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E ai tecnologia, vai encarar ou o que…?

“Nossa tecnologia passou a frente de nosso entendimento, e a nossa inteligência desenvolveu-se mais do que a nossa sabedoria.” (Roger Revelle)

Calma caro amigo, você não está louco, nem o link estava errado, não estamos numa página que trata desse importante tema ambiental. Apenas recorremos à frase sobre tecnologia desse fabuloso cientista, pioneiro no estudo sobre o aquecimento global.

 

Na coluna anterior falávamos da necessidade que o profissional do futebol tem de desenvolver habilidades e competências a respeito do uso e possibilidades dos recursos tecnológicos na sua prática e planejamento.

Com base nessa frase de Roger Revelle, acrescentamos àquela discussão um cuidado que deve ser tomado quando busca-se a atualização tecnológica.

Os recursos e evoluções constantes que ocorrem nessa era tecnológica, ou Infoera, como gostam alguns, são tantos e tão dinâmicos que às vezes parece que são extremamente exagerados.

Quem nunca se pegou manuseando algum equipamento e ficou com a impressão de que ele faz mais coisa do que devia, e justamente aquilo que queremos… não conseguimos fazer?

Esse é o cuidado que está explícito na fala do cientista: os recursos tecnológicos são tantos que ultrapassam nossa capacidade de lidar com eles, de compreendê-los e desta forma atender as nossas necessidades.

O ser humano é inteligente o suficiente para desenvolver sistemas e equipamentos fantásticos, porém o saber utilizá-los parece sempre defasado, desenvolve-se primeiro e depois tentamos descobrir que podemos fazer com isso tudo.

No futebol inúmeros recursos vêm, com maior ou menor resistência, quebrando barreiras e preconceitos e se colocando à disposição dos profissionais. Ressaltamos aqui a questão de que o profissional não deve intimidar-se, pelo contrário deve capacitar-se perante as possibilidades ofertadas.

Desta forma aprofundar-se na atualização tecnológica é também fazer parte desse processo, de transformar a inteligência e essa capacidade tecnológica em sabedoria prática.

Neste ponto está o que consideramos como o profissional atualizado tecnologicamente, que consegue através de suas convicções, de sua habilidade de interpretar, analisar e extrair informações, ou seja, através de sua sabedoria, utilizar de forma inteligente toda a tecnologia possível. Com a iniciativa de buscar, inovar, explorar as possibilidades. Sem o equívoco de considerar uma filmagem específica de um jogo como alta tecnologia, mas sim o entendimento que ele próprio aplica sobre ela, e em como transforma isso em intervenção.

É uma questão de como encarar a tecnologia, e sobretudo como se posicionar frente a ela.

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

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Monocultura

A realização dos Jogos Olímpicos em Pequim reforça a monocultura esportiva brasileira. Não, o problema não é o país penar para figurar nas finais de algumas modalidades, ou então suar para se colocar alguns segundos atrás dos melhores do mundo. A maior dificuldade para o torcedor numa edição de Olimpíada é conhecer o esporte que está na tela.

Com a cultura do futebol impregnada na transmissão esportiva, entender uma “nova” modalidade é cada vez mais complicado para o torcedor que quer apenas sentir a vibração que é a realização das Olimpíadas.

O ufanismo aflora em cada disputa brasileira e, para piorar, deflagra o despreparo que o país tem em tratar de qualquer esporte como objeto da informação. Até mesmo do futebol!

Sim, porque durante Brasil x Coréia do Norte, no futebol feminino, todas as emissoras que exibiram a partida só se “esqueceram” de lembrar que o time norte-coreano era o mesmo que foi campeão mundial sub-20 em 2006. E daí o 2 a 1 ter sido encarado como uma vitória “magra”.

E o que fazer quando saímos do campo e vamos para as águas? Tudo bem, o mundo inteiro sabe que o Michael Phelps é um absurdo. Só que parece que isso não é levado em conta quando Thiago Pereira cai na mesma piscina que o americano…

Da mesma forma que as competições do judô, em que muitas vezes nos pegamos torcendo tão bem quanto quem está narrando as partidas.

O fato é que, a cada quatro anos, fica ainda mais claro que o país não tem uma cultura esportiva. Desde pequenos não somos ensinados a entender todos os esportes, a estudar regras e maneiras de praticar, a conhecer movimentos, estilos, performances.

