Categorias
Colunas -

A vitória começa agora, na execução do planejamento

Crédito imagem: Vitor Silva/Botafogo

O mês de dezembro é crucial e determinante para conhecermos os campeões da temporada seguinte. Execução do planejamento – que já deveria ter sido feito anteriormente e agora, de fato, sendo só executado – montagem de elenco, acordos para chegadas e saídas de jogadores, definição de staff, aparelhamento de departamentos, enfim, é neste período sem jogos que as vitórias começam a ser construídas. E se ainda vivemos períodos insanos de trocas constante de treinadores, já dá para ver um entendimento maior dos clubes brasileiros de que competência e inteligência fora de campo aumentam as probabilidades de sucesso dentro de campo.

Listas de dispensas e caminhão de reforços não funcionam! Termos cunhados por dirigentes para mostrar ‘serviço’ a torcida, mas que na prática não aumentam as tais probabilidades de vitória, que já citei. Manutenção de uma base, de uma espinha dorsal, é fundamental. Independentemente de a temporada anterior ter sido boa ou ruim. Isso porque futebol é um jogo coletivo, em que quanto mais conhecimento um jogador tem do seu companheiro mais eles conseguem se entender, se entrosar e criar juntos coisas novas e melhores. 

Não defendo aqui que elencos sejam imutáveis. O que sou contra é a simplória observação de que porque perdeu tudo neste ano deve-se fazer uma ‘limpa’ no elenco e começar do zero para a próxima temporada e, por outro lado, se houve títulos achar que saídas e até mesmo contratações não são necessárias. E não se pode tirar da análise que o mercado brasileiro é exportador. Os melhores jogadores, sobretudo os mais jovens, são cobiçados e observados cada vez mais cedo. Mas até para vender dá para ter o ‘timing’ correto de ter o máximo de desempenho possível sem perder valiosos milhões de euros com uma negociação tardia.

A figura do executivo de futebol mais uma vez é crucial para o sucesso de toda essa engrenagem. Claro que o treinador deve ser ouvido. Entretanto não podemos esquecer que a média de um técnico no Brasil é de dois meses no cargo. Como deixar o treinador liderar a formatação de um elenco se na sequência por algum motivo ele pode ser demitido ou pedir para sair?! O clube é que deve ser o responsável por, por exemplo, ter relatórios físicos e médicos de todo atleta para ter claro se é momento de negociá-lo ou mantê-lo para o próximo ano. É o clube que deve mapear o mercado e buscar reforços que se encaixem financeira e esportivamente no projeto. Ficar refém de treinador, ou até mesmo de empresários, só fragiliza o clube. Terceirizar o planejamento ou simplesmente deixá-lo ao acaso não combina com troféu. 

Categorias
Artigos

Estratégias para a coesão social no futebol: aplicações a partir de “Onze anéis”, de Phil Jackson

Crédito imagem: Reprodução/NBA.com

O livro “Onze anéis: a alma do sucesso”, escrito pelo ex-treinador de basquetebol Phil Jackson com colaboração de Hugh Delehanty, aborda, dentre outros temas, algumas estratégias para promover uma elevação dos níveis de coesão social das equipes da National Basketball Association (NBA), a liga de basquetebol profissional dos Estados Unidos.

Na NBA, cada título conquistado equivale a um anel: Phil Jackson, como treinador do Chicago Bulls e do Los Angeles Lakers, conquistou seis e cinco campeonatos, respectivamente. É o treinador mais vitorioso da história da NBA, tendo se utilizado de alguns métodos pouco ortodoxos, sobretudo no que se refere às preparações social e psicológica de suas equipes.

De acordo com Jackson (2014, p. 87):


o basquete é um grande mistério. Você pode fazer tudo certo. Pode ter a combinação perfeita de talentos e o melhor sistema ofensivo no jogo. Pode elaborar uma estratégia defensiva infalível e preparar os jogadores para cada eventualidade possível. Mas de nada valem os seus esforços quando os jogadores não têm um senso de unidade enquanto grupo. E o vínculo que une uma equipe pode ser muito frágil, muito fugaz.

(JACKSON, 2014, p.87)

Assim como o basquete, esportes coletivos como o futebol também apresentam performances dependentes de algo mais que talento, técnica e táticas: esse algo mais é a coesão social entre os integrantes das equipes, denominada “unidade enquanto grupo” por Phil Jackson. Este treinador compreende que a transformação de atletas em um time campeão pode ser traduzida como um malabarismo que representa o “conhecimento das leis consagradas pelo tempo do jogo, mas também coração aberto, mente clara e aquela curiosidade atenta aos caminhos do espírito humano” (JACKSON, 2014, p. 19).

A leitura de “Onze anéis” evidencia algumas concepções e estratégias para a conquista da unidade em um grupo de atletas. São elas:

  • A compreensão do todo como algo maior que o somatório das partes (das individualidades).
  • A promoção do pertencimento dos atletas à equipe.
  • A construção da autonomia dos atletas, através da liderança e das tomadas de decisão.
  • As adversidades estruturais e conjunturais como elementos que fortalecem a coesão social.
  • A importância das contribuições particulares para a consolidação do coletivo.
  • Modelos de jogo e relacionamentos sociais como bases para o exercício da criatividade e da técnica;
  • A submissão dos egos estelares aos interesses coletivos.

Respeitadas algumas diferenças fundamentais entre o basquete e o futebol, como as dimensões dos espaços de jogo e os números de atletas na quadra / em campo, as estratégias adotadas por Phil Jackson podem perfeitamente ser aplicadas em equipes de futebol, tanto na formação (categorias de base) quanto nas equipes principais (profissionais). Através das contribuições de Jackson detalhamos a seguir cada um dos itens supracitados como instrumentos para a construção da unidade de grupo (ou coesão social) no ambiente do futebol.

Jackson (2014) diz que a união dos jovens atletas é traduzida pela devoção a algo maior do que eles próprios, algo que mobiliza suas almas e seus corações. Neste contexto compreendemos que o somatório dos indivíduos não significa o todo coletivo, uma vez que as normas da consciência coletiva podem ser constituídas a partir de fenômenos exteriores aos indivíduos. É a situação das pessoas que, ao nascerem e crescerem em um país, encontram um idioma e uma moeda pré-estabelecidos.

O mesmo pode ocorrer em um clube de futebol, que apresenta cultura, tradições e valores localizados para além das aspirações individuais de atletas contratados. A consciência coletiva, então, paira como um fetiche (uma entidade dotada de vida própria, de acordo com o pensamento marxista) que exerce influência poderosa sobre as consciências individuais. A esse respeito diz Durkheim (2008, p. 133):

quanto mais definidas as crenças e as práticas, menos elas deixam espaço para as divergências individuais. Elas são moldes uniformes em que vazamos todos, uniformemente, nossas ideias e nossas ações. Portanto, o consenso e tão perfeito quanto possível; todas as consciências vibram em uníssono.

