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Concepções sobre o futebol a partir do materialismo dialético

Crédito imagem – Diogo Reis/AGIF/Site CBF

Algumas pessoas dizem que o futebol é a coisa mais importante dentre as coisas menos importantes existentes no mundo; já outras afirmam que o futebol não é um dos temas mais importantes do mundo: ele é precisamente o mais importante! Ainda que considerando estes flertes teóricos com o senso comum que emerge da sabedoria popular, procuramos nesse texto realizar uma abordagem acerca do futebol enquanto dimensão da vida que, ao perpassar os contextos do lazer, da cultura, da política e da economia, se encontra na posição de objeto de análise da ciência.

Uma questão deve ser inicialmente colocada: de que ciência falamos? Qual o paradigma epistemológico – de produção do conhecimento – que pode se constituir em método de análise a respeito do tema futebol? Precisamos retroceder à natureza da vida do homem primitivo para buscar respostas à pergunta formulada. No tempo das cavernas os homens se encantavam e também se amedrontavam diante de fenômenos da natureza como os raios, relâmpagos, trovões e tempestades. Para o homo sapiens dos primórdios as intempéries do tempo seriam mitos e mensagens dos deuses que habitavam o seu imaginário, uma vez que inexistiam possibilidades de elucidação de tais vozes e imagens dos céus. O obscurantismo permaneceu entre nós até a fundação do positivismo por Auguste Comte, no século XIX, que representou o início das concepções científicas sobre o homem e a natureza.

A ciência positivista, no entanto, recorre a avaliações dos objetos a partir da métrica, do cálculo e dos postulados das “ciências duras”, como a matemática, a física e a química. As características de imutabilidade (ou não permeabilidade) destas áreas do conhecimento resulta na captação imediata e palpável das propriedades dos fenômenos investigados. A realização de projetos de engenharia e a descoberta de vacinas e medicamentos decorrem, em grande e majoritária proporção, da produção de conhecimentos pelo viés positivista. Outra questão também se coloca: o futebol pode ser analisado pela lente do positivismo?

De acordo com Adorno e Horkheimer (1985), na Dialética do Esclarecimento, o positivismo, ao elucidar os mitos que atormentavam os homens na pré-história, se converteu em nova espécie de mito ao se configurar como veículo único para acessar a verdade absoluta a respeito dos fatos. Os cientistas positivistas estariam superando a antiga mitologia e afirmando uma ciência incapaz de apreender as contradições históricas que determinam notadamente os fatos sociais. O positivismo, enfim, pode analisar o futebol a partir de dados como médias de gols em diferentes copas do mundo, tempo de posse de bola das equipes que disputam o campeonato brasileiro ou diferenças de movimentação financeira entre a Premier League inglesa e a Bundesliga alemã. No entanto, pretendemos interpretar o futebol à luz de uma epistemologia que não se fundamente no dado estatístico e nos modelos matemáticos, mas que se sustenta por compreender nosso objeto de estudo a partir de seus nexos constitutivos históricos, sociais e culturais. Recorremos, então, ao materialismo dialético como meio de produção do conhecimento.

Embates entre gigantes da filosofia proporcionaram a criação do materialismo dialético. Georg Hegel defendia que as concepções do indivíduo (o idealismo do sujeito) seriam responsáveis pela construção do mundo palpável, que também exerceria suas influências sobre a subjetividade. Tratava-se da dialética hegeliana, invertida por Karl Marx de forma radical ao depositar nas condições materiais da existência o ponto de partida de sua dialética. Surgiu assim o materialismo dialético, como pensamento científico marxista apoiado na existência de pares dialéticos capazes de apreender as contradições características dos fatos sociais. Esses pares são: aparência / essência, exclusão / inclusão, parte / todo, processo / produto e racionalidades instrumental / emancipatória.

As condições materiais do mundo contemporâneo estão organizadas segundo formas específicas de racionalidade, ou modo de organização da razão: temos então a racionalidade instrumental (ADORNO e HORKHEIMER, 1985) e a racionalidade tecnológica (MARCUSE, 1979). A primeira compreende que os fenômenos sociais e culturais, dentre os quais incluímos o futebol, são instrumentalizados pelo sistema capitalista de produção em favor do lucro, da produtividade, do pragmatismo e do utilitarismo; a segunda entende que a razão fundamentada na tecnologia pressupõe a supremacia dos aparatos técnicos sobre os mais nobres ideais humanos. Se compreendermos que o progresso científico e tecnológico resultou na bomba atômica lançada pelos americanos sobre o Japão na Segunda Guerra Mundial, mas não foi capaz de erradicar a fome e a violência do planeta, identificamos a barbárie exposta pela razão em que o capital e a técnica relegam o ser humano a um segundo plano.

O futebol é um fenômeno de lazer, quando compreendemos este último como uma dimensão lúdica da experiência humana, associada à cultura e dependente das relações de tempo e espaço (GOMES, 2011). Quando jogado na rua, nas praias e nos campinhos de várzea, o futebol se encontra com suas raízes lúdicas e se move em direção à emancipação do sujeito, existente na criatividade, na modificação e na adaptação das regras e na prioridade do processo (o jogo em si) em relação ao produto (o resultado numérico do jogo). Por outro lado, quando o futebol se torna business as determinações que sobre ele incidem são originárias do modo de produção capitalista, ávido por lucros e pelas vitórias acima do fair play. É nesse contexto pragmático que o futebol deixa de lado a arte, a singularidade de cada futebolista, e cede espaço aos clubes, treinadores e atletas convertidos em mercadorias.

Na aparência, o futebol de alto rendimento promove valores como a educação, o respeito às regras, a ascensão social e o espírito “olimpicamente” ético. Por outro lado, verificamos no futebol “espetáculo” uma essência construída historicamente a partir de alguns pilares menos nobres: a exclusão dos menos aptos, a conversão dos atletas em mercadorias, a busca pela vitória a qualquer preço e a falsa propagação de valores disseminados por uma Indústria Cultural (Adorno e Horkheimer, 1985) que fabrica necessidades artificiais de consumo como se genuinamente humanas fossem, afinal os pacotes de pay per view das redes de TVs por assinatura precisam ser comercializados.

Ora, o futebol não é uma instituição revestida por uma redoma de vidro, impermeável às contradições e desigualdades sociais e culturais de nosso tempo. Pelo contrário, o futebol é um microcosmo da realidade mais ampla com todas as suas mazelas e virtudes, dos pontos de vista ético e financeiro. Trata-se da relação existente entre a parte (o futebol) e o todo (o sistema do capital, notadamente no mundo ocidental). O todo constitui a parte, o que confere ao futebol o poder de exprimir a realidade do planeta, tanto na exclusão quanto em eventuais inclusões, tanto na violência quanto na fraternidade.

