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O jogo ideal

O estádio está quase lotado. Os assentos disponíveis, confortáveis, acomodam torcedores, famílias, crianças e apreciadores do bom futebol.
 
No campo as duas equipes se enfrentam com expectativas diferentes. Uma ocupando as primeiras posições busca conquistar três pontos para ficar na ponta da tabela. A outra, entre os últimos, busca sua recuperação.
 
O jogo é dinâmico e vibrante. Com atletas de alto nível técnico, inteligentes e bem preparados em todos os sentidos, proporcionam um espetáculo inesquecível.
 
Além das inúmeras jogadas bem articuladas e treinadas, o improviso e a criatividade dão um toque mágico à partida.
 
Apesar da grande competitividade que cerca cada lance o jogo limpo está sempre presente.
 
Do lado de fora do campo os dois treinadores, ex-jogadores, mas formados pela Universidade do Futebol e com diversos cursos de especialização, participam ativamente do jogo, observando todos os movimentos de seus atletas e orientando-os quando necessário e integrando com equilíbrio a teoria com a prática.
 
Aos poucos, apesar da boa postura tática das duas equipes, naturalmente os gols vão surgindo para os dois lados.
 
O resultado é de 2 a 2 quando um gol duvidoso é marcado, mas o quarto árbitro alerta, com apoio de um comando eletrônico, que o lance foi ilegal e rapidamente o árbitro principal reconsidera sua decisão e a justiça é restabelecida.
 
No finalzinho do jogo uma das equipes marca o terceiro e decisivo gol, agora validado pela arbitragem. Um golaço feito com arte e muita imaginação. Um gol tão bonito que é aplaudido por todos os presentes no estádio.
 
Mas sem dúvida o mais bonito foi ver os jogadores do time derrotado reconhecerem os méritos dos vencedores e parabenizá-los ao final da partida.
 
Cheguei a pensar até que estava em outro planeta. Ou será que eu estava sonhando?

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Corinthians grande

“Salve o Corinthians
De tradição e glórias mil;
Tu és o orgulho
Dos esportistas do Brasil.
 
Teu passado é uma bandeira,
Teu presente, uma lição
Figuras entre os primeiros
Do nosso esporte bretão.”
 
Nunca foi tão necessário, na história de um clube de futebol, ele fazer jus ao que prega seu hino.
 
Os próximos meses são cruciais para o futuro do Corinthians, disso ninguém tem dúvida. Mas, dependendo do que for feito no clube, os próximos meses podem ser decisivos para o futuro do futebol brasileiro.
 
Desde o acordo Corinthians-MSI que o hino alvinegro não pode mais cantar que o Timão é o orgulho dos desportistas do Brasil. Hoje, o presente corintiano deve ser tomado de lição de como um clube de futebol não pode mais ser gerenciado.
 
O Corinthians tem, hoje, um presidente afastado que reinou durante 15 anos no poder. Nesse tempo, em que vangloria ter sido o mais vitorioso da história (esquecendo-se de dizer que também foi o mais longevo), Alberto Dualib construiu uma muralha para se perpetuar no comando sem ser contestado.
 
Hoje, para qualquer decisão ser tomada no clube, é preciso ter aprovação de 400 conselheiros vitalícios, que o próprio nome já diz o “breve” prazo de validade do cargo. Para ter maioria política, ao longo de 15 anos Dualib usou a máquina de cargos e funções. Sem dúvida perpetuou-se no poder. Até que, finalmente, percebeu-se que o Corinthians havia deixado de ter um presidente e passado a ter um dono.
 
Nada contra um clube de futebol ter dono. Pelo contrário. Manchester United, Milan, Chelsea e outras grandes potências do futebol mundial são clubes liderados por uma única pessoa. Goste ou não, seja correto ou não, o fato é que, quando uma instituição passa a ter um comando, ela passa a trabalhar em função do desempenho esportivo.
 
Hoje é impossível definir o que é o Corinthians na sua administração. Simplesmente não há palavras para descrever a situação alvinegra. Talvez apocalíptica seja a mais adequada, mas pode ser que nem o Apocalipse seja tão caótico quanto isso.
 
