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Ser treinador de futebol não é algo fácil, nem simples. Administrar egos (de jogadores e dirigentes), ajustar o pensamento da sua comissão técnica, tratar com a imprensa, conhecer de táticas de jogo, planejar estratégias, ganhar, perder jogos, confrontar consigo a cada fracasso as próprias verdades…
Para o seu sucesso, o que antes era o diferencial passou a ser o trivial.
Dia desses no Café dos Notáveis me deparei com uma curiosa situação. Um dos notáveis comentava a importância dos mais diversos conhecimentos (geometria, teoria do caos, gerenciamento de pessoas, informática) na vida de um treinador de futebol e o quanto cada um deles poderia ser decisivo para uma carreira de sucesso, cheia de conquistas e vitórias. Ao longe, uma folclórica figura do futebol, que quase nunca freqüenta o Café (conhecida como “Zé da Corneta”) observava atentamente as explanações. Ao final delas filosofou: “O quê? Geometria, informática? O futebol tá perdido”.
O Zé da Corneta é um “elemento” conhecido de certos ambientes futebolísticos. Nos arredores do Café dos Notáveis ficou conhecido, dentre outras coisas, por aventar que treinador que usa lousa ou prancheta é treinador de tabuleiro e que exemplo mesmo de competência na labuta mais cornetada das quatro linhas é o seu grande amigo (de quem já ganhou algumas garrafas de vinho e até viagem) Mister Argila.
Acho que o “Zé” representa bem o pensamento da sola do senso comum. A mesma sola que desbrava com força a tíbia (vulgo canela) de treinadores.
E aí mais uma vez, insisto; a vida de treinadores de futebol não é fácil, nem simples.
Na escola, aprendemos logo cedo em Física que um corpo qualquer que está parado tende a permanecer parado até que uma força, capaz de colocá-lo em movimento, seja aplicada sobre ele. Da mesma forma aprendemos que um corpo em movimento tende a permanecer em movimento a menos que uma força em sentido contrário ao seu movimento o faça parar. É a “Lei da Inércia”.
No futebol ela se manifesta sob a forma de “futinércia”. Têm como peculiaridade fazer as pessoas acreditarem que para serem treinadores de futebol basta reproduzirem aquilo que vivenciaram nos tempos de jogadores (e são tiverem sido jogadores?!). O que serviu ontem, serve hoje. O conhecimento de ontem é o aplicável hoje. O que se sabia é o que se deve saber. Ciência? Para quê, ela marca gol?
Diariamente ela (a futinércia) é reforçada na TV em programas esportivos (e também nos não esportivos), nos jornais, revistas, internet. Para aqueles que estão no futebol sem se mover o reforço é muito bem vindo.
Mas até quando e até onde vamos com isso?
Um dos alvos mais recentes da futinércia reforçada pelas mídias é o “Rodízio Defensivo” realizado por algumas equipes de futebol (e hoje não vou explicar o que é o tal; assim quem sabe os agentes reforçadores procuram se informar melhor do que se trata – só para evitar que associem Rodízio Defensivo com “substituição” de jogadores da defesa, ou algum novo serviço das churrascarias, adianto que ele trata de parte das estratégias de uma equipe para manutenção da posse da bola.
O reforço alardeia, em nome do “jogar sério”, que equipes não devem “brincar” no campo de defesa. Zagueiro, com a bola nos pés tem que “jogar simples”. Ou passa rápido ou chuta para frente. Tocar a bola para o goleiro; nem pensar (“haja coração!”).
Não sei se ele (o reforço) nasce da necessidade de se chamar a atenção e criar notícias ou se nasce da ignorância e do despreparo dos “profissionais” que se envolvem de alguma forma com o futebol.
Seria muito produtivo e salutar se o conhecimento científico entrasse com força no nosso esporte “bretão” e invadisse todos os ambientes associados a ele. Imagino o dia que um narrador esportivo, em sua seqüência de frases para comentar um jogo diga “A equipe “C” vai ao ataque, quase sempre com igualdade numérica. A boa amplitude dificulta o melhor posicionamento dos meias defensivos do adversário, o que está criando corredores entre os laterais e os zagueiros. O atacante “X” tem dado boa profundidade ao ataque e dificultado demais a compactação adversária. A boa estrutura do balanço defensivo está garantindo transições defensivas bastante eficientes”…
Frases carregadas de conceitos, de informação, de conhecimento.
E como os torcedores entenderiam isso?
Da mesma forma que a inércia do estar parado congela os saberes e promove o emburrecimento, a do movimento pode levar as pessoas ao despertar, a um novo mundo de informações e a um novo estado de criticidade.
E qual a relação disso tudo com a tática no futebol?
Grande e toda. Enquanto acreditarmos nos “Zés das Cornetas” e não dermos conta da existência da “futinércia”, colaboraremos para o surgimento dos mitos e tradições engessadas do futebol; e isso fará com que os treinadores de tabuleiro sejam caricaturas batizadas assim, porque “pensam”, simplesmente porque pensam!
Se valorizássemos aqueles que pensam, seríamos também estimulados a pensar; e aí o discurso de que no futebol não há mais nada para se inventar seria substituído pela desenfreada necessidade de se criar novas coisas para permanecer no topo, à frente dos concorrentes (técnica, tática e fisicamente).