A seleção brasileira nos serve como um referencial das modificações pelas quais o Brasil e o mundo passaram desde os tempos da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética até os dias de hoje. A derrota para o Uruguai, na Copa de 1950, fez com que a nossa seleção simbolizasse o complexo de vira-latas, uma expressão criada por Nelson Rodrigues para evidenciar uma suposta falta de autoestima do povo brasileiro diante de outras nações. A derrota para os húngaros na Copa de 1954 agravou esse tipo de preconceito, definitivamente superado com a conquista do nosso primeiro título mundial, na Copa de 1958, na Suécia. Algumas circunstâncias de outros mundiais apontam para conexões entre a política e o futebol, como no caso do tricampeonato mundial brasileiro em 1970, quando a ditadura militar, através do governo Médici, procurou capitalizar os ganhos esportivos em prol do regime nacional de exceção. É interessante ressaltar que fato semelhante ocorreu na Copa de 1978, disputada na Argentina, quando a conquista do mundial pelo país sede obteve repercussão favorável à ditadura portenha do General Videla. Mais recentemente, podemos observar nas seleções latino-americanas e africanas, em diversas copas do mundo, um grande número de atletas atuando no futebol da Europa. Trata-se da nova colonização, que expropria o país dominado em favor da metrópole: não nos referimos à extração de pau-brasil ou de ouro, mas à contratação dos atletas brasileiros, argentinos, marfinenses ou camaroneses pelos grandes clubes da Inglaterra, da Espanha, de Portugal, da França, da Itália e da Alemanha. O futebol, nesse contexto, não representa a globalização: ele é a globalização das relações econômicas que implicam relações de poder.

A dicotomia entre processo e produto é uma outra perspectiva da compreensão do futebol pela via do materialismo dialético, ainda considerando a seleção brasileira como referencial. A paixão e o saudosismo nacionais estão voltados mais para a nossa seleção da Copa de 1982, que encantou o mundo, do que para o Brasil tetracampeão em 1994. Essas constatações partem do pressuposto que a estética e a arte podem superar o pragmatismo na consciência coletiva de uma nação, uma vez que os lances maravilhosos de Zico, Sócrates, Falcão, Cerezo e Júnior, na Espanha (1982), representam a nostalgia em relação a um modo de jogar futebol que não venceu, mas convenceu a todos que apreciam o esporte em sua essência lúdica e artística. Ainda que contasse com a arte de Romário e Bebeto, o futebol pragmático apresentado pelo Brasil em 1994 traduz um traço de comportamento social que destaca o resultado final, o título e o produto, em detrimento do processo. Para os poetas e sonhadores, afinal, a travessia não conduz a um determinado fim: a travessia é o caminho. Assim, quem ousaria afirmar que o produto teria hegemonia sobre o processo? A resposta pode estar na fantástica seleção brasileira dirigida por Telê Santana, em 1982.

O materialismo dialético, através de seus pares, não realiza o diagnóstico de momento, como faz um exame de ressonância magnética. Essa vertente de produção do conhecimento não deposita a verdade absoluta em compartimentos rígidos, a partir de testes de controle, placebos, variáveis e hipóteses. O materialismo dialético encontra respaldo na teoria de Marx, que possivelmente nunca chutou uma bola, mas que sabia que a verdade depende de condições concretas postas e de contradições que caracterizam os fenômenos da sociedade, da cultura, da política, da economia, da razão enfim. O futebol é o produto (e fundamentalmente o processo) de construção de verdades que podem ser provisórias. O futebol é composto por razão e emoção, leis e suas transgressões, relações viscerais entre torcedores e clubes, arte e pragmatismo, ídolos genuínos e outros fabricados, afirmativas transitórias e contradições permanentes, e por tudo isso não podemos encarcerá-lo em conceitos definitivos. Os parágrafos acima escritos não totalizam uma conceituação, que na verdade é infinita e não pode ser realizada pelas pretensões de qualquer autor.

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

GOMES,  Christianne  L.  Estudos  do Lazer  e  geopolítica  do conhecimento. Revista Licere. Belo Horizonte, V.14, N.3, p.1-25, set./2011.

MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.

Guillermo de Ávila Gonçalves é Doutor em Educação (UFG), Mestre em Ciências do Esporte (UFMG), docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG) e treinador de futebol com licenças A (em andamento) e B da CBF.

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A eterna comparação entre os salários de Neymar e Marta

Crédito imagem – Orlando City/Site oficial

Desde a crítica da Presidência da República à questão do ENEM que destacou a discrepância entre os vencimentos de Marta e Neymar, a discussão sobre as diferenças entre os vencimentos dos dois principais jogadores brasileiros de futebol nos últimos anos voltou à tona nas mesas redondas e redes sociais.

Um dos pontos levantados com maior frequência nessa discussão é a evidente injustiça existente no fato de que dois seres humanos que entregam desempenhos similares – a discussão sobre o desempenho é bastante subjetiva, e não vamos nos aprofundar nela aqui – serem recompensados de maneira tão desproporcional. Outro aspecto relevante é o contraponto argumentativo que defende que o futebol masculino atrai um público muito maior, movimentando muito mais recursos, o que seria o suficiente para considerarmos normal, ou aceitável, tamanha discrepância. Para os mais desavisados, a diferença nos valores dos vencimentos de Neymar e Marta era de 269 vezes, de acordo com levantamento realizado pela revista France Football em abril de 2019. Escala de grandeza semelhante ao abismo entre os salários de outros grandes nomes do esporte, como Ada Hegerberg e Messi, por exemplo.

Retirar então essa carga individual para começarmos a discussão é fundamental: a questão aqui não é diminuir a importância ou os feitos de Neymar, tampouco exaltar Marta – o que é feito por muita gente oportunista apenas para atingir o jogador do Paris Saint Germain. O que é preciso entender em primeiro lugar, para começarmos discussões mais relevantes, são as razões que levam a essa diferença de quase 300 vezes na remuneração de homens e mulheres no futebol, e se acreditamos que tal realidade é admissível.

É um fato que o futebol masculino atrai um público maior e, por consequência, movimenta mais recursos. A competição pelos melhores talentos pressiona os salários cada vez mais para o alto. Não é só isso, mas essas linhas gerais já nos ajudam a compreender o que precisamos nesse momento. O futebol feminino, ao contrário, tem um público ainda mais restrito, movimentando menos recursos e, em muitos países, ainda buscando apenas sua viabilidade. Temos aqui um fato, que traz um aparente teor de normalidade para a discrepância de salários entre homens e mulheres na elite do futebol mundial, mas será que tal fato é realmente natural? Quais razões fazem o futebol masculino ter um público maior do que o feminino?

A chamada sociedade ocidental tem milênios de machismo para corrigir e, se estamos fazendo um caminho de volta em direção à igualdade de direitos entre homens e mulheres, a caminhada começou faz muito pouco tempo. A maratona ainda está nos seus primeiros passos. O esporte, e sobretudo o futebol, foi entendido como uma atividade exclusivamente masculina por muitos anos, praticamente durante todo o século XX. O exemplo que temos em nosso próprio quintal é a proibição da prática por mulheres ao longo de quatro décadas.

Já na Inglaterra, o futebol feminino deu passos muito promissores no período da Primeira Guerra Mundial, quando elas tomaram os campos e começaram a atrair cada vez mais público. Em 1920, mais de 53 mil pessoas acompanharam uma partida entre duas equipes formadas por mulheres, provando que o suposto menor interesse do público tem pouco de natural e muito mais de social, cultural e histórico. Foi uma escolha da federação inglesa ir minando o futebol feminino no país nos anos seguintes.

