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A regulamentação dos e-sports no Brasil

Com o estrondoso sucesso dos esportes eletrônicos, surgiu neste setor um vasto mercado a ser explorado e, com essa onda, trouxe à tona a necessidade de regulamentação do mercado de apostas esportivas online.

Com o avanço da internet e a constante evolução da tecnologia virtual na criação de novos games, passaram a ser cada vez mais interativos e competitivos e, com isso surgiu a modalidade eSports (modalidade esportiva virtual). As pessoas que antes jogavam sozinhas em suas casas, ou em grupos (no mesmo console), agora podem jogar conectados à internet – online, interagindo e competindo com jogadores de todo o mundo.

Eles contam com um espetáculo que ultrapassa os campeonatos oficiais e estende-se para plataformas de vídeo e streaming, em que é possível ver jogos casuais entre jogadores – ou pro-players – famosos, receber dicas e interagir com personalidades icônicas do cenário, cativando cada vez mais aficionados pelo esporte. No Brasil o cenário não é diferente, inclusive, nos últimos anos, clubes desportivos como Cruzeiro, Flamengo, Corinthians e Santos investiram em seus próprios times de eSports.

No cenário nacional há uma grande promoção em apostas esportivas, sendo impulsionado por personalidades para divulgar os sites de aposta por meio de tráfego pago (tráfego pago se refere aos visitantes que chegam até um site, loja ou página por meio de anúncios publicitários em plataformas específicas) e de referência (resume basicamente o que um link faz ao levar uma pessoa de um site para outro), para que haja um maior engajamento e disseminação da informação.

Diante deste cenário, considerando que no Brasil os jogos de azar e locais que promovam – bingos ou cassinos – são terminantemente proibidos, esta coluna tem por objetivo desmistificar as apostas esportivas no cenário dos eSports e seu atual arcabouço regulatório. Para isso, torna-se necessário apresentarmos um breve conceito histórico sobre os jogos de azar.

No Brasil os jogos de azar são proibidos por força do decreto-lei 9.215/46, bem como na Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei 3.688/41), que aduz sobre exploração de jogos de azar em lugar público ou acessível ao público.

Conforme dispõe o artigo retromencionado, consideram-se jogos de azar: (I) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; (II) as apostas sobre corridas de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas e (III) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva.

O decreto teve como fundamentação o fato de que os jogos de azar eram nocivos à moral e aos bons costumes e, consequentemente, todas as casas de jogos operavam no Brasil foram fechadas. Apesar de tal proibição ser da década de 1940, é importante notar que a lei continua vigente e, consequentemente, jogos de azar continuam proibidos no Brasil. Dessa forma, é questionável como tantas personalidades icônicas, estão jogando, apostando, inclusive algumas vezes fazendo transmissões ao vivo via plataforma streaming (Twitch) vez que tal prática enquadra a uma contravenção.

A resposta ao questionamento anterior é simples, vez que o fato de a aposta ser realizada no ambiente virtual, ou seja, por meio da internet, é o fator-chave permissivo aos usuários e apostadores, por não estarem locados em território brasileiro.

Nesse contexto, é possível dividirmos as apostas em três modalidades, quais sejam: (I) apostas legais, como a loteria controlada pela Caixa Econômica Federal e as corridas de cavalo organizadas em hipódromos autorizados; (II) apostas ilegais, como as conduzidas em cassinos e (III) uma modalidade de apostas que se encontra em um vácuo legislativo, visto que não há uma regulamentação clara, sendo essas as apostas esportivas feitas em ambiente virtual.

A falta de clareza da legislação brasileira permanece e nos conduz a uma brecha interpretativa de que incorre na contravenção o local, físico ou virtual, que promova apostas no território brasileiro. Desta maneira, o que se pode perceber é que caso o site estiver hospedado em um servidor no exterior, o apostador não estaria incorrendo em crime algum. Vale dizer que o Direito Penal brasileiro se adota, via de regra, o princípio da territorialidade, segundo o qual aplica-se a lei brasileira ao crime cometido em território nacional. Há exceções, mas que não se encaixam ao presente caso.

A conclusão a que se chega é de que se o indivíduo está apostando em um site com servidor sediado em um país estrangeiro onde apostas são legalizadas, ele não estaria incorrendo em contravenção penal – a atividade seria análoga à do brasileiro que viaja para Las Vegas e utiliza seu cartão de crédito para apostar nos cassinos da região. Desse modo, embora os jogos de azar sejam ilegais no Brasil, tal proibição não se aplica ao brasileiro que, pela internet, aposta em um site estrangeiro sediado em um país onde a aposta é legalizada.

Após uma breve análise do atual cenário regulatório das apostas no Brasil, resta claro que este deve sofrer modificações, a fim de tornar a legislação sobre apostas mais adequada à época em que vivemos, principalmente considerando a explosão que teve o mercado de apostas esportivas e de jogos virtuais no Brasil.

Enquanto não há regulação, os sites estrangeiros continuam dominando o mercado das apostas esportivas no Brasil e, consequentemente, captando recursos de apostadores brasileiros que poderiam ter destinos como, a seguridade social, o FNSP, as entidades e unidades executoras de escolas públicas, entre outros, previstos no artigo 30 da lei 13.756 – que trata sobre a destinação do produto da arrecadação da loteria -, caso a loteria de apostas fosse brasileira e regulamentada nos moldes do que prevê o supramencionado artigo 29.

É inegável que quanto mais o Governo Brasileiro prorroga a regulamentação das apostas esportivas no Brasil, maior é o ganho que ele deixa de ter. Os dados apontam que as apostas esportivas online movimentam bilhões de dólares por ano, sendo esse valor totalmente remetido ao exterior. Embora o Governo Brasileiro cobre Imposto de Renda dos apostadores sobre os rendimentos obtidos com apostas online no exterior, tal valor é ínfimo perto dos benefícios que poderiam ser obtidos caso as apostas acontecessem aqui no Brasil – ainda mais se considerarmos não apenas os impostos que incidiriam sobre as empresas de aposta, mas também a geração de empregos e todo o valor que deveria ser revertido para a sociedade como produto da arrecadação da loteria.

Diante do exposto, conclui-se que a efetiva regulamentação das apostas no Brasil, considerando o atual contexto, é mais do que necessária e deve ser realizada o quanto antes. É pertinente observar que as apostas esportivas só aumentaram nos últimos anos e, enquanto não há sua regulação, os sites estrangeiros consolidam-se no mercado nacional. E no tocante ao cenário esportivo, a criação de equipes de eSport pelos Clubes Desportivos torna-se mais uma maneira de divulgação da marca do Clube nacionalmente e internacional. Deve ser vista como uma estratégia de visibilidade, podendo angariar novos torcedores, investidores e patrocinadores, principalmente no cenário atual onde toda e qualquer receita adicional poderá impulsionar os clubes a novos patamares.

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O menino e a bola

“Bola na trave não altera o placar, bola na área sem ninguém pra cabecear, bola na rede para fazer o gol, quem não sonhou em ser um jogador de futebol?”. Este é o refrão da música “Uma partida de futebol”, composta por Nando Reis e Samuel Rosa e imortalizada pela banda mineira de pop rock Skank. 

Pois bem, no país latino americano chamado Brasil, colonizado a partir de  1500 por europeus vindos de Portugal, ao longo do tempo construiu sua própria cultura e história em meio a tantas diversidades e adversidades, tendo nesse período contribuições de diferentes etnias e culturas de várias partes do globo terrestre, dentre elas, a de um homem que ficará marcado para a eternidade, pois, retornando da Inglaterra, onde permaneceu por aproximadamente dez anos até a conclusão de seus estudos,  desembarcou em São Paulo no final do século XIX, trazendo consigo duas bolas, um par de chuteiras e um livro de regras de um novo jogo chamado futebol. Seu nome? Charles William Miller, ou simplesmente, Charles Miller.

