Nos últimos cinco anos, quase 4 mil jogadores de futebol do Brasil foram transferidos para o exterior, que dá uma média de quase 800 jogadores por ano. Desses, mais de 50% se transferiram para o mercado europeu, e um pouco mais de 20% foram para o mercado asiático. Conmebol, Concacaf e CAF são responsáveis por dividir entre si o quarto restante do total de atletas.
800 jogadores por ano é um número absurdamente grande. O Brasil é, de longe, o principal exportador de jogadores do mundo. Pra se ter uma idéia, em cinco anos, o número total de jogadores transferidos internacionalmente pela Argentina não chega a 400. Ou seja, em cinco anos o Brasil transferiu mais de 10 vezes que a Argentina, também notoriamente conhecida como um dos grandes produtores de talento do futebol mundial.
A razão pra tamanho montante de saída de jogadores do Brasil é essencialmente econômica, seja lá qual for o lado que se tome partido. Da perspectiva dos jogadores, o mercado externo tende a pagar o mesmo ou mais do que paga o interno. Como boa parte dos jogadores devem se transferir almejando um maior passo na carreira, entende-se que mesmo que o mercado de destino pague pouco no momento da transferência, ele pode ser um trampolim para maiores receitas futuras. Não à toa jogadores vão para mercados como a Estônia, que não tem lá muito futebol, mas é da Comunidade Européia. O mercado pode ser pequeno, mas também não necessariamente indica um retrocesso na carreira do jogador, que muitas vezes está ligado a um time pequeno no Brasil, sem muitas perspectivas de se mudar para um time maior por aqui. No fim, a incerteza sobre o sucesso no exterior é muito mais válida do que a certeza sobre o insucesso nacional.
Para os clubes, ou pseudo-clubes, do Brasil, a exportação de jogadores também é uma questão econômica. Na falta de vínculos comunitários, e consequentemente na falta de receita interna, clubes brasileiros hoje desempenham um papel de produtor de mão de obra especializada para maiores organizações internacionais. Essencialmente, clubes brasileiros funcionam para o mercado do futebol como universidades funcionam para o mercado comum, ou seja, buscam, selecionam e treinam pessoas para então entrega-los ao mercado, onde enfim irão desempenhar sua atividade profissional. Enquanto não chegam lá, ficam brincando de trabalhar, na esperança de construir um currículo que agrade os melhores empregadores. Igualzinho fazem os jogadores por aqui que almejam o sucesso internacional.
Dos clubes que mais transferiram jogadores internacionalmente, destacam-se o Atlético Paranaense e o Corinthians Alagoano, cada um com mais de 70 jogadores transferidos nos últimos cinco anos. Assim como o Corinthians Alagoano, outros clubes pequenos também figuram entre os que mais vendem jogadores, como o Grêmio Esportivo Anápolis, antigamente conhecido como Inhumense, que transfere internacionalmente em média 12 jogadores por ano. No último ano, houve uma grande ascensão de transferências por parte de clubes notadamente pequenos. Dos 20 maiores exportadores em 2006, sete clubes não figuram sequer na Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro.
Esse fenômeno, entretanto, é facilmente compreendido. Devido ao grande histórico de conquistas do selecionado nacional, é natural que o jogador brasileiro seja internacionalmente valorizado. Adicione a isso o fato de que das últimas 13 eleições da Fifa para melhor jogador do mundo, 7 foram vencidas por brasileiros. Ainda mais importante, de 1996 pra cá apenas em 2001 um jogador do Brasil não ficou entre os três melhores do mundo. Nesse cenário, a valorização internacional do talento brasileiro fica facilmente compreensível.
Tamanha valorização, nesse caso, potencializa a demanda de importação, e transforma o jogador brasileiro quase em uma commodity. Mercados por todo o mundo enxergam o Brasil como fonte produtora de mão de obra especializada, barata e de qualidade. O passaporte brasileiro funciona como uma espécie de marca que valoriza o produto, ainda que ele não seja necessariamente melhor do que o da concorrência. É difícil afirmar que o jogador brasileiro seja tão melhor do que os jogadores do próprio país importador. Porém, o excesso de oferta de jogadores brasileiros derruba o preço para baixo, o que tende a tornar o investimento mais rentável do que a aquisição de jogadores do próprio mercado local com qualidade semelhante.
À medida que a internacionalização dos elementos que envolvem o futebol cresce, o Brasil vai se consolidando essencialmente como o grande produtor mundial de jogador. Tal qual de café, cana etc. Esses processos mais sedimentados de mercado global tendem a ter pouca oscilação, uma vez que a interdependência entre diversas organizações do mundo é muito forte. No caso do futebol, porém, isso não acontece. O futebol é um fenômeno mundial, mas de funcionamento essencialmente local. No mercado em que funciona a transação internacional de jogadores, os clubes são quase que independentes do mundo, principalmente no mercado mais desenvolvido e que possui mais demanda de jogadores, a Europa. Essa independência torna o mercado internacional de jogadores bastante frágil, uma vez que bastam algumas mudanças internas na Europa para que todo o sistema entre em colapso.
Outras mudanças, como o desenvolvimento do futebol asiático e, principalmente, do futebol africano e de outros países sul-americanos, podem eventualmente afetar, e muito, o ambiente atualmente favorável à exportação de jogadores brasileiros.
Provavelmente, boa parte das pessoas que hoje trabalham dentro desse meio no Brasil não possui lá muita preocupação com isso, uma vez que os trabalhos desenvolvidos dentro da área tendem a buscar resultados maximizados e imediatos. Sustentabilidade tende a ser uma palavra ausente do ambiente. Além disso, existe um claro sobredesenvolvimento de profissionais na área. De acordo com a CPI do Futebol, em 2001 existiam 20 agentes licenciados pela Fifa atuando no Brasil. De acordo com a Fifa, hoje são 138, ou seja, um crescimento de aproximadamente 700% em seis anos e sem sinal de que vai parar por aí. Curiosamente, enquanto nesse período o número de agentes cresceu 700%, o mercado de transferências cresceu apenas 10%.
Ainda que isso possa ser considerado um sinal de profissionalização do mercado de agenciamento, é bastante possível que também seja um sinal que o mercado está bastante desequilibrado. E quando se soma o desequilíbrio estrutural com a desestabilidade da demanda, o cenário tende a ser não muito otimista. A bolha, uma hora ou outra, vai estourar.