(DURKHEIM, 2008, p. 133)

Em uma equipe de futebol existem objetivos que são compartilhados por todos os atletas: a conquista de títulos, o alcance de uma classificação para etapas posteriores das competições, a fuga de rebaixamentos para uma divisão inferior. O papel do treinador, neste âmbito, deve ser o de expor aos atletas a adaptação dos mesmos aos objetivos do clube, priorizando-os em relação às metas individuais.

Sobre a sensação de pertencimento à equipe, Jackson (2014) diz que sempre estimulou debates que contavam com as participações e expressões de todos, atletas e membros da comissão técnica. Segundo o treinador, esse método viabiliza a criatividade e a inclusão de todos, sendo especialmente importante para promover a sensação de pertencimento por parte dos jogadores que jogam pouco e/ou menos que os outros.

O futebol, de certo modo e em várias circunstâncias, é um ambiente complexo permeado pelo conservadorismo. Ainda resistem ideias incapazes de realizar a distinção entre hierarquia e autoritarismo. Jackson (2014) afirma valorizar sua própria posição no comando do elenco de atletas, mas segundo uma perspectiva que cultiva as verbalizações particulares. O respeito à hierarquia é importante, tanto quanto o diálogo. Sobre as reuniões com todos os integrantes da equipe, Jackson (2014, p. 90) diz:

compartilhávamos informações uns com os outros e nos certificávamos se estávamos todos no mesmo passo em termos de estratégia do dia a dia. Cada membro da comissão tinha um alto grau de autonomia, mas quando conversávamos com os jogadores o fazíamos com uma única voz.

(JACKSON, 2014, P.90)

Entendemos que esses procedimentos, baseados na hierarquia, na unidade da comissão técnica e no exercício do amplo diálogo, são fundamentais para que os futebolistas se sintam integrados e com sensações de contribuição e de pertencimento à complexa estrutura de um clube de futebol.

A construção da autonomia dos atletas, através da liderança e das tomadas de decisão, é também uma causa defendida por Jackson (2014). O autor / treinador afirma:

uma coisa que aprendi como treinador é que você não pode impor sua vontade sobre os outros. Se você quer que ajam de maneira diferente, inspire-os para que se transformem. A maioria dos jogadores deixa que o treinador pense por eles. Quando se deparam com um problema na quadra, olham para o lado com nervosismo, esperando que o treinador tenha uma resposta. Muitos treinadores sentem prazer em acomodar o problema. Mas eu não. Sempre procurei fazer com que os jogadores pensassem por si mesmos para que pudessem tomar decisões difíceis no calor da batalha.

(JACKSON, 2014, p.22)

Jackson (2014) afirma que chegava a evitar a solicitação de tempos durante alguns momentos críticos do jogo: dessa forma ele fazia com que os atletas tivessem que tomar suas próprias decisões em momentos de pressão e estresse agudos.

A conexão com a autonomia cognitiva dos atletas de futebol é inevitável. Existem treinadores de futebol que passam instruções para seus jogadores com frequência espantosa: são orientações em série, sendo muitas delas ordens e determinações para que os atletas executem jogadas que seriam as mais apropriadas para momentos específicos dos jogos. Trata-se, no limite, da execução de jogadas de acordo com as tomadas de decisão do treinador, o que compromete a autonomia crítica dos futebolistas.

Não propomos o extremo oposto, constituído por total apatia dos treinadores nos bancos de reservas. Sugerimos orientações pontuais que permitam aos atletas, sejam eles das divisões de base (formação) ou das equipes profissionais, o pensamento autônomo no momento de decidir entre uma ou outra opção técnica ou tática durante uma partida de futebol. Nesse contexto o treinamento tático deve ser construído segundo uma perspectiva de abertura para a inovação e a criatividade: muito além de repetições exaustivas de movimentos e manobras defensivas, ofensivas, de transições e de bolas paradas, a preparação da equipe deve conter situações-problema em que um leque de opções surge para a definição da solução por parte dos atletas envolvidos.

A liderança em uma equipe de futebol, por sua vez, deve extrapolar os limites determinados por aptidões “naturais” de um ou outro atleta: o ato de liderar um grupo passa necessariamente pela construção dessa capacidade social e psicológica (a liderança) a partir da metodologia de trabalho do treinador e da comissão técnica. A esse respeito Jackson (2014) diz que o treinador deve liderar “de dentro para fora”. Mas o que significa isso? Vários treinadores lideram “de fora para dentro”, construindo metodologias que se sustentam sobretudo na avaliação de adversários e nas estratégias para superá-los. Jackson afirma que o pilar, o sustentáculo da liderança, é a conexão das concepções pessoais com a metodologia que rege o trabalho. Jackson (2014, p. 21) afirma: “durante longo tempo acreditei que tinha de separar as convicções pessoais da vida profissional.” A metamorfose na carreira de Phil Jackson ocorreu quando o treinador buscou refúgios espirituais no cristianismo, na meditação e no misticismo dos índios da América do Norte, elaborando uma síntese entre a espiritualidade e a prática profissional esportiva propriamente dita. Ele diz:

embora a princípio temesse que talvez os jogadores achassem minhas opiniões heterodoxas ou um pouco amalucadas, com o tempo acabei descobrindo que, quanto mais falava com o coração, mais me ouviam e se beneficiavam do que era colhido por mim.

(JACKSON, 2014, p. 21)

Ora, vivemos em um país cuja cultura foi alicerçada no patriarcalismo, no coronelismo e no machismo, construções históricas que enfatizam papéis sociais masculinos desvinculados das expressões emocionais e espirituais. Em uma sociedade em que as concepções conservadoras ainda encontram razoável espaço, são requeridos do Homem a força e pragmatismo daqueles que buscam produtos (os fins) e relegam os processos (os meios) a um segundo plano.

O futebol, determinado culturalmente pelos valores hegemônicos na sociedade mais ampla, ainda se reveste do conservadorismo que pauta as relações humanas. Nesse contexto, “talvez Homem não chore” e nem revele seus sentimentos particulares. Phil Jackson nos mostra, via basquete da NBA, que a “voz do coração” pode produzir diversas repercussões benéficas para uma equipe esportiva. É algo que deve ser adotado no âmbito do futebol de alto nível (rendimento), evidentemente associado a uma metodologia de treinamento avançada, complexa e sistêmica , conforme assinalado por Medina (2021).

Além da liderança cognitiva e emocional que parte do treinador, é importante que o exercício da liderança provoque o surgimento de novos líderes. Jackson (2014) explica que sempre estimula a liderança, abrindo mão de reter a “última palavra” e promovendo as expressões verbais de todos os atletas. Assim surgem novos líderes, o que se aplica perfeitamente ao futebol. O diálogo amplo é o veículo para a formação de novas lideranças.

Jackson (2014) também afirma que as adversidades são elementos constitutivos da coesão social. O autor cita um exemplo prático de quando era um atleta de basquete jogando fora de casa contra uma equipe cujo treinador colocava uma série de obstáculos para o desempenho do time visitante. Diz Jackson (2014, p.61):

ele (o treinador adversário) sempre tornava nossa vida um inferno: éramos colocados em vestiários onde as chaves não funcionavam, as toalhas faltavam e o aquecedor era regulado acima de quarenta graus, isso sem que pudéssemos abrir as janelas. Nessa série (de jogos do playoff), ele nos colocou em vestiários diferentes a cada jogo, e o último – no jogo 7 – era um quartinho apertado do zelador, sem armários e com um teto tão baixo que a maioria de nós tinha que se abaixar para se vestir. Em vez de nos humilhar, o que certamente ele queria, o minúsculo vestiário nos enraiveceu tanto que nos fortalecemos ainda mais.