Isso tudo fez do Brasil o “país do futebol”, mas que até mesmo quando trata desse assunto vê a imprensa cometer exageros e realizar análises superficiais, muitas vezes deturpadas por uma falta de conhecimento técnico do assunto.

Nas Olimpíadas, não ter ex-atleta como comentarista é uma espécie de heresia para os veículos de comunicação. Afinal, parece que quando o assunto é outra modalidade além do futebol, torna-se obrigatória a presença de um “especialista”.

Enquanto isso, numa partida de tênis, só falta o narrador, depois de gritar “pra foooora” num erro do tenista, se esbaldar no grito de “goooool” quando a bola estufar a rede!

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br

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Tabelinha entre pai e filho

Passou o campeonato estadual e a Copa do Brasil. A Libertadores também teve seu vencedor. O campeonato brasileiro segue a todo vapor com os melhores times do Brasil se alternando na liderança da competição em busca do tão cobiçado título.

Porém, se aproxima também o segundo domingo de agosto, ou melhor, o dia do jogo mais importante do ano. Importante para aqueles homens privilegiados e abençoados por receberem de Deus a oportunidade de compartilhar e usufruir da companhia de um filho por várias temporadas.

Nossa atenção se guia única e exclusivamente pelas laterais desta data que comemora o Dia dos Pais. Portanto, pouco importa se alguns as consideram apenas como mais uma data em que crianças, adolescentes e adultos saem apressados pelas ruas e shoppings em busca de presentes.

Neste dia a preleção será dada por nós, filhos, loucos por futebol e carinho dos pais, a fim de agradecer por esta oportunidade de participar deste jogo tão disputado, confuso, truncado, embolado que é a oportunidade de viver.

Nós, filhos, meros coadjuvantes desta partida tão linda, plástica, empolgante e suscetível a jogadas maravilhosas, queremos agradecer pela convocação feita com tanto carinho, expectativa, ansiedade, alegria, amor, paixão e cobrança quando pisamos pela primeira vez num estádio repleto de paredes com tonalidades e texturas suaves, alguns mascarados higienizados, enfermeiras e muitos familiares, além é claro, de meu técnico e professor: papai.

Realmente esta foi a primeira e mais emocionante jogada que fizemos nos primeiros minutos em campo, pois durante nove meses foi solicitada e esperada nossa chegada. Assim, comemore, papai!

Técnico, professor, treinador, pai e papai aqui estou eu, vestindo o uniforme de nossa família, calçando as chuteiras da sabedoria, meiões que vestem as pernas que ajudastes a dar os primeiros e desengonçados passos para lhe parabenizar pelo dia que todo e qualquer estádio ficaria lotado e de pé para aplaudir e reverenciar seu vigor físico quando chega cansado do trabalho e ainda brinca comigo, quando usa de sua habilidade técnica para lidar com minhas teimosias, dúvidas, curiosidades e crises infantis.

Sendo assim, papai, espero que este jogo nunca chegue na prorrogação para que eu lhe peça desculpas por meus erros, falhas e defeitos. Mas que eu saiba aproveitar o tempo normal para deixar minha marca de forma positiva, criativa, infantil, levada, ousada e com forte características do jeito de jogar que fora herdado deste seu estilo único e elegante de atuar no jogo da vida e ainda marcar um golaço a cada abraço e sorriso.

Para interagir com o autor: maurobeting@universidadedofutebol.com.br

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A liderança tática

Dia desses me fora perguntado qual era a importância do capitão de uma equipe para a manutenção do esquema tático determinado pelo treinador durante um jogo.

Pois bem. Frases prontas e senso comum deixados à parte, façamos uma reflexão sobre a questão.

Quando uma equipe tem estabelecido pelo seu treinador um plano de jogo, precisa invariavelmente de dinâmicas, estratégias e subsistemas que contemplem esse plano.

O plano de jogo por sua vez deve estar associado a um modelo de jogo já estabelecido e organizado. Com as dinâmicas, estratégias, subsistemas, plano e modelo de jogo definidos (concepção) bastará, em jogo, executá-los (ação).

E é aí, que aparentemente mora o “X” da questão que me fora feita: seria o capitão da equipe o líder campal responsável por gerir as ações dos seus companheiros para manutenção daquilo que fora estabelecido pelo treinador?

Na perspectiva do pensamento e do treinamento tradicional faria todo o sentido acreditarmos que dentro do campo o capitão é uma extensão do treinador (e que portanto seria imprescindível a “existência” pontual do mesmo para se garantir o bom desempenho tático da equipe).

