema deverá ser conduzido por uma empresa independente, chamada Fifa Transfer Matching System GmbH. Entendemos positivas as alterações, em prol da credibilidade das transações, e também do afastamento em definitivo de pessoas que se utilizam do futebol para obter lucros a todo custo e para praticar atividades ilícitas. Manteremos nossos leitores informados acerca do desenvolvimento dessa matéria.Para interagir com o autor: megale@universidadedofutebol.com.br
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Sócio é tão bom assim?
Com a conquista da Copa Sul-Americana pelo Internacional ontem a noite, nada mais natural que se dê início a um ode à administração colorada, mais ou menos no mesmo esquema que se faz sempre que uma equipe conquista um título, uma vez que muitas análises feitas utilizam o fim para enaltecer o meio.
Uma das coisas que mais se falou e mais se irá comentar é a política de sócios do Internacional, que conseguiu a façanha de preencher o estádio apenas com os membros do clube. Ato, a princípio, louvável. Quem mais é capaz de tal coisa no Brasil?
Muitos enxergam na expansão do número de sócios algo muito positivo e utilizam o extremo referencial do Barcelona como prova desse sucesso. É um raciocínio simples, lógico e bem fundamentado, ainda que o Benfica tenha mais sócios que o próprio Barcelona e não é lá um grande exemplo de sucesso esportivo na atualidade. Agora, ter um estádio cheio de sócios é bom ou é ruim?
Pode ser bom, claro, uma vez que o sócio é um tipo de público mais identificado com o clube, com muito mais vínculo do que um torcedor normal. O sócio é mais interessado, tende a consumir mais produtos e em geral acredita que o clube é, de uma forma ou de outra, algo que faça parte da vida dele.
Isso, por um lado, é ótimo. Mas tem um lado complicado. Primeiro que, financeiramente falando, vale mais a pena ter um estádio lotado de torcedores normais do que de sócios. Em geral, o programa de sócio se confunde com um pouco com um pacote de ingressos, ou seja, ou dá o ingresso de graça, ou dá o ingresso com desconto. Pelos números, vale mais a pena ter um estádio cheio de pessoas que paguem mais do que pessoas que paguem menos. Além disso, o sócio tem um custo de manutenção relativamente alto, no qual incide brindes, camisetas, eventos especiais, tecnologia e pessoal para ativação e manutenção de relacionamento, e assim por diante.
Ou seja, na ponta do lápis, se você consegue naturalmente ter um estádio lotado sempre, sócio não é uma coisa boa. Isso vale tanto aqui no Brasil quanto na China ou em qualquer outro lugar do mundo. Mas como isso é muito complicado, também valendo para qualquer localização geográfica que seja, o sócio é uma excelente maneira para fazer disso uma coisa mais freqüente.
Ter um estádio lotado de sócios é excelente, mas não é o ápice. O melhor é ter um estádio lotado sempre. O programa de sócios é uma ótima ferramenta para isso.
É o meio, e não o fim.
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Arbitragem eletrônica…
Na semana passada, polêmica no jogo Flamengo x Cruzeiro. Carlos Eugenio Simon não marcou pênalti para a equipe carioca. Deu a repercussão que deu. Foi ou não pênalti? Por uma câmera de uma TV, foi pênalti claro, por outra câmera de outra TV, não foi de jeito nenhum, pela mesma câmera da mesma TV foi e não foi.
Agora, nesta semana, abrimos as noticias e vemos, meio em tom de brincadeira, meio em tom de provocação, o técnico Mano Menezes reclamar do mesmo arbitro, perguntando se pelo suposto erro dele na partida do já campeão Corinthians, jogando com o time reserva (algo como um time C ou D da equipe) contra o América de Natal, ele não deveria ser rebaixado para a série C, uma vez que só veio apitar a série B pelo erro no jogo do Flamengo x Cruzeiro.
Não nos cabe aqui avaliar o Simon, costumo ser bem pragmático em relação aos números. É só ver os importantes torneios e jogos que ele vem apitado ultimamente, e ninguém me convence, justificando que só apita jogos importantes por questões políticas e de interesse, porque se fosse isso, o Edilson ” Máfia do Apito” estaria por ai ainda. Ninguém sustenta uma posição de destaque sem o mínimo de competência (assim, penso eu).