Nos próximos meses promete-se fazer a maior devassa da história de um clube de futebol. Só não se pode deixar que tanto barulho e escândalo sejam feitos em prol de uma mudança de fachada no Corinthians.
 
A faxina deve ser feita. O corintiano deve sair dessa batalha com orgulho de bater no peito e dizer que, do Brasil, é o clube mais brasileiro. E que o presente sirva de lição para acabar com um modelo de gestão falido como o que impera no Brasil.
 
O clube pode ter um conselho gestor. As grandes empresas mundiais têm conselhos gestores. Que trabalham com metas a serem cumpridas, com responsabilidade administrativa, com cobranças sobre os funcionários. Geralmente um conselho de administração não tem mais do que 15 membros. E todos remunerados, com bonificação a partir do lucro auferido pela empresa, etc.
 
É hora de o Corinthians inovar, mostrar que é grande, que fará história fora de campo como já cansou de fazer dentro dele, principalmente ao fundar a “Democracia Corintiana” nos anos 80. É hora de figurar entre os primeiros do nosso esporte bretão.

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Os princípios operacionais do jogo e a leitura tática

Documentos e textos escritos no Japão, sobre histórias de guerras, batalhas, samurais e feudos, contam que os famosos guerreiros “Ninjas” eram tão exigidos nos seus treinamentos que desenvolviam a capacidade de antever coisas que estavam por acontecer. Não se tratava de um desenvolvimento de forças sobrenaturais que davam ao Ninja o poder da premonição; tratava-se do desenvolvimento da percepção do ambiente, sobre detalhes que para a maioria das pessoas poderia passar despercebido, mas que para eles, guerreiros treinados a exaustão, poderia significar o ponto de partida para reagir com velocidade máxima a uma situação de perigo (antes mesmo dela efetivamente ocorrer).
 
No nosso dia-a-dia existe uma enormidade de coisas que para grande parte das pessoas são apenas detalhes invisíveis. É interessante como deixamos de reparar, de perceber o que ocorre a nossa volta. Já reparou que você nunca presta atenção a um determinado modelo de carro, até que resolve ter um? Aí parece que todos os carros que você vê passar são justamente o tal.
 
O que você vê nessas figuras? Apenas folhas ao vento ou uma mulher de “bruços” (tecnicamente decúbito ventral)? Uma taça de vinho, uma cortina, ou uma mulher nua? Ou estaria vendo todas essas coisas ao mesmo tempo?

 

Essas figuras simbolizam o que eu chamaria de barreira do senso comum. Não ultrapassar essa barreira significa ver o que todo mundo vê, fazer o que todo mundo faz; transpô-la representa utilizar-se de conhecimentos científicos e a sabedoria adquirida para ir além (ver mais do que os outros, ver o que poucos ou ninguém vê).

 
Talvez a melhor pergunta seja o que você quer ver? E não o que você vê? O fato é que se você quer conhecer bem alguma coisa deve olhar a fundo (se aprofundar), o máximo possível. Quando penso que o que queremos conhecer a fundo é o futebol vejo a grande massa de conhecimento científico disponível aguardando para ser consumida e servir de energia para a transposição imediata da barreira mencionada.
 
Como já apontei em outras vezes podemos olhar para o jogo de futebol e ver aquilo que todo mundo vê (ou acha que vê). Isso não é difícil. Complexo e árduo é “mergulhar” no jogo e ver aquilo que poucos são capazes de ver.
 
Podemos nos apoiar em diversas lentes para refinar nosso olhar. Dentre os olhares possíveis, o da ciência, é no aspecto tático, o mais distante no quesito aplicação prática. Não pela inaplicabilidade ou ausência de teorias. O fato é que, o seu acesso (e não somente o acesso a ela) é dificultado por obstáculos paradigmáticos.
 
Dentro do jogo de futebol, é possível observar conceitos e princípios que podem ser lentes orientadoras para melhor enxergá-lo, melhor entendê-lo. Isso não é privilégio do futebol. Qualquer esporte, individual ou coletivo, de força ou resistência, assim como apresenta uma lógica (discutido no texto anterior) possui também princípios.
 
