Por razões de pesquisa, encontro-me no momento em Liverpool, onde não vou ficar por muito.
Ainda bem, diga-se de passagem. Por mais que sempre haja um certo glamour em se viajar para o exterior, em especial para paises como a Inglaterra, a verdade é que Liverpool pouco tem a oferecer, principalmente pra quem retorna.
A cidade, a princípio, parece ser muito maior do que realmente é. O mito que paira sobre a região é enorme, mas a realidade em pouco condiz com o imaginado. O fato de Liverpool ter sido berço de uma das maiores bandas da historia, e por ser casa e dar nome a um dos mais famosos times de futebol do planeta, faz com que Liverpool pareça uma metrópole.
Nem perto disso.
Liverpool é uma cidade mediana, como tantas outras na Inglaterra. Hoje é praticamente um subúrbio de Manchester. Sua população esta próxima de 400 mil habitantes. Em um passado distante e glorioso, foi uma cidade que teve uma importância muito grande durante a Revolução Industrial, devido a sua grande área litorânea que foi quase que inteiramente preenchida pelo porto. Estrategicamente, Liverpool servia muito bem ao comércio da Inglaterra com os Estados Unidos, e também como escoamento da produção industrial de Manchester. Por conta disso, desenvolveu um certo parque industrial voltado principalmente para os serviços marítimos.
Com o crescimento de Londres, com o desenvolvimento de novas tecnologias e com a decadência do império britânico, Liverpool foi perdendo sua importância. Desde o começo do século XX, a cidade amarga uma intensa recessão. Em uma pesquisa de 1998, foi considerada a pior cidade para se morar na Inglaterra, principalmente por causa da sua alta taxa de desemprego, violência e degradação. Hoje é uma cidade deprimida.
O futuro, porém, traz esperanças. Em 2008 será a capital européia da cultura. Por conta disso, obras de revitalização estão sendo realizadas por toda a cidade. Ruas e parques estão sendo reformados, e novos prédios e complexos comerciais estão sendo construídos. Entretanto, paira a incerteza sobre a eficácia das reformas. Há uma suspeita de que elas amenizem temporariamente a situação atual, mas que em alguns anos tudo pode voltar a ser como é hoje.
O clima também não ajuda em nada. Chove quase todo dia, e a media de temperatura não ultrapassa 20ºC durante o ano. Durante o inverno, faz frio, mas não tanto para que se tenha neve, ou seja, o inverno tem frio e chuva, alem de pouco mais de seis horas de sol por dia.
Não por acaso, os poucos espaços sociais disponíveis são muito valorizados, em especial os pubs, que são uma mistura de bar com hotel, e que servem como um grande centro agregado das comunidades locais.
É dentro desse cenário que cresce o futebol, que serve como uma espécie de escape pra boa parte das mazelas geográficas, econômicas e sociais. Não à toa os clubes são tão valorizados e os torcedores tão identificados com o time. Alguém certa vez disse que em Liverpool, “as mulheres são feias, a comida é ruim e o clima é horrível. Graças a Deus existe futebol”.
Dessa forma, clubes oferecem mais a comunidade do que meramente o jogo do futebol. Pelo contrario, clubes são efetivamente parte da comunidade. Alguns dizem que a comercialização recente afastou os clubes de seus torcedores, e que hoje o papel comercial e o papel social são conflitantes. Outros argumentam que, na verdade, a melhora estrutural dos clubes permitiu que eles passassem a oferecer mais a comunidade agora do que antes. O comercial de fato ajudou o social.
Seja lá qual for o seu ponto de vista, e fato que a relação dos torcedores com os clubes na Inglaterra, e seus diversos significados, diferem muito daquela dos torcedores com os clubes no Brasil. Ou na Alemanha. Ou na China. Ou na Argentina. Ou na Guatemala.
E é justamente por isso um dos fatores pelo qual não se deve levar o exemplo do futebol inglês muito a risca quando se pensa no futebol brasileiro. Ou qualquer outro exemplo do mundo.
Não é que o futebol inglês seja melhor que o brasileiro.
E também não é que ele seja pior.
Não é uma questão de juízo de valor.