Desde então, esse esporte foi ganhando espaço em todas as camadas sociais, chegando ao ponto em que, quase como uma regra, quando nasce uma criança aqui no Brasil, se ela for do sexo masculino, um de seus primeiros presentes será uma bola e uma roupa estampada com o símbolo de um futuro time do “coração”. Nesse meio tempo, a criança, desde pequena, vai interagindo e tentando dominar esse brinquedo, e por muitas vezes acaba sendo dominada por ele, o que só aumenta o seu encanto por esse objeto.

Não diferente, eu também fui um menino que foi arrebatado pelos encantos desse objeto chamado bola. Quando ainda pequeno, por volta dos 5 anos, lembro de ter ganhado uma de presente dos meus pais e, desde então, nossa relação foi constante e permanece até hoje. No início, brincava sozinho e não queria dividir ela com ninguém. Certo tempo depois, comecei a ter que compartilhá-la para poder brincar com os amigos da vizinhança. 

Nessa época, brincávamos onde podia e “não podia”. Ainda me lembro dos gritos de minha mãe dizendo: “Aí não é lugar de jogar bola! Vai quebrar as flores do meu quintal e sujar as roupas que estão limpas no meu varal.” Continuava esbravejando: “Esses meninos não têm jeito!”. Mas a rua era o nosso lugar predileto, porém, com o crescimento urbano e o aumento de veículos no trânsito, esse lugar teve que ser transferido. Assim, com a ajuda de alguns pais e moradores (adultos e crianças), um campinho de terra foi construído em um terreno baldio que ficava em frente à minha casa. Foi então que, no prazo de uma semana, um mutirão garantiu o novo espaço para jogar.

O interessante de se contar é que nesse espaço jogavam homens, crianças e até mulheres. Digo isso porque, em nossa sociedade, esse lugar é tido como um ambiente quase que exclusivo para o sexo masculino, mas em nosso campo não, elas tinham espaço, mesmo que alguns na vizinhança dissessem que lá não era lugar de mulher. 

O tempo foi passando e chegou o momento de ir para a escola. No primeiro ano esse novo ambiente não era muito diferente daquilo que tinha vivido até ali, pois no antigo “prezinho”, as brincadeiras ocupavam o maior tempo da rotina escolar. No entanto, a partir do ano seguinte as coisas começaram a mudar e o espaço das brincadeiras foi perdendo lugar para as coisas “sérias”. O tempo que as crianças permaneciam sentadas e imóveis na suas carteiras já era maior do que o que elas tinham para se movimentar, extravasar etc., pois tinham que dar conta das intermináveis tarefas, inclusive as lições de casa.

Foi assim que o menino peralta, com tanta energia fora da escola correndo atrás de uma bola ou na hora do recreio, parecia ser outra criança, a ponto de a professora chamar os seus pais e recomendar que o levasse ao médico, pois seu comportamento era de uma criança apática, e tudo indicava que poderia ser uma anemia. 

Minha mãe, seguindo tal recomendação me levou ao médico e fez todos os exames necessários, mas clinicamente, não havia nada de errado, e ela se pôs a perguntar: “Como pode um menino, que nas horas em que está em casa não para um minuto sequer, e na escola não tem a mesma energia?”. Ainda me recordo de ter escutado as conversas de minha mãe com meu pai sobre as queixas da professora a meu respeito, em que ele dizia que o melhor a fazer era me tirar da escola, pois quando eu ficasse maior, se assim eu desejasse, voltaria aos estudos. Porém, minha mãe dizia que lugar de criança é na escola e não iria fazer isso. 

            Foi nesse contexto que me formei na educação básica, embora não tenha tido nenhuma reprovação. O que fazia era memorizar e esquecer os conteúdos logo depois das provas, que, para mim, pouco tinham sentido. Tanto é que, quando concluí o Ensino Médio não queria saber de continuar os estudos. Logo consegui meu primeiro emprego em uma indústria têxtil no período noturno como ajudante de maquinista. 

Nesse período, pude refletir o quanto é difícil a vida de um operário, uma vez que as condições de trabalho não são as melhores, entre elas, baixa remuneração, periculosidade (ruídos, altas temperaturas, poluição etc.); não tendo uma perspectiva de carreira. Foi então que, conversando com os amigos do futebol de várzea, comecei a pensar em outras atividades que valorizassem melhor o trabalhador. Nesse momento, investi em um curso profissionalizante de solda e desenho mecânico para concorrer a uma vaga, em meu município, de soldador em uma empresa metalúrgica multinacional, pois esses mesmos amigos me disseram que poderiam me ajudar a conquistar esse emprego, o que de fato ocorreu.

            Embora, nesta empresa, as condições de trabalho fossem um pouco melhores em relação à indústria têxtil, logo percebi que também não haveria muitas perspectivas de crescimento pessoal e profissional. Foi em meio a essas reflexões que me pus a perguntar o que realmente eu gostava de fazer, chegando à conclusão de que a bola e o esporte sempre estiveram presentes na minha vida e, assim, deveria cursar Educação Física.

            Foi por esse motivo que conheci a obra “Educação de Corpo Inteiro”, do professor João Batista Freire e, desde então, me interessei por pesquisar mais sobre seus temas, dentre eles,  a “Pedagogia da Rua”, expressão que o autor utilizou como uma metáfora no livro Pedagogia do Futebol, em que  se discute o modo de ensino desse jogo, trazendo a ideia de que a “rua” tem seu próprio modo de ensinar em nosso país, o qual deveria ser investigada para se tornar, de fato, uma pedagogia, isto é, uma ciência que tem como objeto de estudo os processos de ensino e aprendizagem.

            Nesse sentido, acredito que também fui educado pela “Pedagogia da Rua”, a qual reconheço que teve e tem um valor muito grande na pessoa que sou. Aprendi, por exemplo, a conviver com as diferenças, resolver os conflitos em que nos envolvíamos, e a ser responsável pelos meus atos, a vivenciar valores de justiça e injustiça, ou seja, nesse espaço pude ser o protagonista da minha própria história, o que na escola, como um mero receptor de informações, era praticamente impossível.  

Acredito que as coisas que aprendi na “rua” foram além dos conteúdos formais da escola, oportunizando ensinamentos para toda a vida. Assim, para que essa pedagogia possa se tornar realidade, e um dia estar presente nas escolas brasileiras, faz-se necessário refletir e conhecer de modo mais aprofundado o fazer pedagógico que há nesse ambiente.

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É possível uma poética do tempo-espaço no futebol?

Vocês sabem que um dos motivos por que o jogo de futebol é apaixonante está precisamente na sua pluralidade. O jogo de futebol não é uno – é múltiplo, são vários. Se vocês preferirem uma linguagem mais científica (que não deixa de ser poética), podemos emprestar as palavras do professor Jorge Olímpio Bento, para quem o desporto, onde o futebol está incluído, tem um caráter polimórfico e polissêmico, ou seja: assume formas e sentidos muito diversos, que portanto talvez dependam de outras variáveis que não apenas a objetividade.

Vejam o caso do tempo e do espaço, por exemplo. Uma das coisas que nos afligem quando pensamos o tempo e o espaço no jogo de futebol é que eles residem numa certa dimensão de abstração: embora a gente saiba mais ou menos do que se trata, nós não sabemos ao certo como dizê-lo. Na impossibilidade de defini-los, vamos fazendo deles mais palpáveis. Por exemplo, ainda que digamos que pequenas mutilações que fazemos do jogo de futebol acontecem por razões puramente didáticas (algo como mutilações do bem), elas continuam sendo feitas, e não deixam de ter uma expressão importante exatamente na separação entre tempo e espaço. Quando escrevo tempo-espaço no título deste texto, escrevo não apenas porque é bonito, mas porque talvez seja uma das formas de pensá-los a partir de uma poética, não apenas de uma metódica. Estão, ao mesmo tempo, juntos e separados por um hífen – de um modo que seja possível pensá-los em conjunto, um pensamento meio que siamês, sem desconsiderar as particularidades de cada um.