Nos esportes coletivos, são inúmeros os pesquisadores e especialistas que se dedicam a estudar suas dinâmicas, sistemas e imprevisibilidades. Um deles, Claude Bayer, aponta em suas reflexões para o fato de que certos “eventos” da dinâmica do jogo são comuns a diversos “Jogos Desportivos Coletivos”, e que seu entendimento particular aplicado as características ímpares de cada modalidade pode auxiliar na compreensão da mesma.
 
Esses eventos são como “lentes” para enxergar o jogo, e essas “lentes” Bayer chama de Princípios Operacionais de Ataque e Princípios Operacionais de Defesa do jogo.
 
Os Princípios Operacionais de Ataque (POA) são as estruturas dinâmicas que sistematizam o jogo de ataque. São três os POA: 1) a conservação individual e coletiva da posse da bola; 2) a progressão da equipe e da bola visando o alcance da meta adversária; 3) a finalização da jogada para a obtenção do ponto, do gol, da cesta, etc.
 
Os POA são os óculos que nos ajudam a ver o jogo sob uma perspectiva orientada para a construção e identificação de possibilidades de ataque. Então, orientados por esse olhar, dentro do treinamento do sistema ofensivo de uma equipe, dever-se-ia criar estratégias que possibilitassem melhor desempenho na manutenção da posse de bola, maior eficiência e eficácia na construção de seqüências ofensivas, e por fim grande intensidade de concentração no arremate final. Vejam senhores; criar estratégias não significa espernear, esbravejar, fazer cena na beira do gramado gritando aos quatro campos para a equipe manter, por exemplo a posse da bola.
 
Criar estratégias, senhores, significa possibilitar no treinamento, situações-problema para o desenvolvimento desse ou daquele princípio, com atividades que levem ao como fazer, através de sua compreensão.
 
Os Princípios Operacionais de Defesa (POD) são as orientações das dinâmicas de defesa de uma equipe. Segundo Bayer são três os POD: 1) a recuperação da posse da bola; 2) o “bloqueio” ao avanço da equipe adversária e da bola (em progressão ao próprio alvo); 3) a proteção do alvo propriamente dito para impedir que a equipe adversária finalize.
 
Ao olharmos o jogo com os óculos do POD provavelmente nos tornemos capazes de identificar o porquê, por exemplo, equipes sofrem poucos gols no decorrer de um campeonato. Repare, uma equipe com poucos gols sofridos pode ter essa marca porque tem uma boa estratégia de recuperação da posse da bola. Outra porque tem uma boa estratégia de posicionamento para impedir o avanço da equipe adversária e/ou da bola; ou ainda porque consegue com muita eficiência proteger sua meta propriamente dita.
 
É fácil então, a partir daí, perceber que além de existirem possibilidades distintas a se trabalhar (princípios distintos a se desenvolver) para o ataque e para a defesa é possível dentro de um mesmo princípio ter infinitas estratégias para se obter o resultado desejado.
 
Provavelmente ao olhar para um jogo de futebol, muitos de nós (torcedores, jornalistas, especialistas, treinadores, pesquisadores) realmente somente sejamos capazes de ver a “figura superficial” das
dinâmicas táticas que compõe uma partida. Mas é necessário ir além (ir além é medida obrigatória para treinadores e especialistas). É necessário transcender as tradições, as manias, os vícios, os padrões, a simplicidade fragmentada, o comum vazio de conteúdo; é necessário que olhemos para o jogo e sejamos capazes de ver os problemas e buscar respostas (os por quês) e não simplesmente apontá-los e fazer exigências improdutivas de melhoras.
 
Não podemos deixar de ver o carro, mesmo quando não é ele que vamos comprar. Não podemos deixar de ver o carro, principalmente quando é ele que pretendemos adquirir.
 
Não é necessário que sejamos “Ninjas”, nem tenhamos poderes sobrenaturais. Exercitemos apenas a possibilidade de detectar taticamente em seu início o fracasso anunciado (para não permitir que ele aconteça) ou o sucesso eminente (para amplificar sua magnitude e fazê-lo chegar mais rapidamente).
 
Olhemos para ver! Olhemos novamente para entender! Olhemos com profundidade para transcender!
 

