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Táticas – Restringem ou potencializam as tomadas de decisão?

Crédito imagem: Joedson Moura/Retrô FC

Você já deve ter lido ou ouvido que o atleta brasileiro perdeu a criatividade e a alegria de jogar futebol. No meio acadêmico, preocupados com o desenvolvimento dos jogadores, incluindo sua capacidade de decisão, estudos têm sido feitos acerca dos processos relacionados à pedagogia dos esportes (1, 2). Enquanto isso, para muitos envolvidos diretamente no futebol, ou simplesmente amantes da modalidade, os métodos de treinamento e o excesso de “tática” são possíveis causas da perda da identidade brasileira. Nessa perspectiva, proponho a seguinte pergunta: As táticas restringem ou potencializam a capacidade de decisão dos jogadores?

Nesta série de textos, apresentarei argumentos sobre esse tema, no qual abordarei os detalhes da tática com o objetivo de fornecer informações que possam ajudar a todos os envolvidos no esporte a refletirem com mais clareza sobre o assunto e suas consequências no processo de formação de jogadores.

O futebol tático

Todos os aspectos do futebol evoluíram com o avanço de diversas áreas, mas impulsionada pela expansão dos recursos tecnológicos como softwares para análise de desempenho e mídias sociais que ajudam na divulgação de conteúdos audiovisuais, a evolução tática talvez seja aquela que tenha atraído cada vez mais holofotes na última década.

Livros, cursos e vídeos têm sido produzidos a fim de explorar os meandros da tática (3, 4). Inclusive, chegamos a ouvir várias vezes que “o futebol era técnico, hoje é tático” (5). Essa frase se faz presente principalmente no contexto brasileiro, pois os jogadores das gerações passadas se destacavam pela condição técnica altamente desenvolvida, os quais levaram o Brasil ao topo do futebol mundial, enquanto que na Europa prenominava a força física e a aplicação tática.

Nas últimas décadas teria acontecido mudanças no estilo de jogo brasileiro, que supostamente teria abandonado suas raízes históricas, aproximando-se cada vez mais dos padrões europeus. Com o insucesso brasileiro e dos países sul-americanos em mundiais adultos masculinos desde 2002, e o constante aumento dos estudos e conteúdos “táticos” no futebol, muitos passaram a questionar se os avanços táticos e dos métodos de treinamento tornaram os jogadores menos criativos, mais controlados e com baixo poder de decisão. Precisamos também analisar se as táticas estão afetando negativamente o desenvolvimento dos jovens das categorias de base.

É importante ressaltar que essa discussão transcende o Brasil. Por exemplo, Marijn Beuker, diretor técnico de um dos clubes holandeses que tem sido considerado como referência na base, o AZ Alkmaar, afirmou ter abolido “a tática” no clube para os jogadores abaixo de 16 anos (Training Ground Guru) (6). Massimiliano Allegri, que recentemente guiou a Juventus de Turim a cinco títulos consecutivos na Itália, afirmou que “as táticas e os esquemas estão destruindo o futebol” (7).

Nos Estados Unidos, a federação americana de futebol (US Soccer) ensina durante seus cursos para treinadores de base, o método “Play Practice Play” (Jogue, treine, jogue), no qual mesmo durante o treino todas as atividades devem ser baseadas em jogos, visando evitar treinadores que passam muito tempo dando treinos analíticos técnicos ou explicando “táticas”.

Responder à pergunta norteadora desse texto é uma tarefa complexa e polêmica, pois existem muitos pontos de vista. Consideramos que o primeiro passo seja discutir o termo “tática” para uma melhor compreensão do tema e atribuição de limites. Portanto, convido você a se questionar o que entende por tática e se acredita que ela pode restringir ou ampliar as tomadas de decisão dos jogadores. Pense nisso e nos encontramos no próximo texto. Até breve.

Referências

1.         Galatti LR, Reverdito RS, Scaglia AJ, Paes RR, Seoane AM. Pedagogia do esporte: tensão na ciência e o ensino dos jogos esportivos coletivos. Revista da Educação Física/UEM. 2014;25(1):153-62.

2.         Greco PJ. Metodologia do ensino dos esportes coletivos: iniciação esportiva universal, aprendizado incidental-ensino intencional. Revista Mineira de Educação Física. 2012;20(1):145-74.

3.         Wilson J. The Barcelona Inheritance: The Evolution of Winning Soccer Tactics from Cruyff to Guardiola: Hachette UK; 2018.

4.         Mesoudi A. Cultural evolution of football tactics: strategic social learning in managers’ choice of formation. Evolutionary Human Sciences. 2020;2.

5.         Parreira CA. Evolução tática e estratégias de jogo. Brasília: Ed EBF. 2005.

6.         Schneider-Weiler J, Austin S. Marijn Beuker: Thinking differently with AZ Alkmaar. 2021. Disponível em: https://trainingground.guru/articles/marijn-beuker-thinking-differently-with-az-alkmaar.

7.         Team FN. Massimiliano Allegri: Tactics Ruining The Art Of Football 2019 Disponível em: https://goodforfans.com/read-blog/1282_massimiliano-allegri-tactics-ruining-the-art-of-football.html.

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A perda de capacidade da trabalho e as consequências jurídicas no futebol

Crédito imagem: Site Santos FC

Nesta segunda semana de março, um dos assuntos mais comentados no cenário futebolístico, foi o estado de saúde do jovem Raniel, o qual está afastado dos gramados há 05 meses e sem qualquer previsão de retorno.

O atacante Raniel contraiu o novo coronavírus em setembro de 2020. Após a sua recuperação da COVID 19, Raniel viajou para o Paraguai, para participar do jogo contra o Olímpia, tendo retornado sem nenhuma dor. No entanto, no dia seguinte da viagem, Raniel apresentou muita dor na panturrilha direta, sendo constatada a patologia trombose venosa.

Destaca-se que há inúmeras discussões médicas se o fenômeno tromboembólico acima mencionado está relacionado ou não à COVID 19, mas, até a presente data, tal questionamento permanece sem resposta.

Raniel se submeteu a cirurgia para tratamento da trombose venosa aguda na perna direita. Ocorre que, após a cirurgia, o atleta foi acometido pelo encurtamento no tendão de Aquiles, podendo inclusive passar por outra intervenção cirúrgica.

Pois bem.

A situação do Raniel traz à tona debates importantes para o Direito do Trabalho e Previdenciário Desportivo, notadamente no que tange aos direitos dos atletas que são acometidos por doenças, ocupacionais ou não, e ficam impossibilitados de prestarem seus serviços, ou seja, jogar futebol.