Mas, vamos ao que interessa: o amigo Gheorge me sugeriu o tema com a discussão que o Juca Kfouri abordou no seu blog.
“Daí a necessidade da arbitragem eletrônica, embora neste caso do Mineirão, já imaginou que rolo daria? Uma imagem mostra o pênalti, a outra não mostra…”
Bom, sabemos que muitos se deliciariam com essa situação dizendo que se não fossem essas polêmicas o futebol não teria graça.
É verdade. Se estivéssemos avançados a ponto de termos uma arbitragem com suporte tecnológico para minimizar os erros humanos (lembrem humanos erram, é normal)… Não teríamos esse polêmica, aliás, não estaria escrevendo sobre isso, e é bem provável que boa parte do que escrevo sobre o analfabetismo tecnológico no futebol também não faria o menor sentido.
Mas a questão é conforme apontou Juca, mesmo com toda tecnologia aplicada, o que aconteceria se uma câmera mostra uma coisa e outro mostra uma situação antagônica?
Amigos, desculpem ser simplista de mais, mas acredito que a situação chegue a beira de uma “banalidade complexamente simples”. Frente as divergências de recursos tecnológicos gerados pelas diferenças de imagens, o que impede o arbitro de tomar uma ação como o faz hoje, por interpretação.
A grande diferença estaria em inúmeras outras situações que na dúvida do arbitro as imagens pudessem dar uma solução concreta.
L
ógico que defendo tal inserção dos recursos tecnológicos no futebol, mas tão óbvio é que isso deva ser parte do campo de jogo, nunca levada para uma decisão posterior , em tribunais e por ai a fora. O arbitro deve, no momento da polêmica, fazer uso de algum recurso tecnológico que apenas ele e seus auxiliares (consultem no momento). Com certeza, as milhares de câmeras depois vão mostrar os lances e gerar discussões, isso não acabará, nem deve. Mas no momento de consulta os árbitros podem fazer como no futebol americano: num local reservado, com as imagens e câmeras que eles escolherem, reprisadas quantas vezes achar necessária, tomar sua decisão. Convenhamos não é nenhuma descaracterização da modalidade, pelo contrário, é um estimulo a credibilidade a organização tão em moda nos tempos modernos. Ou será que photo finish , recurso praticamente centenário descaracterizou as corridas de cavalos, e hoje no atletismo perguntem se o atleta que ganha uma medalha em razão de similar recurso tecnológico, se é contra ou a favor, afinal o aparato apenas lhe deu o que foi de direito, a comprovação de um fato. Mas toda vez que penso neste tema, imagino, será que são as mesmas pessoas que defendem o profissionalismo do futebol, uma organização uma estrutura melhor desenvolvida e que defendem também a incerteza, os erros que podem ser minimizados (nunca eliminados como no fato do pênalti citado) através da aceitação dos recursos tecnológicos como ferramentas complementares da arbitragem. O que você me diria sobre o contador que fazia seus cálculos no Ábaco, depois nas calculadoras, e hoje se espalham em planilhas eletrônicas e softwares sofisticadíssimos, que surgiram frente a realidade moderna e ajudam a minimizar falhas, imagine se ele chegasse a você com um lápis e papel de pão para fazer a auditoria de sua empresa? Por mais credibilidade que a pessoa tenha, no mínimo alguma estranheza nos causaria quando nos mostrasse os números… Vivemos numa era tecnológica, mas devemos sobretudo compreender o que significa, nem gerar expectativas de que ela resolverá tudo, afinal ela existe como meio facilitador de nossos processos, nem tampouco ignorar suas possibilidades.Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br
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O homem do hexa
No fim, ficou para a última rodada a decisão, quase sacramentada, do título de campeão brasileiro de 2008. O São Paulo entra como Lewis Hamilton no GP Brasil de Fórmula 1. Vantagem gigantesca para ser campeão, dependendo apenas de suas forças, mas com a maior parte da torcida jogando contra.