Marta, Hegerberg e outras estrelas precisam ganhar mais. Mas não por elas, e sim por serem símbolos e gerarem a repercussão que geram. É por essa razão que precisam, cada vez mais, serem tão bem remuneradas quantos seus pares masculinos.

Para além dos vencimentos das grandes estrelas, o que é realmente fundamental e urgente é que as chances de meninos e meninas se tornarem jogadores, jogadoras, ou qualquer coisa que queiram, sejam as mesmas, ou ao menos tão justas quanto possível no momento.

Quem defende a pureza teoricamente natural do mercado para regular essas desigualdades esquece os milhares de anos de um machismo nada natural que trazemos como herança e que oferecem como legado todas as discrepâncias entre homens e mulheres observadas no futebol e fora dele. Natural – ou humano – nesse caso, talvez seja buscar utilizar todos os mecanismos possíveis para diminuir essas injustiças tão rapidamente quanto possível.

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Como podemos religar os saberes no futebol?

Crédito imagem – Redes sociais Corinthians Feminino/Divulgação

Vocês sabem que um dos temas mais particularmente interessantes do debate, quando pensamos na formação de treinadores e profissionais do futebol em geral, é precisamente o tema da superação do pensamento disciplinar – seja por isso que chamamos de multidisciplinaridade, de interdisciplinaridade, ou mesmo de transdisciplinaridade. Aliás, a Universidade do Futebol, especialmente a partir dos professores João Paulo Medina e Manuel Sergio, trouxe contribuições inestimáveis nesse sentido, numa época em que o simples fato de sugerir um assunto desses estava mais próximo da loucura do que da subversão.

De alguma forma, tratar da superação das disciplinas significa tratar disso que sujeitos como o Edgar Morin chamam de religação dos saberes. Fala-se muito do profissional do futuro, no futebol e fora dele, e vou me convencendo cada vez mais de que o profissional do futuro é meio como aqueles sujeitos do Renascentismo, curiosos e muito inquietos não apenas em um determinado assunto, não apenas numa parte, isolada do todo, mas interessados no todo, buscando ativamente articular as relações entre assuntos supostamente diferentes. Vamos conversar um pouco sobre isso.

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Rápida lembrança histórica: no século XVII, com a publicação da obra de Rene Descartes, particularmente de um livro chamado Discurso Sobre o Método, são fincadas as bases de boa parte do que entendemos hoje por ciência, ao mesmo em que são fincadas as bases de uma forma muito particular de pensamento: no segundo principio de Descartes, é preciso “(…) divisar cada uma das dificuldades, que examinarei em tantas parcelas quanto seja possível e requerido para melhor resolvê-las…”.* Ou seja, se quisermos saber de futebol, por exemplo, precisaríamos reduzir o futebol até à menor parte possível, para então, depois de entender a parte, buscar o entendimento do todo, ainda de uma forma gradativa, pois como segue o próprio Descartes, seria preciso “(…) conduzir meus pensamentos por ordem, começando pelos assuntos mais simples e mais fáceis de conhecer, para atingir, pouco a pouco, como que degrau por degrau, o conhecimento dos assuntos mais complexos…”.*

Para não nos arrastarmos muito, vocês sabem que uma das armadilhas desse tipo de pensamento (ainda que Descartes tenha sido um sujeito absolutamente transgressor para a sua época) é que ele, aos nos fazer transformar o todo em pequenas partes, faz não apenas com que as partes sejam diferentes do que eram antes (porque a perda das relações entre as partes faz com que elas, deixam de ser quem são), assim como o todo, quando religado, torne-se outra coisa, pois o todo não se faz pela simples soma das partes, mas se faz, precisamente, pelas profundas relações existentes entre elas. No todo estão as partes onde está o todo. Querem um exemplo nítido? Via de regra, qualquer substituição no jogo de futebol é tratada como uma mera troca de peças (atenção à palavra que coisifica o jogador, ao invés de humanizar): o problema é que uma substituição não é apenas uma troca de um jogador por outro, é uma mudança brusca em todo o sistema jogo, porque a qualidade das relações que o jogador substituído mantinha é completamente diferente da qualidade das relações do novo jogador, relações com companheiros, adversários e arbitragem, de uma forma que quando se substitui um jogador por outro, não se mexe apenas na parte, se mexe no todo (repare, por exemplo, no impacto violento da ausência de Luciano no atual rendimento do São Paulo).

Quatro séculos depois, à luz do caráter cíclico (e não linear) da história, nos vemos mais uma vez às voltas com o que o próprio Edgar Morin chama de caráter hologramático (em que a parte contém o todo) e complexo (qualidade daquilo que é tecido junto) do saber. Para religarmos os saberes no futebol, ao invés de olharmos apenas de um ponto de vista técnico, físico, tático, mental, objetivo, mensurável, antropocêntrico, ao invés de olharmos para o futebol por apenas uma lente, por uma lente dominante, talvez seja preciso olharmos à luz de uma prática complexa, sistêmica, na qual todos aqueles saberes não estejam des-ligados, separados entre si, mas estejam profundamente ligados, de um modo que não percam as qualidades que os constituem quando estão em relação. Mas como podemos fazer isso de um ponto de vista individual? Bom, talvez seja preciso adotarmos algumas posturas, que podem perfeitamente ter como ponto de partida aquela premissa do filósofo francês Blaise Pascal, que escreveu literalmente o seguinte: “Como todas as coisas são causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e todas são sustentadas por um elo natural e imperceptível, que liga as mais distantes e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes.”. Muito bem, vamos citar pelo menos três posturas que nos ajudem a religar os saberes.

Uma postura certamente necessária é uma postura de abertura. O filósofo Gerd Bornheim, num belíssimo livro chamado Introdução ao Filosofar, trata logo de cara do lugar e da importância da abertura – que só pode ser possível a partir do que se chama de admiração, não num sentido abstrato da coisa, mas sim como uma postura prática de reconhecimento da própria ignorância: “No comportamento admirativo o homem toma consciência de sua própria ignorância; tal consciência leva-o a interrogar o que ignora, até atingir a supressão da ignorância, isto é, o conhecimento.” (p.24) Se quisermos de fato religar os saberes no futebol (o que significa religar nossos próprios saberes), se quisermos compreender mais do que meramente julgar, seja quando falarmos do controle da profundidade no momento defensivo ou da grandeza do ângulo Q no membro inferior direito de um determinado atleta, talvez seja importante adotarmos uma postura de admiração, de reconhecimento dos nossos próprios limites, de uma forma que, reconhecendo que nossas ações, por mais embasadas e metódicas que sejam, não deixam de estar no campo da aposta, podemos superarmos a nos mesmos ao longo do tempo.