A Lei Pelé, em seu art. 45, prevê a obrigação do clube em contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, almejando cobrir os riscos que estes estão sujeitos. Tal dispositivo legal dispõe, ainda, que a indenização securitária deve corresponder, no mínimo, ao valor anual da remuneração pactuada.

Assim, nos termos da Lei Pelé, o jogador possui o direito à um seguro, o qual lhe garantirá indenização, caso ocorra algum acidente relacionado à atividade desportiva, independente se a lesão for temporária ou definitiva.

Ademais, a Lei Pelé determina que o clube é responsável pelas despesas médicas e de medicamentos ao restabelecimento do atleta, enquanto a seguradora não fizer o pagamento da indenização.

No caso do Raniel, por exemplo, caso seja comprovado que este contraiu COVID 19 no seu ambiente de trabalho e que suas complicações decorreram do novo coronavírus, este terá direito ao recebimento de indenização securitária.

Além do seguro acima mencionado, aplica-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da seguridade social, ressalvadas as peculiaridades da Lei Pelé.

Desta feita, em caso de incapacidade do atleta profissional, este pode ser afastado pelo INSS, percebendo o benefício previdenciário correspondente à sua situação, auxílio-doença comum ou acidentário. Salienta-se que, para recebimento do auxílio-doença comum, o jogador deve comprovar a sua situação de segurado e o período de contribuição mínimo de 12 meses.

Destaca-se, por oportuno, que enquanto o atleta estiver em gozo do benefício previdenciário, o contrato de trabalho estará suspenso, sendo, inclusive, vedado, em regra, o seu encerramento.

Outro questionamento que surge é se o atleta profissional possui estabilidade, em caso de doença ocupacional ou acidente de trabalho. O Tribunal Superior do Trabalho, em recente julgamento (Ag 10173-68.2016.5.18.0011), entendeu que o atleta possui direito à estabilidade provisória ao emprego, em caso de doença ocupacional ou acidente de trabalho, mesmo que seu contrato de trabalho seja determinado e ainda que não tenha ocorrido o seu afastamento previdenciário.

Isso porque, embora o afastamento previdenciário seja um requisito para a concessão da estabilidade provisória, segundo o TST, o clube pode arcar com a remuneração dos atletas durante o seu período de convalescença, sem que estes sejam encaminhados ao INSS, para que não seja caracterizada a garantia ao emprego.

Assim, diante de tal situação, o TST entendeu ser desnecessário o afastamento previdenciário para a concessão da estabilidade provisória.

Em que pese o entendimento do TST acima mencionado, tem-se que não há um consenso na jurisprudência. Há decisões que afirmam que a estabilidade provisória decorrente de doença ocupacional ou acidente de trabalho é incompatível com o contrato especial de trabalho do atleta profissional, por este ter prazo determinado. Outrossim, entendem que o seguro previsto na Lei Pelé se equivale à garantia de emprego prevista no art. 118 da Lei 8.213/91.

O entendimento acima mencionado foi da Nona Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, nos autos da reclamatória trabalhista distribuída sob o nº 0010561-61.2020.5.03.0006, na qual contendem Lucas Thiago Revuela Billewicz e América Futebol Clube.

Assim, sem ter o objetivo de esgotar o tema, o qual se sabe é muito rico e polêmico, deixa-se aqui as principais consequências jurídicas de eventual incapacidade laborativa do jogador de futebol.

Por fim, estimo melhoras ao Raniel, para que este retorne logo aos gramados, sendo certo que este possui uma brilhante carreira pela frente.

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Raio X da gestão do marketing nos clubes de futebol – Áreas de execução do marketing

Na quinta parte da série sobre a gestão do marketing nos clubes que disputaram a Série A1 do Paulistão 2018 iremos continuar abordando como os clubes executavam o marketing, agora focando nos seguintes aspectos: gestão comercial, da marca e dos relacionamentos e a realização de ações de entretenimento.

Iniciando pela gestão comercial, os entrevistados foram questionados sobre como ocorria o processo de prospecção de novos patrocinadores, parceiros e negócios. Cinco citaram que atuavam de forma ativa, buscando novas oportunidades; sete atuavam de forma passiva, respondendo aos contatos dos interessados; e dois clubes adotavam ambas posturas. Foram identificadas várias formas de início das negociações:

  • Respostas aos interessados: 9 clubes;
  • Indicações de pessoas próximas: 8 clubes;
  • Atuação de presidentes e diretores: 7 clubes;
  • Atuação direta do marketing: 7 clubes;
  • Uso de agências de publicidade ou de Marketing Esportivo: 4 clubes;
  • Busca de empresas que investiam ou haviam investido no futebol: 2 clubes.

Os principais problemas relatados pelos entrevistados sobre o tema foram adequação ao planejamento e ao calendário das empresas; equipe comercial limitada; e pouco conhecimento e valorização do Marketing Esportivo e das suas possibilidades por grande parte das empresas. No geral, pelo observado, destaque para o fato que grande parte dos clubes atuava comercialmente de forma passiva, apenas respondendo aos interessados, além da dependência da indicação e da atuação de presidentes e diretores, sem um amplo e profundo trabalho de análise e prospecção do mercado, o qual poderia incluir apresentações sobre os benefícios de investir no futebol para diversas empresas.

A gestão da marca dos clubes, ponto fundamental em diversos modelos de gestão do Marketing Esportivo e elemento central do marketing dos principais clubes europeus, foi abordada por apenas quatro entrevistados. Um desses citou a marca com um viés limitado de caracterização do clube, enquanto três indicaram ações esporádicas e limitadas para a manutenção e reafirmação dos valores e características da marca do clube. Esse ponto se mostra como um dos principais problemas da gestão do marketing nos clubes analisados, que ao lado do planejamento e da ausência de pessoal, limita a atuação da área.

Outro ponto abordado pela pesquisa e cada vez mais relevante é o processo de gestão dos relacionamentos, principalmente com torcedores/consumidores. Tal processo deve ser baseado em sistemas específicos, os chamados CRMs, mas somente quatro dos 14 clubes possuíam esse sistema. Desses, só dois contavam com softwares específicos para tal finalidade, que eram utilizados de forma limitada devido à ausência de pessoal capacitado para opera-los corretamente. Os clubes que não contavam com CRM justificaram devido ao elevado custo para adquiri-lo e mantê-lo e pela falta de pessoal para gerir essa ferramenta.