(JACKSON, 2014, P.61)

Jackson (2014) relata uma interessante experiência também da época de atleta, quando atuava no New York Knicks: os atletas tinham que lavar seus próprios uniformes, algo impensável no altamente profissionalizado esporte contemporâneo. Segundo o autor, na época não havia um gerente de equipamentos, “mas por mais estranho que pareça essa lavagem dos uniformes surtia um efeito unificador no time” (JACKSON, 2014, p. 64).

De modo independente do nível técnico do futebol a que possamos nos referir (um jogo regional da categoria sub-15 ou um confronto da série A do campeonato brasileiro), as adversidades sempre existirão, posto que são inerentes ao esporte competitivo. A ocorrência de um gol adversário, as condições climáticas ou do campo de jogo, as limitações estruturais para o treinamento da equipe ou problemas na logística para o deslocamento para um jogo são elementos que, se trabalhados de forma coerente pelo treinador e pela comissão técnica, podem surtir efeitos bastante positivos para a coesão social dos atletas de um clube de futebol. Trata-se do “efeito unificador” citado por Phil Jackson.

Jackson (2014) também entende que as contribuições particulares dos atletas colaboram para a consolidação do coletivo / para o estabelecimento da coesão social. De acordo com o monge Wayne Teasdale citado por Jackson (2014, p. 124):

o trabalho é sagrado quando se interliga à realização espiritual e representa a paixão e o desejo de contribuir para a cultura e, especialmente, para o aprimoramento dos outros. E entenda-se por paixão os talentos divididos com os outros e que moldam o destino de todos quando estão à serviço da comunidade.

(JACKSON,2014,P.124)

Este é um aspecto central da metodologia de trabalho de Phil Jackson: todos contribuem, de uma forma ou de outra, para a construção de uma cultura de alta performance. Esse conceito repercute de forma global em todos os esportes coletivos, de modo geral, e no futebol, em particular. Jackson (2014) acrescenta que os líderes – e nesse caso ele se referia ao fabuloso Michael Jordan – devem compreender que os atletas são diferentes uns dos outros, mas que todos são importantes para a construção da equipe. Nesse contexto o líder precisa saber como obter a melhor contribuição de cada um dos integrantes do time.

No futebol existem diversas formas e vários níveis de contribuições individuais para o sucesso de uma equipe: convivem em um mesmo ambiente os atletas, a comissão técnica, pessoal administrativo e os encarregados da logística. Mesmo entre os atletas persistem diferentes contribuições, derivadas da técnica individual, das características psicológicas e sociais, da aptidão física, da inteligência de jogo e das diversas funções táticas e posições ocupadas no campo de jogo. Além disso, alguns atletas atuam por mais tempo que outros. Assim, cabe ao treinador valorizar todos os esforços individuais que contribuem para a consolidação de uma cultura de alta performance em uma equipe de futebol.

Também merece atenção, no contexto futebolístico, a concepção que defende modelos de jogo e relacionamentos sociais como bases para o exercício da criatividade e da técnica. Um detalhe deve ser observado preliminarmente: de acordo com Lobo (2007), o futebol apresenta atletas geniais e imprevisíveis que podem ser considerados artistas do esporte, que interpretam a tática como formas de amarras (ou limitações). A tática não pode jamais tolher a criatividade e o caráter artístico dos atletas de futebol; ao contrário, ela deve se constituir em um instrumento (um meio) para viabilizar as exposições individuais de talento, sempre em busca dos objetivos coletivos da equipe.

Ora, a organização tática durante a execução das fases de um jogo de futebol (ofensiva, defensiva, transições e bolas paradas), sendo compreendida coletivamente e adequadamente treinada, oferece às equipes, de modo amplo, e a cada atleta, de forma específica, o domínio de um vasto repertório de movimentos e posicionamentos que constituem possibilidades concretas de desenvolvimento técnico. Assim, torna-se irracional a teoria que sustenta a tática como elemento impeditivo da técnica! Na realidade, e adotando uma licença poética, podemos dizer que “no jardim das táticas e das estratégias se destacam as flores da técnica”.

Phil Jackson sempre utilizou um sistema denominado triângulo ofensivo em suas equipes, compreendendo que a estratégia em questão viabilizava aspectos técnicos, criativos e tomadas de decisão por parte dos seus atletas. A esse respeito Jackson (2014, p. 24) diz:

o que me atraía era o caminho que o triângulo abria para os jogadores, propiciando-lhes um papel vital a desempenhar, bem como um elevado nível de criatividade dentro de uma estrutura clara e bem definida. O segredo é treinar cada jogador de maneira que possa fazer a leitura da defesa adversária e reagir de modo adequado.

(JACKSON, 2014, P. 24)

A referência de Jackson ao “elevado nível de criatividade dentro de uma estrutura clara e bem definida” revela um conceito que transcende os limites da quadra de basquete. No futebol, por exemplo, a adoção de um modelo de jogo que priorize marcação alta (por pressão) na saída de bola adversária, ações ofensivas agudas (verticais) e transições velozes requer atletas fisicamente muito bem preparados e com leitura de jogo adequada para a execução de movimentações rápidas. O modelo exemplificado requer tomadas de decisão criativas, notadamente nas manobras ofensivas que visam ataques incisivos precedidos de recuperações da posse da bola. Trata-se, então, de momentos técnicos e criativos que se destacam a partir de uma base tática anteriormente treinada.

Compreendemos também que a coesão social, segundo uma perspectiva que contemple todos os atletas e comissão técnica de uma equipe de futebol, oferece as bases emocionais e de solidariedade para que cada futebolista possa apresentar plenamente seus recursos técnicos. Em um grupo fortemente coeso os atletas podem se submeter a alguns riscos técnicos (ou jogadas ousadas) que não correriam caso fossem colocados à margem da unidade social.

Há ainda um último aspecto que deve ser considerado no processo de construção de um time de alto nível, seja ele de futebol, basquete, voleibol ou de outra modalidade: trata-se da submissão dos egos das celebridades esportivas aos interesses coletivos da equipe. Os esportes de rendimento, sobretudo o futebol internacional e o basquete americano, atingiram status e prestígio ímpares no mundo globalizado contemporâneo e se converteram em ícones da indústria midiática e do espetáculo. Nesse contexto, a mobilização de bilhões de euros ou dólares e o poder da Indústria Cultural são responsáveis pela fabricação de ídolos úteis aos interesses do mercado do entretenimento. Celebridades permanentes ou provisórias emergem desse panorama e nem sempre estão dispostas a se submeter às normas e concepções que fundamentam a coesão social, a unidade de grupo em que os fatores coletivos estão sobrepostos às questões individuais.