Este me parece um ponto precisamente importante porque a poética de qualquer coisa – e do tempo-espaço no futebol não seria diferente – reside precisamente na ambiguidade. O que é uma metáfora ou uma hipérbole, na própria linguagem, se não um alargamento do tempo e do espaço que moram no pé da letra? Nós vivemos um momento, que não é específico do futebol mas se reflete na gente, em que confiamos cegamente nos supostos avanços do que chamamos de ciência, ou do que chamamos de tecnologia (acho que as duas palavras, via de regra, são mal aplicada), mas acho que é menos uma expressão de confiança do que da fé, é quase que uma religião, são novos ídolos, de uma forma que não apenas não somos capazes de exercer continuamente a própria falseabilidade característica da ciência – ou seja, a capacidade de refutação consistente de uma teoria, para prová-la cientifica – como também, e especialmente, estamos perdendo de vista tudo aquilo que não se considera como ciência. No caso do tempo-espaço, temos diversas mensuráveis de controle do espaço percorrido, das intensidades a partir das quais o espaço é percorrido, do estresse fisiológico causado por um certo espaço percorrido em uma certa intensidade, temos milhões de mensuráveis objetivas – mas isso não significa que elas possam dar conta de todo o nosso pensamento e de toda a nossa prática. A objetividade almeja um certo grau de universalidade, mas a subjetividade, a quem se atribui um caráter menor, perigoso, impreciso e subversivo, é capaz de explorar um outro caminho, que faz da nossa experiência única, irrepetível – e é a partir da exploração mais poética da subjetividade que podemos, a meu ver, não apenas dar à ciência parte do que lhe falta, como dar à universalidade os graus de pluralidade, de que falávamos no começo do texto. A poética do tempo-espaço não deixa de ser uma busca pela particularidade, pela originalidade, não apenas pela cópia.

Reparem, por exemplo, que o tempo-espaço no jogo de futebol está fatalmente vinculado à noção de tática. A noção de tática, por sua vez, está vinculada à uma contribuição científica muito importante: ocupação e/ou gestão individual, grupal e coletiva dos espaços de jogo. Mas aqui, me permitam fazer dois deslocamentos. O primeiro é mais óbvio: se acabamos de argumentar em favor do tempo-espaço, então a tática seria não apenas uma ocupação/gestão do espaço, mas uma ocupação/gestão do tempo-espaço. Depois, acho particularmente interessante o peso da palavra gestão: a gestão do tempo-espaço presume uma certa administração do tempo-espaço, uma certa manipulação, a partir de uma postura eventualmente planejada, deliberada, calculada e controlada – de um modo que o tempo-espaço do jogo de futebol seria dependente dass habilidades de quem o controla, seja o jogador que joga ou – especialmente hoje em dia – os treinadores e treinadoras que treinam, uma vez que estamos cada vez mais crentes, embora não se assuma isso explicitamente, de que o jogo de futebol existe para atender às nossas vontades, aos nossos saberes e, especialmente, às nossas ideias. Não me parece uma visão de todo acurada. Sobre isso, aliás, publiquei um longo texto na última semana.

Uma poética do tempo-espaço no jogo de futebol é possível, a meu ver, se estivermos dispostos a relativizar nossas capacidades de controle. Ou, se vocês preferirem, se entendermos que o tempo-espaço de jogo não está abaixo, mas acima das nossas vontades. Um dos motivos está no caráter autotélico do jogo, no fato de que o jogo, inclusive como elemento que antecede a cultura, é um fim nele mesmo. O que podemos fazer, de fato, são apostas: apostas em projetos de jogo mais curtos ou mais longos, em projetos de jogo mais posicionais ou mais móveis, em projetos de jogo mais ativos ou mais passivos (inclusive no sentido clássico de passividade – aquele que se deixa levar pelas paixões), de um modo que talvez uma poética do tempo-espaço de jogo seja menos uma gestão e mais uma relação com o tempo-espaço: não depende apenas das deliberações ativas de um ou mais sujeitos, mas depende da qualidade individual/grupal/coletiva das relações que fazemos com o tempo-espaço, reconhecendo que eles não se apresentam como serviçais das nossas vontades, mas se apresentam como querem se apresentar, de acordo com a imprevisibilidade do conflito de forças presente no jogo – de um modo que nos desafia, continuamente, a oferecer respostas mais refinadas ao jogo, de um ponto de vista que não é apenas tático, nem técnico, nem físico, nem mental – mas humano, na sua inteireza.

Por isso, gostaria de insistir na ideia da ambiguidade, de que falávamos acima. Temos uma noção bem clara de que mais tempo-espaço para a tomada de decisão são variáveis positivas. Mas vejam bem, sabendo que o tempo-espaço são finitos (pelas próprias demarcações espaciais e cronológicas do jogo), portanto não é que precisemos sempre de mais tempo-espaço, precisamos nos relacionar com o tempo-espaço disponível de um ponto de vista contextual. Se atraio um adversário com uma condução para propositalmente fixá-lo no meu setor e libertar um espaço às suas costas, estou ao mesmo tempo diminuindo e aumentando o tempo-espaço: diminuo para mim, enquanto portador da bola, mas aumento para um potencial homem livre, ou mesmo para um terceiro homem. Entendem o que quero dizer? Não é que precisemos sempre de mais tempo-espaço, é que à busca por mais tempo-espaço se sucedem buscas por menos tempo-espaço, porque a relação com o tempo-espaço de jogo não é apenas uniforme, linear e objetiva, mas ambígua, incerta, contraditória, particular, singular e sim, é subjetiva. O que um Neymar é capaz de fazer, como fez ontem contra o Bayern de Munique, é um tipo de propriedade que só ele tem, de um modo que qualquer modelo de jogo, por mais cientificamente planejado que seja, não pode desconsiderar que o tempo-espaço de um Neymar é outro, é múltiplo, enxerga o que muitos dos outros não veem e, por isso, subverte a própria relação com o jogo. Não por acaso, uma poética do tempo-espaço também é uma subversão, uma certa violência (simbólica), uma relação atípica, mas incomum, única, particular, irrepetível, capaz fazer do tempo-espaço, no singular, tempos-espaços, no plural. E aqui abrimos um outro mundo. 

Sobre o qual conversamos em breve.

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O olhar do desenvolvimento humano para as categorias de base

Crédito imagem: Thais Magalhães/CBF

Quando falamos de “base”, podemos começar fazendo um trocadilho: qual base os clubes fornecem para estas categorias?

Antes de tudo, vamos entender seu real significado segundo o dicionário:

BASE – substantivo feminino

1.parte inferior de alguma coisa, considerada como seu suporte

2. Construção

m.q ALICERCE (‘maciço de alvenaria’)

Precisamos aprender a olhar para a base como alicerce na construção do cidadão. Fala-se muito em jogador, craque, competitividade, nível técnico, talento, clubes, negociação e tanto outros termos tão conhecidos no mundo fascinante do futebol. Fala-se tanto sem falar de “alguém”, sem olhar para aquele indivíduo, aquele menino ou aquela menina, que muitas vezes, por conta da idade, não tem estrutura, uma base interna emocional e intelectual para tantas cobranças, tantos termos que não o traduz. Espera-se muito retorno sem dar suporte. Se continuarmos assim, arrisco dizer que nossas categorias de base poderão se transformar em uma “fábrica de seres humanos frustrados”. Precisamos olhar com mais responsabilidade social, emocional e intelectual para esse cenário. E, só assim, conseguiremos virar esse jogo e fazer das categorias de base um suporte para o desenvolvimento humano e até, quem sabe, uma “fábrica de realização de sonhos” para futuros adultos.   

Vamos lá, vou agora contextualizar os aspectos do desenvolvimento.

Um dos motivos do desenvolvimento humano ser tão complexo é que as mudanças ocorrem em muitos aspectos diferentes do eu. Para simplificar, podemos falar separadamente sobre o desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial em cada período da vida, mas na verdade, tais aspectos estão entrelaçados. Cada um deles afeta os outros.

As mudanças no corpo, no cérebro, na capacidade sensorial e nas habilidades motoras são todas partes do desenvolvimento físico. As mudanças na capacidade mental – tais como aprendizagem, memória, raciocínio, pensamento e linguagem – constituem o desenvolvimento cognitivo. O crescimento da memória de uma criança, por exemplo, contribui para a experiência emocional da ansiedade de separação: quando a criança começa a ser capaz de se lembrar do passado e projetar o futuro, seu desenvolvimento emocional é afetado.