Por fim, os entrevistados foram questionados sobre a realização de ações de entretenimento durante os jogos e em outros momentos. Grande parte citou realizar ações antes e no intervalo dos jogos, sendo as mais citadas: brincadeiras no intervalo, principalmente a cobrança de pênaltis; uso de mascotes; ações com patrocinadores e parceiros; sorteios de prêmios e brindes; ações para crianças e a entrada delas com os jogadores; e o uso do sistema de som dos estádios.

Já como exemplos de ações de entretenimento realizadas em momentos em que não houvessem jogos foram indicados concursos de musa; jogos para os sócios-torcedores; lançamento de novos uniformes; promoções em redes sociais; e eventos com jogadores. 

No geral, foi verificado uma falta de diversificação e criatividade na realização das ações de entretenimento. Grande parte delas são citadas na literatura, mas há opções pouco utilizadas, como a presença de bandas e shows musicais; outros tipos de brincadeiras que não fossem os pênaltis; jogos com temas ligados à história ou à atletas dos clubes; eventos especiais para além do lançamento de uniformes; e a utilização de celebridades ligadas ao clube para atrair novos torcedores/consumidores.

Os entrevistados indicaram que o número limitado de ações, principalmente nos jogos, se devia a uma série de limitações impostas pela CBF, Federação Paulista e Policia Militar. Também foi citada a falta de recursos para a realização de mais ações e a proibição da venda e do consumo de bebidas alcoólicas antes e durante os jogos, o que faz com que o torcedor entre no estádio momentos antes do início dos jogos, limitando o período para a realização das ações de entretenimento. A restrição às bebidas alcoólicas limita a obtenção de receitas pelos clubes no dia do jogo, diferentemente do que ocorre nos clubes europeus.

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Sobre os desafios do conhecimento e as armadilhas do complexo

Crédito imagem – Site Manchester United/Divulgação

Nos últimos quinze ou vinte anos, mais precisamente depois do surgimento e das extensas publicações sobre um sujeito tão particular como José Mourinho, houve de fato uma mudança significativa no perfil das novas gerações de profissionais do futebol. Me lembro do professor Manuel Sergio – de quem Mourinho foi aluno, diga-se – escrevendo que Rene Descartes, patrocinador oficial do racionalismo, promoveu uma espécie de corte epistemológico no pensamento moderno, e me parece que o Mourinho, obviamente guardadas as devidas proporções, também marca uma espécie de corte, menos epistemológico e mais geracional. De forma bastante sucinta, acho que a ascensão do Mourinho trouxe consigo ao menos duas grandes mudanças: I) passou-se a acreditar, de maneira mais concreta, que formar-se profissional do futebol não dependia especialmente da empiria, da experiência adquirida (como atleta, por exemplo) ao longo do tempo, mas tem uma variável importantíssima de episteme, conhecimento adquirido a partir do estudo diligente do jogo de futebol; e II) passou-se a acreditar, de maneira muito mais concreta, que era possível tornar-se um treinador de excelência, em nível internacional, ainda muito jovem. A rápida ascensão de Pep Guardiola, poucos anos depois, inclusive como uma espécie de contraponto ideológico do próprio Mourinho, reforçaria este ponto.

A literatura que se produziu desde então – vejam as biografias do próprio Mourinho, por exemplo – traz para o debate, de um ponto de vista bastante prático, isso que chamamos de complexidade: qualidade daquilo que é tecido junto. O pensamento complexo não é exatamente uma novidade na história do pensamento, mas não deixa de representar uma ruptura importante no pensamento e na prática do futebol: seja a partir das metodologias de treinamento (e aqui, acho particularmente importante citar os microciclos estruturados, via Paco Seirul-lo, que são um contraponto velocíssimo à periodização dos russos, bastante voltadas para as modalidades individuais/olímpicas), seja pelo entendimento inseparável das fases do jogo de futebol, ou mesmo pelas tentativas de estruturação multi/inter/transdisciplinar de determinados clubes – com todas as dificuldades que isso implica e também com toda a distância que existe entre o falar e o fazer. São pelo menos alguns dos exemplos concretos disso que chamamos, especialmente por herança do Thomas Kuhn, de mudança de paradigma. 

Mas repare também nas armadilhas deste processo: por exemplo, é bastante difícil articularmos um pensamento e uma prática complexas se não cuidarmos, muito atentamente, das relações todo-partes. No livro Cabeça Bem-Feita, que inclusive indico como uma introdução ao tema, o Edgar Morin apresenta sete princípios para uma reforma do pensamento ou, como ele mesmo escreve, “sete diretivas para um pensamento que une; (…) princípios complementares e interdependentes”. A título de curiosidade, falamos do princípio sistêmico, princípio hologrâmico, princípio do circuito retroativo, princípio do circuito recursivo, princípio da autonomia/dependência, princípio dialógico e, por fim, o princípio da reintrodução do conhecimento em todo o conhecimento. Não vamos nos estender em cada um dos princípios aqui, mas me permitam citar novamente uma passagem absolutamente fundamental do Blaise Pascal, nas suas Meditações, que ilustra muito precisamente o ponto do Morin e de qualquer um de nós que deseje articular um tipo de pensamento e de prática vinculado a um outro paradigma:

“Como todas as coisas são causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, mediatas e imediatas, e todas são sustentadas por um elo natural e imperceptível, que liga as mais distantes e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes.”

Se nos propusermos a adotar pensamento e prática complexos, seja a partir da simultaneidade das variáveis táticas, técnicas, físicas e mentais no processo de treino, seja pela interpretação de padrões individuais, setoriais e coletivos a partir da união e não da separação, ou mesmo se adotarmos uma prática que reconheça os infinitos constituintes de cada uma das pessoas que compartilham conosco as rotinas de trabalho e de vida, sejam atletas, comissão, gestores e imprensa, que são um mundo de razão, paixões, crenças, hábitos e vontades absolutamente particulares, se nos propusermos de fato a um fazer complexo (ao invés de um mero falar complexo), então precisamos ter claras não apenas a impossibilidade de separação todo-partes como também o risco, cada vez maior, de nos afogarmos em discursos e práticas que percam a noção de falibilidade (ou seja, precisamos confrontar as nossas próprias certezas) mas especialmente discursos e práticas que nos façam confundir o saber das partes com a hiperespecialização.