No entanto olhemos em outra direção.

Quando dentro de um modelo de jogo estabelecido pelo treinador, o desenvolvimento de estratégias, dinâmicas e subsistemas para uma partida (enfim plano de jogo) é iniciado, ele (o modelo de jogo) pode ter sua construção realizada de forma conjunta entre treinador, comissão técnica e jogadores.

A elaboração, construída de forma conjunta, do plano de jogo (e também do modelo), guiada e gerida pelo treinador, mas com envolvimento direto de todos (dos que concebem e dos que executam), pode e será sustentada pela crença e pensamento coletivo da equipe. Isso quer dizer que quando os executores (os jogadores) também – (guiados pelo gestor principal: o treinador) -participam e contribuem com a concepção, a execução ganha qualidade auto-sustentada.

Então, ainda que seja importante ter um jogador em campo com ascendência sobre seus companheiros de equipe, com influência positiva, não dever-se-ia atribuir e depositar nele a condição essencial para o bom andamento tático da equipe que joga.

Quando se trabalha na perspectiva de criar situações-problema para provocar reflexões, despertando nos jogadores o interesse de fazer aquilo que é melhor (que resolve com mais qualidade e abrangência), há um crescimento constante da equipe na forma de se jogar.

Por isso, construir coletivamente o modelo e o plano de jogo é despertar nos jogadores, através dos treinamentos, o entendimento dos “o quês”, por quês” e “comos”, de tal forma que as soluções e conceitos de jogo sejam algo comum ao pensamento coletivo da equipe.

Então, quando coletivamente, acredita-se em algo e esse “algo” é concebido com a participação de todos, defendê-lo e trabalhar em prol dele passa a ser uma necessidade coletiva constante. Isso quer dizer que a todo o tempo, o tempo todo cada jogador estará fazendo o melhor para o objetivo comum, auxiliando e cobrando um ao outro a favor da meta coletiva associada ao jogar.

Esse processo de construção conjunta a partir da gestão do treinador/professor é algo que a pedagogia do esporte há muito tempo estuda, discute e chama a atenção – e que José Mourinho (treinador “dois passos à frente”, da Internazionale de Milão) atribuiu um nome próprio: “descoberta guiada”.

Independente do nome que se dá, importante é entender o conceito que aí está embutido.

O fato, que por motivos inerentes a “cultura futebolística”, em geral a construção de táticas, estratégias e etc e tal é algo unilateral, que parte de treinadores e comissões técnicas em direção aos jogadores e ponto.

Para muitas pessoas que “sobrevivem” do futebol, algo do tipo “construir em conjunto” é tido ou como fraqueza do treinador ou como a chance clara para que se perca a liderança sobre o grupo.

E eu vos digo meus amigos: é justamente o contrário.

Construir em conjunto, de forma guiada realmente não é para qualquer um. Simplesmente porque exige segurança e conhecimento sobre o processo – e são poucos os que têm as duas coisas. Mas acima de tudo, construir em conjunto, direcionando e gerindo o grupo é algo que reflete de forma sintomática a capacidade de gestão e o conhecimento técnico específico dos treinadores diante de suas equipes.

Em outras palavras, quem tem medo se esconde, se protege. Quem não tem se expõe, coloca à prova, se adianta.

Capitães são importantes sim; mas sob outra perspectiva.

E você, vai se esconder?

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

 

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Laudo Arbitral – Messi, Diego e Rafinha

Todos nós que acompanhamos o mundo do futebol vimos nesta semana um caso bastante interessante envolvendo a Fifa, o Comitê Olímpico Internacional e os Jogos Olímpicos de Beijing.
 
Os três jogadores em questão, todos menores de 23 anos, tiveram suas liberações para os Jogos questionadas por seus respectivos clubes empregadores. Por uma alegada deficiência nos regulamentos da Fifa, os clubes não estariam obrigados a ceder seus atletas para os Jogos Olímpicos.
 
De fato, caros leitores, de acordo com o Anexo 1 do Regulamento da Fifa sobre o Status e a Transferência de Jogadores, os clubes somente estariam obrigados a liberar seus atletas para jogos de seleções nacionais caso tais jogos constassem previamente do Calendário Internacional da Fifa, ou que houvesse deliberação nesse sentido tomada pelo Comitê Executivo daquela Federação Internacional.
 