Vitórias e derrotas não são conseqüências da sorte ou do acaso. Então vamos vestir o óculos porque o jogo está começando…

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Futebol sim, seleção não

Dias atrás, Sílvio Torres sugeriu fazer da seleção brasileira um patrimônio cultural nacional. Ontem, Ronaldo falou que quem manda na seleção brasileira é o povo brasileiro. Um ditado diz que todos os brasileiros, inclusive a minha avó de 95 anos, são técnicos da seleção. Afinal de contas, de quem é a seleção?
 
Da CBF, óbvio. Quem manda e desmanda, quem assume as responsabilidades, os contratos, os lucros e tudo mais é a organização que comanda o futebol no país. Na verdade, olhando de uma forma mais ampla, quem manda mesmo na seleção brasileira é a Fifa. A CBF é uma espécie de governadora. Mas, de qualquer forma, quem atua mais diretamente é de fato a Confederação Brasileira de Futebol.
 
O argumento para a defesa do domínio público do selecionado nacional vem da importância histórica da marca para os ideais da unificação nacional ao longo do século XX. Por ser mais barata do que qualquer outra coisa que tivesse o mesmo efeito de propaganda, o poder público investiu muito na seleção. A marca se tornou, assim, um dos pilares da construção da cultura brasileira, fato que por mais incomodante que seja, é inegável.
 
Entretanto, a seleção jamais deixou de assumir o seu status de uma equipe de futebol vinculada ao campeonato promovido por uma organização internacional que é representada aqui por uma confederação nacional. A seleção sempre foi um elemento privado, e sempre continuará sendo.
 
A peça chave dessa discussão entre as esferas públicas e privadas está no erro histórico da política governamental de apostar tanto no uso de um bem que não lhe cabia o controle pleno de fato, por mais que algumas decisões do Estado tivessem sido empurradas goela abaixo durante o período militar. Hoje, não cabe mais imaginar a seleção como um bem público, assim como não se pode mais entender a seleção como um símbolo nacional.
 
A seleção brasileira de futebol é controlada diretamente pela CBF e indiretamente pela Fifa. O futebol como esporte, desvinculado de qualquer controle ou marca, não é de ninguém. Esse sim pode ser considerado do povo. Esse sim pode ser considerado parte do patrimônio cultural do Brasil.

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Panorama do futebol brasileiro

O Brasil é reconhecidamente um produtor de jogadores de futebol em grande quantidade e qualidade, tanto para compor as centenas de equipes profissionais brasileiras, como para o mercado internacional.
 
Fontes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e do Banco Central do Brasil informam que 2.380 jogadores de futebol deixaram o país entre 2002 e 2005, movimentando mais de US$ 1 bilhão em transferências.
 
Por outro lado, levantamentos apontam que mais da metade (cerca de 60%) desse contingente exportado retorna rapidamente ao Brasil, devido principalmente às dificuldades de adaptação e ao despreparo dos atletas.
 
Durante décadas que a formação de nossos jogadores de futebol ocorria preferencialmente através da prática intensa e arraigada em nossa cultura, disseminada em campos de várzea, campinhos, praias e espaços urbanos improvisados, entre outros.
 
Com a crescente e acelerada urbanização (*) esse processo também se adaptou e se transformou, passando a se caracterizar por práticas mais sistematizadas e reguladas realizadas em quadras e escolinhas de futebol que se multiplicaram nas duas últimas décadas.
 
Esta transformação de uma prática natural e espontânea, para uma prática mais sistematizada, regulada e regulamentada, provocou mudanças importantes que muitas vezes não são consideradas pelos especialistas, mas repercutem no perfil atual e futuro dos profissionais de futebol.
 
A “marca registrada” do futebol brasileiro é o talento técnico de seus jogadores, caracterizado principalmente pela sua capacidade de improvisação e criatividade, que realça um diferencial apreciado e valorizado em todo o mundo.
 
Manter esse diferencial é tarefa que os projetos pedagógicos e/ou metodológicos consistentes devem cumprir, para garantir uma prática que não só incorpore os novos conhecimentos advindos das diversas ciências que dão suporte à performance esportiva, como também garantam o ambiente favorável para o adequado desenvolvimento da habilidade criativa.
 