O autoconhecimento desenvolve-se continuamente a partir da infância. O crescimento cognitivo que ocorre durante a terceira infância (dos 6 aos 12 anos) permite aos jovens desenvolver conceitos mais realistas e mais complexos de si mesmos e de sua capacidade de sobreviver e ter êxito em sua cultura. A autoestima desenvolve-se à medida que as crianças começam ver a si mesmas como integrantes valiosos na sociedade.

Segundo Diane E. Papalia, autora do conhecido livro “Desenvolvimento Humano”, podemos categorizar, dos 6 aos 12 anos de idade, o período da Terceira Infância; e dos 12 aos 20 anos de idade, o período da Adolescência. Dessa forma, entende-se que, quando falamos de categorias de base ou formação, estamos literalmente falando de um indivíduo em sua formação integral humana.

Ir à escola, ficar longe dos pais, lutar para conquistar seu espaço no grupo de amigos, frustrar-se com tarefas, sentir-se aceito e outras experiências “comuns” às faixas etárias que me refiro já fazem um grande “estrago” na evolução cognitiva, mental e emocional se não forem bem elaboradas e direcionadas. Agora, imagina só quando falamos em realidades como morar fora de casa, não ter a escola como seu principal ambiente de amadurecimento psicossocial, quando a necessidade de se sentir aceito não é apenas por “um grupo de amigos”, mas sim por uma torcida inteira apaixonada pelo time. E vamos além: muitas vezes, o que se escuta é que “serve ou não serve” aquele “produto” para o time. São muitos valores humanos negligenciados e regendo a vida de um adolescente.

E então, o que acontece muitas vezes é que o “dar certo” ou o “não dar certo” vai para a conta do comportamento do (a) atleta, como se todo esse cenário citado não influenciasse diretamente em suas competências comportamentais (a disciplina, o comprometimento, a tomada de decisão, o trabalho sob pressão etc.). Acaba se tornando mais conveniente para os tomadores de decisão sobre o futuro do atleta falar que “a personalidade de fulano é que é difícil de lidar.”

Outro ponto importante, que vamos mais uma vez recorrer a Papalia:

Personalidade é a maneira peculiar e relativamente consistente de uma pessoa sentir, reagir e se comportar.  Que pode ser alterada e moldada a partir do desenvolvimento social, sendo a referência principal a partir das relações com os outros e o ambiente no qual o indivíduo está inserido.

Após toda essa resenha sobre um pequeno fragmento do desenvolvimento humano (que é infinitamente mais complexo), fica claro que se focarmos em estruturar uma base sólida de desenvolvimento integral do cidadão, que considera desenvolver o ser humano em suas dimensões intelectual, física, emocional e social/cultural, estaremos mais seguros de que o atleta estará muito bem acolhido pelo sujeito. E, assim, assertivamente conseguirá atingir melhores resultados em todas as áreas da sua vida.

Porém, se o foco permanecer nos resultados, estaremos “atropelando” e “rejeitando” um ser humano que não é ainda “conhecedor de si”, e sim “apenas” dono de um talento, que pode ser por ele mesmo perdido.

Ser reconhecido, carregar títulos, conquistar contratos milionários deve ser visto como consequência de um indivíduo bem estruturado internamente e em constante evolução. O resultado, quando vem da consistência diária de bons hábitos e bons valores, torna-se um propósito de vida que vai muito além de ganhar ou perder.

Aí sim, caminharemos com as categorias de base!

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O peso do contexto no futebol

Crédito imagem: Lucas Figueiredo/CBF

A flexibilidade é uma das principais características que um treinador deve desenvolver para ser bem sucedido no futebol. Adaptabilidade é fundamental no alto rendimento. Claro que há ideias e conceitos de jogo que são inegociáveis. O próprio perfil de liderança e gestão de grupo também deve ter uma ideia macro. Porém se o sucesso mora nos detalhes – e de fato mora – há particularidades que devem ser específicas e circunstanciais para cada trabalho desenvolvido.

O contexto de cada clube traz implicações diretas na atuação do treinador na criação de uma forma de jogar. E o primeiro ponto de tudo é entender primeiramente as características dos jogadores que se tem. Os atletas condicionam as ideias, nunca o contrário. E claro que a qualidade do grupo está muito atrelada à gestão, finanças, análise de desempenho, dentre outras coisas que são do clube. Nunca é só um elemento. É sempre sistêmico.

Esse próprio cenário vai determinar se a equipe tem condições de título ou se luta apenas para se manter na divisão. E sabemos que isso mexe diretamente com a parte mental dos jogadores. Fica muito mais difícil, por exemplo, ter coragem nas ações com a bola quando se está sempre na corda bamba. Diante disso, a condução do grupo por parte do treinador também deve ser estritamente circunstancial. E se estou falando tanto de contexto, as relações com o ambiente também devem ser singulares. A maneira de lidar com cada diretoria, torcida e imprensa é diferente e única em todo lugar do mundo.

O melhor técnico de hoje não é o que tem mais conhecimentos técnicos, táticos e metodológicos. Nem o que já teve no passado, excelente liderança e habilidades de comunicação. Mas sim o que entra em ‘estado presente’ no aqui e no agora e que com isso consegue rapidamente perceber tudo ao seu redor e agir com eficácia. A soma e a correlação das habilidades e conhecimentos prévios é o que vai garantir a performance de hoje. O técnico é contratado pelo que fez ontem, mas conseguirá resultados se conseguir se moldar ao que o hoje pede.

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Governança corporativa -A auditoria externa

O tema abordado neste quarto artigo da série sobre Governança Corporativa no Futebol é a auditoria externa; discutiremos assuntos relacionados às funções e perfil do auditor, etapas, pontos positivos e negativos do processo.

O PAPEL DO AUDITOR EXTERNO

O auditor externo tem como seu principal papel identificar a real situação do clube, independente de balancetes e demonstrativos financeiros, e averiguar se os resultados são condizentes com a realidade.

O processo de divulgação de informações é uma garantia fundamental para assegurar a confiança dos grupos de interesse internos e externos no trabalho feito pela gestão de um clube.

Para garantir um processo adequado de auditoria externa, é necessário buscar profissionais qualificados, competentes, independentes e isentos de qualquer relação com o clube.

Cabe ao auditor portanto revisar métodos e sistemas internos de controle para buscar formas de aperfeiçoar, sugerindo melhorias, apontando falhas e otimizando o processo através de relatório.

Recomenda-se que no processo exista rotatividade periódica entre os responsáveis pela realização da auditoria para que dessa forma o processo mantenha-se isento e independente, em um ciclo seguro para todas as partes interessadas.

A auditoria interna também faz parte do processo de auditoria externa, de forma que ela se faz um instrumento importante de controle, deve ser realizada por um comitê fixo que atua de forma independente da auditoria externa, mesmo sendo recomendável a troca de informações entre ambas.

O parecer deve ser sempre elaborado e apresentado de forma clara e objetiva, contendo o escopo, tarefas executadas, ponto de vista e a responsabilidade assumida pela auditoria independente.

Via de regra, as recomendações da auditoria externa devem ser reportadas diretamente ao conselho de administração, que em sequência deverá encaminhar as recomendações aos departamentos responsáveis e conselhos do clube.

Visando assegurar a independência dos auditores nunca devem haver serviços extras prestados pela mesma empresa, como consultoria financeira ou de gestão, por exemplo, em paralelo ao trabalho de auditoria.

IMPACTO DA ESCOLHA DE AUDITORES EXTERNOS PARA PARCEIROS COMERCIAIS, INVESTIDORES E ACIONISTAS:

Os impactos na escolha de auditores externos podem ser divididos em positivos e negativos, com resultados distintos para o auditado:

IMPACTOS POSITIVOS:

-Análise dos demonstrativos: A análise é capaz de apontar possíveis falhas e indicar a melhor maneira de corrigi-las.