Por um lapso da Fifa, ou por outro motivo que desconhecemos, a Fifa não incluiu os Jogos Olímpicos de Beijing em seu Calendário Internacional, bem como não tomou qualquer deliberação no seu Comitê Executivo para determinar a liberação dos jogadores.
 
De acordo com os depoimentos feitos pelo presidente da Fifa, Joseph Blatter, bem como nos termos do Ofício Circular da Fifa nº 1153, alegou-se que a omissão no Calendário foi proposital (dado a importância inconteste dos Jogos Olímpicos), e que tal fato não prejudicaria a obrigação dos clubes de liberar seus atletas em decorrência dos efeitos da lei de usos e costumes (customary law) – tento em vista que a obrigação já encontrava-se em vigor de forma informal nas últimas olimpíadas.
 
Ocorre que, bastava um exame superficial da questão para perceber que a alegação da lei de usos e costumes não restava bem fundada. Não existe, de fato, lacuna em legislação de hierarquia superior (regulamento escrito da Fifa), que havia sido editada e republicada em sua íntegra neste ano.
 
Desta forma, o Tribunal Arbitral do Esporte, uma vez provocado, decidiu de forma acertada, retirando a imposição aos clubes (especificamente com relação aos três clubes envolvidos) que havia sido determinada pela Fifa e confirmada pelo juiz singular do Players´ Status Committee.
 
Apesar da aparente contrariedade aos princípios do olimpiismo, verificou-se mais uma vez que o princípio da segurança jurídica no futebol está sendo buscado pelo CAS.
 
Tendo em vista que os três jogadores atuaram em suas primeiras partidas após a decisão do CAS, devemos aguardar o desenrolar dos fatos para checar se os clubes exercerão os seus direitos de terem de volta os jogadores, executando o laudo arbitral expedido.
 
Manteremos os leitores atualizados sobre mais essa interessante demanda.

Para interagir com o autor: megale@universidadedofutebol.com.br

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Espírito olímpico

De onde eu lia dava para ouvir os gritinhos de Arnaldo, o bagre cego. Arnaldo e Oto, o morcego, viviam o entusiasmo da abertura dos Jogos Olímpicos em Pequim. Como eu não estava com humor para festas, procurei me concentrar no livro. Mas os ruídos de Arnaldo por cada coreografia não deixavam. Oto apenas suspirava: “Pouco me interessam os Jogos Olímpicos; quando muito, darei uma olhada no futebol”.
 
Aliás, quem idealizou as Olimpíadas foi um cidadão francês, o senhor Pierre de Freddy, mais conhecido como Barão de Coubertin, legítimo representante do machismo da época. Quando as mulheres entraram pela primeira vez nos jogos, em 1900, muitos dos homens do Comitê Olímpico ficaram indignados, principalmente o barão. Ele considerava a participação feminina uma traição ao ideal olímpico e acabou renunciando ao seu cargo no comitê em 1925, vencido por elas. De qualquer maneira, é preciso sempre lembrar que, na maioria dos casos, as mulheres praticam esportes criados para os homens, daí a nítida desvantagem que levam nos resultados. Elas deveriam criar seus próprios esportes.
 
O futebol apareceu pela primeira vez nos Jogos em 1900. Não constava do programa oficial, só que as coisas não eram tão organizadas assim e ele foi praticado à revelia da organização. O Brasil só se inscreveu nessa modalidade em 1952 e se deu mal. Caiu fora já nas quartas-de-final. De lá para cá fez pouquíssimo; nada que valesse a pena 90 minutos de torcida.
 
O futebol é um jogo, e todo jogo é egoísta. O jogador joga mais para si do que para os outros; no centro está o interesse do jogador de se beneficiar. Ele pensa menos no clube, na platéia, no país, do que no patrocinador. Porém, em segundo lugar vem aquele que o contrata, que o paga. Na época do amadorismo, em segundo lugar vinha o clube ou o país. Os tempos mudaram e o futebol virou uma mistura de jogo e trabalho. No que toca ao trabalho, o jogador tem patrão. Os jogadores profissionais de hoje, principalmente os mais famosos, são pagos pelos clubes e pelas grandes corporações: Nike, Reebok, Mizuno, Umbro, Adidas, etc. Se há alguma fidelidade da parte deles, é às corporações. Portanto, não me venham com essa história de dizer que fulano ou cicrano querem ir às Olimpíadas porque amam o Brasil. Que o amor que têm pelo Brasil transparece nos jogos da seleção brasileira. Que dizer da última Copa na Alemanha? Durante os jogos, quem ama, acima de tudo, o país, o clube, ou a cidade são os torcedores. Isso não quer dizer que os jogadores não amam muitas coisas além dos interesses corporativos: amam seus países, seus clubes, seus amigos. Na hora do jogo, entretanto, o interesse pessoal pesa mais, pelo menos no esporte profissional.
 