(*) Por volta de 1958, quando o Brasil conquistou a primeira Copa do Mundo, a maioria da população brasileira era rural. Hoje mais de 80% vivem em áreas urbanas.

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Na torcida

Com o término dos Jogos Pan-Americanos, o esporte brasileiro começa, aos poucos, a voltar à ordem natural de suas coisas. Sem a overdose de cobertura da mídia a todas as modalidades, regressamos ao período em que o futebol domina as ações.
 
Mas o excesso de cobertura de futebol na TV nos revela, a cada outro evento esportivo, como o Pan e, principalmente, os Jogos Olímpicos, um problema crônico na narração esportiva brasileira.
 
É cada vez mais nítida a dificuldade que o país tem em produzir narradores técnicos, que conhecem uma modalidade a fundo além do futebol.
 
Em 15 dias de Pan, o que se viu, ou ouviu, nas telas e dials país afora foi muito mais uma “torcida” pelo Brasil em vez da narração de uma competição. Narradores afônicos com a maratona aquática, indignados com a decisão dos árbitros no judô, eufóricos com os saltos que valem o ouro no Pan, mas nem o bronze em Olimpíadas e Mundiais, de Maurren, Jadel e Fabiana Murer.
 
Tivemos de tudo um pouco no Rio. Mas o que faltou, de fato, foi o jornalismo.
 
Em busca da medalha dourada, nossos narradores se especializaram em falar coisas que não fazem sentido, em achar culpados e explicações para o inexplicável. Jade se esborrachou no chão durante a apresentação nas barras. Era nítido que o ouro havia escapado entre os dedos, literalmente. Mesmo assim, em todas as emissoras, a impressão que se tinha era de que ainda havia esperança.
 
O único momento em que tal “ufanismo” não aconteceu foi no futebol masculino, quando, aos 40 do segundo tempo, o time brasileiro sofreu o quarto gol do Equador e ficou claro que a equipe seria eliminada da competição.
 
Não seria isso a prova de que, no Brasil, o narrador só não é um torcedor quando o assunto é futebol?

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A lógica do jogo de futebol

Quando menino (avós vivos, tios animados, macarronada aos domingos), me intrigava uma figura, conhecida nas ruas do bairro como “Zé do Torto”, que sempre aparecia depois dos almoços em família na casa de meu avô apenas para dizer “boa tarde” e mostrar as moedas que mais uma vez ganhara desafiando pessoas na rua em uma variação do conhecido Jogo da Velha: “eu digo que nunca perco; então se o jogo empata ou eu venço, não tem jeito; as moedas são minhas”.

Sem qualquer ponto ou vírgula a mais, a frase era sempre essa. E o que me deixava curioso era o fato do tal Zé do Torto nunca perder. Mais tarde, com um pouco mais de idade, desapareceram certas dúvidas, o jogo da velha (e sua variação) perdeu os seus mistérios e percebi que compreendendo certas combinações e possibilidades era muito fácil não perder jogando esse jogo. Percebi que outros jogos por vezes mais e por vezes menos complexos do que o jogo da velha também tinham “combinações e possibilidades” que estruturadas apontavam para uma lógica que orientava a melhor forma de jogar.

Os desafios cresceram e a curiosidade também. Ficou para trás o jogo da velha. Surgiram jogos com cartas, damas, xadrez e claro, futebol!

Façamos um exercício com um jogo conhecido (dentre outros nomes) como batalha naval. Nele o objetivo do jogador é descobrir qual dos “quadrados” (A1, A2, A3, A4, A5, A6, A7, A8, B1, etc.) fora escolhido pelo seu adversário dentre os 64 possíveis. O seu adversário buscará descobrir o mesmo. Vence o jogo aquele que mais rapidamente chegar ao “quadrado” do seu oponente.

Para chegar à resposta certa, cada jogador pode fazer ao seu adversário perguntas em que as respostas sejam somente “SIM” ou “NÃO”. Então um jogador pode perguntar, por exemplo, se o quadrado do seu oponente está na coluna 1; mas não poderá perguntar se “o quadrado escolhido está na coluna 1 ou na coluna 2″ (pois aí a resposta deixaria de ser simplesmente “SIM” ou “NÃO”). De quantas perguntas você necessitaria para chegar à resposta correta?