Em segundo lugar, acho válido pensarmos naquela metáfora do Michel de Montaigne, que mais tarde viraria um título de livro do Edgar Morin: da cabeça bem-feita. Não vamos religar os saberes no futebol se apenas e tão somente nos empanturrarmos com todas as teorias possíveis, se formos leitores do tipo traças (como diz brlhantemente o Alberto Manguel, naquele livro ‘O Leitor como Metáfora’), se fizermos de nós mesmos almoxarifados de todas as informações do mundo – o que não deixa de ser uma armadilha em tempos de internet. A cabeça bem-feita não trabalha em quantidade, trabalha em articulação: ao invés de saber mais, a ponto de saturarmos e até explodirmos, vale mais articular os diferentes saberes a partir daquela abertura de que falamos acima, uma abertura para nós mesmos e para o mundo. Além disso, uma cabeça bem-feita trabalha de um ponto de vista complexo, que considera que tudo mantém algum grau de relação com tudo, de uma forma que ao invés de separar, a nossa postura seja a da união. A religação dos saberes não deixa de ser uma postura ativa de procura entre relações que parecem invisíveis.

Da mesma forma, não podemos deixar de falar da importância da incerteza. Religar os saberes, de alguma forma, é uma estratégia sofisticada de lida com a incerteza do mundo. Especialmente hoje em dia, em que alguns dos delírios da tecnologia estão nos fazendo acreditar, cada vez mais, que é possível manter níveis elevados de controle sobre as nossas próprias vidas e sobre o mundo que nos cerca, como se cada um de nós fosse, de alguma forma, o centro do mundo (o que não se sustenta por um só instante, porque se todos estivermos no centro do mundo, como vez por outra pensamos, ninguém o está, de fato), é muito comum perdermos de vista o lugar da imprevisibilidade, da incerteza, da poesia de versos incertos, de que eu mesmo escrevi por aqui certa vez, que fazem o jogo de futebol e a vida que se vive precisem ser vistos não apenas pelo que são (ou parecem ser), mas pela sua potência, pelo vir a ser, sendo que o vir a ser de uma jogada ensaiada, ou de uma sessão de treino, ou de um jogo decisivo, ainda que depois da mais meticulosa preparação, é uma decisão do próprio jogo – não é nossa. O jogo é mais autotélico do que antropocêntrico: em outras palavras, as vontades do jogo são maiores do que as nossas próprias vontades (os colegas treinadores sabem bem do que estou falando). Os mais bem pensados delírios de controle se derretem quando submetidos à força do jogo.

É claro que não esgotamos o tema por aqui, mas acho que temos um bom caminho para pensarmos a religação dos saberes no futebol se o fizermos a partir da abertura, da articulação de uma cabeça bem-feita e da admissão da incerteza. Com isso, vamos aos poucos nos encontrando com uma outra forma de pensar – e uma reforma do pensamento é certamente um elemento fundamental na religação dos saberes do futebol e no entendimento da vida que vivemos todos os dias.

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Campeonato de pontos corridos no Brasil é justo mesmo?

Crédito imagem: Anderson Stevens/Sport Club do Recife

Desde que o Campeonato Brasileiro passou a ser disputado por pontos corridos em 2003 nenhum time fora da região sudeste foi campeão. Apenas Cruzeiro, Santos, Corinthians, São Paulo, Flamengo,Fluminense e Palmeiras ergueram o caneco neste formato de todos jogando contra todos, em casa e fora. Os quatro grandes de São Paulo, dois do Rio de Janeiro e um de Minas Gerais…a última vez que um time de fora da região sudeste venceu o Brasileirão foi em 2001, com o Athlético-PR, mas em outro formato de disputa. 

O primeiro aspecto que vem à mente de todos diante dessa constatação é o financeiro. Claro que por inúmeras razões os clubes dessa região faturam mais. Porém indo só um pouco além temos a obrigação de falar sobre gestão profissional e competente. Isso porque times que já foram campeões como Corinthians e Palmeiras também já foram rebaixados nesse mesmo formato de disputa. Sem falar de Vasco da Gama e Botafogo que também já caíram e são da região Sudeste. Ou seja, mesmo tendo acesso às melhores receitas, o sucesso não veio. Então, não é só pelo dinheiro.

E é muito importante citarmos algo pouco falado: logística e transporte. Para um atleta de alto rendimento os períodos pré e pós jogo são fundamentais para uma performance de qualidade. E é unânime entre especialistas em ciência do esporte que longas horas em aviões e aeroportos desaceleram a recuperação. Como comparar então, por exemplo, nesse Brasileirão 20/21 situações de um time de São Paulo com a do Sport Recife? O estado de São Paulo tem cinco representantes na competição: três na capital, um no litoral e outro no interior. Qual o deslocamento dessa equipe para os jogos fora de casa, sabendo também que terá quatro viagens curtíssimas para o Rio de Janeiro? E o Sport que terá viagens longas e desgastantes de Recife para São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte e Porto Alegre?! Ele está nas mesmas condições? Observe: esse parágrafo é sobre logística e não dinheiro.

O Brasil é um país continental e respeitar a cultura é ponderar sobre tudo isso. Vale termos um olhar mais profundo para não apenas repetirmos aos quatro cantos que o formato de pontos corridos é o mais justo em que o melhor vence. Não é só o melhor time. E nem o que tem mais dinheiro. Mas também aquele que tem mais facilidade em se deslocar e recuperar seus atletas.

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol

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O descumprimento da legislação trabalhista e a possibilidade de rescisão indireta do contrato de trabalho no futebol

Crédito imagem – Redes sociais Dedé/Divulgação

O ano de 2021 iniciou cheio de polêmicas envolvendo o cenário futebolístico brasileiro. Inúmeras notícias estão sendo veiculadas, informando que jogadores, em razão de suposto descumprimento do contrato de trabalho pelos clubes, estão pleiteando a rescisão indireta do referido contrato.

O caso que mais chamou atenção foi do atleta Dedé, o qual ajuizou ação trabalhista em face do Cruzeiro, pleiteando, dentre outros pedidos, a rescisão indireta do contrato de trabalho, o pagamento das verbas rescisórias e da multa compensatória, tendo como valor total o importe de R$ 35.258.058,64. A ação ajuizada pelo Dedé foi distribuída perante a 48ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG, sob o nº 0010001-30.2021.5.03.0186.

Diante dos fatos acima narrados, vieram à tona discussões acerca do contrato de trabalho do atleta profissional e as situações que ensejam a sua rescisão indireta, ou seja, antes do prazo originalmente pactuado.

Esta coluna pretende trazer esclarecimentos jurídicos ao leitor, acerca do contrato de trabalho do atleta profissional, a possibilidade de rescisão indireta e as suas consequências.

As relações trabalhistas decorrentes do esporte são regulamentadas principalmente pela Constituição Federal, pela Lei 9.615/98, mais conhecida pela Lei Pelé, e, de forma supletiva e subsidiária, pela CLT – Consolidação das Leis do Trabalho.

Nos termos da Lei Pelé, o contrato de trabalho desportivo deve ser celebrado de forma formal e prever obrigatoriamente a cláusula indenizatória desportiva. Ademais, o referido contrato possui prazo determinado, sendo no mínimo de 03 meses e no máximo de 05 anos.

O atleta profissional, como qualquer outro empregado celetista, recebe salário básico, férias + 1/3, 13º salário, repouso semanal remunerado e FGTS. Além de tais verbas, há parcelas específicas pagas ao jogador de futebol, quais sejam, luvas, bichos, direito de arena e direito de imagem, decorrentes do contrato de trabalho firmado junto ao clube.