Era nisso que eu pensava quando bateram asas na porta da caverna. Saí para ver quem era e me deparei com Aurora.
 
“Não está vendo a abertura das Olimpíadas?”, perguntou a coruja.
 
“Não, não me interessa”, respondi.
 
“E a que você vai assistir?”, tornou Aurora a perguntar.
 
“O futebol”, eu disse.
 
“E o que você acha que a seleção brasileira vai conseguir?”, questionou a coruja com certa descrença em seu tom de voz.
 
“Talvez se saiam bem. São jovens, afinal, e os jovens são ardorosos e precisam de projeção. Nada melhor que os Jogos Olímpicos para lhes dar projeção”, concluí, não sem uma ponta de desânimo.
 
“Pois olha”, prosseguiu Aurora: “de minha parte já não acredito mais nisso. Prefiro menos hipocrisia; que os jogadores defendam aquilo que mais lhes interessa. Os jogos seriam Adidas contra a Nike, a Umbro contra a Fila, a Asics contra a Lotto, a Puma contra a Converse, e assim por diante. É por isso que durante as Olimpíadas assistirei ao canal Z33. Chega de hipocrisia”.
 
“Concordo com você, Aurora”, falei. “Também prefiro assim”.
 
Dias depois, enquanto Oto e Arnaldo soltavam seus “ais” e “uis”, o primeiro de indignação, o segundo de entusiasmo, enveredamos, eu e Aurora, pelo interior de sua toca até a sala daquela estranha TV. Sintonizamos no Z33. Nas escalações de Nike e Adidas, só nomes importantes. Foi surpreendente! Não tiramos os olhos do vídeo: um jogão! Nunca vi jogadores suarem tanto a camisa. Os prêmios eram dados em dinheiro na beira do campo, a cada gol, a cada jogada vistosa. Só não havia torcida; o povo, que ama os jogadores, que ama o país, que ama o clube não ama a Adidas. Quando muito, calça seus tênis.
 
Mas não importa, saímos da toca satisfeitos. Não havia hipocrisia, não havia Fifa, não havia COI, os jogadores não precisavam dar entrevistas e mentir dizendo que fariam de tudo pelo Brasil, ou pela Inglaterra, ou pela Alemanha. O que os movia, sinal dos tempos, era o dinheiro. Jamais recusariam uma boa oferta, mesmo que o dinheiro sobrasse. Portanto, esse era o mote do jogo. Que o assumissem! Bem mais ético do que fazer de conta que jogavam por outras coisas. Ah, e mais um detalhe: antes de começar o jogo, enquanto as bandeiras das empresas eram hasteadas, uma orquestra tocava os hinos das corporações em campo, e todos os jogadores sabiam cantá-los. Só a platéia, sem patrões, calava-se.
 

Quando voltei para minha caverna ainda pude ouvir o entusiasmo de Arnaldo: mais uma medalha de ouro para a China.

Para interagir com o autor: bernardo@universidadedofutebol.com.br

Leia mais:

Trocando as bolas
Aurora
Uma questão de critério
Sem intenção

* Bernardo, o eremita, é um ex-torcedor fanático que vive isolado em uma caverna. Ele é um personagem fictício de João Batista Freire..

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Esgoto, Cólera e Tuberculose

Esqueça a decisão do TAS que dá mais poder aos clubes e menos poder à FIFA, ou – pelo menos, ao COI. Se a FIFA quer que o COI tenha poder, aí é outra história, mas de qualquer maneira, esqueça isso. É um assunto muito óbvio pra essa coluna. Eu ia voltar a falar da já longa luta entre os principais clubes do mundo e os órgãos reguladores do futebol. Acho que já falei muito disso. Chega. Pelo menos por enquanto.

Um assunto muito menos óbvio acabou não ganhando a devida repercussão. Mas tem potencial para criar um estardalhaço absurdo. Não vai, mas que tem potencial, isso tem.