Compreendendo a lógica desse jogo é possível, com um número reduzido de perguntas, chegar ao quadrado escolhido pelo oponente. Para isso, basta que a cada pergunta seja eliminado o maior número de quadrados possível. Então, em vez de perguntar se o quadrado escolhido está na coluna 1 (ou 2, 3, 4, 5, 6, 7 ou 8) – o que em caso de resposta negativa eliminaria apenas 8 quadrados – dever-se-ia buscar interrogações do tipo “o quadrado escolhido está entre a coluna 1 e a 4?“. Nesse caso, independentemente da resposta ser negativa ou positiva, o número de quadrados eliminados seria 32. Se a mesma idéia for aplicada a cada pergunta, em seis tentativas seria possível chegar à reposta correta.



É claro que questionamentos que se arriscam a eliminar apenas oito quadrados ou menos (no caso de resposta negativa) podem alcançar o privilégio de eliminar 56 em caso de resposta afirmativa. Eis aí algo peculiar ao jogo: a imprevisibilidade. Mesmo dominando “combinações e possibilidades”, é possível transpor o esperado e passar à frente (o inesperado!).

Obviamente, em um jogo como o de batalha naval, se os dois oponentes conhecessem a lógica do jogo (para eliminar o maior número possível de quadrados), e não houvesse a possibilidade de se arriscar, ganharia sempre aquele que começasse primeiro com as perguntas.

E o futebol com isso?

O futebol é um jogo de grande complexidade de ações e como jogo pode ter a sua Lógica compreendida. A diferença é que em vez de buscarmos quadrados, devemos buscar o entendimento de detalhes que desencadeiam situações que possam efetivamente aumentar as chances de fazer gols. Em vez de buscarmos a simplicidade, devemos entender a sua complexidade.

Ainda que possa parecer abstrato, comecemos por entender que de certa forma alguns técnicos de futebol tornam-se vitoriosos com suas equipes e fazem história em agremiações diferentes, em torneios diferentes, com jogadores diferentes usando esquemas táticos diferentes. Seria isso coincidência?

Diversos estudos têm sido realizados no mundo tentando descobrir, sob a perspectiva técnico-tática, quais são as variáveis que determinam o sucesso de equipes e treinadores vitoriosos. É claro que não é apenas de variáveis técnico-táticas que uma equipe sobrevive. Não estou aqui desprezando aspectos psicológicos, sociais, fisiológicos ou qualquer outro. O que busco é apontar para a possibilidade de se entender a lógica dentro do jogo de futebol e a partir dela construir estruturas táticas e estratégicas nos treinamentos que aumentem as chances de vitórias.

Se os dados de pesquisas apontam para o fato de que seqüências ofensivas que resultam em gols têm em sua eficácia uma relação inversa ao seu tempo de duração (em outras palavras, as jogadas que têm maior chance de se reverter em gol são aquelas que têm poucos segundos de duração), por que não, por exemplo, criar estratégias para que a partir da recuperação da posse de bola em dada região do campo, uma equipe tenha condições de levá-la ao gol adversário rapidamente (e indo além, por que não investigar como tornar isso possível?)?

O que proponho, caros amigos, é a partir do entendimento da lógica do jogo, buscar o domínio do maior número possível de variáveis que a compõe, tornando uma equipe ao mesmo tempo mais imprevisível para o adversário e ele (o adversário) menos imprevisível para ela. O que sugiro é que busquemos responder sob a perspectiva técnico-tática os porquês de tantas vitórias desse ou daquele treinador, dessa ou daquela equipe, fugindo do acaso e dos achismos que sobrevivem no futebol.

Pra quê perguntar por quê? Será que vale a pena? Será?

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Sobre a saída de Dualib

Dualib se foi do Corinthians. Dizem que não volta mais. Depois de mais de uma década se sustentando no poder, não resistiu ao efeito MSI e largou mão do clube.
 