Phil Jackson apresenta um histórico de sucesso em relação ao trabalho com grandes estrelas do basquete americano, como Michael Jordan, Kobe Bryant e Dennis Rodman. A respeito da construção da união e da consciência coletiva de uma equipe na NBA, Jackson (2014, p. 14) afirma:

não se forma um tipo de consciência como essa da noite para o dia. São necessários anos de abnegação para que os jovens atletas deixem de lado os próprios egos e se engajem de corpo e alma na experiência de grupo. E a NBA não é exatamente o ambiente mais amigável para o aprendizado da abnegação. Embora o jogo em si seja um esporte com equipes de cinco jogadores, a cultura circundante celebra o comportamento egoísta e acentua a realização individual acima da união da equipe.

(JACKSON, 2014, P. 14)

Também no futebol temos atletas que se destacam acima da média de desempenho das equipes. Esses atletas, sejam eles celebridades que disputam competições internacionais ou talentos promissores de equipes de base (formação), precisam compreender que suas capacidades técnicas dependem dialeticamente da qualificação coletiva. Em outras palavras, entendemos que a qualidade global de uma equipe viabiliza o desenvolvimento da técnica individual, assim como o potencial técnico de cada atleta colabora para a construção ideal do todo.

O treinador de basquete Red Holzman, citado por Phil Jackson (2014, p. 39), afirma que

Em um bom time não há superestrelas. Há grandes jogadores que se mostram como grandes por sua capacidade de jogar com os companheiros como um time. E mesmo com as qualidades das superestrelas encaixam-se no bom time e se sacrificam, fazendo de tudo para ajudá-lo a vencer. O que interessa não são os números em salários ou estatísticas, e sim se os jogadores atuam em conjunto.

(RED HOLZMAN APUD JACKSON, 2014, P. 39)

A citação acima demonstra que os atletas rotulados como “acima da média” precisam do entendimento que os coloque como peças fundamentais para o funcionamento em excelência de suas equipes. Não são atletas que “jogam para si próprios”, mas que compreendem que seus protagonismos estão inseridos em uma coletividade maior. Da excelência coletiva emergem, logicamente, desempenhos individuais cada vez mais aprimorados.

Futebolistas “fora de série”, como Pelé (no Santos e na seleção brasileira), Johan Cruyff (no Ajax, no Barcelona e na seleção holandesa) e Cristiano Ronaldo (em diferentes clubes e na seleção de Portugal), sempre se destacaram individualmente e apresentaram inegáveis contribuições para os desempenhos coletivos de suas equipes. São exemplos que, dentre vários outros, devem ser expostos pelos treinadores para seus atletas.

A história do futebol apresenta algumas situações em que atletas excepcionais “se sacrificaram” individualmente em favor da construção coletiva da equipe. Na copa do mundo de 1970, na qual a seleção brasileira conquistou o tricampeonato, Tostão, à época integrante do Cruzeiro (MG), atuou na posição/função que hoje denominamos “falso 9”, que seria um centroavante com papéis flexíveis de abertura de espaços para outros atletas e de criação de jogadas. O atleta em questão foi bem-sucedido em suas tarefas técnicas e táticas no mundial de 1970, colaborando de modo decisivo para o sucesso da seleção brasileira de futebol. Trata-se de um perfeito exemplo de adequação do aspecto individual às aspirações coletivas de uma equipe esportiva.

Em síntese, podemos afirmar que as ideias e conceitos apresentados por Phil Jackson em Onze Anéis não se constituem em “receitas prontas e aplicáveis” em qualquer contexto esportivo. Adaptações são necessárias, considerando as especificidades de cada modalidade esportiva. No entanto, e para além das características específicas do basquetebol, um esporte praticado por equipes de cinco atletas em uma quadra de pouco mais de 437 metros quadrados, as estratégias de coesão social de Phil Jackson são indicadas para situações que envolvem a psicologia do esporte e a gestão de pessoas.

A adequação das concepções de Phil Jackson, extraídas de Onze Anéis, à realidade cotidiana das equipes de futebol é possível e indicada, mas deve considerar fatores que determinam a identidade cultural dos clubes, como dimensão no cenário nacional (internacional e/ou regional) e tradição, além de aspectos como o modelo de gestão, os retrospectos recentes e as características do elenco montado e das competições a disputar.

Por fim, destacamos as concepções de Touraine apud Lallement (2004, p. 239), para quem o movimento social:

é apresentado como a combinação de um princípio de identidade, de um princípio de oposição e de um princípio de totalidade. Não será necessário, para travar um combate, saber em nome de quem, contra quem e em que terreno se vai combater?

(TOURAINE APUD LALLEMENT, 2004, P. 239)

Desse modo, compreendemos que, para além de pressupostos teóricos, o planejamento e a execução das estratégias de coesão social no futebol dependem dos contextos específicos de cada clube, conforme citado anteriormente e ressaltado pelos dizeres de Touraine.

Referências

  • DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
  • JACKSON, Phil; DELEHANTY, Hugh. Onze anéis: a alma do sucesso. Rio de Janeiro: Rocco, 2014,
  • LALLEMENT, Michel. História das ideias sociológicas: de Parsons aos contemporâneos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004,
  • LOBO, Luís Freitas. O planeta do futebol: em busca da alma, dos magos e das táticas que fizeram história. Lisboa: Prime Books, 2007.
  • MEDINA, João Paulo. Uma introdução ao pensamento complexo e sistêmico no futebol. Universidade do Futebol. Disponível em https://universidadedofutebol.com.br/2021/01/25/uma-introducao-ao-pensamento-complexo-e-sistemico-no-futebol/. Acesso em 27 de Novembro de 2021.
Categorias
Colunas -

Os melhores técnicos de 2021 no Brasil

Crédito imagem: Reprodução/Atlético MG

O papel do treinador é cada vez mais determinante para os resultados de jogos e campeonatos. Se antes tínhamos em nossa cultura que o bom técnico era aquele que ‘menos atrapalhava’, ou no máximo aquele que ‘arrumava a defesa e deixava o talento decidir livremente na frente’, hoje eles ganham até um protagonismo exagerado, para o bem e para o mal: se vencem são heróis, mas se perdem são vilões.  

E já que estamos em final de temporada, momento sempre propício para retrospectivas, balanços e avaliações, dedico os próximos parágrafos a reflexões sobre os principais trabalhos de campo no futebol brasileiro em 2021. 

E o ponto de partida para qualquer análise neste sentido é o contexto. Todo clube possui por si só um desempenho histórico médio. Através da junção, tanto das forças como das fraquezas de todos os departamentos há a expectativa de um resultado. Como em um sistema, todas as peças compõem um todo que transcende as partes individuais.

O bom treinador é aquele que consegue elevar esse desempenho histórico. É aquele que mobiliza todas as engrenagens do clube e as potencializa para renderem mais do que costumam render na média. Por isso, meus dois primeiros destaques vão para o argentino Juan Pablo Vojvoda, do Fortaleza, e Fábio Carille, do Santos. Eles não foram campeões, mas seus “troféus”, tiveram graus de dificuldade absurdos!