Por exemplo, se me proponho a fazer a análise de um gol, desde o instante em que minha equipe recuperou a posse a da bola até o instante em que a bola ultrapassa a linha, será que é realmente prudente dizer que há uma ou duas causas específicas que determinam o gol? Será que é de fato possível afirmar que a causa do gol foi, digamos, a localização do nosso lateral-direito, que controlou a profundidade 1m abaixo do ‘ideal’, orientação corporal levemente imprecisa, flexão de joelhos cerca de 3° abaixo da ‘ideal’ (portanto, num centro de gravidade ligeiramente mais alto), de um modo que não lhe foi possível responder precisa e imediatamente ao movimento do ponta, disposto a 1m da linha lateral (para atrair o lateral e eventualmente criar uma lacuna entre lateral e zagueiro – dano intrasetorial na primeira linha de defesa), cuja recepção orientada, com o pé mais próximo do gol e no sentido oposto ao movimento do marcador, superou um oponente e atraiu mais uma vez, por um breve instante, a atenção do zagueiro central e também de um dos volantes – será que é de fato prudente afirmarmos que foi aquela primeira ação do lateral, um metro distante do ‘ideal’, que justifica um gol ocorrido dez ou quinze segundos depois, portanto antes da ocorrência de pelo menos mais de uma centena de ações individuais, setoriais e coletivas? A meu ver, é justamente esse o desafio do conhecimento, especialmente quando se propõe a ser complexo: é claro que os pormenores do jogo de futebol são absolutamente importantes e não deixam de ser basilares para todos nós que trabalhamos na área, cada um no seu contexto. Mas também considere, inclusive da forma como descrevi o exemplo acima, que o particular não existe dissociado do geral (ou, se você preferir, que os sub-princípios não existem dissociados dos princípios) e que a fronteira que separa o pensamento complexo de um pensamento especializado, ainda que sob nova roupagem, pode ser muito mais tênue do que pensamos. Sobre isso, aliás, me permitam citar novamente o Morin, no mesmo livro a que me referi anteriormente, agora sobre os riscos de um pensamento hiperespecializado:

A fronteira disciplinar, sua linguagem e seus conceitos próprios vão isolar a disciplina em relação às outras e em relação aos problemas que se sobrepõem às disciplinas. A mentalidade hiperdisciplinar vai tornar-se uma mentalidade de proprietário que proíbe qualquer incursão estranha em sua parcela de saber. Sabemos que, originalmente, a palavra “disciplina” designava um pequeno chicote utilizado no autoflagelamento e permitia, portanto, a autocrítica; em seu sentido degradado, a disciplina torna-se um meio de flagelar aquele que se aventura no domínio das ideias que o especialista considera de sua propriedade. (p.106)

Por isso, o cultivo de um outro pensamento e de uma outra prática no futebol serão tanto melhores quanto menos perdermos de vista que as partes só são possíveis em relação com o todo, assim como o todo só é possível em profunda relação com as partes (que também são relação, e não mera soma). De um ponto de vista do falar, não parece tão difícil. Mas, de um ponto de vista do fazer, me parece que ainda precisamos nos cuidar muito, não apenas para não cairmos nos mais diversos tipos de armadilhas cognitivas, que estão sempre à espreita, mas especialmente para reconhecermos que ainda sabemos muito pouco, e que portanto há um enorme caminho pela frente caso queiramos, de fato, falar e fazer do futebol e da vida que se vive uma obra de união – e não mais de separação.

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As crias do Palmeiras não brotaram do nada

Crédito imagem: Thais Magalhães/CBF

Quando o Palmeiras conquista essa Copa do Brasil 2020, com 2 a 0 no segundo jogo da final contra o Grêmio, um simbolismo muito grande acontece: esses gols são marcados por dois jovens jogadores formados no clube: Gabriel Menino e Wesley. Poderia ter sido Patrick de Paula, Danilo, Gabriel Veron, o zagueiro Renan, enfim, quero falar de processos, de ideias e não de pessoas. Um paradigma está sendo quebrado na história do clube. O Palmeiras já teve inúmeros títulos importantes, eras vitoriosas, mas nunca com uma consistência tão grande na formação. Se no passado recente falávamos de parcerias com a Parmalat e até mesmo com a Traffic, hoje falamos de um processo nas categorias de base que dá retorno dentro de campo e que muito em breve trará retorno financeiro, com vendas robustas. Grandes contratações já deram títulos. Mas esse rompimento histórico, de pouco revelar, trará frutos ainda mais consistentes.

Já falei inúmeras vezes aqui nesse mesmo espaço sobre a gestão profissional que hoje impera no Verdão. Um marco para isso foi a construção do estádio, que trouxe não só modernidade estrutural, mas também diretiva e de recursos humanos. Hoje nada se negocia no Palmeiras sem passar por alguém especializado. A política ainda existe já que trata-se de uma associação. Mas a profissionalização está consolidada em tudo que fica direta ou indiretamente ligado ao futebol. Méritos, claro, sempre de Paulo Nobre que foi o presidente que rompeu com o ultrapassado modelo antigo, mas também para o atual presidente Maurício Galiotti, que apesar de ser mais flexível do que Nobre, manteve a essência dessa gestão profissional.

Mas voltando para dentro das quatro linhas, o bom técnico português Abel Ferreira encontrou talento puro nos jovens jogadores palmeirenses. E isso não é obra do acaso. Não foi à toa, ou como muitos dizem, não brotaram talentos na Academia de Futebol por sorte ou destino. Isso é fruto de captação qualificada, de metodologia eficaz, de pessoas preparadas para formar melhores homens que serão melhores jogadores. O Palmeiras nunca  teve tradição em revelar porque nunca colocou energia, recursos, paciência e pessoas competentes nessa área. A lei da causa e efeito é irrefutável. Só se vai colher o que for plantado.

O futebol está longe de ser uma ciência exata, mas há caminhos e decisões que aumentam as probabilidades de sucesso. Não pense você que essa fase vencedora do Verdão é inesperada. No médio prazo vai vencer quem trabalha melhor. E o Palmeiras não está desde 2015 chegando sempre por uma simples coincidência. 

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As possibilidades do Coaching no futebol

Crédito imagem: CONMEBOL/Divulgação

O processo de coaching vem ganhando muita atenção nos últimos anos. Cada vez mais questionado, entre profissionais de diversas áreas e contextos de atuação, a metodologia e as ferramentas apresentadas por diferentes instituições no mundo todo, ganhou espaço e popularidade graças à procura das pessoas pelo tal “processo que torna o indivíduo mais capaz de alcançar seus objetivos em uma ou diversas áreas da sua vida”.