Ao pactuar o contrato de trabalho, surge tanto para o clube, quanto para o atleta profissional, uma série de obrigações que deverão ser cumpridas. Em suma, as obrigações do clube são:

– Registrar o contrato especial de trabalho desportivo do atleta profissional na entidade de administração da respectiva modalidade desportiva;

– Proporcionar aos atletas profissionais as condições necessárias à participação nas competições desportivas, treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais;

– Submeter os atletas profissionais aos exames médicos e clínicos necessários à prática desportiva.

Além das obrigações acima mencionadas, destaca-se, ainda, o dever do clube de contratação de um seguro de vida e de acidentes pessoais para o empregado, de realizar o pagamento de salários, bem como de despesas quando o trabalhador estiver à disposição do clube, de obedecer aos prazos de inscrição do atleta para a disputa dos jogos e competições, dentre outras.

As obrigações gerais do atleta profissional, por sua vez, podem assim ser sistematizadas:

– Participar dos jogos, treinos, estágios e outras sessões preparatórias de competições com a aplicação e dedicação correspondentes às suas condições psicofísicas e técnicas;

– Preservar as condições físicas que lhes permitam participar das competições desportivas, submetendo-se aos exames médicos e tratamentos clínicos necessários à prática desportiva;

– Exercitar a atividade desportiva profissional de acordo com as regras da respectiva modalidade desportiva e as normas que regem a disciplina e a ética desportiva.

Estabelecidas as principais características do contrato de trabalho firmado entre o atleta e o clube, importante esclarecer o instituto jurídico da rescisão indireta.

A rescisão indireta nada mais é do que a possibilidade de o empregado finalizar o contrato de trabalho como se houvesse dispensa sem justa causa, em razão de descumprimentos perpetrados pelo empregador, no caso, o clube de futebol.

Ultrapassada tal premissa, passa-se a analisar as situações que possibilitam ao atleta invocar a rescisão indireta, como almeja o Dedé.

A Lei Pelé possui expressa previsão sobre a possibilidade de o atleta ter seu contrato rescindido indiretamente caso a clube estiver com pagamento atrasado de salário, de direito de imagem, FGTS ou contribuições previdenciárias, ainda que parcialmente, pelo período igual ou superior a três meses. Cumpre esclarecer que o termo salário, para fins da rescisão indireta, engloba todas as verbas de natureza salarial.

Além da Lei Pelé, a própria CLT traz outras hipóteses de caracterização da rescisão indireta, sendo o descumprimento contratual a mais comum no âmbito futebolístico.

Com a rescisão indireta, o jogador poderá se transferir para outro clube, fará jus às verbas rescisórias e a cláusula compensatória desportiva.

Salienta-se que a cláusula compensatória desportiva, tem a finalidade de proteger o atleta de uma rescisão antecipada e imotivada pelo clube, sendo também aplicada na hipótese de rescisão indireta do contrato de trabalho.

O valor da indenização será estipulado pelas partes, mas devem se atentar para os limites trazidos pela Lei Pelé, quais sejam, máximo de 400 vezes o valor do salário no momento da rescisão e mínimo do valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do contrato de trabalho.

Pois bem.

Esses são os principais contornos acerca da rescisão indireta do contrato de trabalho pleiteada por inúmeros jogadores nesses últimos dias, a qual está gerando imensa repercussão no cenário futebolístico, notadamente considerando a crise que assola diversos clubes brasileiros.

Por fim, cumpre destacar que o pedido de rescisão indireta será analisado pela Justiça do Trabalho, devendo o atleta comprovar os atos faltosos praticados pelo clube para ter êxito na sua demanda.

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Raio X da gestão do marketing nos clubes de futebol – o perfil dos gestores

Ao longo das próximas semanas iremos apresentar um raio X sobre como os clubes da Série A1 do Paulistão gerem a área de marketing. As informações são frutos da tese de doutorado intitulada “Gestão do Marketing Esportivo no futebol: proposta de modelo teórico/prático para clubes profissionais brasileiros”, finalizada em maio de 2020 na Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo.

A pesquisa, realizada entre 2016 e 2020, teve por objetivo propor um modelo para a gestão do marketing nos clubes brasileiros a partir da teoria sobre o tema e da análise da prática dos clubes brasileiros. O estudo foi realizado em quatro partes e aqui iremos abordar a etapa da pesquisa de campo, que utilizou como amostra os 16 clubes que disputaram a Série A1 do Paulistão 2018. Aceitaram participar 14 clubes[1] com os responsáveis pela área de marketing (total de 15 pessoas) concedendo entrevistas em profundidade sobre 35 itens relacionados aos processos de planejamento, estruturação, execução e controle dos clubes e da área de marketing. Foram obtidas mais de 15 horas de gravações e 244 páginas de dados que geraram um amplo painel sobre a gestão do marketing nesses clubes, o qual será apresentado ao longo dessa série.

Começamos analisando os 15 entrevistados: pessoas com diferentes cargos se apresentaram como responsáveis pelo marketing, como presidentes, gerentes de marketing, assessores de imprensa e coordenadores de marketing. Foram ouvidos 11 homens e quatro mulheres cuja idade variou entre 24 e 52 anos (média de 38 anos). Apenas uma pessoa não possuía graduação e a maioria era formada em Marketing ou Publicidade e Propaganda, com uma entrevistada possuindo mestrado e 11 especialização/MBA, sendo sete na área do Marketing Esportivo. Somente um entrevistado não era remunerado e cinco não possuíam contrato de trabalha com dedicação exclusiva ao clube.

Dos 14 clubes apenas dois não tinham profissional contratado responsável pelo marketing e se considerarmos apenas os entrevistados que atuavam diretamente na área é verificado o seguinte perfil do profissional responsável pelo marketing nos clubes analisados: homem, de 36 anos, graduado em Marketing ou em Publicidade e Propaganda, com especialização em Gestão ou Marketing Esportivo, que ocupava cargo de direção (gerente ou diretor executivo de marketing) e atuava no clube de forma remunerada, com dedicação exclusiva por um período aproximado de dois anos e meio.

Os entrevistados que atuavam diretamente com o marketing foram questionados sobre as principais atividades que eles e a equipe de marketing do clube realizavam, sendo as citadas indicadas no quadro abaixo

É possível constatarmos o predomínio de atividades operacionais e o atendimento aos patrocinadores. As atividades de comunicação refletem a junção do Marketing com a Comunicação em muitos clubes, ponto que será abordado em outra parte desta série. Destaque para a não citação de atividades chave do marketing, como planejamento; pesquisa e análise sobre a situação do clube e os torcedores; e o desenvolvimento de novos produtos e serviços.

Ao observamos as indicações das regras de licenciamento de clubes da CBF[2] sobre o marketing, foi verificado que a grande maioria dos entrevistados não realizava as ações exigidas, especialmente as de cunho estratégico. A atuação era basicamente direcionada para o atendimento das demandas diárias, apagar “incêndios”, e fidelizar os patrocinadores, com limitado desenvolvimento de novas ações, produtos e serviços e atendimento aos torcedores/clientes. Assim, a ação era mais voltada para empresas (B2B) do que para os torcedores/clientes (B2C). Os principais problemas do dia-a-dia relatados foram:

  • Sobrecarga de funções;
    • Falta de recursos humanos e financeiros;
    • Atendimento de demandas de outros departamentos do clube;
    • Atividades operacionais;
    • Falta de tempo para atividades estratégicas;
    • Quantidade de jogos.