Se no campeonato brasileiro de 2020, a equipe cearense lutou contra o rebaixamento, neste ano conquistou uma vaga na fase de grupos da Libertadores 2022. É uma gigante mudança de patamar, diante do que o ‘sistema Fortaleza’ tem nas últimas décadas! E paradoxalmente o Santos disputou a final da Libertadores do ano passado, mas as perspectivas financeiras e de montagem de elenco para 2021 eram terríveis. Aqui vale um recorte diferente, do desempenho histórico anual do Peixe, tendo como base o próprio 2021: escapou do rebaixamento no Paulistão na última rodada, eliminação em todas as Copas que disputou e risco real de queda no Brasileirão. Neste cenário, Carille chegou e conseguiu manter o clube na Serie A: um baita feito diante das adversidades, que em vários momentos foram maiores interna do que externamente.

E por fim, destaco Abel Ferreira do Palmeiras e Cuca do Atlético-MG que ficaram com os principais títulos da temporada. Um bicampeonato é sempre complicado, porque além das inerentes questões táticas, é necessário trabalhar o “apetite” dos jogadores, mantê-los com fome para continuarem conquistando. Abel conseguiu isso e faturou a segunda Libertadores. E Cuca soube organizar os talentos e domar os egos de um elenco milionário e um ambiente sedento e ansioso pelo título Brasileiro, que não vinha há cinquenta anos.

Esses quatro profissionais souberam olhar para o ambiente e extrair o máximo dele nas circunstâncias que tinham. Todo clube tem um padrão financeiro, político, administrativo, estrutural, médico, e por aí vai, que naturalmente ocupa determinado espaço no cenário futebolístico que ocupa. Quem eleva o padrão com o que tem nas mãos merece aplausos!

Categorias
Colunas -

O Palmeiras de Abel transcende

Crédito imagem: Cesar Greco/Palmeiras

Ganhar consecutivamente não é simples. É para poucos. O chavão que diz: ‘mais difícil do que alcançar o topo é se manter nele’ faz todo sentido. Por isso, os méritos do Palmeiras com esse bi (tri) campeonato da Libertadores devem ser reconhecidos e aplaudidos de pé.  

Vamos começar falando da parte mental, que o técnico Abel Ferreira tanto propaga. É normal o ser humano relaxar após um feito conquistado. Nossa natureza nos leva a uma acomodação depois de um objetivo alcançado. Pegue você, na sua vida pessoal e profissional: não é difícil se colocar em ação posteriormente a uma meta atingida?! Pois bem, atletas profissionais não são diferentes… e quando Abel percebeu que estava difícil recolocar o foco do grupo em conquistar mais, fazer história, ele pediu reforços. Alguns entenderam como choro e desculpa pela oscilação da equipe no começo da temporada… os reforços não vieram e mesmo assim Abel conseguiu colocar todos novamente em alta performance e veio mais uma Libertadores. Incrível!

E temos que voltar nosso olhar também para o Palmeiras como um todo. Um clube que hoje atua com excelência em cada um de seus departamentos. Que trabalha incessantemente para minimizar os riscos e erros naturais e inerentes ao futebol.

Chegar e ganhar tanto nunca é obra do acaso! Ciência do esporte, fisiologia, nutrição, parte médica, análise de desempenho, governança, finanças, enfim, tudo no Palmeiras hoje é feito de forma extremamente profissional. Duas Libertadores, dois Brasileiros, duas Copas do Brasil e um Paulistão em seis anos confirmam isso. Abel com seu inconformismo, sua gana, seus estudos, sua comunicação pautada na Programação Neurolinguística, era a cereja que faltava nesse bolo. Um clube forte vai produzir bons resultados independentemente do treinador. Mas esse mesmo clube com um técnico acima dos demais terá resultados jamais alcançados.

Esse é o Palmeiras de Abel 2021. Transcendendo tudo o que já foi feito na gloriosa história alviverde.

Categorias
Artigos

Táticas: restringem ou potencializam as tomadas de decisão? – Parte Final

Créditos imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Nesta terceira e última parte (Clique aqui para acessar a primeira parte ou aqui para a segunda parte), darei continuidade às discussões acerca da influência da tática nas tomadas de decisão, analisando uma outra possível abordagem do desenvolvimento tático na formação de um jogador, além de apresentar minhas conclusões sobre esse tema tão polêmico.

Princípios Táticos na Formação de um Jogador

Nessa parte, iremos discutir a formação do jogador de futebol através do desenvolvimento dos princípios táticos, usando como estratégias pedagógicas jogos condicionados e uma variedade de táticas individuais e de grupo.

Entenda por “princípios táticos” o resultado de décadas de estudos da pedagogia do esporte procurando compreender a lógica do jogo. Para Castelo (1994), citado por Costa et al. (2011), os princípios táticos são a tradução teórica a propósito da lógica do jogo, em que se busca operacionalizar os comportamentos técnico-táticos dos jogadores. Por isso, os jogadores precisam conhecê-los e saber como usá-los.

Diferentes princípios táticos, de acordo com o Glossário do Futebol Brasileiro (Fonte: CBF Academy, 2020).

Para que esses princípios possam ser compreendidos e desenvolvidos, uma opção de aprendizagem são os jogos condicionados, que envolvem atividades com mudanças nas regras (alterando o tamanho do campo, posicionamento e número de jogadores, gols etc.), procurando criar desafios para que os jogadores possam resolver os problemas do jogo (BALZANO, 2012).

Também é possível desenvolver princípios táticos específicos, através das táticas de grupo e individual, a partir do entendimento das mesmas como expressões do jogo, buscando soluções ótimas para desafios que se repetem em termos de lógica, dentro da variabilidade infinita do jogo. 

Dois exemplos de táticas individuais são a antecipação defensiva, no qual o defensor se antecipa ao atacante adversário a fim de interceptar a bola, e a antecipação ofensiva, que geralmente ocorre durante um cruzamento, no qual o atacante se antecipa ao defensor para tentar finalizar ao gol do oponente.

Para enriquecer o repertório e a criatividade dos jogadores, pode-se incluir no processo de ensino-aprendizagem características tanto da cultura brasileira, quanto de outras modalidades esportivas, especialmente o futsal.

Por exemplo, para fugir da marcação, pode-se ensinar uma movimentação típica do futsal conhecida como “dar o gato”, em que o jogador realiza rápidas mudanças de direção para criar espaço para receber a bola.

Ao pensar em táticas de grupo e combinações tradicionais como o “toca e vai” (também conhecida como “um, dois” ou “passe de parede”), pode-se adicionar variações a partir dos conceitos por trás de jogadas típicas do futsal, como os da paralela e da diagonal, para ajudar a desenvolver a capacidade de percepção das ações e as possibilidades da tomada de decisão dos jogadores (Antonelli, 2018).

Figura 2. Dentro de um modelo tático, os jogadores podem se utilizar da sua capacidade de leitura de jogo e realizar diferentes combinações para ludibriar a marcação adversária. Fonte (Antonelli, 2018).