O caso foi o seguinte: na Itália, um torcedor do Nápoli ganhou na justiça uma ação em que a Internazionale terá que indenizá-lo em 1.500 euros. O motivo alegado pela justiça foi ‘danos existenciais’. Tudo porque torcedores da Inter colocaram faixas na partida disputada contra o Nápoli no estádio San Siro chamando os napolitanos de ‘Esgoto da Itália’, numa alusão ao problema que a cidade sofre com a coleta de lixo. Além disso, outras faixas diziam coisas como ‘Olá, sofredores de cólera’ e ‘Napolitanos têm tuberculose’. Aí o cara se sentiu ofendido, no caso existencialmente ofendido, enfiou um processo e vai levar uma pequena grana pra casa.

Ok, convenhamos que chamar alguém de ‘sofredor de cólera’ não é um negócio muito aplaudível. Ainda mais se a pessoa realmente teve algum problema do tipo, que não sei se é o caso. Entretanto, a ofensa mútua e bruta sempre foi um dos combustíveis do futebol. É quase que uma premissa do jogo. Você vai a uma partida para torcer, xingar e ser xingado. Quem acompanha futebol conhece essa regra não-escrita. É uma questão de costume, de tradição.

Pelo menos era assim. A sociedade e o futebol, por conseqüência, vêm sofrendo um processo de racionalização comportamental ao longo dos anos. Coisas que eram possíveis antes, hoje são reprimidas. Coisas possíveis hoje, serão reprimidas amanhã. Os esportes não fogem disso. Cada vez menos são permitidos os desvios comportamentais, principalmente de dirigentes, técnicos e jogadores. Tira um pouco da graça, claro, mas é uma transição socialmente imposta. Não tem muito o que fazer. Alguns chamam esse processo de ‘macdonaldização’, numa óbvia alusão à rede de fast-food estadunidense, que é essencialmente o processo em que as pessoas ficam tão preocupadas com o que os outros dizem que tudo acaba perdendo a graça, no caso o sabor. Tal qual um sanduíche feito em poucos minutos. Fica tudo meio pronto. Um tanto quanto previsível. Entretanto, essa limitação comportamental sempre ficou restrita aos atores do jogo, e não aos espectadores. Com essa imposição também migrando pro lado de fora do campo, a coisa toma outro rumo, que não necessariamente é legal.

Dá pra entender as razões que levam um juiz a dar uma sentença dessas, principalmente dada a onda de violência entre torcidas na Itália. Não acho que a moda vá pegar em outros lugares, mas – se pegar, o futebol certamente vai perder um pouco da sua graça e, talvez, um pouco do seu público. Futebol é um jogo, sim, mas a provocação entre torcidas faz parte do pacote. Tudo, obviamente, dentro dos limites aceitáveis. E o impasse todo talvez seja justamente esse. Cada dia que passa, o limite fica menor. Quanto o futebol irá agüentar sem mudar a sua essência?

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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Tecnologia! A quarta dimensão na capacitação profissional

“O maior risco é não fazer nada quando o mundo está mudando rapidamente.” (Walter B. Winstron)

Caros amigos peço licença para o nosso colega e colunista aqui da Cidade do Futebol, Alcides Scaglia para aproveitar a temática levantada por ele na sua coluna do dia 27 de julho, na qual abordou tão bem a questão da formação do profissional que deve atuar no futebol.

Aproveitando as 3 dimensões de conteúdos levantados por Alcides como pressupostos para a formação do sócio-educador-esportivo (conceitual, procedimental e atitudinal), poderíamos falar de uma 4º dimensão, a atualização tecnológica, que dialoga e está inserida nas demais, mantendo ao mesmo tempo suas peculiaridades.

Pode parecer modismo ou assunto batido dizer que o profissional atual deve utilizar a tecnologia na sua rotina de trabalho. Mas é necessário enfatizar que o que chamamos de atualização tecnológica transcende o simples aprender a usar o computador, enviar email ou assistir um DVD. Ainda que para alguns isso já se configure como um grande avanço.

Para tanto permito-me fazer um gancho para um almoço recente com um professor de importante e referenciada universidade inglesa, numa recente visita ao Brasil para debater futebol e ciência.