Também foi abordada a realização de atividades não relacionadas ao marketing, com quatro entrevistados citando que não as realizavam. Outros quatro afirmaram que realizavam outras atividades, mas que isso não era um problema enquanto cinco indicaram que frequentemente desempenhavam atividades não relacionada ao marketing que impediam o foco total na área. As atividades negativas mais citadas foram a venda de ingressos, o controle dos uniformes, a atuação como guia de visitas e o atendimento a outros departamentos, clientes da loja, imprensa, diretoria e conselheiros.

Pelos resultados podemos observar que a grande maioria dos clubes possuíam profissionais com formação em Marketing Esportivo, ainda que seja somente em nível de especialização, e renumerados, apesar dos casos em que não havia dedicação exclusiva. Chama a atenção o foco em atividades operacionais e a não indicação da realização de atividades estratégicas, além da sobrecarga de trabalho e a execução de atividades não relacionadas à área que acabavam por afetar a atuação dos profissionais, sendo estes uns dos principais problemas identificados pela pesquisa.


[1] Por questões éticas os nomes dos clubes e dos entrevistados não serão revelados.

[2] A CBF indica como atribuições do departamento de marketing a elaboração do planejamento da área; avaliação do mercado; definição de estratégias sobre canais de comunicação, marcas e produtos; posicionamento da marca; e o planejamento e a coordenação de ações para gerar negócios e de campanhas para engajar os torcedores e fortalecer a imagem e marca do clube.


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Notas sobre Maradona – a vida e morte de um outro futebol

Não sei se vocês sentiram o mesmo, mas há cinquenta dias, com a passagem de Diego Armando Maradona, sinto que não se passou apenas o jogador, ou não se passou apenas a pessoa: foi também a passagem de um certo tipo de futebol, de um certo tipo de sujeito e de uma certa narrativa que também não existem mais: foram implodidos e são quase que impossíveis no nosso tempo. Deixem-me falar um pouco melhor disso.

Uma das coisas que sempre me assustaram no Maradona foi precisamente a sua forma de relação com a bola. Não era uma relação normal – nem entre os próprios jogadores de elite. Era uma relação diferente, como se a bola fosse mais do que uma extensão do corpo, mas como se ela fosse o próprio corpo, como se não fosse possível separar o corpo, enquanto sujeito, da bola, enquanto objeto. A minha aposta é que isso só foi possível porque a relação entre Diego, Maradona e a bola era uma relação de amizade e era uma relação de amor. Os três, juntos, eram de fato uma coisa só. Fruto de um determinado tempo, em que a bola era uma amiga, era uma confidente e também uma companheira no preenchimento da vida de um garoto ou garota qualquer. Mas hoje em dia, vejam bem, a hiperprofissionalização e a guinada do futebol como negócio fazem com que a relação com a bola também se altere: logo cedo, de afetiva, vira uma relação profissional, uma espécie de sociedade. Por isso, não surpreende que os dois maiores gênios da história da bola sejam fruto de povos tão próximos, e de povos em que o afeto tem o seu lugar – às vezes não muito claro, mas sempre sentido, presente. Em tempos de renúncia do afeto, a bola vai mesmo virando mais sócia do que amiga.

Escrevi algo próximo disso outro dia, neste mesmo espaço, quando argumentei que bobinho e rondo são coisas diferentes: o bobinho é um fim nele mesmo, é coisa autotélica, enquanto que o rondo parece mais um meio, uma forma mais metódica de se chegar em algum outro lugar – é teleológico. E talvez esses rondos, que fazemos hoje como herança mais do sucesso do que do método de uma cultura particular, fossem não apenas desconfortáveis, como fossem até a antítese da natureza de um jogador como Diego. Maradona – e reparem que é meio traiçoeiro o que escrevo na sequência – talvez tenha sido mais jogador de bola do que de futebol.

Com a passagem de Maradona, também se vai, de alguma forma, um tipo muito específico disso que se entende como camisa dez. Talvez agora o dez esteja mais número do que marca, talvez o dez seja mais um número entre muitos, e talvez seja um número em busca de si: o significado do dez no campo é um algo meio indefinido, amorfo. Bom, sabemos que esse é um dos produtos do assim chamado futebol moderno: no início do ano passado, aliás, publiquei alguma coisa sobre isso, argumentando que um dos traços desse outro futebol é precisamente o derretimento de diversas fronteiras do campo – dentre elas as fronteiras entre posição e função.

Muito bem, só que o ponto em si não está bem no camisa dez, mas num lugar anterior: é bem verdade que o futebol é coletivo por natureza, mas me pergunto em que medida, nos próximos anos, nós não inverteremos a vara com tanta convicção a ponto de criminalizar a genialidade. Aquela mesma hiperprofissionalização de que falamos antes trouxe mais dinheiro – mas não por caridade. O gênio moderno precisa de um quê de burocracia, de um quê de processualidade, ele precisa desobedecer a si mesmo, cerceado pelos limites do coletivo. O problema: é esse o habitat dos gênios?

Neymar está dizendo que sim, pode ser, mas não sei o que os próximos anos nos dirão. O fato é que, na mesma esteira, com a passagem de Maradona talvez tenha deixado de existir o jogador de futebol e passou a subsistir apenas o atleta, sujeito profissional e responsável, obstinado e abnegado, disposto inclusive a abrir mão de si pela saúde esportiva da equipe mas, principalmente, chamado a abrir mão de si pela saúde financeira dos investidores. Mais uma vez: ok, são as regras do jogo moderno, mas me pergunto, ao mesmo tempo, para onde irão os gênios, os rebeldes, os subversivos, esses sujeitos dominados por um outro tipo de vida, perseguidos por outros passados, os sujeitos que não têm outra alternativa a não ser quem são. Esses, me parece, talvez sejam e serão lançados num novo lugar, que só pode ser fruto deste tempo (moderno) que talvez seja o lugar dos subgênios – ou alguma bizarrice do tipo – que ou são sujeitos feridos pelo sistema (como um Adriano, por exemplo) ou são tão subversivos a ponto de causarem, com o tempo, uma certa negação e mesmo uma redução de quem foram (como Ronaldinho). Mas reparem ainda que entramos num tempo dominado pela objetividade, pelo big data, pelo xG, pela crítica ao que se entende por intuitivo, ou empírico, ou afetivo – mas isso, minha gente, só pode dar num samba da razão pura, cheio de notas cuidadosaamente escolhidas, mas doidas para serem engolidas pelo real que elas próprias julgam apreender.

Com isso posto, quem criará, no futuro, um termo como ‘la mano de Diós’? Quem serão os gênios capazes de denunciar o nosso complexo de vira-latas? Quem batizará os nossos dinamites, nossos santos, nossos animais e as nossas forças da natureza com a bola nos pés? Com a perda da narrativa (como nos mostrou o Walter Benjamin, naquele brilhante texto sobre o narrador), perde-se também uma parte da experiência, da capacidade de dar sentido, perde-se um ponto de encontro fundamental do futebol com a vida que se vive –  e eles não estão separados, afinal. O futebol, enquanto potência simbólica, vira perfumaria, o método vira maior do que o verso.