Cada tática de grupo exigirá dos jogadores uma série de táticas individuais para serem aplicadas com eficiência. Por exemplo, durante as combinações descritas acima, o jogador poderá também decidir individualmente se faz uma corrida mais longa quando o marcador for ultrapassado ou curta com parada brusca quando o marcador se afastar (Balzano, 2020), proporcionando assim outras formas de realizar a conexão.

Para Santana (2019), as táticas individuais são uma forma de expressão da autonomia dos jogadores e representam um recurso importante na resolução dos problemas do jogo.

Dentro dessa perspectiva de adicionar elementos para o processo de leitura, tomada de decisão e execução das respostas, as táticas de grupo e individuais podem ser usadas como catalizadoras da tomada de decisão, desenvolvimento cognitivo e motor, permitindo ao jogador excelência na resolução dos problemas do jogo, podendo ser aplicadas em qualquer esquema tático e, assim, ajudando a formar um jogador “criativo”. Nessa perspectiva, um jogador com uma formação rica de estímulos que permita compreender a lógica do jogo será capaz de executar soluções eficientes dentro do universo “micro” do mesmo. E em momentos posteriores da sua formação, quando as capacidades cognitivas estiverem mais desenvolvidas, será possível aprender com maiores detalhes os esquemas táticos e as funções que irá desempenhar dentro dos modelos de jogo modernos.

Conclusões

Afinal, as táticas restringem ou ampliam as tomadas de decisão? As táticas podem tanto restringir quanto ampliar as capacidades de decisão dos jogadores. A questão não é buscar uma visão dualista e considerá-las como “boas” ou “ruins”, mas compreender o universo tático e as implicações de diferentes abordagens (didáticas-metodológicas), seja na formação de um jogador ou no aprimoramento do atleta em idade adulta.  A forma como o treinador entende, desenvolve e possivelmente exige a aplicação de cada tática pode torná-la mais restritiva ou abrangente.   

É preciso tomar cuidado para não as usar de forma a restringir o desenvolvimento de jogadores durante a sua formação, através de uma especialização precoce de “posição e função”, ou ao exigir que certas táticas (sejam elas individuais, de grupo ou coletivas) sejam utilizadas sem a compreensão das mesmas, o que pode acarretar em uma utilização fora do contexto mais apropriado.  Por outro lado, uma abordagem tática intencional e organizada, que considere os diferentes estágios de desenvolvimento, pode ajudar a desenvolver jogadores que sejam capazes de compreender e seguir esquemas e desempenhar funções específicas, e também de serem criativos e efetivos dentro dos campos, podendo ter capacidade autônoma de responder aos inúmeros problemas que emergem durante o jogo.

Referências

Antonelli 2021: O Futebol Potencializado pelo Futsal. Disponível em: https://www.soccerpoweredbyfutsal.com/livros

Balzano 2012: Metodologia dos Jogos Condicionados para o Futsal e Educação Física Escolar. 1 ed. Várzea Paulista, SP.

Balzano 2020: Dois Um Brasil: Um Método Genuinamente Brasileiro. Fontoura.

Beuker, M. (2021). Thinking differently at AZ Alkmaar. Disponível em: https://trainingground.guru/articles/marijn-beuker-thinking-differently-with-az-alkmaar

Da Costa, I. T., da Silva, J. M. G., Greco, P. J., & Mesquita, I. (2009). Princípios táticos do jogo de futebol: conceitos e aplicação. Motriz. Journal of Physical Education. UNESP, 657-668.

Santana, W. (2019). Qual o maior legado para o futebol do jogador formado no futsal? Clique aqui para acessar.

Categorias
Sem categoria

Estágio de evolução da equipe: a convicção no processo!

Crédito imagem: Robson Mafra/AGIF

A ideia de futebol coletivo ainda sofre resistência no Brasil. Há no inconsciente do torcedor uma certeza de que o melhor time é o que tem os melhores jogadores. Não que isso não possa acontecer. Mas não é regra.

Em um jogo disputado por vinte e dois atletas, com oposição, campo grande, alvo (gol) proporcionalmente pequeno, em que há momentos de ataque – com a bola – e de defesa – sem a bola – podemos até discutir quais de fato são os melhores jogadores. Os que atacam melhor? Ou os que sabem defender com mais eficiência? Por isso o conceito de equipe passa necessariamente pela junção de atletas que se complementem.

E formar um time eficiente e vencedor leva tempo. Há uma infinidade de variáveis. O que se sabe com certeza, porém, é que após essa análise inicial de características e perfis, vem as dinâmicas e os encaixes que dependem de repetição e de uma certa “química” que vem do campo, da bola, dos treinos e dos jogos.

E isso tende a não brotar do nada, da noite para o dia…

Diante disso, me incomoda as cobranças em cima do atual elenco do Corinthians, sobretudo após as derrotas para Atlético-MG e Flamengo. Ambas fora de casa!!! O técnico Sylvinho pode e deve ser criticado por algumas estratégias e escolhas. Afinal, qual técnico do mundo é perfeito e não comete falhas?! 

Mas aqui precisamos falar de processo. De tempo, de maturação. De conjunto! Como colocar os atuais times de Corinthians, Flamengo e Atlético-MG no mesmo estágio de evolução?! É impossível! Basta um recorte mínimo da temporada passada: Flamengo e Galo brigaram por conquistas e o Corinthians lutou contra o rebaixamento. E se for para individualizar, Willian, o melhor reforço corintiano, não joga há cerca de um mês.

Entendo a paixão do torcedor e não pretendo que quem está na arquibancada use a razão para interpretar o que se passa dentro de campo, analisando tudo de maneira contextual e sistêmica. Mas espero que quem esteja no comando não tenha essa mesma passionalidade e compreenda que nenhum grupo se torna vencedor sem um trabalho constante, coerente e perene.

Categorias
Artigos

Principal diferença entre a aula e o treino de futebol

Crédito imagem: Marcio Vieira/ATN

No processo de iniciação esportiva, considero importante os professores perceberem que dão aulas, e não treinos. Por que me importo com isso?

Alguém pode dizer, talvez, que, comercialmente, seja mais interessante chamar minha aula de treino, para que as crianças e, especialmente, seus pais sintam um clima do tão idealizado sonho de estar em um clube de futebol profissional. Se for apenas para simular uma situação que está no imaginário tanto dos pais quanto das crianças, até entendo, embora tenhamos que conscientizá-los de que há grandes diferenças que precisam ser respeitadas.

O problema é quando não há a devida distinção por parte dos professores. Eles mesmos se enxergam como treinadores de equipes adultas e não professores de crianças ou adolescentes em etapa de iniciação. Não quero de maneira nenhuma desmerecer a categoria de professores de futebol. Pelo contrário! Quero enaltecer que para ser professor(a) de iniciação e dar uma boa aula de futebol, precisamos saber coisas diferentes daqueles que dão bons treinos de futebol para jovens e adultos. Às vezes, pode ser até o(a) mesmo(a) profissional com competência para atuar nas diferentes etapas do processo de formação, caso ele ou ela entenda que a sua postura, didática, estímulos e feedbacks devem se alterar coerentemente ao público que está trabalhando. 