-Melhoria dos controles internos: Por não participar do dia a dia do auditado, o auditor é capaz de verificar de forma mais crítica

os processos, apontar falhas nos registros e através de relatórios apresentar resultados para os gestores da empresa poderem reavaliar

os métodos utilizados e buscarem o aperfeiçoamento qualificando os controles internos e prevenir erros e fraudes.

-Facilidade na obtenção de crédito: O documento assinado pelo auditor contábil legalmente habilitado induz

credibilidade para a organização junto ao mercado de capitais, pois demonstra transparência nos procedimentos. Assim, fica mais fácil

acessar fornecedores e instituições financeiras para a obtenção de empréstimos e condições favoráveis de pagamento.

-Segurança financeira: As análises sistemáticas procedidas nos dados contábeis e financeiros da empresa tendem a inibir a prática futura de atos lesivos a empresa. A auditoria confere segurança ao auditado na medida em que reduz-se os riscos de erros, evitando-se por exemplo, notificações ou autuações do fisco por falhas nos cálculos e recolhimentos dos tributos. Essa segurança garante, automaticamente, confiabilidade do mercado externo, facilitando a atenção de investidores.

-Governança Coorporativa: Administrar com números confiáveis favorece à tomada de decisões assertivas. Com informações detalhadas em mãos e com o aval de um auditor externo, os gestores da empresa conseguem entender melhor o próprio negócio, ampliar a visão e visualizar até mesmo novas oportunidades de investimentos.

Com uma boa auditoria externa periódica torna-se mais fácil o planejamento da empresa com vistas à competitividade e à sustentabilidade do negócio, favorecendo assim um ambiente de segurança para gestores e demais envolvidos ou que dependem da entidade.

IMPACTOS NEGATIVOS:

-Fraude e erro: Presente em quase todos os segmentos, fraudes e erros são os maiores impactos negativos possíveis dentro de uma auditoria externa.

A fraude pode ser caracterizada por manipulação, falsificação ou alteração de registros, apropriação indébita de ativos e diversas outras formas.

-Adequação de evidência: Compreende as informações utilizadas pelo autor para a chegar às conclusões em que se fundamentam a sua opinião. A quantidade necessária da evidência é afetada pela avaliação do auditor dos riscos de distorção relevante e também pela qualidade da evidência da auditoria, sejam elas físicas, documentais, analíticas ou testemunhais.

-Isenção: É ilusório considerar que um auditor chega a um processo de auditoria ISENTO de informações; as informações chegam através de diversos canais previamente mesmo que sem premeditação, através da mídia por exemplo. Além disso, no caso do Futebol, caso o auditor externo tenha ligação com o clube, seja como torcedor ou outras questões pessoais, o processo pode resultar em considerações tendenciosas, positiva ou negativamente.

-Práticas não escrituradas: As práticas esportivas no Brasil aceitam medidas que não podem ser escrituradas, por exemplo o pagamento de “mala branca”. Não existe previsão legal expressa sobre a forma registrar precisa e corretamente operações desse tipo: como registrar quem paga e quem recebe?

-Real função: Por processos de auditoria não seguirem padrões exatos, pode ser vago considerar o que é uma auditoria, a quão fundo ela deve ir e até mesmo para que se determine se trata-se de um processo simplesmente para saber “se a conta fecha” ou voltado para investigar detalhadamente veracidade dos lançamentos contábeis.

CASOS OCORRIDOS NO EXTERIOR:

O principal caso de fraude contábil ocorrido no exterior nos últimos tempos envolveu a gigante norte-americana do setor energético Enron Corporation, no ano de 2001.

A empresa atuava no setor de energia, gás natural e petróleo, tendo participações em várias entidades empresariais pelo mundo todo.

O caso abalou seriamente a credibilidade do público investidor nas informações contábeis prestadas pelas companhias e no desempenho dos auditores independentes.

As práticas desleais de contabilidade envolvendo a Enron, envolveram:

-Lucros artificialmente inflados: Os executivos da empresa usualmente escondiam despesas da demonstração de resultados e avaliavam ativos a preços artificiais para aumentar os lucros.

-Utilização de sociedades de propósito específico(SPE) para alterar valores contábeis: Diretores da Enron criaram um complexo sistema de transferência de ativos e passivos para SPEs, de forma a esconder do público investidor créditos de alto risco e passivos que levantariam suspeitas sobre sua solvabilidade, de forma que a consolidação de balanços se tornasse desenecessária.

CASOS OCORRIDOS NO BRASIL:

Um dos casos ocorridos no Brasil é o do Banco Nacional.

Por vários exercícios a instituição financeira lançou créditos em sua contabilidade de maneira fraudulenta.

O procedimento foi confirmado com a escrituração de centenas de contas-correntes negativas(que ficaram conhecidas como “contas 917”, em nome de clientes que não tinham mais relação financeira com o banco), que totalizaram bilhôes em lançamentos de operações de crédito inexistentes, gerando receitas e lucros artificiais, escondendo prejuízos.

A auditoria contratada responsável pelas demonstrações contábeis do banco foi condenada pelo Banco Central ao pagamento de multa, além da suspensão do registro profissional e processo criminal do sócio responsável pela auditoria.

CONCLUSÃO

A auditoria externa tem como objetivo principal demonstrar a correção e a integridade dos registros e informações contábeis e, assim sendo, envolve diversos players, inclusive investidores.

É dever da auditoria externa além de atestar a credibilidade, implementar ou orientar ações corretivas para minimizar erros ou prevenir falhas, servindo para fazer um trabalho a médio e longo prazo de prevenção de perdas, pela correção de procedimentos, antes que estes se tornem passivos.

O trabalho que o auditor externo, por não estar sujeito as pressões políticas dos clubes, poderá contribuir de forma importante ao realizar processos eficazes e transparentes no desempenho de sua função em relação a uma organização auditada.

Cabe ao auditor e ao processo tornarem-se instrumentos úteis, íntegros e imparciais do processo.

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A estruturação de uma pré-temporada

Crédito imagem: Ricardo Duarte/SC Internacional

Introdução

Objeto de pesadelo e ao mesmo tempo de sonho de preparadores físicos e treinadores. Reclamado por muitos, dominado por poucos. Essa é a pré-temporada! Período em que se espera construir a performance que guiará o plantel ao longo de toda a competição, com suas peculiaridades, necessidades e desafios.

A medida que o desporto profissional evolui, parece cada vez mais impossível acreditar em um período de preparação e a sua eficácia na performance a longo prazo, sobretudo nas modalidades coletivas como o futebol. Podemos buscar a periodização clássica e tradicional para nos confortar com esperanças de adaptações em 4-8 semanas, mas de fato pouco encontraremos de realidade naquilo que está presente na teoria.

A Periodização Tática ou o “Entrenamiento Estruturado”, de Frade e Seirul-lo respectivamente, ou a Football Periodisation de Verheijen parecem nos oferecer respostas ou sugestões para construirmos nossa planificação, sobretudo baseadas nas demandas específicas do jogo e nas qualidades e capacidades necessárias para o desenvolvimento integral dos jogadores, sejam eles profissionais ou em processo de formação.

A realidade para nós profissionais é uma só: Temos pouco tempo (cada vez menos), nossos calendários são congestionados desde o princípio (ao menos espera-se que sejam) e precisamos apresentar soluções, sob pena de passarmos 30 dias a preparar uma equipe para o próximo treinador.

Neste post pretendo discutir algumas questões pertinentes e que conjugam a periodização clássica com a periodização/planificação contemporánea das modalidades coletivas.

Entendendo o Período de Preparação

Ao iniciarmos a temporada, é preciso levar em consideração uma já esperada e bem conhecida quebra no rendimento e queda nos índices físicos dos jogadores (i.e. capacidades de força e metabólica, aumento da % BF) e já termos conhecimento de quantas semanas teremos até o início da competição. Nesse período é preciso que se construa uma espécie de “introdução” para o trabalho que virá pela frente, ou seja, quais serão os elementos que nos guiarão para o início da temporada e sua continuidade.