Veja bem, isso não significa uma negação da objetividade: significa dizer que ela, sozinha e manca, não dá conta, cai dura no chão. Assim como não podemos perder os nossos gênios da bola, dos quais falamos anteriormente, também não podemos perder nossos gênios narrativos, os nossos contadores de histórias, nossos proseadores, capazes de conversar – mas também de desconversar, quando preciso. Me lembro do Antero Greco, há muito tempo, no SportsCenter, da ESPN Brasil, dizendo que ‘é preciso ser sério sem ser sisudo’. Esse é, de fato, um desafio da nossa geração.

Da mesma forma, também é preciso sermos rigorosos, mas não moralistas. Livres de quaisquer juízos de valor, há um fato na mesa: aquele que talvez seja o gol mais subversivo da história do futebol (feito pelo próprio Maradona – de mão) é simplesmente impossível hoje em dia. Pois a passagem de Diego Maradona também é a passagem desse futebol ainda barroco, talvez visto como rude, mas também muito menos higiênico, muito menos limpo, um futebol ruidoso, de picardia e abertura – todos antíteses do moralismo. E de novo, não é necessariamente uma regressão, não é uma negação, é pura e simplesmente um sinal dos tempos. E o dever de quem vive num certo tempo é olhar para o seu tempo – além das superfícies – e pensar num outro tempo, de outra gente, um tempo eventualmente melhor, não exatamente livre de sofrimentos e carências, que são parte da nossa humanidade, mas um tempo pelo qual valha a pena se viver. 

Afinal, a passagem de Diego Maradona é a passagem do tempo, um sinal inconfundível da passagem do tempo, e não deixa de ser um prefácio do tempo que está por vir, do futebol e da vida que nos esperam, nos quais o prazer e a dor estão em lugares muito diferentes do que já estiveram um dia. Ao mesmo tempo, lugares que não ocultam a nossa obrigação de buscar a santidade em vida, de buscar que alguma coisa em nós que seja sagrada – ainda que não sejam as mãos – e de viver e literalmente morrer pelo coração, onde moram as mais profundas das nossas forças vitais.

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Teoria sistêmica e o Flamengo

Crédito imagem – Alexandre Vidal/Flamengo

O futebol é o esporte mais popular do mundo porque é simples. Essa frase é verdadeira pelo entendimento de que para jogar futebol não é necessário muita coisa, muito investimento…na rua, descalço, colocando chinelos como trave e uma bolinha de pano conseguimos, sim, jogar futebol.

Porém quando partimos para o alto rendimento tudo muda. A complexidade, que já existe nesse futebol de rua descompromissado que citei, ganha contornos mais sérios e científicos, que devem ser estudados não só para o aumento das probabilidades de sucesso, mas também para que as análises se aproximem o máximo possível da realidade. 

E qualquer diagnóstico sobre o momento do Flamengo deve prioritariamente passar por uma análise sistêmica e com viés de complexidade. Não é só um fator que explica a queda de rendimento da equipe. Nossa cultura de ‘caça as bruxas’, de buscar a todo custo um único culpado, não contribui para a evolução do jogo. A performance individual de muitos jogadores caiu. E vale falarmos de padrões de comportamento manifestados durante o jogo. Nível de comprometimento, agressividade com e sem a bola, disciplina para respeitar e potencializar padrões coletivos já não são os mesmos. E troca de treinador implica troca de ideia de jogo, metodologia de treinamento e filosofia de liderança. Estamos falando de seres humanos e nem irmãos gêmeos são iguais ao exercer um trabalho. Nos últimos sete meses, o Flamengo teve três treinadores de nacionalidades diferentes. 

Um clube de futebol é um sistema. Está sempre em evolução. Ou deveria estar, já que ficar no mesmo lugar é sinônimo de morte. Crescer como equipe significa ter novos e melhores comportamentos. E incutir isso em jogadores que ganharam bastante é muito difícil. Por isso que temos apenas um Messi e um Cristiano Ronaldo. São pouquíssimos que pagam o real preço que o incômodo com o atual momento traz, por melhor que seja esse momento. O entendimento de que o que foi feito até aqui nos trouxe até aqui é para poucos. Para outros e novos objetivos é necessário um novo comportamento. O Flamengo parou em 2019. Achou que já estava bom, que era só manter…a conta por pensar e agir assim está chegando em 2021…

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol

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Como articular filosofias de treinadores? – Parte I

Não é preciso ir muito longe para ouvirmos profissionais, das mais diversas áreas, falando sobre o que chamam de filosofia de trabalho, do quão importante é construir uma filosofia de trabalho, ou mesmo de como a filosofia de trabalho precisa estar conectada, de alguma forma, à filosofia do ambiente – seja ele qual for. No futebol não é diferente, e de fato vira e mexe ouvimos falar da filosofia de um clube (às vezes confundida com a cultura do clube, com a identidade do clube e etc) ou, por arrastamento, da filosofia de treinadores e treinadoras.

Como alguns de vocês sabem, foi exatamente este o tema da minha pesquisa de mestrado, na qual estudei isso que se chama, na literatura estrangeira, de Coaching Philosophy. Tendo em vista os estudos presentes, ao lado de algumas das minhas próprias experiências e percepções como treinador, gostaria de apresentar um pouco melhor alguns dos caminhos a partir dos quais podemos pensar a articulação das nossas filosofias.

Neste texto, que dividirei em algumas partes, gostaria de compartilhar um pequeno retrato do que encontramos – professor Alcides Scaglia e eu – durante a pesquisa. Para abrir a série, vamos enfatizar uma tensão bastante importante nesse debate, embora também bastante sutil: a tensão entre o singular e o plural no processo de articulação de filosofias.

***

Uma rápida passada de olhos no início deste texto, e você verá que, no título, usei o termo filosofias de treinadores, no plural, enquanto que, no primeiro parágrafo, usei o termo filosofia, no singular. Isso acontece por um motivo principal: filosofia, no singular, é o termo estabelecido na literatura até agora. Só que uma das minhas desconfianças, encorpada com o tempo, é que a palavra filosofia, no singular, não dá conta da grandeza do que fazemos na prática. Afinal, de uma maneira bastante discreta, a busca por uma única filosofia, no singular, imutável e definitiva, parece causar um certo tipo de pressão, uma ansiedade que, ao invés de auxiliar, se mostra pequena e contraproducente no processo de articulação das filosofias de um treinador ou treinadora. Vamos pensar um pouco melhor sobre essas coisas.

Embora seja um tema razoavelmente discutido e, em certa medida, razoavelmente desejado, uma das barreiras que me parecem claras quando falamos da articulação das filosofias de treinadores é a seguinte: nós gostaríamos de fazer mais do que fazemos. E é uma barreira compreensível, pois ainda que queiramos articular filosofias que digam quem somos, de fato, enquanto treinadores, treinadoras e profissionais do futebol em geral, ainda não estão exatamente claros os caminhos a partir dos quais isso pode ser feito. Trocando em miúdos: nos gostaríamos de articular as nossas filosofias – mas nós não sabemos ao certo como fazer isso.