Entretanto, não é apenas a questão da idade do público-alvo que diferencia se daremos uma aula ou treino, concorda? A principal diferença está no processo de ensino-aprendizagem ao qual esse momento de interação entre o educador (professor ou treinador) e educando (aluno ou atleta) está inserido. Para entendermos em qual processo estamos inseridos, precisamos nos perguntar: (1) qual é a quantidade e a qualidade de prática que o(a) aprendiz necessita para ter uma aprendizagem efetiva? (2) quais variáveis posso conduzir e controlar dessa prática no meu trabalho de educação esportiva?

Vamos utilizar o exemplo do processo de ensino-aprendizagem do futebol. Muitas vezes, os alunos e alunas que apresentam um melhor nível de jogo nas escolas de futebol são aqueles(as) que, sempre que damos a oportunidade de terem tempo e espaço livres, querem brincar de bola ou certas brincadeiras tradicionais (que também ajudam de alguma forma para as habilidades aplicadas no futebol). As crianças que frequentam escolas de futebol, e apenas possuem esse tipo de experiência lúdica nesses espaços formais, costumam ter uma aprendizagem muito aquém daquelas que brincam em ambientes informais também. Se a escola for boa, ela contribuirá para a aprendizagem efetiva dos dois tipos de crianças. Contudo, sabemos que aquelas que chegam ao alto rendimento são as que praticaram uma quantidade de horas muito além daquelas fornecidas pelas escolas de futebol.

Este exemplo nos faz pensar no papel que as aulas de futebol têm para as crianças aprenderem efetivamente o jogo. A frequente prática informal de jogos de bola com os pés (Scaglia, 2003) pode ser muito eficaz na aprendizagem do futebol, como foi extensamente observado na história do futebol mundial, sobretudo brasileiro. Então, qual a contribuição que eu, como professor de futebol, posso dar aos meus alunos e alunas para que aprendam e melhorem na prática do futebol? Posso utilizar a minha aula para ensinar coisas importantes para a vida, que reverberarão no futebol, posso ensinar a gostarem de futebol e jogos relacionados a ponto de quererem praticá-los sempre que puderem, posso ensinar a pensarem o jogo e seus componentes de uma maneira diferente da que pensavam antes da aula e, com isso, conseguirem enxergar soluções para jogar que não viam anteriormente, posso ensinar a terem bons ídolos e referências de aprendizagem, posso ensinar que podem aprender e como aprender o jogo ou qualquer outra coisa. Como irão utilizar esses aprendizados? Não posso controlar, pois não fico tempo suficiente com meus alunos e alunas para isso. Eu ensino para autonomia plena, para que façam do futebol aprendido o que quiserem.  

Agora esse cenário muda um pouco de figura quando estou inserido em um processo de treino. O treinamento esportivo tem princípios que precisam ser respeitados, são eles (Lussac, 2008):

  • Princípio da individualidade biológica.
  • Princípio da adaptação.
  • Princípio da sobrecarga.
  • Princípio da continuidade/reversibilidade.
  • Princípios da especificidade.
  • Princípio da variabilidade.
  • Princípio da interdependência de volume/intensidade.
  • Princípio da saúde.
  • Princípio da interdependência dos princípios.

Alguns deles devem ser respeitados em aulas de escolas de futebol, porém outros, são mais difíceis. Especialmente o princípio da sobrecarga e da continuidade são dificilmente atingidos pelo fato de as crianças normalmente passarem muito poucas horas semanais na escola de futebol, cerca de 2 a 4 horas, tendo em vista a quantidade de conteúdos e adaptações orgânicas que o futebol demanda para que a criança o aprenda efetivamente. Se ela não tiver uma prática extra fora da escola, ela evoluirá vagarosamente e não conseguirá chegar a um grande nível de aptidão para a modalidade. Além disso, o princípio da especificidade deve ser relativizado na etapa de iniciação para que não haja a especialização precoce.

Em processos de treinamento, todos os princípios devem ser respeitados e controlados dentro da periodização, almejando a performance esportiva crescente. Este deve ser um objetivo claro de ambos, educador(a) e atleta. Não é à toa que em determinada etapa do processo de formação de atletas de futebol, eles ou elas são impedidos(as) de praticarem a modalidade fora do ambiente formal do clube. Sempre que há um treinamento por conta do(a) atleta, este trabalho deve ser bem coordenado com a comissão técnica responsável pelo seu treinamento dentro do clube. Quanto maior a estrutura de suporte à comissão técnica, mais variáveis importantes para o desempenho devem ser controladas: estímulos, adaptações, alimentação, sono, repouso, estresse, entre outras.

Esta distinção entre a aula e o treino pode ser aplicada a qualquer contexto. Para garantir a aprendizagem efetiva de um instrumento musical, de um novo idioma, de liderança, de uma nova área de trabalho etc., se a pessoa não tiver o comprometimento de organizar as variáveis de desempenho para canalizá-las à sua performance, ela não chegará ao alto nível. Em etapas de iniciação a qualquer atividade, não é momento de haver uma preocupação tão grande com todas as variáveis que interferem no desempenho, mas sim, na relação construída entre o indivíduo e a atividade. Por exemplo, construindo uma relação de que o indivíduo se sinta bem e feliz naquela atividade e queira estar fazendo-a sempre que possível. Esta tarefa do(a) educador(a) é extremamente importante e difícil, pois cada indivíduo traz consigo uma série de medos e inseguranças sobre o desconhecido. Além do mais, sobretudo quando a pessoa começa uma atividade (etapa de iniciação a qualquer coisa), ela e ninguém sabe bem o que representará essa atividade para a vida dela. É recomendado, inclusive, que a pessoa experimente coisas diferentes para, só depois, saber em qual delas ela realmente quer dedicar mais energia e se tornar boa.

Enfim, se me permitem dizer algo aos professores e treinadores de futebol, é que todos saibamos em que etapa estamos trabalhando para identificarmos as reais necessidades de estímulos à aprendizagem efetiva e o desenvolvimento integral do indivíduo, seja o(a) aluno(a) ou o(a) atleta.  

________________________________________

Scaglia, A J. O futebol e os jogos/brincadeiras de bola com os pés: todos semelhantes, todos diferentes. Tese de Doutorado, Unicamp, 2003.

Lussac, R. M. P. Os princípios do treinamento esportivo: definições, possíveis aplicações e um possível novo olhar. EFDeportes.com – Ano 13, n. 121, 2008.

Categorias
Colunas -

Vou falar de arbitragem. Mas só hoje…

Crédito imagem: Washington Alves/Cruzeiro

Evito falar de arbitragem. Em minhas tribunas, prefiro campo e bola. É isso que decide campeonatos. Os árbitros podem até interferir em um jogo ou outro – normal, porque são seres humanos e estão passíveis de equívocos. Porém no médio prazo, em um torneio, principalmente de pontos corridos, ganha sempre quem mereceu. Quem foi melhor.

Ao passo que me incomoda técnicos e dirigentes que culpam quem apita por tudo de ruim que lhes acontece, não gosto de usar este nobre espaço para falar disso. Só abro esta exceção por conta dos últimos acontecimentos. Não posso me calar ao ver quem comanda (!) trocar pessoas, mas manter esse modelo amador falido e a falta de união dos clubes diante de tudo isso.