Longe de fazer comparações culturais e estruturais que com certeza influenciam na construção e desenvolvimento de uma área de conhecimento no seu campo prático de formação e capacitação, mas com um olhar sobre pontos interessantes que merecem ser pensados e refletidos por nós aqui no Brasil, tento reproduzir algumas das idéias trocadas.

No anseio de trocar impressões e experiências a cerca de como são formados os profissionais que atuam no futebol, tanto aqui como lá, entramos nas especificidades curriculares.

Um dos temas debatidos que mais me chamaram atenção foi a questão da análise e compreensão do jogo e o uso da tecnologia como parte desse processo.

Ao longo do curso de bacharelado os alunos são intensamente estimulados a estudarem, desenvolverem e aplicarem instrumentos de análise do futebol, que vão desde a compreensão do jogo em si, de seus elementos fundamentais, princípios técnicos, táticos, de planejamento e estratégia até ao estudo de tecnologia, de conceitos e estruturas, de processos, enfim, das etapas de desenvolvimento de um recurso tecnológico.

E porque estudar tecnologia? Ou como fazer isto? A primeira questão é que o computador é uma realidade, os recursos e otimização trazidos são, sem dúvidas , (e isto lá já foi superado) parceiros e não “dedos- duros” ou complicadores do trabalho. Desta forma o contato deve ser estimulado cotidianamente para criar-se uma familiaridade com a realidade tecnológica.

Sem o receio da competição com as máquinas, os ingleses já se dedicam a habituar-se e tornar-se experts no domínio delas, isto significa tornar-se apto para tirar o máximo de proveito dos recursos que podem nos fornecer, e o fazem de maneira estruturada, curricular, com uma série de disciplinas que desenvolvem o hábito e estimulam a capacidade de interpretação de informações e aplicação no campo prático.

Não nos aprofundaremos tanto para não nos alongar por demais, mas essa preocupação em inserir o aprendizado sobre e com tecnologia na formação do profissional, não vem desvinculado de uma proposta de um profissional moderno que deve, sobretudo, atentar para o que professor português Julio Garganta certa vez disse sobre a necessidade de recorrer à algum instrumento para ajudar na leitura e registro das informações do jogo, por mais que se tenha experiência.

Por isso acredita-se na necessidade da atualização tecnológica, não como um mero apreender a mexer nos equipamentos, mas sim aprender o processo no qual ela é desenvolvida e será inserida, compreendendo as possibilidades e estimulando a extração e aplicação de todo o recurso em prol do próprio trabalho, lembrando que tecnologia é recurso e processo a serviço do homem.

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

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Espécie em extinção

Como pode um time que acaba de ganhar de 6 a 1 de um adversário entrar em crise? Pois é. O Vasco que goleou o Atlético-MG na quinta-feira conseguiu a proeza de, mesmo com um placar elástico sobre um tradicional adversário, ver seus jogadores em discussões após a partida.

E tudo graças a uma declaração de Edmundo, que não gostou de ser substituído e acusou alguns jogadores do time de fazer “corpo mole”, emperrando uma atuação de gala do clube carioca e que tinha de tudo para ficar gravada na história como uma daquelas goleadas impiedosas do futebol.

Só que o Vasco não quis. E Edmundo não pegou leve, como geralmente fazem os jogadores quando seu time goleia. Ainda mais dentro de casa.

“Eu sei que isso vai dar polêmica. Mas eu estou aqui para isso”, declarou após disparar contra colegas de time e dizer que não entraria em campo no domingo contra o São Paulo.

Ou seja. Edmundo estava com a cabeça fresca quando tomou tal atitude. Sabia do que estava falando e pelo visto não se arrependia disso. Alegria dos jornalistas, admirado pelos torcedores apaixonados, não tão bem visto, especialmente em situações como essa, pelos colegas de trabalho.

Edmundo é, cada vez mais, uma espécie em extinção no futebol mundial. Será sempre um ídolo da torcida que defende. Porque quase sempre não consegue demonstrar pouco caso com seu clube. Mas será que cabe no futebol de hoje um profissional assim?

Com o êxodo de atletas, o que vemos a cada dia que passa é a baixa identificação do jogador com o clube que o revelou. Existe um certo conformismo entre os torcedores de que o ídolo é aquele que vai jogar no exterior. Por isso mesmo, é difícil encontrar uma relação de cumplicidade como a que existia entre clube e atleta anos a fio, como nos mostraram Pelé, Ademir da Guia, Zico, Junior e muitos outros.