Sim, porque nada mais sem graça para aquele que era o mais gracioso campeonato nacional de futebol do planeta do que ter o seu primeiro tricampeão da história. São quase 40 anos de Brasileirão e nunca um time foi capaz de ser três vezes seguida o primeiro colocado.
E o São Paulo deve ratificar essa condição no domingo que vem, apesar dos pesares, e talvez com tanta dificuldade quanto o inglês na F1. E, mais uma vez, muitos dirão que o título teve o dedo de Muricy Ramalho, que as defesas de Rogério Ceni foram insuperáveis, que o sistema defensivo fez a diferença, ou que Borges surgiu como artilheiro na hora em que foi mais necessário um time desacreditado se superar e ser o novo supercampeão do Brasil.
Só que boa parte do mérito dessa conquista vem de lá de trás, há cerca de cinco anos, quando o São Paulo voltou a ser um time que “incomodava” os seus adversários. Depois de uma década de relativo ostracismo pós-bicampeonato mundial, o Tricolor voltou a figurar como gente grande no Brasil e no exterior.
O terceiro título mundial, em 2005, coroou uma renovação que teve início em 2002, quando Marcelo Portugal Gouvêa se tornou presidente do clube. Naquela época, o clube vivia um período de seca de títulos e, principalmente, de instabilidade interna. Foi o ápice da discussão entre Rogério Ceni e o então presidente Paulo Amaral, que quase resultou na saída do goleiro. Não fosse a vitória de Gouvêa, muito possivelmente Rogério estaria noutro clube qualquer em 2002.
Mas Portugal Gouvêa venceu. E, numa de suas primeiras atitudes, rompeu o vínculo que o Tricolor tinha com a CBF. Deixou de pedir dinheiro emprestado, voltou a investir na formação de atletas e nas boas negociações para contratar e vender jogador.
Dois anos depois, o clube caiu nas semifinais da Libertadores. Em 2005, foi campeão. E, no ano seguinte, vice do torneio continental e campeão Brasileiro pela primeira vez após 15 anos, quebrando o maior jejum de títulos da história do Tricolor numa competição nacional.
Portugal Gouvêa tinha muito do dirigente à moda antiga, que centraliza todas as decisões, está mais preocupado com o futebol do que com o restante do clube e que sabe conduzir muitíssimo bem o relacionamento com a imprensa. Sua figura, sem dúvida, ajudou a recolocar o São Paulo no caminho da vitória e, mais do que isso, o clube no trajeto do saneamento fiscal.
Tive o prazer de entrevistá-lo incontáveis vezes como repórter do “Lance!”. Foram raras as vezes em que ele não quis atender o telefone, ou não podia fazê-lo. E, quando atendeu, sempre foi solícito e prestativo ao passar a informação. Em pouco tempo de liderança no Tricolor, Gouvêa acabou com a turbulenta relação que havia com a imprensa, tirando mais um peso das costas de atletas e dirigentes e ganhando a confiança dos jornalistas.
No último sábado, o coração de Gouvêa não resistiu. Parou de bater aos 70 anos. Muito jovem para quem costumava estar sempre preocupado com a saúde. E, mais do que isso, muito cedo para alguém que merecia, pelo menos, ver o São Paulo se tornar o clube mais vencedor dentro do Brasil. O caminho do hexa começou há questão de seis anos, com Marcelo Portugal Gouvêa. O jogo em Brasília será um mero detalhe.
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O grito do gol
A determinação da toda poderosa Federação Internacional de Football Association, Fifa, com relação à limitação das expressões de alegria em campo a meros cumprimentos formais, nas ocasiões de comemoração de gols, momento supremo do jogo de bola, é muito mais significativa do que desejam alguns que a defendem como instrumento coibitivo dos excessos, tais como os beijos e abraços, nas horas dos gols,
posicionamento este no mínimo de alto significado machista.
Na verdade está em jogo nada mais nada menos do que a própria liberdade de expressão do indivíduo, de cunho, neste caso específico, totalmente popular, dada a presença do futebol como parte integrante da cultura popular brasileira.
Se, como era de se esperar, pronunciamentos das autoridades responsáveis pelo futebol nacional, não foram ouvidos (pois é lógico o interesse que a eles, o controle das manifestações populares, desperta, fazendo-as permanecerem sob seus domínios), é digno de aplausos os diversos depoimentos de atletas de destaque no cenário futebolístico brasileiro, que com palavras refutaram tal deliberação, dando na prática a verdadeira e merecida resposta a tão repugnante imposição:
Gols, cada qual mais festejado do que nunca!
Este recente episódio de autodeterminação dos atletas brasileiros nos reporta a um outro ocorrido nos idos de 1927, e detalhado no livro de Mário Filho, O negro no futebol brasileiro, e que pedimos licença aos leitores para, neste artigo, passar a narrar.
… Cinqüenta mil pessoas comprimidas nas arquibancadas gerais, de pé, batendo palmas para o Presidente da República. Era gostoso receber uma ovação daquelas, nada preparado, tudo espontâneo. Washington Luís descobria, ao mesmo tempo, a força e a beleza do esporte. Subitamente o jogo pára, não continua… O juiz tinha marcado um pênalti contra os paulistas, os paulistas iam abandonar o campo. Washington Luís fica sério, dá uma ordem a um oficial de gabinete. Era a ordem para o jogo continuar, uma ordem do Presidente da República.
E lá desce o oficial de gabinete… A notícia se espalha, Washington Luís tinha mandado acabar com aquilo… O jogo ia recomeçar. O oficial de gabinete entra em campo debaixo de palmas, vai até Amílcar e Feitiço. E de cara amarrada dá o recado: – O Presidente da República ordenava o reinício do jogo. A resposta de Feitiço, mulato disfarçado, que nem era capitão do escrete paulista, foi que o doutor Washington Luís mandava lá em cima – lá em cima sendo a tribuna de honra… Cá embaixo – cá embaixo sendo o campo – quem mandava era ele. E para mostrar que mandava mesmo, que não era conversa, fez um sinal, os jogadores paulistas saíram atrás dele. Washington Luís, Presidente da República, não teve outro remédio, senão ir embora, ofendidíssimo.
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*Lino Castellani Filho é Doutor em Educação, docente da Faculdade de Educação Física/Unicamp, pesquisador-líder do "Observatório do Esporte" – Observatório de Políticas de Educação Física, Esporte e Lazer – CNPq/Unicamp, e foi Presidente do CBCE (1999/2003) e Secretário Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer/Ministério do Esporte (2003/06)
[1] Publicado na seção opinião do diário O Jornal – São Luis, MA – do dia 14 de outubro de 1981, quinta feira.
Dia desses fiz um experimento “quase científico” em uma partida realizada pela equipe que dirijo. Era um jogo amistoso, parte dos preparativos para uma competição futura.
Sob a perspectiva organizacional do jogo, as duas equipes iniciaram a partida com a organização defensiva adequada para controlar as organizações ofensivas adversárias. A minha buscava a recuperação da posse da bola na “linha 1”; a adversária, impedir progressão a partir da “linha 3”.
Os princípios operacionais de ataque das duas equipes não eram os adequados para desequilibrar as organizações defensivas propostas.
Obviamente que com poucos minutos de jogo ficava evidente a necessidade de uma intervenção que mudasse o princípio operacional de ataque dominante (tanto da minha equipe, quanto do adversário).
Ficávamos com a bola, controlávamos o jogo, ocupávamos melhor os espaços e não corríamos risco algum de sofrer um gol (mas também não chegávamos nem perto de “assustar” o goleiro adversário).
Exceção feita aos princípios operacionais de ataque (e de transição ofensiva), todas as outras dimensões de controle estavam apropriadas ao jogo e sendo bem executadas (tarefas de ação, plataforma de jogo, princípios estruturais, norteadores da ação, etc) na direção do cumprimento da lógica do jogo.
Todas as evidências apontavam para a necessidade de alteração dos princípios operacionais de ataque; mas…
Resolvi mexer em todas as variáveis “alteráveis” menos nos princípios operacionais de ataque e observar mudanças que isso desencadearia.
Em tese, as “alterações desnecessárias” deveriam alterar um pouco (bem pouco!) a dinâmica do jogo, mas não “resolvê-la” (pois os problemas que estavam associados à dinâmica daquele jogo, naquele momento, não teriam correlação alta com as mudanças que eu estava realizando).