É fácil entender parte da razão da perpetuação de Dualib no cargo. Afinal, trata-se do segundo clube mais popular do país, o clube do coração do presidente da república e um dos clubes que mais atraem atenção da mídia e da população em geral. Os atrativos intangíveis são imensos, dificilmente oferecidos por qualquer outro tipo de atividade. Eu, no lugar dele, provavelmente também tentaria desfrutar dessa posição o maior tempo possível.
 
Acima de tudo, porém, a pseudo-deposição de Dualib do cargo ofereceu um grande argumento para aqueles que se posicionam contra a idéia do clube-empresa. Afinal, fosse o Corinthians uma empresa, e não um clube, poderia Alberto Dualib ter sido destituído do cargo? E se o clube fosse do próprio Dualib? Adiantaria alguma coisa os torcedores protestarem contra a sua permanência?
 
É essa, hoje, a grande briga que existe contra o formato empresarial dos clubes de futebol. Afinal, quando alguém compra alguma coisa, essa coisa é dela, e não dos outros. Supondo que Dualib fosse dono do clube, tudo que um torcedor poderia fazer caso discordasse desse fato, era deixar de torcer pelo clube. Foi o que aconteceu com o Manchester United, na verdade. Alguns torcedores ficaram tão desapontados com o fato de não ter nenhuma legitimidade de opinião contra o fato da família Glazer ter tomado comprado o clube que resolveram criar o próprio time, o FC United.
 
Bem ou mal, o regime associativo oferece canais mais diversos de acesso do torcedor ao clube, ainda que esses canais sejam bastante deturpados na realidade brasileira. Mas pelo menos eles existem. Um torcedor pode se associar a um clube, se tornar um conselheiro e eventualmente ter influência no poder decisório. É difícil, mas pelo menos existe a possibilidade de acontecer.
 
Um dos problemas, porém, é que o torcedor possui um comportamento naturalmente irracional, o que acaba deturpando a real legitimidade da sua opinião, principalmente no que se relaciona às questões administrativas. Acima de tudo, torcedores e conselheiros são motivados pela performance do seu clube e, portanto, suas opiniões e seus juízos serão diretamente influenciados pelo desempenho do time.
 
O que me leva a uma pergunta: Teria tudo isso acontecido caso o Corinthians estivesse no topo da tabela?

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A força que supera o planejamento

O planejamento é sempre uma palavra de ordem quando se pensa em trabalho organizado, científico e que busca vitórias de forma sustentada no esporte. Entretanto, há momentos que em outros fatores falam mais alto. Isto é o que demonstra a recente conquista pela seleção do Iraque da Copa da Ásia, uma competição correspondente à Copa América, ao vencer a Arábia Saudita na final por 1 a 0.
 
O Iraque, ao terminar a competição à frente de seleções como Arábia Saudita, Coréia do Sul, Japão, Irã, China, que sabidamente representam países que na atualidade possuem federações de futebol bem mais estruturadas, sinaliza que nem sempre apenas o planejamento garante o sucesso de uma equipe de futebol.
 
A preparação da seleção do Iraque caracterizou-se pelo improviso, carências e dificuldades de diversas ordens. Enquanto outros países se prepararam utilizando-se dos mais modernos e sofisticados recursos, o Iraque contou com condições bastante precárias de preparação.
 
O próprio treinador, o brasileiro Jorvan Vieira, com apenas dois meses de trabalho, mal conhecia os seus jogadores iraquianos. Mas então devemos concluir como afirmam alguns, que futebol não tem lógica? Ou será que existem outros aspectos que podem ser decisivos para uma conquista, como a conseguida pelo aparentemente fraco e despreparado Iraque?
 
Penso que esta última hipótese seja a mais correta. O que sobrou ao modesto Iraque e talvez tenha faltado às outras seleções consideradas mais qualificadas, foi aquela inabalável força interior capaz de unir solidamente um grupo em torno de uma meta ou finalidade comum. No caso do Iraque, país destroçado por problemas de ordem política, religiosa e econômica esta força quase mágica resgate do orgulho nacional, permitiu até que etnias historicamente divididas como xiitas, sunitas e curdos, se unissem em torno de uma causa comum.
 
Esta é a maravilhosa força da natureza humana. E esta é uma das características mais destacadas do futebol que o torna aparentemente imprevisível e encantador.

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