Por isso mesmo quando um jogador torna-se uma personificação do torcedor de arquibancada, ele logo cai nas graças da torcida. Kléber é assim no Palmeiras. Jogador de técnica, forte e com raça. Mas que muitas vezes confunde força de vontade com violência. A torcida o idolatra, mas a imprensa não perdoa a cada novo deslize.

Existem outros por aí. Quase sempre esse cara será um grande ídolo. Mas sua vida dentro do futebol é cercada por polêmicas. Às vezes, isso rende frutos. Que o diga Eric Cantona, símbolo máximo da intempestividade dentro de campo e que, por conta disso mesmo, foi banido do futebol após desferir golpes de luta marcial num torcedor em pleno jogo do Campeonato Inglês!

Cantona é ídolo do Manchester United até hoje. E, também, garoto-propaganda da Nike, simbolizando a irreverência e “rebeldia” da marca. Só que Cantona soube trabalhar sua mente para isso. É muito mais fácil ser um bonzinho como Kaká ou David Beckham para conseguir ter dinheiro e sucesso no futebol.

O jogador que só fala a verdade é uma espécie em extinção. E quem perde com isso é o próprio futebol. Por mais paradoxal que pareça.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br

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De repente

Passado aqueles históricos momentos que marcaram entre nós a presença do Encontro Canarinho, verdadeiros deuses desta pátria de chuteiras, na expressão de Nelson Rodrigues, pairam no ar algumas perguntas…

 

Trago a mesma dúvida que assaltou Mino Carta (ISTO É nº 232) por ocasião do Mundialito: será que pode entregar-se à emoção da torcida quem deseja um Brasil dada por ele? Não, não pode. O futebol é o ópio da nação. A vitória futebolística interessa aos donos do poder, porque o povo, ao festejá-lo, já não sente que o estômago está vazio. O povo perde de vista o essencial e os donos do poder ganham segurança.

 

De fato, quem assistiu àquelas cenas incríveis no Aeroporto do Tirirical, ou àquelas outras na entrada do Hotel Vila Rica, onde centenas de pessoas se aglomeravam na doce ilusão de, num instante de sorte, desfrutar da suprema emoção de olhar um Sócrates, abraças um Júnior, tocar num Zico, só pode chegar a esta conclusão.

 

Porém, quem esteve presente ao “Elefante Branco”, ah…, me desculpem… Castelão, por ocasião do jogo Brasil x Portugal, pode repetir gostosamente a frase de um amigo meu: Rapazes… Eu vi! De repente eu vi o povo totalmente indiferente aos desesperados apelos do locutor do estádio pedindo palmas para Sua Excelência o Governador do Estado; De repente eu vi o surgir de uma estrepitosa vaia quando o mesmo locutor anunciou euforicamente a presença, na tribuna de honra, do Presidente do PDS. De repente, eu vi quando o povo que lotava os 71 000 lugares do Estádio caiu em contagiante gargalhada quando o já angustiado locutor anunciava a presença nas tribunas do Governador do Século.

 

Neste momento percebo que a resposta à minha pergunta pode ser outra. Noto que embora alegre, o povo estava atento, ciente da inquietante favela que ali ao lado via, sem entender, a presença daquele gigantesco monumento; ciente dos motivos eleitoreiros que levaram à construção daquele monstro de concreto armado; ciente do desrespeito a ele, povo, quando do “globalmente” divulgado desaparecimento das 5000 cadeiras distribuídas generosamente pelos dirigentes aos seus eleitos (ou eleitores?); ciente de que o preço de uma cadeira correspondia a 15% do novo salário mínimo da região; ciente de que enquanto se gasta trinta mil cruzeiros por dia na conservação do maravilhoso tapete verde, famílias vivem em condições sub-humanas bem próximas dali. Enfim… De repente percebo que o povo, ainda entregue à alegria do momento de glória futebolística, nem por isso deixará de reivindicar os seus direitos.

Para interagir com o autor: lino@universidadedofutebol.com.br

*Lino Castellani Filho é Doutor em Educação, docente da Faculdade de Educação Física/Unicamp, pesquisador-líder do “Observatório do Esporte” – Observatório de Políticas de Educação Física, Esporte e Lazer – CNPq/Unicamp, e foi Presidente do CBCE (1999/2003) e Secretário Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer/Ministério do Esporte (2003/06).


 

[1] Publicado no Cadernos do Terceiro Mundo, nº 49, out/nov/1982.