Nessa introdução, contamos com um breve delineamento da nossa equipe, estruturamos um plano macro de como pretenderemos integrar as 4 principais áreas da preparação (técnica, tática, física e psicológica) e quais serão as nossas métricas para as famosas frases como: “Estamos há 80% da performance que esperamos atingir”. Como parte da nossa responsabilidade, mas também é preciso inserir e termos de forma muito clara ao acesso de todos quais serão os principais objetivos para o nosso plantel, para os nossos atletas individualmente e para o nosso clube.

Apesar de complicado – por se tratar de uma modalidade coletiva competitiva e impaciente – é preciso tentarmos conciliar o que se encontra na literatura ou em nossos casos recentes e estabelecer “preditores de performance”. Uma boa forma de se pensar nisso é realizar uma engenharia reversa do que foi feito nas outras temporadas e os índices obtidos com esses planejamentos, obviamente levando em consideração as diferenças de contexto e individualidade dos atletas.

Após estabelecermos nossos objetivos e relacionarmos isso com todas as informações já conseguidas (onde se incluem testes de performance mais habituais utilizados na modalidade), é preciso entender ou estabelecer qual modelo de planificação de treino iremos utilizar. Aqui começamos a retirar um pouco da imprevisibilidade, com algum toque de sorte, daquilo que é a performance desportiva.

Decisões simples como “mapear” o calendário para períodos mais congestionados, estabelecer percentagens de intensidade ou volume por dia da semana nos diferentes períodos da temporada ou até mesmo construir um modelo de micro(morfo)ciclo padrão para facilitar o planejamento, podem nos ajudar não a garantir o sucesso competitivo, mas a controlar um pouco do que parece incontrolável.

“O modelo de preparação é uma sinopse de todo o plano anual de treinamento. Descreve as principais qualidades quantitativas e parâmetros utilizados na formação e o aumento percentual por parâmetro entre os planos anuais atuais e anteriores. O treinador deve vincular o modelo de preparação a toda a estrutura do plano anual e seus objetivos. Um treinador experiente poderia prever a duração e o número de treinos necessários para desenvolver as habilidades e habilidades necessárias para alcançar os objetivos.”  

Bompa e Haff

É preciso clarificar que nenhum programa ou plano de periodização e planificação é 100% exato, daí por exemplo os novos fundamentos de planificação contemporânea como o sugerido por Paco Seirul-lo, em que a planificação deve ser ativa e se estender por um máximo de 4 semanas, de forma dinâmica e retroalimentada pelas informações de rendimento, adversários ao final de semana e necessidades colocadas pelas alterações no plantel ou outros fatores.

No entanto, é inegável que independente do modelo que utilizemos é preciso ter um plano. Uma excelente maneira de se pensar não apenas a nossa pré-temporada ou o plano de treinos ao longo da semana, é estabelecermos uma linha de evolução a partir da “Lógica Orgânica dos Sistemas Energéticos” ou “Lógica Orgânica dos conteúdos de treinamento”, uma excelente sugestão por parte do autor Forteza de La Rosa, que também identificou limitações na periodização tradicional e o seu uso para modalidades coletivas (assim como Frade e Seirul-lo).

Essa lógica de prioridades parte do princípio de se construir bases de treinamento até o ponto onde é possível e seguro desenvolver as nossas capacidades ou direções condicionantes e determinantes específicas da modalidade. Essa lógica, construída numa perspectiva metabólica, sugere que as nossas bases (resistência aeróbica) ocupem um maior volume em um primeiro momento da preparação, até que se possa evoluir até a potência aeróbica, resistência e potência anaeróbica e finalmente a potência anaeróbica alática. Em uma modalidade onde o metabolismo é misto, parece ser complicado construir uma planificação que atenda a isso, mas através de microciclos estruturados é possível estabelecer prioridades ao longo das semanas e permitir uma boa “brincadeira” com os princípios de estímulo, fadiga e adaptação.

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O que preciso saber sobre a Legislação Desportiva no Brasil?

Nessa coluna iremos explorar, de maneira objetiva, as principais normas e preceitos no tocante a legislação Desportiva no Brasil. Nesse contexto, não há dúvida que o esporte, principalmente o futebol, envolve e fomenta a paixão de milhões de pessoas e interesses, sendo certo tratar-se de um dos acontecimentos socioculturais mais importantes que existem, influenciando todos os campos de atuação humana, desde o lado financeiro até a área científica. Fenômeno desta dimensão deve possuir legislação e normas claras, visando traçar diretrizes de funcionamento e organização.

O Decreto-Lei 3.199 de 14 de abril de 1.941 foi a primeira legislação que regulamentou matérias relacionadas ao desporto no Brasil. Há época, o estado brasileiro vivia um regime centralizador e autoritário, sendo que Poder Executivo acumulava as atividades e funções de gestor e fiscalizador do desporto e das entidades desportivas.

Essa pioneira legislação estabeleceu as bases de organização dos desportos em todo o país, sendo assinada por Getúlio Vargas em 14 de abril de 1.941.

Peço a permissão para citar os ensinamentos trazidos por Carlos Migues Aidar (Direito Desportivo, editora Mizuno, 2003, p.17):

“Na era Vargas, em meados de 1.930 a 1.045, inicia-se o período do direito desportivo, com o primeiro decreto, pois até então, o desporto era entendido como algo lúdico, nada profissional, e neste período cessa a segregação racial, existente até aquela época na sociedade, onde o desporto era tão somente praticado por filhos da elite”.

Poucos de nós vivenciamos esse momento histórico no Brasil, e a citação acima nos remete a tempos não democráticos, em que, também, o preconceito e racismo eram ainda mais presentes e acentuados. Impossível, assim, não voltarmos ao ano de 1.914, com o surgimento da história do “pó-de-arroz”. Mesmo não sendo o primeiro negro a vestir as cores do Fluminense, Carlos Alberto jogava contra o seu ex-clube pela primeira vez, o América (data: 13/05/1914), jogo este que originou o conto.

Em seguida, a Lei 6.251 trazia e instituía normas gerais sobre o desporto, no entanto, foi posteriormente revogada pela LEI ZICO (Lei nº 8.672/1993). O fato mais importante a ser destacado sobre esta legislação, refere-se ao fato de que a mesma surgiu com o objetivo inicial de fortalecer, financiar e incentivar o desporto no Brasil.

Posteriormente, a lei 6.354/1976, em suma, tratava sobre as relações de trabalho do atleta profissional de futebol, sendo que podemos concluir ser a legislação no Brasil que consolidou e tratava especificamente da profissão de atleta profissional de futebol, possuindo como principal objetivo a proteção de clubes e atletas.

A presente lei foi REVOGADA integralmente em 2011, mediante a promulgação da Lei 12.395 pela ex-presidente Dilma Rousseff. No entanto, o “Passe” propriamente dito foi extinto em 1.998, mediante a Lei Pelé, sobre a qual também trataremos mais à frente na presente coluna.

Continuando acerca da evolução da legislação nesse sentido, não há qualquer dúvida que a Constituição Federal de 1.988 é um marco para o Direito Desportivo no Brasil, sendo um marco inicial para a sua autonomia, tornando-se, posteriormente, um ramo próprio do Direito. Certamente, a CF/88 é a importante fonte do Direito Desportivo.

E ainda, a Constituição e o início do processo democrático no Brasil proporcionaram oportunidades para o ramo do Direito Desportivo, resultando na instituição da Lei 8.672/1993 – Lei Zico, criando, inclusive, cenário e espaço para discussão da relação entre atletas e clubes.

A lei 8.672 foi sancionada em 6 de julho de 1993 pelo presidente Itamar Franco, e provocou alterações importantes na estrutura do esporte no Brasil. Referida legislação reduz o poder dos órgãos de administração do esporte (confederações e federações) e dos dirigentes, e fortalece os clubes e os atletas.