Bom, como dissemos anteriormente, é comum falar das filosofias no singular, numa linguagem do singular, de um modo tal que fica subentendido que articular uma filosofia significa fazer um processo de reflexão tão grandioso, um raio-X de si mesmo tão profundo e tão perfeito, que só pode ter como resultado uma espécie de iluminação igualmente perfeita – seja por uma palavra, por um conjunto de palavras ou uma oração (nos dois sentidos do termo) – capaz de descrever inteiramente quem somos na nossa prática profissional (e na vida vivida), mas também de denunciar, de alguma forma, que aquela filosofia já estava ali, adormecida, hibernando, como se fizesse parte da gente e devesse apenas ser encontrada em algum outro lugar de nós mesmos.

Mas veja bem, se seguirmos esse raciocínio, teremos pelo menos dois problemas: em primeiro lugar, a margem de erro nesse processo é muito baixa – afinal, existe uma e somente uma filosofia capaz de dar conta da nossa prática. Ao mesmo tempo, são de alguma forma subestimados os movimentos que a vida faz com a gente, enquanto treinadores e na vida vivida. Se você preferir, é como se articular uma única filosofia, clara e definitiva, não considerasse suficientemente o fato de vivermos num mundo, de estarmos num mundo, de estarmos em movimento e, portanto, de sermos continuamente outras versões de nós mesmos, de um jeito que uma única filosofia, ainda que articulada com extremo cuidado, pode até dar conta de quem somos hoje, mas provavelmente não será capaz de descrever quem somos amanhã ou depois. Nem todo cálculo de vida é um cálculo de exatidão – é preciso dar espaço para o incerto.

Não por acaso, é tão importante considerar o papel da experiência nos nossos processos formativos. Para não nos estendermos muito na grandeza da palavra experiência, considere apenas que a experiência pode ser mais do que o tempo de prática sistemática em uma determinada atividade – pode ser, por exemplo, um acontecimento, um deslocamento tão forte da vida na nossa direção, que nos deixa uma espécie de marca, de ferida que faz com que simplesmente não sejamos mais os mesmos que éramos antes. A experiência nos leva justamente ao encontro daquilo de que falei acima: ela quer o movimento, ela nos faz diferentes, alheios, separados de nós mesmos, em formação contínua, em aprendizado contínuo, em ecdise constante. Pela experiência, uma única frase, por mais clara e definitiva que pareça, não é capaz de captar a diversidade do viver. Sabendo disso, e considerando que o plural, neste caso, é mais potente do que o singular, sugiro fazermos filosofias – ao invés de uma única filosofia.

Bom, acho que estamos de acordo que o plural desce melhor do que singular. Mas repare, por favor, que essa não é uma proposta para complicar as coisas – mas para facilitá-las. Isso significa que não necessariamente devemos pensar nas filosofias como a articulação de dezenas de frases ou orações que deem conta de quem somos a cada momento – não é disso que se trata. O que eu quero dizer é que as nossas filosofias podem sim caber em uma palavra, em algumas palavras ou em uma frase, mas de uma forma que estejam sempre em aberto, sempre em movimento, não são claras e definitivas, mas impuras e transitórias e – mais do que isso – são infinitas dentro delas mesmas, de um modo que seja possível não só admitirmos a diversidade das nossas filosofias, mas também admitirmos a diversidade que nos faz humanos, a pluralidade da arte de viver, de onde tiramos precisamente a matéria-prima das filosofias que somos capazes de fazer. Para além das nossas modalidades, existe a vida que se vive.

Sobre isso, me permitam citar três versos simples, mas muito bonitos, atribuídos ao escritor americano Walt Whitman. Eles dão conta de dizer o que eu gostaria por enquanto. Reparem, aliás, como a contradição não é necessariamente um problema:

Contradigo a mim mesmo porque sou vasto

Eu sou contraditório, eu sou imenso

Há multidões dentro de mim

***

Portanto, como um primeiro passo nesse processo de articulação de filosofias, sugiro esse deslocamento, não mais comprometido com uma filosofia, uma frase singular, clara e definitiva, mas pelo contrário, um compromisso com as filosofias, plurais, transitórias e abertas, em movimento de acordo com a vida, em um constante renascer, decorrente do aprendizado da prática, da relação com os nossos atletas, dos ensinamentos do jogo, das plenitudes das nossas vidas. Filosofias entregues ao mundo, ao mesmo tempo em que conscientes da força de sermos outros e outras além de nós mesmos.

Seguimos em breve.

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Primeira coluna do ano – Luxemburgo é o tema!

Crédito imagem – Rafael Ribeiro/Vasco da Gama

Há pouco mais de um ano critiquei duramente nesse espaço a diretoria do Palmeiras pela contratação do técnico Vanderlei Luxemburgo. Hoje venho parabenizar a diretoria do Vasco da Gama pela contratação do mesmo Luxemburgo. Qual a diferença? O que mudou?

Vamos lá. A questão tem a ver com gestão, ambição e comunicação.

O Palmeiras briga hoje por títulos. Dos últimos quatro campeonatos Brasileiro o Verdão faturou dois. E nos outros dois, garantiu vaga na Libertadores, onde tem feito sempre boas campanhas. Esses bons resultados esportivos são fruto de uma gestão profissional, comprometida com o aumento da receita, controle das despesas e um autodesenvolvimento constante nas áreas científicas, estruturais e de recursos humanos. Tudo visando o aumento da performance dentro de campo. E quando um clube nesse patamar coloca como cereja do bolo uma comunicação agressiva, vinda do seu próprio presidente em uma entrevista coletiva, dizendo que a busca pelo treinador, que é o grande comandante do processo, se daria por critérios modernos e arrojados de pensar o jogo, o nome condizente não pode ser o de Vanderlei Luxemburgo.

Que fique bem claro, neste momento não estou fazendo juízo de valor. Isso porque, por mais que seja claro para mim que a postura auto-protetiva de Luxa, negando o que se faz de mais contemporâneo no futebol mundial seja nociva não só a ele, mas para o futebol brasileiro como um todo, esse mesmo comportamento pode ser eficaz para o Vasco.

Cobrindo treinos no dia a dia, pude comprovar como Luxemburgo sabe fazer o ambiente trabalhar a favor dele, pelo menos em um curto espaço de tempo. A experiência adquirida em décadas como jogador e treinador deram a ele a expertise em mobilizar atletas, dirigentes, funcionários do clube e o torcedor para que fique bem evidente o “choque de gestão” que ele quer. E isso pode ser o que o Vasco precisa para não ser rebaixado.

Em um trabalho de médio, longo prazo, quando apenas a gestão do contexto não é mais suficiente e que no campo tenha que aparecer algo diferente, Luxemburgo não consegue êxito. Por isso que para o Palmeiras ganhar os títulos mais importantes do ano não poderia ser Luxemburgo o técnico a beira do campo. E é também por isso que para o Vasco não amargar mais um rebaixamento, Luxemburgo é o nome ideal para estar à beira do campo.

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol