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Espécie em extinção

Como pode um time que acaba de ganhar de 6 a 1 de um adversário entrar em crise? Pois é. O Vasco que goleou o Atlético-MG na quinta-feira conseguiu a proeza de, mesmo com um placar elástico sobre um tradicional adversário, ver seus jogadores em discussões após a partida.

E tudo graças a uma declaração de Edmundo, que não gostou de ser substituído e acusou alguns jogadores do time de fazer “corpo mole”, emperrando uma atuação de gala do clube carioca e que tinha de tudo para ficar gravada na história como uma daquelas goleadas impiedosas do futebol.

Só que o Vasco não quis. E Edmundo não pegou leve, como geralmente fazem os jogadores quando seu time goleia. Ainda mais dentro de casa.

“Eu sei que isso vai dar polêmica. Mas eu estou aqui para isso”, declarou após disparar contra colegas de time e dizer que não entraria em campo no domingo contra o São Paulo.

Ou seja. Edmundo estava com a cabeça fresca quando tomou tal atitude. Sabia do que estava falando e pelo visto não se arrependia disso. Alegria dos jornalistas, admirado pelos torcedores apaixonados, não tão bem visto, especialmente em situações como essa, pelos colegas de trabalho.

Edmundo é, cada vez mais, uma espécie em extinção no futebol mundial. Será sempre um ídolo da torcida que defende. Porque quase sempre não consegue demonstrar pouco caso com seu clube. Mas será que cabe no futebol de hoje um profissional assim?

Com o êxodo de atletas, o que vemos a cada dia que passa é a baixa identificação do jogador com o clube que o revelou. Existe um certo conformismo entre os torcedores de que o ídolo é aquele que vai jogar no exterior. Por isso mesmo, é difícil encontrar uma relação de cumplicidade como a que existia entre clube e atleta anos a fio, como nos mostraram Pelé, Ademir da Guia, Zico, Junior e muitos outros.

Por isso mesmo quando um jogador torna-se uma personificação do torcedor de arquibancada, ele logo cai nas graças da torcida. Kléber é assim no Palmeiras. Jogador de técnica, forte e com raça. Mas que muitas vezes confunde força de vontade com violência. A torcida o idolatra, mas a imprensa não perdoa a cada novo deslize.

Existem outros por aí. Quase sempre esse cara será um grande ídolo. Mas sua vida dentro do futebol é cercada por polêmicas. Às vezes, isso rende frutos. Que o diga Eric Cantona, símbolo máximo da intempestividade dentro de campo e que, por conta disso mesmo, foi banido do futebol após desferir golpes de luta marcial num torcedor em pleno jogo do Campeonato Inglês!

Cantona é ídolo do Manchester United até hoje. E, também, garoto-propaganda da Nike, simbolizando a irreverência e “rebeldia” da marca. Só que Cantona soube trabalhar sua mente para isso. É muito mais fácil ser um bonzinho como Kaká ou David Beckham para conseguir ter dinheiro e sucesso no futebol.

O jogador que só fala a verdade é uma espécie em extinção. E quem perde com isso é o próprio futebol. Por mais paradoxal que pareça.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br

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No que você acredita?

Peço hoje (e mais uma vez) licença para falar de coisas que também são futebol, mas que não são sobre futebol. Não é tático, não é físico, não é técnico, nem é mental (até porque essa é somente uma divisão didática – não se pode dizer onde começa uma coisa e termina outra).
 
Gostaria de começar (sem a pretensão de querer ser o que não sou) adiantando apenas que vou extrapolar os limites que me são dados na formalidade do pensamento escrito e no bom senso.
 
Realmente o meu desejo é de, através desse espaço que tenho, protestar. Queria ser poeta, filósofo… Queria poder ter as palavras certas (e saber usar as palavras certas!).
 
Hoje estou como sempre. Concentrado, dedicado, determinado, atento e diria, num “estado de flow” bastante satisfatório (escrevo isso para deixar claro que o protesto independe dos meus estados de humor, autoconfiança ou qualquer outra coisa).
 
O que está diferente hoje é outra coisa. Não sei bem definir o quê.
 
Posso dizer que estou um tanto quanto assombrado com a capacidade de nós seres humanos de, em detrimento aos ideais, conhecimentos e paixão por aquilo que fazemos, mudar o rumo das coisas em nome de uma pseudo-estabilidade momentânea (pseudo-estabilidade em várias direções – social, econômica, no trabalho, etc.).
 
Honra, lealdade, coragem e respeito parecem ter se tornado apenas palavras bonitas para serem ditas em discursos vazios de realidade. O que se fala, não se escreve. O que se cobra, só se cobra para criar efeitos formais e impressionar.
 
Impressiona-me a incapacidade que nós seres humanos temos de defender aquilo que realmente acreditamos em momentos em que realmente somos submetidos a algum tipo de risco (porque é óbvio: sem risco, “andando conforme toca a banda”, em condições favoráveis é fácil defender um ponto de vista).
 
Parece que apoiando-se em muletas pode-se justificar certas incapacidades (sem buscar estórias ou metáforas e lugares distantes, não foi Pedro quem negou Cristo por três vezes? – sobrevivência?).
 
Oh instinto de sobrevivência, seria você necessariamente desprovido de caráter e convicções (as mesmas convicções que outrora, por diversos momentos se manifestara para apontar caminhos)?
 
Na música Vila do Sossego, Zé Ramalho canta:
 
“Oh, eu não sei se eram os antigos que diziam; em seus papiros Papillon já me dizia; que nas torturas toda carne se trai. Que normalmente, comumente, fatalmente, felizmente; displicentemente o nervo se contrai, oh, com precisão”.
 
Será que nascemos para trair na tortura que nos é imposta?
 
Será que os lobos em pele de cordeiro não podem ser devorados pelos próprios cordeiros?
 
Os seres humanos realmente me impressionam. O “futebol humano” realmente me impressiona.
 
Mas realmente o que mais me impressiona é o caminho de passividade e de desprendimento total de valores pelo qual tem percorrido a humanidade.
 
E por mais que não pareça:
 
“O tempo passa…”
 
Com certa freqüência acreditamos e deixamos de acreditar em coisas outrora incontestavelmente certas (ou incertas). Caímos, levantamos. Crescemos, nos apaixonamos. Novas verdades surgem, velhas mentiras deixam de existir.
 
Quase num passe de mágica deixamos de ter nossos heróis para nos tornarmos nossos próprios heróis. Desafios, conflitos, dificuldades, gente, solidão.
 
Amadurecemos!
 
Derrotas e vitórias, triunfos e desastres, tristezas e conquistas… à vida.
 
O tempo passa e para alguns de nós chega o dia em que nos damos conta de que não estamos onde imaginávamos estar 20 anos atrás. Nos damos conta de que por desatenção “demos conta” tarde demais de que a trilha tomada estava errada (quando é tarde demais?).
 
Vencer não é difícil. Difícil é a disciplina para vencer.
 
Ah, seres humanos estranhos que somos. Reclamamos da vida e das coisas que deixamos de fazer. Nos arrependemos, mas poucas vezes percebemos que no tempo do presente estava o segredo do tempo do futuro; no tempo do treino, o tempo da guerra; no tempo dos limites intrínsecos, o tempo das conquistas exteriores…
 
Todos querem vencer. Poucos querem se preparar para o dia da vitória.”
E por mais que não pareça, estou falando sobre futebol; porque por fim, ao invés de defendermos posições estáveis deveríamos defender ideais.
 
“(…) E há tempos/ nem os santos têm ao certo/ A medida da maldade/ E há tempos são os jovens/ Que adoecem/ E há tempos/ O encanto está ausente/ E há ferrugem nos sorrisos/ Só o acaso/ estende os braços/ A quem procura/ Abrigo e proteção (…)” (Dado Villa-Lobos/ Renato Russo/ Marcelo Bonfá)
 
O que está diferente hoje é outra coisa. Não sei bem definir o quê. Só sei que não é o futebol…

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Ausência

Caro leitor,

Informamos que a coluna de André Megale não será publicada nesta sexta-feira e aproveitamos o espaço para pedir desculpas pelo infortúnio.

Esperamos que a situação seja normalizada na próxima semana e estamos trabalhando para isso.

Obrigado!

Equipe Cidade do Futebol

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Queda desigual

Uma pesquisa publicada recentemente Centre for the International Business of Sport da Universidade de Coventry, da Inglaterra, fez um levantamento sobre as razões que levam os clubes de futebol ingleses a decretar falência. Os números impressionam.

Para se ter uma idéia, de 1986 a 2008, 56 clubes ingleses pediram falência. O clímax aconteceu em 2002, temporada em que os 03 clubes que foram rebaixados da Premier League faliram logo em seguida. Isso porque houve o colapso da ITV Digital, que prometia salvar a segundona britânica, e que serviu também como catalisador para a falência de 17 clubes entre 2001 e 2003.

Apesar de eventos externos também servirem como motivador da falência, como foi o caso da ITV Digital, a grande culpa ainda reside com os clubes. O estudo apontou que as principais razões que levam os clubes a pedirem falência são o rebaixamento de divisão, que acarreta em grandes perdas de receita, a inabilidade em reduzir custos, principalmente com salário de jogadores, e, por fim, a má administração do clube em si. 

Apesar de aparentemente saudável, o futebol inglês acumulou perdas somadas de mais de 01 bilhão de libras de 2001 a 2006, em todas as suas divisões, que conta com um total de 92 clubes. A saúde do negócio, portanto, não é tão boa quanto parece.

É claro que quando você olha pros 04 maiores, Manchester United, Chelsea, Liverpool e Arsenal, tudo parece muito bonito e muito bacana. Quando você olha o todo, porém, o buraco é mais embaixo. Bem mais embaixo. E esse é um problema que precisa ser administrado urgentemente.

Os clubes grandes, ganham muito dinheiro. Os pequenos, perdem muito dinheiro. Os clubes grandes não sobrevivem sem os clubes pequenos. Os pequenos não conseguem competir com os grandes. O desequilíbrio financeiro é gigantesco, e o sistema tende a gerar mais e mais perdas. O único jeito é fechar todas as portas de um jeito que todo mundo ganhe mais ou menos a mesma coisa e, dessa forma, você equilibra os ganhos e diminui muito as perdas individuais. Quem faz isso são as Ligas fechadas, notadamente as estadunidenses, como NBA, NFL e MLB. Ninguém entra, ninguém sai e todo mundo ganha a mesma coisa.

Será esse o futuro da Premier League?

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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Coluna inicial

Olá amigos da Universidade do Futebol.
É com grande satisfação que começo meus textos aqui neste espaço importante para o desenvolvimento de debates e reflexões acerca do futebol.
Sei também da grande responsabilidade e compromisso que firmo com todos vocês, críticos e sempre exigentes participantes desta comunidade que circula pelos corredores e caminhos da cidade do futebol, trocando experiência e compartilhando informações em busca de um denominador comum, um futebol cada vez mais estudado, sério, profissional e com aprofundamento concreto do conhecimento e da prática.
Por isso me apresso e convido-os a interagir conosco, frente a proposta de discutir tecnologia e futebol, assunto que faz parte do meu dia-a-dia, mas que ficará cada vez mais enriquecido com o amplo entusiasmo de todos vocês para participar com sugestões, debates e críticas.
Só assim podemos claramente debater temas pertinentes a atuação de todos nós, estimulando assuntos importantes sobre a tecnologia à serviço do futebol.
São várias as abordagens que buscaremos levantar para uma rica discussão. Desde a compreensão do termo tecnologia como recurso e processo, passando pelo viés do desempenho esportivo nas suas magnitudes técnicas, táticas e físicas, pelas questões de organização do espetáculo , do conforto do espectador e consumidor de futebol, pela capacitação individual e coletiva dos profissionais, enfim, por uma série de possibilidades e tendências que o futebol apresenta em relação ao uso e incorporação da tecnologia.
Fica aqui minha breve apresentação e no aguardo de desenvolvermos juntos um amplo e rico campo de discussão.
Até a próxima.

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

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www.distintivos.com.br

“É como ter um filho. Dá trabalho, você gasta muito dinheiro, mas sente o maior orgulho dele”
Luiz Fernando Bindi
Essa foi, até hoje, a melhor definição que ouvi de alguém que tem um projeto jornalístico sobre aquilo que faz. E ouvi assim, de surpresa, no ar, durante a apresentação de um “Beting & Beting”, no BandSports, mas que naquele dia era um “Beting & Bindi”. 

 

O primeiro “Beting” que fiz ao lado do Luiz Fernando Bindi, um cara que, naqueles 10 minutos antes de entrar no ar e mais na meia hora de bate-papo ao vivo tinha se mostrado uma pessoa nota 10, jornalista por vocação, amigo já na primeira conversa.

Bindi era formado em geografia. E apaixonado por futebol, como provavelmente metade da população brasileira, ou até mundial. Provavelmente só ele saberia dizer em quais rincões do planeta que o futebol não é tão popular como aqui. 

E dessa paixão surgiu, como ele dizia, o seu “filho”. O site www.distintivos.com.br, que tem 25.219 escudos de times de futebol de todo o mundo. Do Etoile Filante, de Burkina Faso, ao Palmeiras, a paixão de 15 milhões de torcedores, entre eles Bindi.

Palmeirense como um Beting, nascido em berço verde e branco, mas que quando cresce e tem de trabalhar, esquece as cores e apruma o microfone, ou o teclado do computador, para assumir a outra paixão: o jornalismo.

Sim, porque o Bindi é um dos mais bem acabados exemplos de que para ser jornalista você não precisa de diploma, mas de vocação. Até o último dia 22, Bindi trabalhava num escritório, na área da geografia. À noite e nos finais de semana, porém, ele assumia a profissão que abraçou por paixão. 

Bindi conseguia se dividir entre os comentários na rádio, textos na revista Trivela, no site do Milton Neves, participações sempre precisas no “Beting & Beting” e até mesmo textos mais acadêmicos aqui para a Cidade do Futebol.

E a impressão que se tinha é de que ele sempre era ótimo. Por dentro. Coerente. Competente. 

Bindi foi daqueles caras que só o jornalismo permite que nós conheçamos. Aquele sujeito que mostra que a sua “loucura” não é tão louca assim. Que existem outros que pensam que só o futebol vale. Que ele representa início, meio e fim de vida.

Na última vez que nos encontramos, celebramos juntos o título paulista do nosso Palmeiras, ainda no Palestra Itália. Já desprovidos da função jornalística, sabíamos que poderíamos ser torcedores. Contamos da emoção que foi ver Marcos ceder seu lugar a Diego Cavallieri no jogo da conquista. Da redenção de Marcos, se é que ele precisava de algo mais do Palmeiras na vida.

Na última quinta-feira, ainda atordoado pela ausência do amigo, fiz questão de ir ao Palestra para lembrar do Bindi. E saber que, onde ele estivesse, vibraria com os 4 a 2 sobre o Santos. Agora mais do lado da arquibancada do que das tribunas de imprensa. Parece que naquele jogo o Palmeiras acordou para o Brasileirão. Pena que o Bindi não estava lá para ver.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br

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A loteria tática do pênalti – loteria?

Pênalti é loteria! (caríssima, vale lembrar).

Como outrora lembrara o notável “Tenente Fulminato de Mercúrio” (mais um dos notáveis do Café dos Notáveis), o Chelsea, o Fluminense e outras tantas equipes (em diferentes níveis e categorias), acreditando ou não na loteria “penaltiana” já sentiram o caro preço de não serem “premiadas” no meticuloso acaso lotérico.

 

Ainda que o senso comum acredite e a mídia em geral reforce que pênaltis e disputas por pênaltis sejam loteria (capricho do acaso), para os profissionais (realmente profissionais) do futebol, que vivem da vitória, o enfoque a esse evento do jogo deve receber atenção também profissional.

Basta lembrar da Copa do Mundo de 2006, no jogo em que a seleção da Alemanha venceu a seleção da Argentina na disputa por pênaltis. O goleiro alemão Jens Lehmann (discutido e rediscutido por ganhar a posição do seu compatriota Oliver Kam) defendeu dois pênaltis argentinos e colaborou substancialmente com a vitória de sua equipe. Ao final do jogo, confessou ter consigo anotações sobre estatísticas que indicavam onde os cobradores argentinos tinham maior probabilidade de chutar a bola durante as cobranças (um estudo que rastreou pênaltis naquele ano e em anos anteriores a Copa de 2006).

Se pênalti realmente é loteria, digamos que Lehmann e seus treinadores criaram uma alternativa para potencializar as chances de ganhar o “grande prêmio”.

Alguns estudos vêm sendo realizados ao longo do tempo para investigar a cobrança de pênalti no futebol. Alguns sob a perspectiva dos cobradores, outros na perspectiva dos goleiros. Ainda que de uma forma geral muitos deles se arrisquem a um reducionismo descontextualizado, todos de certa forma podem trazer alguma contribuição.

As variáveis determinantes para o êxito ou fracasso na cobrança de pênaltis têm caráter multifatorial aleatório, de tal forma que é quase impossível dominar todas as variáveis ao mesmo tempo para que se alcance a excelência (o êxito 100% – tanto para quem cobra o pênalti quanto para quem tenta defendê-lo).

Então, se de fato é quase impossível dominar 100% desses multifatores aleatórios é plausível e bem razoável admitir que é possível dominar um número considerável (considerável qualitativamente) desses fatores.

Algumas pesquisas tem se dedicado a analisar questões técnico-estratégicas de goleiros e cobradores em diversos países do mundo. Analisam desde a “leitura corporal” que o goleiro faz para tentar “prever” a direção em que o batedor chutará a bola até os fatores que poderiam aumentar as chances de insucesso em um tiro penal.

Algumas dessas pesquisas tentam responder por exemplo porque a maior parte dos goleiros de futebol defende de 10% a 24% dos pênaltis que são cobrados no gol, e o que diferenciaria uma pequena parte desses profissionais que conseguem defender mais do que 30% dos pênaltis a que são submetidos (estudos de Salvesbergh, Kamp, Willians e Ward no ano de 2002; Franks, Hanvey em 1997; Burwit em 1993, dentre tantos outros…).

Existem basicamente dois tipos de cobradores de pênalti. Aqueles que são goleiro-dependentes e aqueles que são goleiro-independentes.

Os goleiro-dependentes são aqueles cobradores que baseiam sua cobrança na leitura que fazem da postura e movimentação do goleiro; e que portanto antes da autorização do árbitro não têm definido qual lugar do gol a bola será direcionada.

Os batedores goleiro-independentes são aqueles que independente da movimentação do goleiro já têm um lado definido para a cobrança do pênalti.

Existem também basicamente dois tipos de goleiros (referente à cobrança de pênaltis). Há aqueles que são batedor-dependentes e há aqueles que são batedor-independentes. Os primeiros definem seu posicionamento e deslocamento a partir da movimentação do cobrador e o segundo tipo arrisca um canto independente da movimentação empregada.

Dados de pesquisas que estudam os goleiros apontam para o fato de que os guarda-redes com maiores êxitos nas defesas são aqueles que fazem melhor leitura corporal da movimentação do cobrador e que esperam o máximo possível para definir o lado que saltarão para defesa (sem dar ao cobrador indícios do que irão fazer – outras pesquisas apontam ainda que não é o tempo de reação a variável determinante para o êxito dos goleiros, já que ele não se difere entre os goleiros que têm ou não êxito nas defesas).

Como essas coisas podem ser ensinadas e desenvolvidas, é possível aumentar significativamente as chances dos goleiros nas cobranças de pênaltis em que a bola atinge regiões “alcançáveis” do gol (deve-se levar em conta ainda que a maior parte dos pênaltis cobrados atingem essas regiões).

Dados de pesquisas que estudam os cobradores apontam para o fato de que os batedores que são goleiro-dependentes aumentam suas chances de acerto quanto mais cedo (durante seu deslocamento em direção a bola para o chute) definirem qual será o lado da cobrança. Tais pesquisas apontam também para o fato de que os batedores goleiro-dependente são sensíveis a estímulos visuais vindos do goleiro (e portanto podem ser induzidos para essa ou aquela conclusão, do onde chutar, a partir desses estímulos).

A partir dessas e outras indicações científicas podemos de certa forma fazer algumas reflexões.

Em primeiro lugar, os goleiros batedor-dependentes podem aumentar potencialmente as chances de defender pênaltis se; 1) aprenderem “ler” as ações do batedor (e aí as pesquisas indicam que a posição da perna de apoio é uma das melhores referências), 2) aprenderem a esperar o máximo possível para efetivamente definir qual o lado que a bola será chutada e por fim 3) descobrirem quais estímulos visuais podem criar para causar dúvidas no batedor para induzirem a cobrança a um ou outro lado.

Em segundo, estatisticamente, são os goleiros batedor-dependentes àqueles com maior chance de êxito nas defesas, porque independente do tipo de cobrador (goleiro-dependente ou goleiro-independente), esse tipo de goleiro busca informações nas ações do batedor para tentar identificar onde a bola será chutada.

Os goleiros batedor-independentes só terão aumentadas as suas chances de êxito se (e somente se) os cobradores forem goleiro-independente e eles (os goleiros) tiverem informações prévias a respeito dos batedores.

Ao analisarmos pela perspectiva dos batedores, aqueles que são goleiro-dependentes terão aumentadas a sua vantagem, se enfrentarem goleiros batedor-independentes e poderão ter problemas ao enfrentare
m goleiros batedor-dependentes.

Aqueles que são goleiro-independente terão suas chances diminuídas ao enfrentarem goleiros batedor-dependentes e poderão tê-las aumentadas se enfrentarem goleiros batedor-independentes.

É claro que quem cobra o pênalti, sob o ponto de vista técnico-estratégico, tem vantagens (que podem ser facilmente explicadas pela Matemática e pela Física) sobre quem tenta defendê-lo. Mas como já mencionado anteriormente, o êxito ou fracasso têm dependência multifatorial. Desta forma há também dados que mostram que sob o ponto de vista estratégico-emocional a vantagem estaria do lado do goleiro.

Talvez Lehmann, o goleiro alemão, tivesse sido traído pelas estatísticas se os batedores argentinos fossem goleiro-dependentes. Talvez alguém mais persuasivo possa convencer a todos nós de que “pênalti” é sorte (sorte?).

Podemos aceitar ou não que pênalti é loteria.

Se não aceitarmos, teremos que buscar alternativas e possibilidades para melhorar o desempenho de goleiros, jogadores e equipe.

Se aceitarmos, só o que poderemos fazer é ficar torcendo.

Até mesmo para ganhar na loteria é preciso jogar.

Tenhamos cuidado no entanto, com o reducionismo simplista de algumas pesquisas. Tenhamos cuidado com as negações totais e definitivas; mas tenhamos mais cuidado ainda com as crenças, sortes e loterias do acaso simplista (que acaso?).

Termino hoje então com um poema. Não porque é belo, mas porque alcança a profundidade que é necessária para se compreender aquilo que é necessário: a essência.

Lágrima de Preta (de Antônio Gedeão)

Encontrei uma preta /que estava a chorar, / pedi-lhe uma lágrima / para a analisar.
Recolhi a lágrima / com todo o cuidado / num tubo de ensaio / bem esterilizado.
Olhei-a de um lado, / do outro e de frente:/ tinha um ar de gota / muito transparente.
Mandei vir os ácidos, / as bases e os sais, / as drogas usadas / em casos que tais.
Ensaiei a frio, / experimentei ao lume, / de todas as vezes /deu-me o que é costume:
nem sinais de negro, / nem vestígios de ódio. / Água (quase tudo) / e cloreto de sódio.

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

 

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O futebol e os Jogos Olímpicos

Caros amigos da Universidade do Fubebol,

Poucos esportes podem se dar ao luxo de não depender dos jogos olímpicos para existir. O futebol é um deles.