Não é à toa que algumas instituições consagradas, como a Universidade de Harvard, já adotam de acordo com seus próprios cenários, assuntos relacionados ao desenvolvimento pessoal, como: felicidade, autoconhecimento, psicologia positiva e inteligência emocional. Até “pouco” tempo atrás, tais assuntos eram abordados de uma forma ainda singela apenas por psicólogos, com uma abordagem voltada para o desenvolvimento da saúde mental. Hoje em dia, percebe-se tais assuntos e outros relacionados às competências comportamentais, ganhando força ao se multiplicar “pelos olhos” do processo de Coaching.

Pois então, vamos lá. O que é o tal do Coaching propriamente dito?

Segundo Gallwey, o Coaching é uma relação de parceria (entre o profissional – coach e o cliente – coachee) que revela, ou liberta, o potencial das pessoas de forma a maximizar o seu desempenho. O processo ajuda o coachee a aprender ao invés de ensinar determinado conteúdo. ( Timothy Gallwey – Conhecido como fundador do processo de coaching,  e  Autor do Livro “ O jogo interior do tênis”)

O termo “coach” é proveniente do inglês e tem origem no mundo dos esportes com o trabalho de Gallwey, que em 1971 ao perceber que seus alunos de Tênis eram atormentados por muitos pensamentos que os impediam de ter mais concentração, atenção e foco, se dedicou a desenvolver uma nova consciência mental e comportamental em seus jogadores. Assim  fundando, aliado à base da psicologia esportiva  – o processo de coaching.

Desde lá o coach, conquistou muitas outras áreas de atuação, e ferramentas de trabalho. Podendo ser considerado hoje em dia, que coach é o papel que você assume quando se compromete a apoiar alguém a atingir determinado resultado. Normalmente visto como algo desafiador, em que coloca o indivíduo em movimento de aprendizado, evolução, e mudança, diante do cenário em que esta inserido.

 Visto como um processo eficiente em mapear o chamado momento atual, encontrar ferramentas eficazes para que o coachee,  se capacite a alcançar o estado desejado (objetivos traçados a serem atingidos), podemos considerar que estamos falando de um processo de autoconhecimento, com foco no desempenho comportamental bastante pragmático.

Diante de uma assertiva análise de perfil comportamental, bem como, o mapeamento de crenças mentais relacionadas à capacidade, merecimento e até identidade, gera-se durante o processo uma competência chamada autorresponsabilidade, diante dos resultados alcançados até então, proporcionando ao coachee um “ponto de virada” dentro do processo. Digamos que o sujeito que está realizando seu processo de Coaching, terá a oportunidade de adquirir com mais facilidade o controle mental e a consciência emocional necessária para obter melhores resultados.

E ao falar de melhoria contínua e alta performance, cabe citar a inteligência emocional, que está diretamente ligada ao autoconhecimento e identificação das emoções. Precisamos conhecê-las antes de gerenciá-las, não é mesmo?

Muitas vezes diante de situações corriqueiras da vida pessoal ou profissional, diante de uma partida bem ou mal jogada, situações de exposição, mudanças de time, de técnico, lesões, cansaço físico entre outras tantas conhecidas no universo do futebol, é perceptível que muito além do mental – existe nosso estado emocional que não nos da a garantia de que “o melhor será feito”, desde que ele esteja sendo vigiado e gerenciado pelo sujeito.

Temos cenários com algumas possibilidades já conhecidas da atuação do coach dentro do futebol, como facilitador para que o jogador consiga colocar de pra fora – em campo – todo seu potencial, utilizando técnicas para a superação de desafios mentais. Temos também exemplos de “trabalho de vestiário” – voltado para a sensibilização mental e emocional de forma coletiva com o time.  

Porém, acredito, que ainda podemos trazer o trabalho de treinamento mental (como prefiro chamar) de uma forma mais estruturada, previsível, contínua e aliada ao desenvolvimento cognitivo e comportamental do atleta e/ou time.

Outro ponto relevante a ser mencionado, é o trabalho direcionado não só para atletas, mas também para todo profissional que esteja direta ou indiretamente “jogando o jogo” e que tem sim, grande influencia no resultado obtido dentro de campo. Utilizando um pouco da minha experiência de mais de dez anos como psicóloga, posso considerar que todo e qualquer indivíduo que esteja em sua busca pela excelência mental e emocional, atingirá mais facilmente sua alta performance, independente do cargo ou papel que desempenhe, influenciando positivamente o ambiente de trabalho.

Independente da área de atuação, hoje percebe-se mais atenção das pessoas voltada para as competências comportamentais, inteligência emocional e foco nos resultados, de diferentes profissionais. E é justamente aí que o processo Coaching ganha espaço entre grandes empresas de diferentes seguimentos, na busca da alta performance de suas equipes/colaboradores. E dentro do futebol, não seria diferente.

Assuntos relacionados ao desenvolvimento humano, deixaram de ser tratados como específicos para determinados contextos, para se tornar amplamente necessários no mundo atual. Ao nos depararmos com a velocidade da evolução da Era digital, a rápida evolução da inteligência artificial, inevitavelmente precisamos de seres humanos mais inteligentes emocionalmente e aptos a controlar e reprogramar seus pensamentos, para que essa “pareceria” tenha sucesso.

Para finalizar, gostaria de destacar um exemplo real, onde as competências comportamentais foram muito bem utilizadas para a conquista do resultado desejado. José Mourinho, no documentário “The Playbook”, ressalta que durante sua trajetória de sucesso, tomar decisões baseadas na coragem foi o que o fez chegar tão longe. Claramente quando ele assume o comando do Porto, time de Portugal, relata que precisaria recuperar, de todos, os princípios da paixão pelo time, e para isso um dos seus principais critérios de escolha seria o perfil psicológico dos atletas. Apostaria em jogadores locais, que gerassem conexão com a torcida e resgatassem o espírito de competitividade. 

 Se comprometendo com a capacidade de vitória, baseado no desenvolvimento da sinergia do time, na conexão que acreditava ser capaz de gerar entre os atletas, e na autoconfiança, podemos aí entender como fatores psicológicos e comportamentais são primordiais quando bem analisados e trabalhados.

Ainda mais do que isso, para Mourinho, despertar o lado humano dos atletas, traz o conceito de família para dentro do time, e só assim, um poderá contar com o outro, numa relação mútua de confiança potencializadora da performance individual e coletiva, que se faz de um time, campeão.