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Webster Case – novas observações
Prezados amigos da Universidade do Fubebol,
Durante essa semana, tive a oportunidade de examinar com detalhes o processo já comentado por mim em colunas anteriores, sobre o atleta profissional Andrew Webster contra o clube escocês Heart of Midlothian. Para quem ainda não sabe, ou não se recorda, o atleta rescindiu antecipadamente o contrato sem justa causa e após decorrido o chamado protected period. A Fifa havia concedido uma punição monetária de 625 mil libras esterlinas, além de uma punição disciplinar. Em recurso ao CAS (corte arbitral despotiva) — decidido no início desse ano –, o jogador conseguiu que o valor a ser pago fosse reduzido para 150 mil libras esterlinas, que é equivalente ao valor remanescente do seu contrato à época em vigor.
Muito bem. Muito foi discutido na mídia sobre esse caso, dizendo-se inclusive que esse poderia ser o mais novo caso Bosman, tamanha pode ser sua repercussão. Não entendemos dessa forma.
Em primeiro lugar, vale comentar que entende-se por protected period o período de 2 anos (se o jogador for maior de 28 anos) ou de 3 anos (se menor de 28 anos) desde o início do respectivo contrato de trabalho. Esse termo foi definido pela Fifa para justamente evitar rescisões unilaterais nesse período (punindo-as com maior rigor).
No caso em comento, o atleta não mais encontrava-se no ¨período protegido¨, o que permitia a rescisão sem penas disciplinares (que no final das contas foi aplicada pela Fifa porque o jogador perdeu o prazo previsto nos Regulamentos da Fifa para validamente notificar o clube).
Seria impossível comentar aqui todos detalhes dessa decisão, mesmo porque aqui mesmo na Cidade do Futebol inúmeros foram os artigos e colunas com esse tema. O que pretendo é expressar nossa opinião no sentido de que não houve qualquer alteração com a decisão que implique necessariamente uma ruptura do atual sistema de vinculo entre clube e jogador.
Em primeiro lugar houve, em nossa opinião, um grande equívoco por parte da decisão proferida em instância na Fifa (DRC). Não houve qualquer transparência quanto à forma com que o valor de 625 mil libras foi determinado. Essa falta de transparência é algo que o atual futebol globalizado e internacionalizado não mais admite. Isso, fundamentalmente, provocou uma reação do CAS.
Em segundo lugar, diversas foram as situações particulares ao caso que fizeram com que o CAS determinasse que apenas o resíduo do contrato devesse ter sido pago. A redação do contrato foi determinante. A legislação aplicada ao caso também.
Finalmente, os fatos que antecederam a rescisão e que motivaram (ou desmotivaram) o jogador também foram levados em consideração. A forma com que os dirigentes do clube tentaram forçar uma renovação contratual antecipada; as declarações na mídia dos dirigentes; as notificações promovidas pelo jogador. Tudo isso influenciou o CAS a proferir a decisão.
Com isso, gostaríamos de expressar (e tranqüilizar os dirigentes de futebol), que não há um precedente histórico com essa decisão. Não há uma padronização que pode ser aplicada indistintamente a todos os outros casos, como ocorreu por exemplo com o caso Bosman.
O que existe, de fato, é o estabelecimento de uma série de princípios e esclarecimentos acerca da Legislação da Fifa que devem ser observados por todos os operadores do futebol profissional. Princípios esses que inclusive motivaram a Fifa a promover, neste ano, uma série de alterações nos seus regulamentos concernentes a transferências de jogadores.
Com isso, importante ressaltar que nada muda. Apenas deve se tomar bastante atenção quando gerimos um clube de futebol e temos uma série de contratos a serem renovados. É preciso que os clubes saibam trabalhar com a vigência dos contratos de seus atletas.
É preciso também que os operadores do direito atentem para as cláusulas relativas ao cálculo da multa rescisória em casos de rescisão antecipada, fazendo distinção para os casos em que o jogador estaria dentro ou fora do protected period.
Se o clube escocês pudesse voltar ao passado, certamente teria agido de forma a não permitir a perda de, no mínimo, a diferença entre as decisões da Fifa e do CAS.
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Trocando as bolas
Não nasci Bernardo. Adotei-o como alcunha por soar bem com eremita, minha condição atual, desde que compartilho o fundo desta caverna com uma variada fauna das trevas, entre ela um minúsculo mamífero que me serve de conselheiro espiritual e morcego correio. O quiróptero chama-se Oto, em homenagem a ninguém e sem qualquer alusão; apenas porque o nome me lembrou um morcego, ou porque o morcego me lembrou um nome. É com Oto que converso horas e dias a fio, posto que não há viva alma por aqui, a não ser alminhas inocentes de meus soturnos vizinhos. Se mantenho algumas ligações com o conturbado mundo do futebol, devo-o a Oto, meu minúsculo mensageiro.
Para que entendam o que faz um eremita quebrar seus votos, conto o fato que o precipitou. Tempos atrás recebi, para quem vive numa caverna, um insólito presente, trazido por um dos poucos amigos que me restaram. Acordei certa manhã com gritos à entrada. Atravessei os trinta ou quarenta metros de galerias que me separam dela para atender a voz insistente e remotamente conhecida. Não o autorizei a entrar, mas deixei-o falar. Trazia o aparelho, disse, em reconhecimento a um antigo favor que eu lhe fizera, graças ao qual por pouco não se tornou futebolista de profissão. Ora, não precisava agradecer, disse-lhe. Apenas ensinei-o a cortar caminhos no campo, de modo a evitar o cansaço correndo como bobo atrás dos adversários.
O aparelhinho luminoso serviria para alimentar meu antigo gosto pelo esporte bretão. E também para me animar a escrever uma ou outra linha sobre as coisas que eu veria e ouviria na tela do dito aparelho de televisão. Uma armadilha bem urdida, para me tirar do claustro. Mas, como poderia eu recusar tão pequeno favor ao menino João Paulo? Por isso, cá estou, trazido pelas asas do bom e fiel Oto, horas de confabulação com ele após o match que assistimos juntos no sábado.
O que motivou nossa conversa foram os comentários tenebrosos de afamados locutores, dois em especial. No primeiro dizia o arauto da bola que a defesa do chute à queima-roupa devia-se a um ato de puro reflexo do goalkeeper. O segundo comentário referia-se a um gol perdido, cara a cara, pelo centroavante, motivado por sua atitude infame de fechar os olhos no momento exato do cabeceio. Mantivesse os olhos abertos, insistia, e a bola teria se aninhado no fundo das malhas.
Fui aos alfarrábios, que por aqui são poucos e embolorados. Dei tratos à bola, não menos que 40 minutos, auxiliado por Oto. Dada minha consideração histórica pelos locutores de futebol – tenho uma foto de Fiori Gigliotti pendurada no teto da caverna -, não poderia emitir opinião precipitada. Oto não seria tão condescendente. Concluí, enfim, pelo pior: nosso glorioso porta-voz incorrera em equívoco, dos graves, arrastando ao erro, dada sua notória influência, milhões de telespectadores. Resumindo: o homem trocou as bolas.
Senão, vamos às provas.
Prezado leitor, com a devida cautela, e sem faltar-lhe com o respeito, submeta-se ao seguinte teste: peça para que arremessem, na exata direção de sua testa, uma bola, qualquer que seja seu tamanho. Macia, de preferência, para evitar contusões. Percebendo o projétil se aproximar a vinte, trinta quilômetros por hora, seu organismo mobilizará um mecanismo automático de proteção, um reflexo, e suas pálpebras se fecharão no momento do contato. Graças a isso, os órgãos mais preciosos de seu rosto, os olhos, manterão a integridade. No futebol, aquela grande esfera pesada se aproxima, geralmente, a velocidades bem maiores. Somente com enorme esforço para manter a consciência, um ou outro futebolista permanecerá de olhos abertos. Inutilmente, uma vez que, no momento do impacto com a bola, a direção que ele pretende dar a ela já estará definida.
Portanto, meu prezado jornalista, o jogador fecha os olhos para executar o cabeceio, não porque quer, mas involuntariamente. Reflexo é uma reação involuntária a um estímulo externo. Pode ser inato ou condicionado. No caso do nosso centroavante, é inato, e sinal de saúde.
Passemos à outra pérola. Reagisse nosso guarda-valas com um comportamento reflexo, como pretendia nosso afamado locutor, cairia ele em desgraça, ovacionado aos gritos de “frangueiro, frangueiro”, pela massa enfurecida das arquibancadas.
Meu querido locutor. Lamento contradizê-lo, mas o ato do goleiro em questão foi voluntário, ele saltou e defendeu a bola porque quis. Se há, em sua ação, movimentos automáticos, é pelos mesmos motivos pelos quais seu pezinho direito, prezado arauto, está neste exato instante balançando à revelia de sua vontade.
Suponhamos, meus caros leitores, que um belo dia um homem adulto, na infância um garoto sonhador, sendo goleiro, e dos bons, veja-se de repente desprovido de vontade própria. No meio de um jogo, subitamente, passa o eficiente goalkeeper a saltar sempre do mesmo jeito, por puro reflexo. A cada chute dos avantes, cai nosso homem sempre para o lado direito. Por sorte, o primeiro petardo ele defende; os demais, todos para a esquerda, estufam as malhas. Ao ser substituído pelo desesperado técnico, o placar já anota 5 a 0… para o adversário.
Que terrível troca de bolas: aquilo que era reflexo, nosso afamado locutor pretendia que fosse voluntário (os olhos fechados no cabeceio). O que era voluntário (a defesa do goleiro) ele queria que fosse reflexo.
Com tantas corujas e falcões pelo caminho, nem mesmo sei se o pergaminho que lhes envio chegará ao seu destino. Se o estão lendo é porque Oto sobreviveu.
* Bernardo, o eremita, é um ex-torcedor fanático que vive isolado em uma caverna. Ele é um personagem fictício de João Batista Freire.
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A tocha olímpica, sabe-se, não passará pelo Brasil. Só pela Argentina. Amanhã.
Isso se, e apenas se, o Comitê Olímpico não resolver acabar com a brincadeira antes disso para evitar que aconteça um panelaço de água fervente para apagar a tocha. Afinal, o negócio está complicado.
A grande idéia da China é promover o país através dos Jogos Olímpicos, uma vez que são poucas as coisas que dão mais publicidade no mundo do que os Jogos Olímpicos em si. Entretanto, é justamente esse o problema. Como o mundo está olhando, todos aproveitam para aparecer, inclusive – e principalmente – os movimentos sociais mais oprimidos. É o caso da China e do Tibet. Ninguém duvida que a China ta crescendo, que ta ficando bacana e tudo mais. Entretanto, hoje ninguém mais pode negar que por mais que o país esteja entrando em uma fase mais aberta, capitalista e tudo mais, ainda mantém costumes opressores e ditatoriais. E a grande vantagem da ampla exposição – você pode eventualmente entender como liberdade de imprensa – é a possibilidade de se ver os dois lados da história.
Essa é uma característica bastante peculiar de mega-eventos. Muita exposição gera muita vontade de aparecer, para todos que estão sendo expostos. E não será diferente na Copa de 2014. Enquanto o Brasil ganhará muito com a exposição institucional planejada, ele pode vir a perder bastante pela exposição de idéias e de movimentos contrários ao establishment.
De um modo geral, o Brasil se destaca por ser um país relativamente calmo no ambiente das disputas históricas e geográficas. As regiões nacionais não se odeiam mutuamente como acontece muito em outros continentes mais antigos e a vizinhança também não cria muitos problemas. Pelo menos por enquanto. É possível que a linha governista atual não continue até a Copa, o que pode gerar uma mudança na sensível boa-vontade corrente dos movimentos sociais mais atuantes do país, o que eventualmente poderá descambar para protestos mais efusivos e expostos em escala global. Como aparentemente nenhum movimento nacional possui um forte suporte de outras organizações internacionais, a amplitude desses protestos dificilmente causará comoções como o ‘Free Tibet’ tem causado.
O problema, talvez, são os organismos internacionais voltados para causas ambientais. Se eu fosse apostar, diria que serão os que mais irão aparecer para o mundo, defendendo a Amazônia, o Pantanal, a Mata Atlântico e afins. O Brasil não tem tido muito sucesso em preservar essas regiões e a pressão externa cresce a cada dia que passa. Que essa questão será explorada em 2014 é quase certo. Resta saber se o país irá aparecer para o mundo como a nação que salvou a grande área verde do planeta ou como a que está acabando com a pouca reserva florestal que nos resta. Até a Copa tem tempo e isso pode ser muito bom. Mas também pode ser muito ruim.
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Ah, os gols do Fantástico…
Última rodada de definições dos principais campeonatos Estaduais do país. Times grandes duelando contra alguns azarões. E, para variar, uma overdose de cobertura da imprensa em todo o país. O que poderia ser momento para a discussão de projetos e caminhos que o futebol têm tomado se transforma, invariavelmente, na antiga lenga-lenga que domina o noticiário esportivo desde os anos 50.
Término da rodada no Paulistão e, os principais canais por assinatura começam a uma massacrante cobertura das entrevistas coletivas após as partidas. Leão de um lado, Mano Menezes de outro, Vanderlei Luxemburgo e Muricy Ramalho acolá.
Muitas frases e poucos conteúdos. De quem responde e, em alguns casos, para não dizer na maioria, de quem pergunta, que não consegue fugir da obviedade.
“Leão, com o empate contra a Ponte Preta o Santos deu uma resposta aos críticos que diziam que o time reserva não conseguiria fazer frente ao adversário e atrapalharia o Corinthians?”
“Mano Menezes, o Santos acabou fazendo a parte dele. Talvez o Corinthians não tenha se preocupado demais com o resultado na Vila Belmiro que acabou esquecendo o que tinha de fazer em Bauru?”
“Muricy, agora é hora de pensar no confronto contra o Palmeiras. O resultado na fase de classificação serve de estímulo para a sua equipe provar que tem bola para ser campeã?”
“Luxemburgo, o mando de campo do jogo [das semifinais] é da Federação Paulista, que deverá fazer os dois jogos no Morumbi. Você acha que de fato é um estádio neutro?”
Invariavelmente essas foram as questões mais ouvidas e mais respondidas no início da noite do último domingo. No Rio Grande do Sul, o questionamento deve ter sido maior para a queda gremista diante do Juventude, com Celso Roth sendo pressionado pela “falha” no momento da decisão. Em Minas, os enfoques ficaram sobre o alívio cruzeirense de bater o Tupi e já evitar a semifinal contra o Galo, diferentemente do que ocorreu com Palmeiras e São Paulo.
O fato é que 30 minutos de televisão pós-jogo, atualmente, equivalem a uma sessão de tortura para quem espera alguma informação. São 30 minutos com aquele diz-que-diz improdutivo, com perguntas óbvias e respostas à altura.
E olha que hoje existem cinco canais por assinatura no país exclusivos de esporte!
Mais fácil era o tempo em que bastava ligar a TV na hora do Fantástico e esperar a narração do Léo Batista de todos os gols do Brasil, inclusive do quinto turno do returno do hexagonal decisivo triangular do Campeonato Pernambucano…
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Licença Tática
Hoje, não no tempo certo para pedir uma licença poética, pedirei uma licença tática. Falarei de futebol, mas não da tática em si. Hoje peço licença para escrever o que primeiro me vier à cabeça.
Então, aí vai.
“Confio no meu trabalho e sei que a coisa vai funcionar”. A frase é de Wanderley Luxemburgo quando o seu Palmeiras passava por um momento de maiores dificuldades no início do Campeonato Paulista 2008. A equipe palmeirense não vinha bem, as críticas começavam a ganhar espaço, mas lá estava o treinador brasileiro, firme, forte e convicto.
No futebol profissional, o medidor de desempenho que “audita” o trabalho de treinadores e comissões técnicas é o resultado do jogo. As vitórias e as derrotas, que são partes do pedaço do iceberg que está exposto fora d’água (a única parte do todo que as pessoas são capazes de ver), acabam sendo os elementos de maior peso no julgamento da competência dos “profissionais da bola”.
Não estarei jamais a defender que vitórias e derrotas não devam ser o termômetro mais importante na avaliação do trabalho de um treinador de futebol profissional. Jamais estarei também a acreditar que vitórias e derrotas sejam obras do acaso e que elas não estão atreladas a qualidade do trabalho.
É claro e óbvio que bons trabalhos levarão a grandes resultados. O fato é que no futebol existem dois problemas que estão inter-relacionados e que geram o que eu chamo de ciclo do fim da competência (que faz com que os resultados tenham dificuldade em aparecer).
O problema 1 é que no futebol muitas vezes não se dá o tempo necessário para que bons trabalhos possam ser feitos (ou pelo menos é esse o discurso recorrente). O problema 2 é que, como não se sabe por que se ganha e nem por que se perde, facilmente a convicção em um modelo ou caminho a ser seguido desmorona.
Quando isso acontece, busca-se rapidamente mudar de direção – e não sabendo onde se está e para onde se vai, a decisão leva a um recomeço. A cada novo recomeço, menos tempo para mostrar resultado. Como ele (o resultado) não vem, esgota-se o tempo; derrotas e desemprego à vista (e a competência é julgada).
No Palmeiras no Campeonato Paulista 2008 os bons resultados aparentemente começaram a não aparecer. Aí surgiram as críticas. Como Luxemburgo sabia onde estava e onde iria chegar, disse o que queria (foi chamado de prepotente) e apontou para onde seu “barco” iria, e quase como numa profecia disse que o Palmeiras brigaria pela classificação.
Profecia? Eu chamaria de planejamento.
Planejamento e convicção, aqui, de Luxemburgo. Mas poderia ser também de José Mourinho, Rafa Benitez, Parreira. O que cada um pensa sobre futebol, o quanto cada um conhece sobre o assunto, e qual modelo de jogo preferem certamente se difere e muito (muito mesmo!). Mas em comum está a grande confiança e convicção naquilo que fazem. Parecem inabaláveis; com uma zona de conforto gigante.
Zé Ramalho, o cantor brasileiro “voz de trovão” em uma de suas músicas versa: “Oh, eu não sei se eram os antigos que diziam, em seus papiros Papillon já me dizia; que nas torturas toda carne se trai; que normalmente, comumente, fatalmente, felizmente, displicentemente o nervo se contrai; com precisão (..).” (trecho da música Vila do Sossego)
Papillon é o nome do personagem de um filme (de mesmo nome) que é preso e condenado a prisão jurando inocência – jura que se desmantela na tortura. O “ambiente futebol” proporciona a vida dos táticos estrategistas treinadores, inúmeros e infindáveis momentos de “tortura”. A pressão pelo resultado, a administração pouco profissional e as derrotas levam a momentos de “auto-traição”, onde as convicções dão lugar as dúvidas, onde a razão tateia a loucura.
Óbvio, não basta confiar e ter convicções. É necessário que se tenha conhecimento (muito e cada vez mais). Mas aí está o segredo: o conhecimento pode ser uma das bases que solidificam as convicções, os nortes, os caminhos.
Heróis vitoriosos tornam-se em horas vilões fracassados. A linha do tempo é cruel e aqueles que se deslumbram com as vitórias e as ocorrências advindas delas acabam sofrendo de forma incomensurável nas derrotas.
No futebol, a vida é assim. Alguns ganham mais, alguns ganham menos e isso não é coincidência. Alguns precisam de mais tempo e outros parecem sempre estar no tempo certo.
Porque assim como na arte, no futebol e na vida “há pessoas que transformam o Sol numa simples mancha amarela. Mas há, também, aquelas que fazem de uma simples mancha amarela, o próprio Sol.” (Pablo Picasso)
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Três não é demais
Nem todo esquema com três na zaga é defensivo. Nem todo time com três na frente é eficiente ofensivamente. Muito menos todos os esquemas com três atrás são o tal “3-5-2” que costumamos simplificar. Isto é, usualmente rebaixamos ao simplismo barato.
O primeiro 3-5-2 (puro, puríssimo) é lavra da prancheta do treinador alemão Sepp Piontek, já na Euro-84. No México-86, ele aperfeiçoou a defesa a três e fez bonito até ser destronado e destroçado pelo espanhol Butragueño, na goleada por 5 a 1.
Apesar do tombo, o 3-5-2 (simplismo que esconde a versatilidade do esquema) fez fama e deitou na grama na Copa-90 (a pior de todas). Dezessete das 24 seleções (o Brasil lazarento, inclusive) atuaram com três na zaga. Ou até cinco.
A base lógica para adotar o esquema com três atrás era uma questão numérica: para que uma linha de quatro defensores se bastariam três para marcar dois atacantes rivais? A partir daí, um do meio foi recuado para a zaga, e os laterais avançaram como alas – muito mais jogadores de meio-campo do que defensores, nos primórdios, e em quase toda a Europa.
Muitas variações táticas e matemáticas foram feitas: os treinadores montaram times com apenas um volante e dois meias (o 3-3-2-2, a base dinamarquesa), dois volantes e um meia (o 3-4-1-2 bicampeão brasileiro pelo São Paulo), dois volantes e dois meias (o 3-4-2-1 pentacampeão mundial de Felipão), um volante, um meia, e três atacantes (o 3-3-1-3 do Ajax-95), um volante e três meias (o 3-3-3-1 de Marcelo Bielsa, na Argentina 1999-02), e outras menos usadas.
Mas, poucos, no Brasil, foram “puristas” como o original de Piontek. Aqueles que usaram meias ou atacantes como alas, e não apenas laterais avançados. Luxemburgo lembrou que, no Brasil, raras foram as equipes que atuaram assim: O Coritiba-01, de boa campanha com Ivo Wortmann, foi uma delas: o meia-atacante Juliano virou ala pela direita; o armador Fabinho foi convertido em ala pela esquerda. E o Coxa jogou muito.
O São Paulo do ano passado é outro belo exemplo: os meias Souza e Jorge Wagner transformaram-se em alas. E ajudaram a fazer uma defesa histórica, marcando e cercando mais do que sabiam.
Luxemburgo é taliban na matéria. Para ele, qualquer esquema com dois laterais nas alas significa um 5-3-2. Nem sempre. O Brasil de Felipão que o diga, com Cafu e Roberto Carlos espetados nas pontas. Era o melhor modo de usá-los (em 2002, os dois ainda tinham deficiências defensivas visíveis). Não era um sistema defensivo, como ainda querem acreditar. Como ainda insiste Luxemburgo.
O botafoguense Cuca é um dos que melhor sabem usar o esquema com três zagueiros. Ou (muito) melhor: com três atrás. Não necessariamente zagueiros. E, também, não necessariamente volantes recuados para a zaga. Como fez, por exemplo, com eficiência, Jair Picerni no Palmeiras da Série B, em 2003: os volantes Alceu (e depois Marcinho Guerreiro) faziam a função do zagueiro pela esquerda. Por vezes, saíam e compunham o meio-campo como volantes que são. Mas não eram.
No Botafogo, desde 2007, Cuca usa como o terceiro atrás um lateral-esquerdo. Na bela campanha do Brasileirão foi Luciano Almeida. Agora, em 2008, Triguinho é o zagueiro-lateral. Ou lateral-zagueiro. Mas não para sempre.
Como explica o próprio treinador: “Não preciso jogar sempre com três na zaga. Quando o adversário só tem um atacante, posso liberar o Triguinho como lateral para fazer o lado esquerdo com o Zé Carlos. Jogamos com dois zagueiros e dois laterais. Isso só é possível porque tenho atletas polivalentes como os dois. Mas quando enfrentamos equipes com dois na frente, um jogador de área mais fixo e o outro mais rápido, que se mexe bastante, prefiro atuar com três lá atrás. E não necessariamente três zagueiros”.
É mais uma evolução tática e técnica. Voltada para o ataque. E diferente do que constata Luxemburgo. O Botafogo joga com três atrás, três alas que eram laterais, e é um time muito melhor que a soma das individualidades.
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É bom, mas pode ser ruim
A Revista Veja dessa semana aponta para um fenômeno do ambiente brasileiro que já era perceptível há certo tempo: a escalada econômica das faixas mais baixas da população. Mais especificamente, a migração das classes D e E para a classe C, o que significa basicamente que uma considerável parte da população brasileira está saindo da linha da pobreza e passando para a classe média baixa. Isso faz parte possivelmente de um processo evolutivo conseqüente da política econômica mais racional e globalizada adotada a partir do início da década de 90 e que começa a apresentar maiores resultados agora, sendo o mais importante a redução da desigualdade econômica e a ampliação da classe média brasileira.
Para o futebol brasileiro, essa mudança de ambiente é essencial. Como eu já disse antes, o futebol moderno – assim como a maioria dos esportes atuais – é um produto direcionado para a classe média. Em países subdesenvolvidos que possuem um espaço muito grande entre as classes econômicas, o esporte acaba sendo bancado pelo Estado. Em países mais desenvolvidos, em que a classe média é a dominante, o esporte assume ares economicamente mais racionais e favorece a sua expansão e o seu próprio desenvolvimento.
Uma das grandes características da classe média, eu acho, é ter tempo e dinheiro para ser gasto com lazer. E esse tempo e esse dinheiro que sobram são os combustíveis essenciais que movem o futebol moderno. Ao criar um intenso interesse da classe média, você também fomenta o interesse das classes economicamente superiores, que você acaba conseguindo manipular através de variáveis de oferta e demanda baseada no dinheiro. Com isso, a relação de capital entre clube e público é estabelecida, o que tende a gerar maiores preocupações com o espetáculo em si, seja na estrutura das acomodações ou na manutenção dos principais atletas.
Eis que, porém – e como bem alerta a matéria da Veja, essa aparente bonança da classe média ainda não possui uma base muito bem estabelecida. Ela é essencialmente baseada na grande oferta de crédito do mercado. Muita gente, principalmente os mais pobres, tem a sua recente expansão econômica financiada por um dinheiro que de fato não possui. É esse dinheiro que tem permitido a aquisição de bens de consumo básicos, como carro, eletrodomésticos e afins. Caso essa estrutura de crédito atual não resulte em uma estrutura econômica positiva e mantenedora, o sistema pode entrar em colapso e eventualmente devolver todos os imigrantes para o local de qual vieram, tipo a Espanha. E na medida em que as pessoas tiverem menos dinheiro disponível, elas tenderão a cortar os investimentos menos essenciais, e sempre sobra pro lazer e pro passatempo. Sobra, no caso, para o futebol.
Conforme o futebol for se adequando para uma estrutura de maior liquidez, ele tende naturalmente a criar mecanismos que favoreçam as práticas de mercado. Entretanto, se essa estrutura for baseada unicamente em um sistema de crédito temporário, ela se esfacelará caso o ciclo de crescimento racional não se estabeleça e o crédito e a liquidez desapareçam do mercado. E os efeitos disso é melhor sequer imaginar.
O futuro do futebol brasileiro depende mais do país do que dos dirigentes em si.
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Doença patológica
Uma coisa é reverenciar um possível futuro craque do futebol brasileiro, cada vez mais decisivo quando entra em campo e cada vez mais com cara de craque real, e não em potencial.
A outra é banalizar a informação.
Até agora, todas as estréias de Alexandre Pato foram memoráveis e dignas de nota. A começar em 2006, no Internacional, quando em seu primeiro toque na bola como profissional Pato colocou a redonda no fundo da rede palmeirense numa goleada vexatória do Inter sobre o Palmeiras. Para melhorar, em três jogos como atleta profissional, Pato já tinha no currículo um título mundial de clubes, feito que nenhum outro jogador alcançou na história.
Poucos meses depois, e Pato quebrou outro recorde. Foi para o Milan, em transação astronômica, para ficar apenas esperando completar 18 anos e poder, de fato, estrear pelo clube italiano. Antes, em amistoso, jogou e, para variar, marcou. Depois, para valer, entrou em campo e mais uma vez fez um gol na partida de estréia.
Na última quarta-feira, Pato seguiu a sina de estréias antológicas. Num lance de sorte e extrema competência, deu o ar da sua graça no sempre insosso amistoso entre Brasil e Suécia. Fez o gol da vitória no seu primeiro chute com a camisa brasileira. O único do jogo: tanto o chute, quanto o gol.
Pronto, era o que bastava!
Liderada por Galvão Bueno (!?!?), a imprensa começou a fazer um escarcéu de que a estréia de Pato na seleção era tão magnífica quanto os primeiros jogos de outros craques da nossa história, como Pelé, Zico, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho. Todos eles, no debute brasileiro, colocaram a bola na rede adversária.
Só que, para variar, a doença patológica contamina a maior parte da imprensa. O fenômeno Pato parece que turva a mente das pessoas. Ou pelo menos o bom senso delas.
Ok, Pato de fato parece cada vez mais fadado ao pleno sucesso ao longo da carreira recém-iniciada. Só que não dá para querer colocá-lo, em exigência e performance, no mesmo nível de excelência de consagrados jogadores do país.
Pato fez um gol pela seleção. O primeiro no seu primeiro jogo como profissional pelo time brasileiro. Mas não dá para jogar nas costas de Pato a responsabilidade de ser, para a equipe nacional, um atleta do calibre de Zico, Pelé e Rivaldo. Já exclui Ronaldinho Gaúcho da lista. Porque, até hoje, sua maior contribuição foi a conquista da Copa das Confederações, em 2005. Nada perto do que o cracaço de bola e tão ou mais reverenciado que Pato no início de carreira fez pelo Barcelona em 2006.
É preciso dar tempo para a maturação de Pato. Antes disso, é impossível credenciá-lo como um fenômeno da bola. Quem sabe a liderança brasileira na conquista dos Jogos Olímpicos, coisa que nenhum outro craque conseguiu, permita-nos dizer que Pato é divino.
Porque, até agora, ele fez apenas um gol em sua estréia pela seleção.
Coisa que, além de Pelé, Zico, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho, também o fizeram Anderson Polga, Cristóvão, Donizete Pantera, Leandro Machado, Zé do Carmo…
Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br
Diversos autores, pesquisadores, especialistas e treinadores (especialmente os europeus) conceituam três tipos de ataques possíveis em uma partida de futebol:
1) O ataque posicional (ou posicionado);
2) O ataque rápido;
3) O contra-ataque.
O ataque posicional é um tipo de dinâmica ofensiva em que se busca primeiro melhor posicionamento e distribuição geométrica em campo – onde a posse de bola através dos passes horizontais (para o lado) acaba sendo parte importante da estratégia do jogo – para então, efetivamente construir situações que possibilitem chegar a meta adversária.
O ataque rápido se caracteriza pela progressão rápida no campo de jogo, rumo a meta adversária – onde os passes verticais são predominantes – quando a equipe adversária já atingiu organização defensiva (ou numérica ou geométrica).
O contra-ataque é um tipo de dinâmica ofensiva que se caracteriza pela imediata progressão a meta ofensiva a partir da interrupção do ataque adversário, quando ele não conseguiu ainda estabelecer equilíbrio defensivo.
Cada um desses ataques pode se transformar ao longo do seu percurso. Então um contra-ataque ou um ataque rápido podem se transformar em um ataque posicional, e esse, em um ataque rápido por exemplo.
O fato é que cada uma dessas dinâmicas ocorre em freqüência, de acordo com a lógica do jogo, mas podem, a partir dos treinamentos e do modelo de jogo adotado por uma equipe alterar-se sensivelmente.
Três momentos indissociáveis caracterizam o jogo de futebol; o atacar, o defender e as transições (ataque-defesa e defesa-ataque). Tradicionalmente há um grupo de treinadores que revelam a todo tempo suas preocupações com o defender; alguns outros com o atacar, mas poucos com as transições.
José Mourinho e Arsene Wenger (livro José Mourinho Vencedor Nato; revista Soccer Coaching Dez/Jan 2008) apontam respectivamente que as “transições” são os momentos mais importantes e decisivos dos jogos de futebol, e que está nelas o poder do jogo.
Como é no poder para dominar o adversário e no ganhar o jogo (dentro das regras do jogo) que se estabelecem os objetivos de treinadores e equipes, façamos uma reflexão sobre as tais transições.
Conceitualmente temos dois tipos de transição no jogo de futebol (um grupo de pesquisadores defende a existência de quatro – mas isso é discussão para outro momento): a transição ofensiva e a transição defensiva.
A transição ofensiva é o momento (ou conjunto de momentos), a ponte inseparável e não fragmentável entre equilíbrio defensivo e equilíbrio ofensivo (entre o estar a defender e o estar a atacar). A transição defensiva é o momento que caracteriza a mudança do estar a atacar para o defender.
Em geral os gols no futebol ocorrem em grande parte a partir de jogadas estratégicas de bola parada ou de transições ofensivas eficientes.
Existem equipes, especialmente na Inglaterra que jogam com objetivo claro de fazer mais rápidas e funcionais suas transições ofensivas quando confrontadas as transições defensivas adversárias. Quando duas equipes com esse tipo de característica em seus modelos de jogo se enfrentam, a partida torna-se um competitivo confronto entre transições defensivas e ofensivas; e levam vantagem aquelas que as fazem mais rapidamente, em maior velocidade (e menor tempo).
Não se deve confundir tipos de ataque (rápido, posicional ou contra-ataque) com transição ofensiva, pois ela é a estratégia anterior a esses eventos (a tal ponto que alguns especialistas e pesquisadores também defendem que a transições ofensivas e defensivas se confundem, e se convergem em uma coisa só – assunto também para outro momento).
O fato porém que deve ser apreciado e receber grande importância, é o de que independente de quais conceitos se defenda, uma equipe de futebol precisa ter um modelo de jogo bem definido, e isso significa, de alguma forma considerar, respeitar, entender e agir conhecendo a lógica do jogo, os princípios de ação e os princípios do jogo.
Quando uma equipe tem em seu modelo de jogo características que lhe trazem vantagem ao confrontá-las com as do adversário, basta a ela executar com precisão aquilo que já lhe é peculiar. Quando o modelo encontra no adversário uma oposição espelhada, que se encaixe de forma equilibrada e não vantajosa para ambos, ou cria-se um “contra-sistema” para surpreender o oponente, minimizando suas potencialidades e amplificando seus defeitos, ou se aposta que a eficiência do próprio modelo será capaz em algum momento de levar vantagem.
No Brasil, não é coincidência que o treinador Wanderley Luxemburgo tenha obtido (e continue obtendo) êxito, na organização de equipes competitivas e vencedoras. Ainda que pese todo aparato extra campo, que o auxilia na composição de suas equipes, aponto aqui que dentro de campo o treinador tem um modelo de jogo bem definido, com estratégias que deixam suas equipes muito bem preparadas para diferentes circunstâncias do jogo.
Independente de estar mais ou menos direcionado a essa ou aquela variável da lógica do jogo, o treinador brasileiro tem bem estruturado a geometria e as dinâmicas que solidificam seu modelo de jogo.
É muito prazeroso apreciar a forte transição defensiva do Palmeiras (equipe que o treinador dirige no início de 2008). Perda da bola ou ações inimigas pelas laterais; intensa e forte marcação para interromper a progressão adversária. Oponente tentando a
vançar pelo meio; estrutura que fecha os espaços e induz o adversário a começar o jogo (recuar a bola). Goleiro adversário pronto para iniciar um contra-ataque; atacante que se posiciona para retardar a reposição de bola. O balanço defensivo no escanteio de ataque é uma questão de matemática? Lá vai o modelo de jogo do treinador mostrar que é também uma questão geométrica e não só de números.
vançar pelo meio; estrutura que fecha os espaços e induz o adversário a começar o jogo (recuar a bola). Goleiro adversário pronto para iniciar um contra-ataque; atacante que se posiciona para retardar a reposição de bola. O balanço defensivo no escanteio de ataque é uma questão de matemática? Lá vai o modelo de jogo do treinador mostrar que é também uma questão geométrica e não só de números.
Em um jogo do Campeonato Paulista de 2008 tivemos um exemplo interessante e simples sobre a idéia de uma estratégia dentro de um modelo de jogo bem definido que fora colocada à prova. A equipe do Palmeiras trouxe como opção de jogo a formação de um grande losango para seu balanço defensivo nos seus escanteios de ataque. O aparente problema surgiu quando a equipe adversária (o Paulista de Jundiaí) na mesma situação posicionou três jogadores nas linhas de ataque (para conduzir um possível contra-ataque) e um jogador na 2ª bola (na meia-lua).
Se por um lado, para a equipe do Paulista, o modelo sugeria uma possível vantagem em uma situação de contra-ataque, por outro para a equipe do Palmeiras sugeria uma possível vantagem na disputa pela bola dentro da grande área. As duas equipes acreditaram no seu modelo inicial de jogo até o 3º escanteio a favor do Palmeiras. Com uma estratégia melhor definida para seu modelo de jogo o Palmeiras manteve sua proposta inicial; o Paulista recuou um jogador para dentro da grande área.
Poderia talvez o treinador palmeirense recuar mais um jogador para fazer a “sobra” defensiva. E quase como em um jogo de xadrez ele teve a sua “sobra” sem necessitar alterar em nada sua proposta inicial (já que o seu adversário acabara por abrir mão da sua estrutura matriz).
Muitos “especialistas” acreditam que modelo de jogo, ataque, defesa, transições e outros tantos conceitos e variáveis presentes em um jogo de futebol são “perfumaria”, “enfeites”; são bonitos mas não marcam gol, nem ganham jogo. Outros, se afundam em sua ignorância e nem fazem idéia do sem número de conteúdos que podem estruturar um jogo.
Tanto um quanto o outro acabam por colaborar pouco para o desenvolvimento crítico de torcedores, dirigentes e novos “especialistas”.
Porém, é claro, muitas vezes é mais fácil elucubrar no mundo das coincidências e dos achismos do que conhecer a fundo aquilo se fala.
Então, como cantaria Zeca Baleiro, “quando o homem inventou a roda logo Deus inventou o freio, um dia, um feio inventou a moda, e toda roda amou o feio“…
Para interagir com o colunista: rodrigo@universidadedofutebol.com.br