Imaginem os nossos leitores. Diversos esportes, como por exemplo o arco e flecha, sobrevivem da distribuição solidária de receitas dos jogos olímpicos, que ocorre a cada 4 anos. Essa receita auferida por essas pequenas federações internacionais tem que suportar grande parte das despesas de todas as federações nacionais (e eventualmente regionais) durante o intervalo entre uma olimpíada e outra.

Não é fácil.

No caso do futebol, essa dependência não existe. A exemplo do tênis, os atletas de futebol não se preocupam tanto com os jogos olímpicos. No caso do futebol, claramente a Copa do Mundo é mais importante do que os Jogos Olímpicos.

Nesse contexto, temos que nos atentar aos clubes de futebol. Haja vista a não dependência da família do futebol pelos Jogos Olímpicos, e também à fortuna que despendida com a contratação e manutenção daqueles principais jogadores, os clubes relutam em liberar seus jogadores para mais esse compromisso internacional, sob o risco de sofrerem lesões, etc.

Isto posto, a grande discussão que hoje se apresenta é se os clubes devem ou não liberar seus jogadores para o compromisso olímpico. 

Claro está que os 3 jogadores por Nação acima 23 anos (exceção deliberada durante o Congresso da FIFA de 1994 em Los Angeles) não devem obrigatoriamente ser liberados. Existe apenas um apelo da FIFA pela liberação sob o manto da solidariedade olímpica.

Mas a grande discussão gira em torno dos jogadores sub-23. A FIFA se manifestou pela obrigatoriedade dos clubem em liberá-los. Os clubes também se manifestaram no sentido oposto.

Já existem casos em andamento no Tribunal Arbitral do Esporte, discutindo supostas imperfeições jurídicas nos regulamentos que tratam da matéria em sede esportiva. Por uma questão de confidencialidade, ainda não podemos nos manifestar a respeito.

A solidariedade olímpica deve ser mantida, quanto a isto não restam dúvidas. Porém, a estrita legalidade deve sempre ser observada em prol da igualmente fundamental segurança jurídica das partes envolvidas.

Para interagir com o autor: megale@universidadedofutebol.com.br

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Coisas que vêm para coisas

Sessenta milhões e quinhentos mil euros. Aproximadamente cento e cinqüenta milhões de reais.

Esse é o total da dívida dos clubes espanhóis da primeira e segunda divisão com jogadores. Como uma boa parte dos clubes devedores pediu falência, isso significa que uma parcela significativa desse montante não será pago.

Tudo isso lá na Espanha, país de primeiro mundo e recém-expoente do mundo esportivo, seja pela Olimpíada de Barcelona ou pelo Real Madrid, Barcelona, Nadal e Alonso. Apesar de isso por vezes suscitar que a Espanha é um modelo esportivo a ser seguido, esse fato indica que não.

Não que isso seja um fenômeno isolado do futebol espanhol. Acontece também, e muito, na Inglaterra. Clubes não conseguem arcar com as dívidas, contraídas principalmente por culpa da necessidade de contratar e pagar jogadores, e acabam decretando falência.

Lá na Inglaterra, isso acontece muito porque os custos de disputar a Premier League. Para que um clube recém promovido consiga ter um mínimo de esperança em se manter na PL do ano seguinte, ele necessita investir pesado em jogadores. Obviamente que esse investimento muitas vezes não é sustentável. Quer dizer, quase nunca é sustentável. Aí, como o time está num mercado de transferências com certa escassez de talento, ele acaba fechando contratos longos com os jogadores. Mas aí, quando o clube volta pra Segundona, ele tem que arcar com as despesas de salário do ano anterior. Como a diferença de receita da Premier League pra Championship League, a Segundona, é absurdamente grande – principalmente por causa do contrato de TV, ele não tem como arcar com os custos, e aí decreta falência.

Esse problema ficou tão grande que a Premier League teve que tomar duas medidas: 1) Institui o chamado ‘pagamento pára-quedas’ para amenizar o impacto do rebaixamento. Com esse pagamento, o clube que cai de divisão tem direito a uma pequena parcela da receita dos clubes da PL, de forma que ele tenha menos dificuldades para lidar com a nova realidade. Com isso, a PL consegue evitar que os clubes rebaixados quebrem tão facilmente e torna o negócio um pouco mais sustentável. E 2) Qualquer plano de recuperação falimentar precisa priorizar o pagamento dos jogadores. Antes de qualquer outro credor, quem recebe a grana de uma futura reestruturação do clube, o pelo menos daquilo que estiver sobrando no bolso, para pagar jogadores. Com isso, a PL dá condições, ainda que mínimas, para evitar o problema que acontece hoje na Espanha.

Isso é um processo natural, uma vez que, em um mercado de competição, com grandes somas de dinheiro vêm grandes desigualdades.

É aquela velha história. Existem males que vêm para bem. E bens que vêm para mal. E males que vêm para mal. E bens que vêm para bem.

