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Mês: julho 2008
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Uma pesquisa publicada recentemente Centre for the International Business of Sport da Universidade de Coventry, da Inglaterra, fez um levantamento sobre as razões que levam os clubes de futebol ingleses a decretar falência. Os números impressionam.
Para se ter uma idéia, de 1986 a 2008, 56 clubes ingleses pediram falência. O clímax aconteceu em 2002, temporada em que os 03 clubes que foram rebaixados da Premier League faliram logo em seguida. Isso porque houve o colapso da ITV Digital, que prometia salvar a segundona britânica, e que serviu também como catalisador para a falência de 17 clubes entre 2001 e 2003.
Apesar de eventos externos também servirem como motivador da falência, como foi o caso da ITV Digital, a grande culpa ainda reside com os clubes. O estudo apontou que as principais razões que levam os clubes a pedirem falência são o rebaixamento de divisão, que acarreta em grandes perdas de receita, a inabilidade em reduzir custos, principalmente com salário de jogadores, e, por fim, a má administração do clube em si.
Apesar de aparentemente saudável, o futebol inglês acumulou perdas somadas de mais de 01 bilhão de libras de 2001 a 2006, em todas as suas divisões, que conta com um total de 92 clubes. A saúde do negócio, portanto, não é tão boa quanto parece.
É claro que quando você olha pros 04 maiores, Manchester United, Chelsea, Liverpool e Arsenal, tudo parece muito bonito e muito bacana. Quando você olha o todo, porém, o buraco é mais embaixo. Bem mais embaixo. E esse é um problema que precisa ser administrado urgentemente.
Os clubes grandes, ganham muito dinheiro. Os pequenos, perdem muito dinheiro. Os clubes grandes não sobrevivem sem os clubes pequenos. Os pequenos não conseguem competir com os grandes. O desequilíbrio financeiro é gigantesco, e o sistema tende a gerar mais e mais perdas. O único jeito é fechar todas as portas de um jeito que todo mundo ganhe mais ou menos a mesma coisa e, dessa forma, você equilibra os ganhos e diminui muito as perdas individuais. Quem faz isso são as Ligas fechadas, notadamente as estadunidenses, como NBA, NFL e MLB. Ninguém entra, ninguém sai e todo mundo ganha a mesma coisa.
Será esse o futuro da Premier League?
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Coluna inicial
Olá amigos da Universidade do Futebol.
É com grande satisfação que começo meus textos aqui neste espaço importante para o desenvolvimento de debates e reflexões acerca do futebol.
Sei também da grande responsabilidade e compromisso que firmo com todos vocês, críticos e sempre exigentes participantes desta comunidade que circula pelos corredores e caminhos da cidade do futebol, trocando experiência e compartilhando informações em busca de um denominador comum, um futebol cada vez mais estudado, sério, profissional e com aprofundamento concreto do conhecimento e da prática.
Por isso me apresso e convido-os a interagir conosco, frente a proposta de discutir tecnologia e futebol, assunto que faz parte do meu dia-a-dia, mas que ficará cada vez mais enriquecido com o amplo entusiasmo de todos vocês para participar com sugestões, debates e críticas.
Só assim podemos claramente debater temas pertinentes a atuação de todos nós, estimulando assuntos importantes sobre a tecnologia à serviço do futebol.
São várias as abordagens que buscaremos levantar para uma rica discussão. Desde a compreensão do termo tecnologia como recurso e processo, passando pelo viés do desempenho esportivo nas suas magnitudes técnicas, táticas e físicas, pelas questões de organização do espetáculo , do conforto do espectador e consumidor de futebol, pela capacitação individual e coletiva dos profissionais, enfim, por uma série de possibilidades e tendências que o futebol apresenta em relação ao uso e incorporação da tecnologia.
Fica aqui minha breve apresentação e no aguardo de desenvolvermos juntos um amplo e rico campo de discussão.
Até a próxima.
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www.distintivos.com.br
“É como ter um filho. Dá trabalho, você gasta muito dinheiro, mas sente o maior orgulho dele”
Luiz Fernando Bindi
Essa foi, até hoje, a melhor definição que ouvi de alguém que tem um projeto jornalístico sobre aquilo que faz. E ouvi assim, de surpresa, no ar, durante a apresentação de um “Beting & Beting”, no BandSports, mas que naquele dia era um “Beting & Bindi”.
O primeiro “Beting” que fiz ao lado do Luiz Fernando Bindi, um cara que, naqueles 10 minutos antes de entrar no ar e mais na meia hora de bate-papo ao vivo tinha se mostrado uma pessoa nota 10, jornalista por vocação, amigo já na primeira conversa.
Bindi era formado em geografia. E apaixonado por futebol, como provavelmente metade da população brasileira, ou até mundial. Provavelmente só ele saberia dizer em quais rincões do planeta que o futebol não é tão popular como aqui.
E dessa paixão surgiu, como ele dizia, o seu “filho”. O site www.distintivos.com.br, que tem 25.219 escudos de times de futebol de todo o mundo. Do Etoile Filante, de Burkina Faso, ao Palmeiras, a paixão de 15 milhões de torcedores, entre eles Bindi.
Palmeirense como um Beting, nascido em berço verde e branco, mas que quando cresce e tem de trabalhar, esquece as cores e apruma o microfone, ou o teclado do computador, para assumir a outra paixão: o jornalismo.