Com propósitos alinhados, capacidades comportamentais fortalecidas, a mente bem treinada, a sinergia acontece. E o papel do coach, é facilitar todo esse processo dentro da comissão Técnica, elenco – time, e setores da organização do clube.

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Governança Corporativa – Os órgãos de governança

Crédito imagem: Thais Magalhães/CBF

Neste 2º artigo da Série sobre Governança Corporativa no Futebol são abordadas questões relacionadas ao funcionamento dos principais órgãos de Governança nos clubes no Brasil. Para tanto, foram entrevistados Bernardo Accioly, que atuou como Diretor Jurídico do Clube de Regatas do Flamengo entre 2013 e 2019, e Daniel Pitta Marques, professor da CBF Academy sobre o tema e autor de tese de doutorado em administração de clubes de futebol.

Na fase inicial da entrevista, ressaltou-se a importância de que instrumentos de Governança Corporativa sejam implantados de modo a induzir melhores práticas de gestão e, como resultado, otimizar o desempenho das organizações, tanto para associações sem fins lucrativos como para sociedades empresárias. Enfatizando que a conversão para o modelo empresarial não representa a solução definitiva no que concerne ao tema em pauta, foi apontada a importância da implantação de boas práticas de Governança como forma de legitimação da atuação de dirigentes esportivos perante o torcedor, principal stakeholder dos clubes, porém comumente alijado do processo decisório.

Ressaltou-se ainda que as formas de aplicação dos instrumentos de Governança podem variar significativamente de clube para clube em função de aspectos como o modelo de propriedade, seus objetivos estratégicos e o tamanho de sua torcida. Assim, a necessidade por prestação de contas, transparência, controles internos, travas decisórias, normas estruturadas, dentre outros dispositivos de Governança, será maior ou menor conforme o tipo de organização em questão.

De forma exemplificativa, foi apresentada a diferença em relação ao preceito de “uma ação, um voto”: se para sociedades empresárias as melhores práticas apontam que o número de votos nas Assembleias Gerais seja calculado em função do número de ações do sócio, de forma proporcional portanto ao capital aportado na empresa, o mesmo não é válido para organizações no modelo associativo, nas quais não é permitida a distribuição de lucros e, portanto, não há razão para que haja diferença no peso atribuído ao voto de cada sócio.

Com relação aos órgãos de Governança presentes nos estatutos dos clubes, a pauta iniciou-se pela explanação sobre as atribuições primordiais da Assembleia Geral, sublinhando-se a importância de sua atuação para evitar a perpetuação de eventuais práticas indesejadas por parte de membros dos demais órgãos, assegurando com isso a gestão democrática da organização. Já a respeito do Conselho Deliberativo, comentou-se sobre seu papel no acompanhamento dos atos da Diretoria e a importância de que haja diversidade em relação aos grupos políticos de seus ocupantes, preferencialmente de forma proporcional aos ocupantes da Assembleia Geral.

Para acompanhamento, aconselhamento e deliberações a respeito das decisões estratégicas, faz-se necessária ainda, de acordo com o exposto na entrevista, a existência de outros órgãos de Governança, como o Conselho de Administração, que adquire também papel de guardião do sistema de Governança da organização, além do Conselho Fiscal, responsável pela aprovação das demonstrações financeiras e, idealmente, pela seleção dos auditores externos independentes e pelas atividades de compliance, entendidas como aquelas relacionadas ao cumprimento de normas e requisitos legais e estatutários.

Particularmente a respeito do Clube de Regatas do Flamengo, foram destacados dois avanços de grande relevância observados a partir de 2013 a respeito das práticas de Governança: (i) a criação da Diretoria Executiva como órgão de Governança formada por executivos remunerados a valores de mercado e por meio do qual são executadas as diretrizes definidas pelo Conselho Diretor, formado pelos Vice-Presidentes não remunerados; e (ii) as alterações estatutárias a respeito não somente da responsabilidade administrativa de Presidentes e membros eleitos dos Poderes da instituição, que passaram a partir de então a responder com o patrimônio pessoal no caso de atos lesivos aos cofres e imagem do clube, como também do planejamento e execução fiscal e orçamentária, com o objetivo de coibir práticas imorais ou ilegais de gestão.

Sobre a atuação do Conselho Diretor, que tem por objetivo definir as estratégias da organização, comentou-se sobre a quase inevitável atuação de seus membros, os Vice-Presidentes nomeados pelo Presidente eleito, em decisões executivas do dia a dia do clube, mesmo que idealmente essa participação devesse assumir apenas caráter consultivo, sem o viés temático, por área de atuação, atualmente existente. Mais além, foi apresentada a ressalva do grande número de membros e dos poucos requisitos tipicamente impostos para sócios se tornarem membros do Conselho Deliberativo, o que pode representar ameaça aos mecanismos de Governança na medida em que são estes conselheiros os responsáveis por decisões de alta relevância para a organização. Foi dada ênfase também aos riscos à boa Governança e às boas práticas administrativas advindos da participação de diretores não remunerados na gestão dos clubes, ainda que estes reúnam qualificações profissionais adequadas à função.

A parte final da entrevista foi destinada à explanação sobre os caminhos a serem percorridos pelas entidades no que concerne à Governança Corporativa, passando pela regulamentação de mercado, a cargo dos órgãos dirigentes da indústria e pela conscientização dos dirigentes esportivos a respeito da inviabilidade de um modelo de gestão formado majoritariamente por profissionais voluntários e sem dedicação de tempo integral ao clube.

Confira abaixo o áudio completo da conversa.

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Fundamentos na leitura de jogo

Crédito imagem: Lucas Figueiredo/CBF

O fim de semana se aproxima, o momento mais aguardado para a prática do futebol se apresenta e a rotina de acompanhamento quase que de forma inconsciente se repete dentro e fora de campo. Testemunhamos o futebol no modo ativo (jogando) ou passivo (assistindo presencialmente e pela mídia) ao mesmo tempo que trocamos informações quase automáticas em campo, na arquibancada ou no conforto de casa (entretidos com as distrações de uma narração aliada a comentários subjetivos).

Mas, afinal, se buscarmos uma orientação consciente, como seria possível ler e interpretar o que de fato acontece ao longo de uma partida nessa modalidade coletiva e de contato, sobretudo no alto rendimento?