Enfim, você entendeu.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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Sem intenção

Eu dormia quando senti baterem em meu ombro. Acorda! Esfreguei os olhos e lembrei a Oto, meu morcego de estimação e confidente, que não gostava de ser acordado durante os jogos amistosos da seleção. Era quando eu tirava os atrasos de sono.
 
“Mas é importante”, guinchou o morceguinho. “Também dormi e só acordei agora, quase no fim do jogo”.
 
“O que é então?”, perguntei, e ele contou que teve um pênalti marcado pelo juiz no começo do segundo tempo e o comentarista da TV disse que não o apitaria porque o zagueiro não teve a intenção de derrubar o atacante.
 
“Ah, Oto! Isso não tem a menor importância”, respondi sonolento. Aquele assunto me aborrecia, pois eu não suportava essas conversas de comentaristas de arbitragem. Dei uma desculpa qualquer e voltei a me concentrar no sono.
 
Mas o morcego continuou tagarelando no meu ouvido: “Como é que a gente pode saber qual é a intenção do outro? O juiz consulta o jogador antes de apitar?”.
 
Oto tinha razão: aquilo não fazia sentido. De qualquer maneira o quiróptero não me daria trégua mesmo, a TV passava os melhores piores lances e resolvi acordar de vez. “Vamos ao dicionário”, convidei.
 
Fomos ao Houaiss, que nos foi de pouca ajuda. Disse-nos que intenção é aquilo que se pretende fazer. É um propósito, um plano, uma idéia, uma coisa que está lá dentro de cada pessoa. Se é assim, como podem os juízes e os comentaristas de futebol saber o que se passa dentro dos jogadores? Ainda mais no tempo tão curto de uma jogada. O léxico nos sugeriu ainda saltar da página 1631 para a 2692: lá estava o antepositivo tend, que quer dizer dirigir-se para, tender para, inclinar-se. De forma que a tarefa do juiz seria perceber qual a inclinação do jogador quando ele toca a mão na bola dentro da área, por exemplo, ou qual a sua tendência.
 
Quem sabe suas excelências, os senhores árbitros de futebol, não possuam uma competência inata de ler nas expressões faciais, nas torções corporais ou tensões manuais dos jogadores suas intenções de cometer ou não penalidades?
 
O pior é que quando uma coisa entra na minha cabeça ela só sai quando fica resolvida. O sono não voltaria mais enquanto a intenção estivesse ocupando meu cérebro. Decidido, chamei o morcego: “Vamos ao Merleau-Ponty”, eu disse.
 
“Quem?”, perguntou o morcego.
 
“Aquele do livro grosso, vermelho, que fica ao lado direito da minha escrivaninha”, respondi.
 
O filósofo da fenomenologia da percepção não é fácil. Deu-nos trabalho garimpar o que havia nele para nos ajudar a entender melhor nossos queridos comentaristas especializados e juízes de futebol quando julgam as ações dos jogadores pelas intenções (ando desconfiado de que essa coisa de julgar intenções é mais dos comentaristas que dos juízes). Valeu a pena, mas nos causou uma enorme surpresa: o pessoal da TV tem razão e fui eu que os julguei mal. De fato, há uma intenção contida em tudo que desejamos. Portanto, ao observador meticuloso talvez não escape a intenção por trás de um chute, de um esbarrão, ou de um carrinho dado por um jogador de futebol. Sei que não é fácil perceber isso no átimo de tempo que dura uma jogada decisiva, mas essa dificuldade acomete somente a nós, simples mortais; aos especialistas da bola, escudados por seus microfones e apitos, é perfeitamente possível.
 
O Sr. Merleau-Ponty ainda nos disse, trocando em miúdos, que tudo aquilo que nós explicamos sobre alguma coisa é verdadeiro, pois pensamos de acordo com nosso ponto de vista. Portanto, todas as vezes que o juiz e o comentarista julgarem a intenção do ato cometido pelo jogador, eles acertam. Não há como errar, pois, na verdade, eles estão julgando suas próprias intenções e não as dos jogadores.
 
A essa altura Oto se descabelava, ou melhor, eriçava todos os pelos da sua cara de rato. Demorei a tirá-lo do estupor: “Vamos, Oto, vamos falar com Aurora, nossa reserva de sabedoria”.
 
“De jeito nenhum!”, retrucou o morcego. “Aquela megera de rapina quer me comer com rodelas de batata! Bem sei”.
 
Com muito custo, levei-o à entrada da caverna e chamei a coruja. Ela nos atendeu, sempre gentil, Oto escondido no bolso de minha camisa, e lhe contei o que nos atormentava.
 
“Tenho uma idéia”, ela disse. “Em minha toca mantenho um aparelho de TV aparentemente igual aos outros, mas que pode ser sintonizado em um canal diferente de todos os demais. Ele realiza na tela nossos desejos. Quase nunca o assisto porque ele sempre me causa decepções profundas”.
 
“Decepções com quem?”, perguntei.
 
“Comigo mesma”, respondeu Aurora.
 
“Pois eu gostaria de ver um jogo apitado por um juiz segundo as intenções dos jogadores”, eu disse. “Só tem um detalhe: eu queria levar Oto comigo, mas ele acha que na primeira oportunidade você vai transformá-lo em banquete”.
 
“Bobagem!”, ela disse. “Ele é cismado comigo. Eu jamais faria mal ao seu melhor amigo”.
 
Consultei Oto, ele concordou, e lá fomos nós para o buraco de Aurora. Esgueirei-me com dificuldade pela abertura da toca. Lembrei-me que preciso diminuir a cerveja e aumentar as caminhadas. Lá dentro, para minha surpresa, abria-se um amplo e confortável salão. Ao lado de um sofá florido estava o televisor, aparentemente normal, até que a coruja sintonizou o canal Z33. Um jogo de futebol começava. De um lado uma equipe toda de vermelho, do outro uma de amarelo, no centro, o árbitro, de negro.
 
No começo, nenhuma novidade: bola para cá, bola para lá, a partida seguia morna, até mesmo enfadonha. De repente um dos alas da equipe vermelha cruzou a bola na direção da área adversária e ela tomou rumo inesperado. O goleiro esticou-se todo, mas a redonda alojou-se caprichosamente no canto superior direito. Gol! Não, o juiz apitou somente tiro de meta.
 
Vaias da platéia, protestos dos jogadores de vermelho, uma confusão danada, mas não teve jeito. Segundo sua excelência, não era intenção do ala fazer o gol, mas sim cruzar; o goleiro, sem dúvida, teve a intenção de defender a pelota.
 
Nova saída, bola do time amarelo e o volante avançou pela direita. Ele serviu o centroavante, que, na hora de fazer o giro na direção do gol, foi travado pelo zagueiro. Pênalti claríssimo! Mas o juiz mandou a jogada seguir. A confusão foi maior ainda. Teve torcedor invadindo o gramado, veio a polícia, mas não adiantaram os protestos. Segundo sua excelência, a intenção do zagueiro era apenas pegar a bola, jamais o adversário.
 
No seguimento da jogada, a equipe vermelha, com três toques, deixou o meia-atacante na cara do goleiro. O afoito volante de contenção dos amarelos veio correndo por trás, desceu-lhe o sarrafo e não acertou nada. O meia passou pelo goleiro e saiu com bola e tudo pela linha de fundo. “Pênalti!”, assinalou o austero juiz.
 
Passo seguinte, ele foi cercado pelos jogadores de amarelo, tomou três ou quatro empurrões e, imediatamente expulsou um zagueiro que nem se aproximou dele. N
ão se aproximou, mas, segundo sua excelência, tinha a intenção clara de dar-lhe um soco, via-se em seu semblante. E, sem qualquer sombra de dúvida, o volante amarelo premeditou a falta na área; só não a concretizou por falta de habilidade, mas seu comportamento traduzia com perfeição suas más intenções.
 
Nem a penalidade foi cobrada, nem o jogo prosseguiu. Sua excelência saiu de campo escoltado pela polícia, aos berros e aos chutes dos jogadores de ambas as equipes, e sob uma chuva de celulares. Ao todo, a partida durou exatamente 13 minutos. Fora do estádio a polícia prendia todos os torcedores que, segundo ela, tinham a intenção de criar algum tipo de confusão.
 
Eu e Oto estávamos aos berros, possessos, decepcionados.
 
“Esse juiz é louco”, gritava o morcego. “O seu Merleau-Ponty diria que, num caso desses, o juiz estava era apitando suas próprias intenções. Assim não há torcedor que agüente!”.
 
E já nos preparávamos para sair quando percebi que Aurora se mantinha estranhamente calada. Esgueirando-se, aproximara-se e estava a menos de um passo de mim. Oto, confiante nas garantias oferecidas pela coruja e excitado pelo jogo, saíra de meu bolso e, depois de esvoaçar pelo salão, pousara em meu ombro esquerdo. No exato instante em que eu me levantava do sofá, Aurora deu o bote.
 
Só deu tempo de eu me virar para a direita e colocar minha mão entre o bico da ave e o pescocinho do quiróptero. A bicada furou-me o dedo. Com o sangue escorrendo, investi contra Aurora. Peguei-a pelo pescoço e gritei: “Você disse que eu podia confiar em você. Oto poderia estar morto não tivesse eu percebido suas malignas intenções”.
 
“Desculpe-me”, disse a coruja. E recolheu-se ao fundo da toca.
 
Eu entendia, não era a intenção de Aurora bicar Oto, mas era sua natureza. Contra isso ela nada podia fazer. Lá fora a lua terminava seu passeio. Os primeiros clarões anunciavam um belo dia que eu não veria do fundo de minha caverna.

Para interagir com o autor: bernardo@universidadedofutebol.com.br

 

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* Bernardo, o eremita, é um ex-torcedor fanático que vive isolado em uma caverna. Ele é um personagem fictício de João Batista Freire.