A Lei Zico também estabelece regras claras para as eleições nas federações e confederações. Ela impossibilita casuísmos e democratiza a escolha dos presidentes. Elaborada a pedido do ex-jogador Zico (secretário de Desporto do governo Collor), a lei foi bastante alterada no Congresso. Entraram pontos polêmicos, como bingos de clubes, tribunais especiais e efeito suspensivo. Outro importantíssimo aspecto trazido pela Lei Zico refere-se à transferência para o setor privado de muito mais prerrogativas e poderes ligados ao setor, diminuindo a interferência do Estado nas relações desportivas.

Posteriormente, com a Lei Pelé, a qual até hoje é a principal fonte do Direito Desportivo após a Constituição Federal, possibilitou-se a criação de um Sistema Nacional do Desporto, além de ter aberto o caminho para a autonomia das ligas, conforme já previa a CF/88. A Lei Pelé sofreu algumas alterações nos anos de 2000, 2001 e 2003 com os objetivos de modernização, adequação aos casos concretos, solucionar questionamentos de inconstitucionalidade, além de finalmente extinguir o “Passe”, terminando com a relação para muitos desigual que existia.

“A Lei Pelé foi um baita avanço e acho que não teve nenhuma influência na saída de jogadores.

Nada justifica, no final do século XX, que alguém seja propriedade de outra coisa. Era uma lei escravagista” – (Kfouri 2005 apud Fávero 2008).

O “Passe Livre” ou “Lei Áurea” dos jogadores de futebol significam, para muitos, a liberdade pleiteada pelos atletas, os quais a partir de então não tiveram mais seus passes vinculados a nenhum clube.

Assim, grande parte dos atores do futebol entendem e defendem que a Lei Pelé proporcionou mudanças significativas principalmente no que se refere aos seguintes temas: contratos de trabalho dos jogadores de futebol, entre elas as alterações no prazo de duração dos contratos, o decreto do fim do passe, o estabelecimento da cláusula penal obrigatória para os casos de rescisão contratual, os direitos da entidade desportiva formadora do atleta, as indenizações por formação e promoção do atleta, entre outras.

Concluindo, a Lei Pelé foi criada visando maior transparência e profissionalismo ao esporte no Brasil, instituindo, inclusive, o Direito do Consumidor nas práticas esportivas, estabeleceu a prestação de contas por dirigentes de clubes, assim como determinou a independência dos Tribunais de Justiça Desportiva.

Por fim, apesar de ainda termos muito a evoluir, o Estatuto do Torcedor é uma importante legislação trazida para os amantes do futebol, notadamente os apaixonados torcedores. Apesar de no Brasil a estrutura e conforto do torcedor ainda merecer grande evolução, a presente lei veio praticamente estender os direitos do consumidor para os eventos esportivos, notadamente o futebol.

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Como o jornalismo pode contribuir com o futebol?

Crédito imagem – Rafael Ribeiro/CBF

Foi ao ar ontem a edição 50 de nosso FutTalks, no qual tivemos o privilégio de bater um papo com o jornalista Juca Kfouri, que falou, entre outros assuntos, sobre a gestão e o futuro do futebol brasileiro e a importante função do jornalismo como promotor do desenvolvimento do esporte no Brasil e no mundo. É sobre essa relação, do jornalismo com o futebol que iremos tratar nessa coluna. 

Juca tem em sua biografia profissional a publicação da denúncia sobre a “máfia da loteria esportiva” na revista Placar, em 1982, um esquema organizado com o objetivo de fabricar resultados que envolveu árbitros, jogadores, dirigentes e, inclusive, jornalistas.

Esta e outras passagens de sua carreira credenciam Juca a defender a investigação jornalística como essencial para o exercício da profissão, que deve ser pautada pela publicação de conteúdo que aborda questões de interesse público, definição subjetiva por excelência, mas que de qualquer maneira demanda um alto investimento de tempo e recursos, como foi no caso da reportagem sobre a “máfia da loteria esportiva” que demandou mais de um ano de trabalho para ser publicada.

A bola levantada por Juca nos traz ao grande dilema do jornalismo,  que é o de encontrar uma forma de financiar uma atividade que, quando é fiel à sua essência geralmente é bastante “anti-comercial”. Quem paga a conta de um ano de investigação sobre a “máfia das loterias”?

Nesse ponto Juca destacou a relação atual entre as empresas de comunicação, emissoras e outras plataformas, e seus fornecedores, as ligas, federações e confederações, como parceiros comerciais, questionando como a equipe de jornalismo de uma emissora que concorre de tempos em tempos pelo direito de transmitir determinado campeonato, vai investir com constância na produção de reportagens que tragam conteúdo potencialmente negativo sobre seu parceiro. Como solução para esse dilema, o jornalista cita a estrutura existente no mercado americano, na qual as emissoras dividem os profissionais de produção de conteúdo em dois departamentos, o de jornalismo e o de eventos. Enquanto aqueles responsáveis pela cobertura do evento o fazem com a devida e merecida pompa, o departamento de jornalismo trabalha nas pautas que julga ser de interesse público relacionadas ao esporte e, em alguns casos, do próprio evento em questão, de maneira independente.

Pensando no contexto do Brasil atual, vivemos uma catástrofe que impacta não o futebol, mas a todos nós, em muitos casos pessoalmente e que não pode, de maneira nenhuma ser ignorada pelo jornalismo. Como nos encontramos em um momento de descolamento da realidade, vale colocar alguns dados em perspectiva. No dia 6 de abril, o Brasil contabilizou 4195 mortes por Covid-19, reforçando, em um dia. Número absurdo, inaceitável, e, repetindo, diário, que supera em muito outras tragédias que deixaram marcas profundas em nossa história, como o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, ou o incêndio na boate Kiss, este último que vitimou 242 pessoas em 2013. Temos tido nos últimos dias mais de 16 “boates Kiss”a cada 24 horas vitimadas pela Covid!

Teria a atuação jornalística independência para investigar e se posicionar sobre tal contexto levando em consideração que quem decide em qual conteúdo investir, as emissoras, está dependentemente relacionado à cadeia produtiva do futebol, as ligas, federações, confederações e a seus próprios patrocinadores? A pergunta aqui não é retórica, mas feita para promover a reflexão levantada por Juca Kfouri.

É a partir dessa reflexão que puxamos uma outra, que só pode ter como origem a atuação profissional que tem como prioridade o interesse público, ou, no caso, com o impacto social e econômico do futebol em nosso país. Quais são os atores mais afetados pela paralisação das atividades do futebol? Assim como acontece em toda a sociedade, são aqueles que não tem reservas suficientes para parar por 3, 6, 12 meses, sob pena de morrer de fome, ou no caso de CNPJ’s – associações sem fins lucrativos ou empresas – fecharem as portas. Não à toa, quanto mais descemos na pirâmide do futebol masculino, mais aumenta o percentual de jogadores que defendem a necessidade de continuar jogando, segundo pesquisa promovida pela Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol – FENAPAF, divulgada em maio de 2020.

É ponto pacífico para os especialistas em saúde pública de que passou da hora de um esforço coletivo de grandes proporções por parte de toda a sociedade para frear o número de contaminações e as consequentes internações e mortes evitáveis pela Covid-19. Mais uma vez, mais de 4 mil pessoas por dia morrem no Brasil por conta da doença, 4 mil! Só é possível frear as contaminações com o distanciamento social, esse, por sua vez, viabilizado com condições mínimas de sobrevivência para todos os brasileiros, principalmente os mais vulneráveis, grupo no qual estão incluídos os jogadores, jogadoras e outros profissionais do futebol que se encontram já há algum tempo sem renda.

No ano passado a CBF liberou um pacote de resgate às equipes que disputam as Séries C e D, com valores equivalentes à média de duas folhas salariais dos atletas de cada competição. O mesmo apoio foi disponibilizado dado aos clubes das Séries A1 e A2 do Campeonato Brasileiro Feminino, segundo a própria entidade.

Hoje, com a pandemia atingindo diariamente o seu pior nível no país, a CBF consegue repetir a implementação de um pacote semelhante? É possível costurar algum apoio do tipo com patrocinadores? As emissoras poderiam ajudar de alguma forma? E o poder público, como poderia atuar?

E os clubes fora desse raio de apoio? Aqueles que não disputam competições nacionais?