Nomenclaturas, terminologias ou preferências à parte, a leitura em um jogo de futebol ainda pode privilegiar uma orientação inicial essencialmente simples, sem saudosismo, antes de discutir análises que destaquem a sua complexidade. Isto porque, independente do país em que o esporte seja observado, os fundamentos da sua prática permanecem os mesmos. E é justamente ao ressaltar conceitos básicos que podemos facilitar interpretações realistas a cada contexto apresentado em campo, seja em uma construção de jogada, em uma repetição de padrões ou em eventualidades que também compõem a dinâmica do jogo.

Partindo pelos fundamentos, toda e qualquer leitura de jogo (ou jogada) demanda consideração a três variáveis essenciais: a bola, o tempo e o espaço.

A bola, sendo o principal instrumento do jogo, tende a prender a atenção do acompanhamento externo de torcedores, jornalistas e espectadores, enquanto norteia apenas uma óptica nas tomadas de decisão dentro de campo por parte de jogadores e árbitros. Já o tempo, balizado pelas oscilações de intensidade com aceleração, pausa e velocidade, tende a informar o ritmo do jogo e da combinação de jogadas. O espaço, por sua vez, segmentado ainda que de forma imaginária em todo o terreno do jogo, possibilita oportunidades de posicionamento, deslocamento e distanciamento em um esporte marcado por constantes mudanças de direção na prática.

Com base nesse raciocínio, as ações dos jogadores (os reais protagonistas em campo) refletem fundamentalmente três movimentos inter-relacionados: o movimento da bola, o movimento dos companheiros de equipe e o movimento dos adversários. Embora nem sempre testemunhados de forma simultânea, tão logo um desses três movimentos seja ativado, desencadeia-se uma influência imediata sobre os outros dois. A não ser que ninguém em campo queira jogar com a bola.

A eficácia numa troca de passes, por exemplo, depende não apenas da qualidade técnica, equilíbrio e percepção do executor em contato direto com a bola, mas também do deslocamento adequado do receptor, aliado a ausência de interceptação por parte dos seus adversários. Note como a bola, o tempo e o espaço estão sempre em sinergia conforme os atores se movimentam em campo (mesmo aqueles que não participam diretamente onde a bola transita).

Como segundo exemplo, um contra-ataque cuja execução pode ser testemunhada com superioridade numérica ofensiva (espaço) ainda depende da velocidade na jogada (tempo) e da precisão ao circular ou conduzir a bola contra o deslocamento dos adversários até a eventual oportunidade de finalização. Perceba como o movimento na transição defensiva responde à intensidade do movimento de quem ataca (novamente com e sem o principal instrumento do jogo), ilustrando a conexão dinâmica entre a bola, o tempo e o espaço. E se levantarmos outras alternativas que remetam a situações reais de jogo, torna-se possível evidenciar variações em fases de organização, transição e até mesmo bola parada.

No entanto, vale ressaltar que a leitura de jogo é diretamente influenciada pelo ângulo em que se encontra o leitor. Dependendo do campo de visão disponível, a interpretação dos leitores pode apresentar perspectivas distintas sobre uma mesma situação de jogo. Parece confuso? Vamos aos exemplos.

Posicione-se como um treinador (ou membro de comissão técnica) à beira do gramado, por exemplo, e sua leitura sobre os movimentos da bola, dos comandados e dos adversários estará comprometida a um campo de visão horizontal e à mesma altura em que o jogo acontece. E lembre-se que, na função de treinador (ou auxiliar, preparador físico, médico), sua leitura torna viável informar, orientar e até esbravejar, mas não a executar o que de fato se discorre dentro do jogo.

Leitor com campo de visão horizontal (e na mesma altura do jogo)

Agora imagine que você esteja dentro de campo, onde jogadores e árbitros interpretam as variações de jogadas conforme o deslocamento momentâneo de cada indivíduo. Desse modo, a percepção, a antecipação, a tomada de decisão e a execução de cada manobra em campo será influenciada pela dinâmica dos seus movimentos como jogador. Enquanto goleiros e defensores enxergam a maior parte do jogo com um campo de visão vertical e diagonal, por exemplo, meio-campistas e atacantes trabalham exaustivamente com a visão periférica, sobretudo para prever ou antecipar ações durante os deslocamentos, possibilitando oportunidades de ataque.

Leitor com campo de visão periférica (e na mesma altura do jogo)

Por fim, retorne à condição de espectador apoiado por um campo de visão panorâmica, que facilita a leitura das três variáveis essenciais (bola, tempo, espaço) e dos três movimentos inter-relacionados (bola, jogadores da equipe mandante, jogadores da equipe visitante).

Caso o seu ângulo como leitor seja privilegiado pela posição no local da partida ou pela câmera de análise de desempenho, sua interpretação terá a vantagem de uma perspectiva efetivamente panorâmica (enxergando o movimento coordenado de todas as peças no terreno), porém ela ainda sofrerá limitações com relação à dinâmica real dos deslocamentos que acontecem em campo (devido à distância das ações).

Não obstante, caso a sua leitura de jogo dependa de uma transmissão midiática, suas interpretações serão influenciadas pela manipulação das câmeras escolhidas pelo veículo responsável na captação e edição das imagens que chegam ao seu campo de visão (além das distrações provenientes de narradores e comentaristas, que emitem juízo de valor durante a partida, interferindo na sua leitura de jogo).

Leitor com campo de visão panorâmica
Leitor com campo de visão focado na ação com a bola

Portanto, quando as próximas oportunidades surgirem, pratique a sua leitura de jogo independente (ausentando-se de distrações, narrações e comentários). Questione a inter-relação do movimento da bola, junto ao movimento dos jogadores da equipe que ataca e o movimento dos jogadores da equipe que defende. Oriente-se pelas três variáveis essenciais, contextualizando as ações que ocorrem em campo dependendo de onde a bola transita, como o tempo se modifica e qual o espaço disponível de acordo com a execução das jogadas.

Raciocinemos sempre a dinâmica do futebol. Um esporte coletivo e de contato, praticado por seres humanos.

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Clube empresa – A miragem que se aproxima

Via de regra, as situações financeiras dos clubes no cenário nacional não são favoráveis. Em sua grande maioria, para o desenvolvimento de suas atividades, os clubes dependem de patrocinadores, investidores, e até mesmo da anistia por parte do governo.

Neste sentido, uma das esperanças para o desenvolvimento econômico-financeiro almejada é a sistemática do clube-empresa, muito explorado no exterior e, não tão explorada em terras tupiniquins, uma vez que a legislação nacional impõe implicações severas àqueles clubes optantes da modalidade.