Como pode o árbitro não ser profissional?! Em uma indústria que movimenta milhões, até bilhões de reais, quem apita é amador. Não é possível mesmo pagar um salário mensal e oferecer toda a preparação necessária para quem vai definir a justiça no placar?! E me refiro aqui aos árbitros de campo e também a quem opera o VAR. Por melhor que seja a tecnologia ela ainda é manuseada por seres humanos. 

Quando não está apitando, esse indivíduo não tinha que estar em um outro emprego, que ele é obrigado a ter para poder entrar no quadro de árbitros. Ele deveria estar fazendo a preparação física específica para os movimentos necessários no campo de jogo, tendo uma preparação psicológica voltada para a pressão que é encontrada dentro das quatro linhas, assistindo aulas, reforços e palestras sobre recomendações e interpretações das regras, enfim, se o jogador atua no domingo e faz toda a preparação nos dias seguintes, porque o árbitro tem que ser amador e realizar outra atividade laboral?!

E chego aqui em outro ponto crucial que faz com que tudo isso vá se perpetuando por décadas a fio: a falta de união dos clubes. O individualismo e o egoísmo que vemos são absurdos! Se há um erro contra mim, grito, esperneio e faço uma pressão. Se sou “favorecido” me calo cinicamente. Não há a menor intenção de discutir o todo, o sistema. E sim pressionar para a próxima partida…

Não sei a quem interessa uma arbitragem não profissional…aos clubes é que não… mas eles estão muito ocupados, fazendo força nos bastidores tentando evitar, por exemplo, que um árbitro que seja de um estado que tenha algum clube brigando pelo mesmo objetivo, não apite seus jogos… triste futebol brasileiro…

Categorias
Colunas -

Entendendo o jogo de hoje

Crédito imagem: A2M/CBF

A evolução do futebol nos obriga a também sermos melhores em vários pontos: entendimento, comunicação, análise etc. Se o jogo já não é mais o mesmo de vinte, trinta anos atrás, obrigatoriamente temos que compreender o que de fato acontece nas quatro linhas contemporâneas, sob pena de vermos o fenômeno atual com um óculos míope de um passado que só existe em nossas memórias afetivas.  

Um ponto interessante para refletirmos é a posição e função de cada jogador em campo. Como uma visão simplista do papel individual nos leva a leituras coletivas distantes da realidade: temos como um padrão cultural no mundo todo a necessidade de definir esquemas nas escalações; as próprias transmissões televisivas precisam de um desenho inicial para melhor apresentar os onze titulares. Me refiro aqui ao 4-4-2, 4-3-3, 3-5-2 etc. Porém são raras as equipes que mantém uma ocupação rígida do espaço durante os noventa minutos. Com a bola há uma formação, se a posse está com o adversário há outra, sem falar das transições que também pedem desenhos táticos específicos. Soma-se a isso a necessidade de se rotular cada jogador por características ‘universais’: volante marcador, lateral ofensivo, meia de chegada, centroavante matador e por aí vai… o problema de tudo isso? Acreditar que um time pode estar defensivo demais por ter ou três zagueiros ou dois volantes. Ou o oposto: achar que ao escalar vários atacantes um time estará sendo ofensivo e agressivo…

Ao invés de olharmos plataformas de jogo (os 4-4-2 e adjacentes), vamos observar comportamentos e ideias, ou seja, quais os padrões da equipe para atacar e defender – e isso vai muito além da simples ocupação do terreno de jogo. Ou quem sabe ainda sairmos do clichê de que zagueiro tem que ‘zagueirar’ e atacante não pode ajudar na marcação porque assim não terá fôlego (?) para chegar na frente. Todo jogador pode ter um perfil com e sem a bola. No momento ofensivo todos atacam, incluindo o goleiro, e no defensivo todos defendem, inclusive o centroavante. Um viés mais sistêmico e completo é o que pede o jogo atual de alto nível.

Categorias
Colunas -

Como a subjetividade do futebol nos apaixona

Crédito imagem: Felipe Oliveira/EC Bahia

Há vários argumentos, teorias e explicações sobre o porque de o futebol ser o esporte mais apaixonante, assistido e comentado do mundo. Todas as teses são válidas e corretas. Sabe por que? Por ser imprevisível, não há certo ou errado no futebol. Até o bonito e o feio são particulares, próprios de cada um. E é aí que está a graça do negócio! 

Com um terreno de jogo de grandes dimensões, o alvo (os gols) pequeno, vinte e dois jogadores manipulando a bola com os pés – mais difícil por essa ser a parte do corpo mais distante do cérebro (tente escovar os dentes com os pés para comprovar a dificuldade!) – enfim, esses são alguns poucos, mas há vários outros elementos básicos do futebol que o tornam uma verdadeira caixinha de surpresas.

O jogo tem evoluído absurdamente nos últimos trinta anos. A tecnologia está tornando tudo mais veloz e dinâmico não só dentro, mas também fora das quatro linhas. As informações são globais, gerando um intercâmbio mundial de ideias que também contribui para o aumento da qualidade.

Apesar de tudo isso, tenho certeza que se esse texto fosse escrito daqui cem anos, mesmo com a tecnologia chegando a patamares inimagináveis para a nossa geração, eu continuaria afirmando que o futebol é algo imprevisível e aleatório.

Estudamos ao máximo todas as vertentes do jogo e mesmo assim há variáveis eternamente incontroláveis. Existem inúmeras formas de se aumentar as probabilidades de sucesso. Mas nenhuma certeza. Técnicos, analistas e os próprios jogadores podem se preparar da melhor maneira possível que mesmo assim a vitória não é certa. Há quem garanta, inclusive, que em um jogo de futebol há mais possibilidades de acontecimentos do que há átomos no universo!

Encerro, com base em tudo isso, trazendo exemplos práticos que estão acontecendo neste final de 2021 no futebol brasileiro: 

  • mesmo o Flamengo sendo o mais rico ele não vai ganhar tudo.
  • o time flamenguista de Jorge Jesus nunca mais vai existir, mesmo se estiverem reunidos todos aqueles jogadores e o próprio Jesus. Porque não foram só as pessoas que fizeram aquele futebol arte. Foram as pessoas e suas circunstâncias. O que é bem diferente…
  • a Chapecoense, mesmo virtualmente rebaixada, pode tirar pontos de quem está em cima da tabela.
  • o Grêmio pode ser rebaixado, mesmo com um time repleto de craques.
  • Marinho jamais voltará a ser no Santos e em clube algum o craque que foi em 2020.
  • Benitez, meia do São Paulo, é craque, mas não consegue jogar. Não compensa tê-lo no elenco, mesmo sendo craque, repito.
  • o Corinthians mesmo com quatro excelentes reforços vai oscilar. Lembra que estamos falando de algo coletivo e subjetivo?! E o técnico Sylvinho tem culpa quase nula nessa natural oscilação…

Enfim, o futebol é um eterno comparativo entre a ilusão da expectativa e a gestão da realidade… o torcedor continuará sofrendo esperando certezas em algo total e prazerosamente imprevisível!