Segundo números de 2019 da própria CBF, existem 742 clubes profissionais no Brasil. 120 participaram das competições nacionais masculinas nas séries A, B, C e D em 2020, ou seja, mais de 600 não foram contemplados por esse colchão de proteção. Quantos profissionais desses clubes se encontraram sem renda desde o início da pandemia? Como isso tem impactado as economias locais das cidades sede desses clubes? A pandemia talvez esteja “servindo” para escancarar de vez a divisão entre quem realmente vive do futebol e quem apenas se agarra a um sonho para sobreviver. O futebol dos pequenos clubes no Brasil seria então, inevitavelmente inviável?

Todos as reflexões acima, dependem de um jornalismo forte para ganharem espaço no debate público, para isso é fundamental pensar maneiras de financia-lo, ou ao menos estrutura-lo como no exemplo dos Estados Unidos levantado por Juca Kfouri, de forma a permitir tanta independência quanto possível. Talvez esteja aí um caminho para que o jornalismo contribua de maneira mais significativa para o desenvolvimento do futebol brasileiro.  

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O universo – em expansão – das transmissões esportivas

Onde vai passar o jogo? A pergunta tantas vezes feita por torcedores e interessados em esportes ganhou uma nova e inusitada resposta no último dia 31 de março. A partida entre Ceará e CSA, pela Copa do Nordeste, teve transmissão ao vivo pelo TikTok, rede social para compartilhamento de vídeos que se tornou febre entre adolescentes e jovens com conteúdos virais. 

A mesma Copa do Nordeste já havia rompido mais cedo no mês de março a fronteira da Twitch, plataforma mundial de streaming, muito popular entre gamers, com transmissões capitaneadas por streamers torcedores dos clubes envolvidos, com o objetivo de ser uma transmissão mais descontraída, de torcedor para torcedor, seguindo o modelo já enraizado no rádio de São Paulo pela Energia 97.

São capítulos mais recentes de uma expansão que não vê limites. Onde for possível hospedar uma transmissão esportiva, lá elas estarão. Desde que a tecnologia dos serviços de internet passou a permitir o acompanhamento de streamings ao vivo sem interrupção, o consumo de eventos esportivos online tem crescido exponencialmente. Um fenômeno recente.

No último dia 13 de março, a oferta para o telespectador (se é que ainda podemos nomear assim) brasileiro era de 65 eventos – contando apenas esportes profissionais em plataformas oficiais, conforme listagem do Esportes na TV, um perfil de Instagram que publica diariamente uma tabela com todas as transmissões esportivas do dia e onde elas podem ser assistidas. A relação, puxada por campeonatos estaduais e europeus, contemplava modalidades variadas como ciclismo, handebol, rugby, golfe, UFC, automobilismo e vela, distribuídos por mais de vinte canais diferentes, entre televisão aberta, canais a cabo, serviços de pay per view, portais de internet, redes sociais e plataformas dedicadas a conteúdo ao vivo.

Voltando apenas sete anos no calendário, a oferta de transmissões esportivas no Brasil era restrita a canais abertos e fechados de televisão, detentores de direitos dos principais eventos do Brasil e do mundo. Estamos tratando de grupos gigantes como Globo, Band, Record, ESPN, Fox Sports e TV Esporte Interativo (hoje TNT Sports), que gastavam milhões com aquisições ou formavam parcerias com federações locais para transmissões de futsal, vôlei, basquete. Campeonatos menores ou de base raramente tinham espaço.

Independência online

A barreira foi derrubada em 2015, quando o Google comprou com exclusividade os direitos de transmissão da Copa do Rey para veicular pelo YouTube, cobrando uma assinatura que no Brasil custava R$9,90 mensais. 

Dois anos depois, Atlético-PR e Coritiba romperam com a Globo e liberaram a decisão do paranaense apenas para Facebook e YouTube. “Como assim? Só dá pra ver esse jogo pela internet?”. O que causou estranheza na época acabou se tornando normalidade.

Atentos, grandes grupos expandiram atividades para além do meio tradicional. A Globo, pioneira com o Premiere, passou a disponibilizar conteúdos online com o Premiere Play e realizar transmissões ao vivo exclusivamente por internet no Globoesporte.com. É possível assistir praticamente qualquer transmissão da ESPN pelo ESPN Watch, além de competições exclusivas que não estão na grade de TV. A TNT Sports, no rebranding que abandonou a marca Esporte Interativo, abraçou o EI Plus e rebatizou como Estádio TNT. Na Libertadores, o SBT retransmite o sinal da tv pelo site e permite a todas as praças terem outra opção de jogo além daquele que está sem transmitido pela TV quando existem duas partidas simultâneas.

As transmissões pela internet vieram declarar independência para modalidades e categorias. Hoje é possível acompanhar ao vivo uma partida do campeonato paulista sub-15 pelo canal próprio da Federação Paulista de Futebol, por exemplo. Mas não é apenas uma oportunidade para eventos “lado B”. O campeonato alemão tem partidas transmitidas exclusivamente pelo OneFootball, via aplicativo ou navegador.

A partida entre Bayern de Munique e Paris Saint-Germain na última quarta-feira pelas quartas-de-final da Liga dos Campeões só estava disponível para o público brasileiro pelo Facebook e alcançou mais de 2,5 milhões de usuários simultâneos. Fora do horário nobre, numa tarde de quarta-feira.

E a pluralidade dos meios de transmissão não se restringe ao terreno online. Na noite da mesma quarta-feira, os palmeirenses só puderam assistir a Palmeiras x Defensa y Justicia, primeiro jogo da Recopa Sul-Americana, pela Conmebol TV, canal criado pela confederação sul-americana há menos de um ano para dar vazão aos jogos da entidade que não tivessem os direitos de televisão negociados.

O que isso significa? Independência e maior poder de negociação para as entidades, o fim de qualquer monopólio dos canais de televisão, mais opções para o público e, principalmente, um mercado mais aquecido para os profissionais. Cada novo canal, cada novo evento, cada nova transmissão é uma nova porta para narradores, comentaristas, produtores, profissionais do audiovisual de maneira geral.

Nos casos supracitados do Facebook e da Conmebol TV, por exemplo, não significa necessariamente que tivemos abertura de novas produções. Quem opera as transmissões da Champions League no Facebook é o próprio TNT Sports, que detém os direitos para televisão. No caso de Libertadores, Sul-Americana e Recopa, foram contratados os serviços do grupo Bandeirantes. Mas é fato que estes canais puderam empregar, manter empregados ou contratar como freelancers profissionais que estariam parados.

Ou seja, temos novos players no mercado de transmissões esportivas. 

E não se trata apenas de grandes grupos internacionais que entraram no jogo, como YouTube ou Facebook, ou de canais próprios criados pelas confederações, como a FPF TV, a Conmebol TV ou o recente Cariocão TV, que contratou conhecidos jornalistas recém-saídos do Fox Sports e outros canais para a transmissão do estadual do Rio de Janeiro. Algumas plataformas surgiram com finalidade exclusiva de levar eventos esportivos ao telespectador. 

É o caso, por exemplo da pioneira MyCujoo, que nasceu em Portugal e cresceu na Holanda, está no Brasil desde 2017 e tem parceria atual com a CBF para distribuição de vários torneios. Na mesma esteira, temos a TVN Sports, que além de contratos com a federação catarinense e a Liga de Basquete Feminino, ainda opera o Canal Olímpico do COB e é responsável pela transmissão de todos os jogos do Brasileirão para o exterior.

Até mesmo o ecossistema que orbita as transmissões tem se modificado. Foi assim que surgiu, por exemplo a LiveMode, uma agência que dá apoio a clubes e federações tanto na comercialização de direitos de transmissão como no próprio desenvolvimento de formatos. A agência é a atual responsável por todo o planejamento da Copa do Nordeste, inclusive pelas inovações que trouxemos no início do texto com as transmissões da “Lampions” invadindo o Tik Tok e a Twitch.

Não há no momento limites para as inovações no que se refere às transmissões esportiva, o mercado agradece.