Todavia, o cenário tende a mudar, pois, com a recente eleição do Senador mineiro Rodrigo Pacheco, autor do Projeto de Lei nº 5516/2019 que tramita perante a câmara, tem por finalidade a criação de Sociedades Anônimas do Futebol (SAF), basicamente, uma S.A. específica para a modalidade do esporte, voltando a pauta com força total!

Em grave crise financeira e pelo segundo ano consecutivo na Série B do Campeonato Brasileiro pela frente, o Cruzeiro Esporte clube contratou uma empresa de auditoria (Ernst & Young) para dar início aos estudos sobre o plano de recuperação do clube, que se passa pela transição para se tornar um clube-empresa.

Desde o final de 2020, o projeto vem sendo discutido internamente, para isso, foi criado um grupo de estudos internos liderado por Sandro González, CEO do clube, sendo acompanhado de perto pelo presidente e outros nomes de peso dentro do clube.

Outros clubes também se movimentam para adequar as exigências propostas pelo projeto apresentado pelo Presidente do Senado, nesta mesma linha, o Botafogo e América já traçaram estratégias para essa implementação.

Segundo estudos da EY sobre o modelo de negócio, nas últimas duas décadas, o cenário internacional mostra que os clubes-empresas tiveram aumento significativo em suas receitas.

Se nos anos 1990 esse valor chegava a pouco mais de 600 milhões de euros, hoje varia entre 1,9 e 5,8 bilhões de euros. O estudo aponta, ainda, que, na primeira divisão das cinco maiores ligas do futebol europeu, 92% dos clubes são empresas, enquanto na segunda divisão esse percentual é de 96%.

Com exceção da Inglaterra, os proprietários dos clubes são predominantemente empresários nacionais – 58% com alguma ligação pessoal com o clube ou são empresários da região –, enquanto 33% dos clubes que constituídos como empresas são controlados por estrangeiros, sendo 44% investidores americanos ou chineses.

Os números apresentados saltam aos olhos, por esse motivo, os clubes buscam a solução para endividamento e pela falta de investimento e retorno financeiro. A cada dia a ilusão do clube-empresa vem ganhando mais forma e deixando de ser uma hipótese para se tornar uma realidade.

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol  

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A educação e o futebol brasileiro

No meio de 2019 publicamos o relatório categorias de base e a educação, apresentando alguns números das categorias de base no país e alertando sobre a necessidade de darmos atenção especial ao acesso à escola por parte do exército de jovens jogadores que existe no Brasil.

A educação foi também um dos temas de dois de nossos últimos bate-papos que você acompanha semanalmente no FutTalks. Ontem, com o executivo de futebol Rui Costa e na próxima quinta-feira, na entrevista com Mauricio Marques, coordenador técnico dos cursos da CBF Academy.

As falas de nossos dois convidados incentivaram reflexões importantes sobre como o ensino formal pode ter um impacto muito grande não apenas para os jovens que não atingem o alto rendimento, mas para aqueles que continuam no futebol tanto como jogadores, e, principalmente, como para treinadores e outros profissionais que atuam no futebol.

Ao destacar a necessidade de enxergar o futebol de maneira sistêmica, percebendo as correlações das suas diversas áreas para o objetivo final que é o bom desempenho esportivo, Rui Costa ilustrou, “ser competente na especificidade não é suficiente. Trabalhei com gente com pós-doutorado, mas que não consegue falar, por exemplo, sobre a floresta amazônica”, lamentando a hiperespecialização de alguns profissionais no futebol. Podemos encontrar um exemplo muito bem terminado do que o executivo do futebol defende no trabalho e resultados alcançados nos últimos anos pela seleção uruguaia de futebol.

Depois de uma longa crise sem títulos nem brilho no futebol internacional o Uruguai iniciou em 2006 um projeto de reformulação liderado pelo treinador Óscar Tabarez. O trabalho teve como fruto a recuperação do prestígio da seleção nacional, o desenvolvimento regular de jogadores de alto nível no futebol mundial – o país se mantém nos últimos anos entre os líderes de jogadores per capita atuando fora de seu território – e resultados expressivos nas competições internacionais, com destaque para o título da Copa América de 2011.

Curiosamente, assim como Rui Costa ao afirmar que muitos especialistas no futebol “não sabem falar sobre a floresta amazônica”, o jornalista Lúcio de Castro ao escrever sobre o trabalho desenvolvido na seleção uruguaia, descreve Oscar Tábarez como “um maestro e um líder capaz de discorrer sobre botânica, história, política e filosofia em um papo, além de deliciosas histórias sobre o futebol de ontem e hoje”. Falas que convergem ao sublinhar a necessidade de se conhecer e debater o futebol para muita além do campo, porque ele é sempre muito mais do que isso.

Aqui pegamos carona em uma outra passagem da entrevista de Rui Costa, quando o executivo fala de nossa carência na produção de conhecimento escrito sobre o futebol, para refletir sobre nosso país de maneira mais ampla. Ao longo de nosso bate-papo, Rui Costa lamenta a baixa produção literária sobre futebol no país, que vem a reboque dos nossos hábitos de leitura. Segundo o estudo “Retratos da leitura no Brasil”, de 2019, entre aqueles que possuem o hábito de leitura, o brasileiro lê menos de cinco livros por ano, mesmo que apenas uma parte deles, e 44% da nossa população sequer tem o hábito.

Esse dado é causa, mas também consequência. Causa, porque pode ser visto diretamente na maneira como transferimos o rico conhecimento do futebol que existe no país, de maneira artesanal e pouco estruturada. Como você poderá acompanhar no FutTalks da próxima quinta, movimentos para tentar formalizar esses conteúdos vem se fortalecendo no Brasil, tanto dentro da própria Universidade do Futebol, que ajudou a dar a largada para essa corrida em 2003, como liderado por outros atores. Consequência, porque é um reflexo da falta de estímulo à leitura e à educação de maneira mais ampla, que temos em nossas “categorias de base” do país, que são as escolas do nível fundamental.

Assim como no futebol, o país precisa valorizar a nossa base e ela está nas escolas, na base do ensino. Se quem só sabe de futebol, nem de futebol sabe, como diria o grande pensador do futebol Manuel Sérgio, precisamos que cada vez mais crianças e jovens consigam discorrer sobre “a Amazônia, botânica, história, filosofia” e muito mais. Com muitos “Oscar Tabarez” pelo país, quantos craques nas mais diversas áreas, inclusive no futebol, não conseguiríamos formar?

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