O tempo foi passando. Terminou o 1º tempo. O jogo continuava apresentando o “mesmo rosto”. Insisti no experimento. Não alterei o que precisava ser mudado e aguardei ansioso para saber quais seriam as “mexidas” do meu companheiro de profissão do “banco ao lado”.
Cinco minutos de algum desequilíbrio (mudei jogadores de posição e dei funções que normalmente não eram as deles) e lá voltou o mesmo jogo do 1º tempo.
A lógica do jogo pedia, para seu cumprimento, alterações nos princípios de ataque.
O jogo caminhava para o zero a zero. Quando faltavam 15 minutos para o término da partida, fim do “experimento”; veio então a grande substituição da minha equipe no jogo: saía o princípio operacional de ataque “manutenção da posse da bola” e entrava a “progressão ao alvo” (terminava o jogo em largura, com muitos passes horizontais, de circulação da bola sem intencionalidade clara de progressão, e começava o jogo de profundidade, vertical, mas sem bolas alongadas, com “desapego” a manutenção da posse da bola, e com chegada rápida ao alvo).
O jogo se mudou completamente.
Como o adversário manteve sua organização de ataque da mesma maneira, o jogo se transformou em um “ataque versus defesa”. Resultado: vencemos por um a zero.
Poderia ter terminado zero a zero (assim como, antes da grande alteração, a partida já pudesse estar com um ou dois gols para uma das equipes). O fato é que quando fora alterada pontualmente aquela variável que estava comprometendo a dinâmica ofensiva de minha equipe no jogo, ele (o jogo) se transformou por completo.
Nesse caso em especial, a alteração de um princípio operacional gerou uma grande alteração no jogo em direção ao cumprimento de sua lógica. Mas nem sempre é assim. Algumas vezes o problema para o cumprimento da lógica do jogo não está no cumprimento ou alteração deste e daquele princípio.
E é bom que isso fique bem claro, porque, equivocadamente, treinadores, pesquisadores e equipes dão maior valor ao cumprimento de um princípio operacional do jogo, em detrimento do cumprimento da lógica do jogo.
A lógica do jogo deve ser sempre a meta a ser cumprida. Princípios operacionais, estruturais, etc e tal, são meios para alcançá-la (a lógica do jogo).
Equipes de futebol devem ser preparadas para o cumprimento da lógica do jogo (e isso é o “jogar bem”).
Cumprir a organização defensiva, por exemplo, de acordo com um modelo de jogo, pautada em determinado princípio, só fará sentido se isso for feito para se alcançar o cumprimento da lógica do jogo.
Caso determinada variável do modelo de jogo não esteja adequada em uma partida (ou momento da partida), é ela, a variável, que deve ser alterada.
Porém, o que tenho notado, é que muitas decisões acabam sendo tomadas para mudar não as variáveis do modelo de jogo, e sim a lógica do jogo.
E aí, o de sempre. Equipes continuarão ganhando e perdendo sem saber exatamente porque.
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Vencemos! Vencemos?
Em 1990 ficou célebre a declaração do Lazaroni, então técnico da nossa seleção, de que seu objetivo era conquistar o título, pouco lhe importando se isso se desse através de um gol feito com a mão, aos 49 minutos do segundo tempo e em completo impedimento! Não ganhamos… E ele foi crucificado.
A Geração Dunga, como ficou batizada, passou a carregar o estigma de incompetente, descaracterizadora dos valores que davam luz própria ao futebol brasileiro, onde a habilidade técnica estava em perfeita sintonia com um jogo de alto padrão estético, plástico e lúdico no qual Garrinchas, Pelés e Tostões desafiavam a lógica da vitória, em muitos momentos preterida por um chapeuzinho a mais, uma bola por entre as canetas dos joãos que ousavam nos enfrentar.
É esclarecedor o sentimento – triste, mas de peito lavado – vivenciado por todos nós nas duas Copas anteriores à de 90, nas quais mesmo eliminados prematuramente da competição, nos sentimos confortados pelo reconhecimento internacional de nosso ímpar valor.
Nesta Copa de 94, Parreira e Zagalo reproduziram, em dose dupla, a lógica de Lazaroni e de uma elite que tem no aforismo o importante é levar vantagem, certo, difundido pelo canhotinha de ouro da Copa de 70, o princípio ético (?) norteador do projeto histórico de sociedade que querem para o país.
Tão logo Baggio chutou aquela bola para longe da meta defendida por Taffarel, saímos às ruas festejando o tetra, mas… Engraçado… Por que, lá no fundo, nos sentimos constrangidos, com um gosto amargo na boca, como que se estivéssemos festejando a vitória de uma seleção que não é nossa, de um país que não é o nosso, que não reflete o sentimento de milhões de miseráveis absolutos que silenciosamente sonham, também eles, poder participar de um Brasil de fato vitorioso?
Vencemos! Vencemos? Esse futebol de resultados (qualquer semelhança com outras coisas de resultado não é mera coincidência) sinaliza para a vitória de um projeto de sociedade brasileira que não é nosso, pois aponta para a derrota de um povo solidário, sofrido mas orgulhoso de sua cultura e que quer o futebol, portanto, resgatado em toda a plenitude de sua riqueza, colocando por terra – de uma vez por todas – a falsa idéia de que para vencermos temos que, necessariamente, abrirmos mão daquilo que nos identifica enquanto brasileiros.
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*Lino Castellani Filho é Doutor em Educação, docente da Faculdade de Educação Física/Unicamp, pesquisador-líder do “Observatório do Esporte” – Observatório de Políticas de Educação Física, Esporte e Lazer – CNPq/Unicamp, e foi Presidente do CBCE (1999/2003) e Secretário Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer/Ministério do Esporte (2003/06)
[1] Publicado no folheto semanal Destaque, do Diretório Regional – São Paulo – Do Partido dos Trabalhadores, nº 187 (ano IV),
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O órgão regulador de clubes
Caros amigos da Universidade do Fubebol,
Transparência na gestão de clubes, dívidas com o fisco, clubes perdendo para o exterior jogadores de talento, valores de transferências cada vez mais elevados. Esses são alguns dos temas polêmicos recorrentes no mundo do futebol. Nos dias de hoje, essas questões acaloram-se com (i) as recentes aquisições de clubes na Europa (Inglaterra principalmente) por parte de empresários milinários, (ii) o envolvimento de empresas na propriedade de clubes, e direitos sobre jogadores, e (iii) a atual crise financeira.
O futebol, como estamos cansados de saber, é diferente dos demais negócios.
A concorrência entre clubes é peculiar. Um concorrente precisa do outro para obter sucesso. A “quebra” de um grande clube no Brasil certamente prejudicaria o sucesso de seus concorrentes.
Mas não é só o concorrente que deve se preocupar com a saúde do outro clube. As autoridades públicas também. É claro que não se pode abrir mão de exigências legais aplicáveis às atividades dos clubes. Porém, é interesse de ordem pública a existência dos clubes de futebol. Com a grande popularidade desse esporte, os grandes beneficiários do jogo são as comunidades locais que, para além do entretenimento, também podem utilizar os clubes como modo de inserção social, oportunidade de emprego, enaltecimento da dignidade humanda, e por aí vai.
Nesta medida, muito se discute sobre qual seria a justa medida de se ajudar os clubes a manterem-se vivos, saudáveis e, acima de tudo, cumpridores de suas obrigações legais e contratuais.
Na Europa, centro e precursora dessas discussões, está sendo plantada uma semente. A criação de um órgão continental de controle de gestão de clubes. Seria uma espécie de órgão fiscalizador, mas com uma grande contribuição consultiva.
Para o sucesso dessa iniciativa, todos os “stakeholders” seriam chamados para compor sua administração: ministros do esporte, representantes de ligas, clubes, federações e jogadores.
A idéia seria orientar os clubes, de forma harmonizada, a como agir, como gastar seus recursos, e como melhor administrar seu dia-a-dia.
Uma questão importante seria o alcance desse órgão e para que competições sua “licença” seria indispensável. Campeonatos continentais, nacionais (e, no caso do Brasil, estaduais)?
Essa discussão teve lugar no fórum de ministros esportivos da Europa que acaba de acontecer em Biarritz, na França.
Mas, como toda discussão democrátiva, as opiniões não são unânimes. Há países que concordam, outros que incentivam, outros que não tem opinião formada, e outros ainda que já são radicalmente contra (uma vez que esse órgão poderia ferir a soberania dos órgãos nacionais).
Importante é acompanharmos os debates, e sempre aproveitar a oportunidade para refletirmos se isso poderia ser aplicado no Brasil, ou na América do Sul.
Para isso, temos que levar em consideração as distintas realidades. Aqui ainda mais distintas ainda, uma vez que a realidade do Mercosul é profundamente distinta da União Européia.
Mas há sempre considerações que seriam válidas se a discussão fosse levada ao nosso país. Temos que abrir discussões nesse sentido em nosso país. Estamos convencido de que os clubes brasileiros, se melhor estruturados, teriam a possibilidade de “segurar” grande parte de seus jogadores que atualmente vão ao exterior.
Os clubes precisam de ajuda, e o governo sabe disso. Não só pelos clubes em si, mas pelo “capital emocional” injetado na população brasileira, que leva o Brasil (principalmente o Brasil) a lucrar todos os anos com esse esporte.
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O papel do marketing no futebol
Eis que Alexandre Kalil, o novo presidente do Atlético-MG, resolveu dar uma reformulada geral no departamento de marketing do clube, aparentemente demitindo quase todo mundo e concentrando nas próprias mãos as negociações com patrocinadores e afins.
E eis que esse ato gerou um certo burburinho no mercado, onde não param de palpitar discussões sobre tal decisão. Alguns acham que foi certo, muitos acham que foi errado. E eu, que não tenho absolutamente nada a ver com isso, também não tenho absolutamente nenhuma conclusão a respeito do ato.
Na verdade, é tudo uma questão de ponto de vista.
Para justificar tal postura, o novo presidente do Galo aparentemente argumenta que as principais negociações sobre os principais canais de receita do clube, como patrocínio, negociação de direitos de transmissão e venda de jogadores, serão devidamente tocadas por ele mesmo, enquanto outras receitas menores, como licenciamento, franquias e afins, serão terceirizadas.
É uma filosofia justificada.
As principais receitas dos clubes de futebol, em sua maioria, são de fato negociadas por cargos mais importantes da escala hierárquica e dificilmente precisam de um projeto mais elaborado para aumentar a barganha da negociação. São receitas consolidadas com pouquíssima volatilidade. Um departamento de marketing de um clube de futebol não negocia jogadores, por exemplo. Esse processo raramente depende diretamente de uma estratégia comercial direcionada, sendo, na verdade, um processo muito mais reativo do que pró-ativo. Ter um departamento de marketing bem estruturado, neste caso, dificilmente implicará num aumento considerável no valor da transferência. Não que justifique toda a operação do departamento, pelo menos. O mesmo vale para os direitos de transmissão, que somados às receitas com transferências, compõem metade do total arrecadado por um clube.
Um bom departamento de marketing implica em custos bastante elevados, uma vez que é necessário pagar bons profissionais e abastecê-los com uma estrutura física e tecnológica condizente com o seu potencial.
Os resultados que esse bom departamento pode trazer é uma maior aceitação do mercado pela marca, o fortalecimento da imagem institucional e a organização e potencialização de alguns canais de receita sub-explorados. Fora isso, pouco pode se fazer além, uma vez que uma das máximas do marketing no futebol é que não existe ação de marketing melhor do que uma vitória. E vitória se constrói com futebol, e não com marketing. Um bom programa de marketing traz mais torcedores ao estádio. Uma boa vitória traz muito mais.
A questão é que para saber aproveitar todo o valor de um clube, é imprescindível que exista um departamento de marketing bem estruturado. Mas não adianta ter os melhores profissionais com a melhor estrutura se não tiver resultado dentro de campo para ser explorado. E isso, aparentemente, é o que o presidente do Atlético-MG pensa.
A filosofia adotada parece ser simples: uma marca mais forte não implica diretamente em resultados dentro de campo, mas o resultado dentro de campo implica diretamente em uma marca mais forte.
Não é certo, tampouco errado. É somente uma perspectiva.
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