Sim, porque o Bindi é um dos mais bem acabados exemplos de que para ser jornalista você não precisa de diploma, mas de vocação. Até o último dia 22, Bindi trabalhava num escritório, na área da geografia. À noite e nos finais de semana, porém, ele assumia a profissão que abraçou por paixão.
Bindi conseguia se dividir entre os comentários na rádio, textos na revista Trivela, no site do Milton Neves, participações sempre precisas no “Beting & Beting” e até mesmo textos mais acadêmicos aqui para a Cidade do Futebol.
E a impressão que se tinha é de que ele sempre era ótimo. Por dentro. Coerente. Competente.
Bindi foi daqueles caras que só o jornalismo permite que nós conheçamos. Aquele sujeito que mostra que a sua “loucura” não é tão louca assim. Que existem outros que pensam que só o futebol vale. Que ele representa início, meio e fim de vida.
Na última vez que nos encontramos, celebramos juntos o título paulista do nosso Palmeiras, ainda no Palestra Itália. Já desprovidos da função jornalística, sabíamos que poderíamos ser torcedores. Contamos da emoção que foi ver Marcos ceder seu lugar a Diego Cavallieri no jogo da conquista. Da redenção de Marcos, se é que ele precisava de algo mais do Palmeiras na vida.
Na última quinta-feira, ainda atordoado pela ausência do amigo, fiz questão de ir ao Palestra para lembrar do Bindi. E saber que, onde ele estivesse, vibraria com os 4 a 2 sobre o Santos. Agora mais do lado da arquibancada do que das tribunas de imprensa. Parece que naquele jogo o Palmeiras acordou para o Brasileirão. Pena que o Bindi não estava lá para ver.
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Pênalti é loteria! (caríssima, vale lembrar).
Como outrora lembrara o notável “Tenente Fulminato de Mercúrio” (mais um dos notáveis do Café dos Notáveis), o Chelsea, o Fluminense e outras tantas equipes (em diferentes níveis e categorias), acreditando ou não na loteria “penaltiana” já sentiram o caro preço de não serem “premiadas” no meticuloso acaso lotérico.
Ainda que o senso comum acredite e a mídia em geral reforce que pênaltis e disputas por pênaltis sejam loteria (capricho do acaso), para os profissionais (realmente profissionais) do futebol, que vivem da vitória, o enfoque a esse evento do jogo deve receber atenção também profissional.
Basta lembrar da Copa do Mundo de 2006, no jogo em que a seleção da Alemanha venceu a seleção da Argentina na disputa por pênaltis. O goleiro alemão Jens Lehmann (discutido e rediscutido por ganhar a posição do seu compatriota Oliver Kam) defendeu dois pênaltis argentinos e colaborou substancialmente com a vitória de sua equipe. Ao final do jogo, confessou ter consigo anotações sobre estatísticas que indicavam onde os cobradores argentinos tinham maior probabilidade de chutar a bola durante as cobranças (um estudo que rastreou pênaltis naquele ano e em anos anteriores a Copa de 2006).
Se pênalti realmente é loteria, digamos que Lehmann e seus treinadores criaram uma alternativa para potencializar as chances de ganhar o “grande prêmio”.
Alguns estudos vêm sendo realizados ao longo do tempo para investigar a cobrança de pênalti no futebol. Alguns sob a perspectiva dos cobradores, outros na perspectiva dos goleiros. Ainda que de uma forma geral muitos deles se arrisquem a um reducionismo descontextualizado, todos de certa forma podem trazer alguma contribuição.
As variáveis determinantes para o êxito ou fracasso na cobrança de pênaltis têm caráter multifatorial aleatório, de tal forma que é quase impossível dominar todas as variáveis ao mesmo tempo para que se alcance a excelência (o êxito 100% – tanto para quem cobra o pênalti quanto para quem tenta defendê-lo).
Então, se de fato é quase impossível dominar 100% desses multifatores aleatórios é plausível e bem razoável admitir que é possível dominar um número considerável (considerável qualitativamente) desses fatores.
Algumas pesquisas tem se dedicado a analisar questões técnico-estratégicas de goleiros e cobradores em diversos países do mundo. Analisam desde a “leitura corporal” que o goleiro faz para tentar “prever” a direção em que o batedor chutará a bola até os fatores que poderiam aumentar as chances de insucesso em um tiro penal.
Algumas dessas pesquisas tentam responder por exemplo porque a maior parte dos goleiros de futebol defende de 10% a 24% dos pênaltis que são cobrados no gol, e o que diferenciaria uma pequena parte desses profissionais que conseguem defender mais do que 30% dos pênaltis a que são submetidos (estudos de Salvesbergh, Kamp, Willians e Ward no ano de 2002; Franks, Hanvey em 1997; Burwit em 1993, dentre tantos outros…).
Existem basicamente dois tipos de cobradores de pênalti. Aqueles que são goleiro-dependentes e aqueles que são goleiro-independentes.
Os goleiro-dependentes são aqueles cobradores que baseiam sua cobrança na leitura que fazem da postura e movimentação do goleiro; e que portanto antes da autorização do árbitro não têm definido qual lugar do gol a bola será direcionada.
Os batedores goleiro-independentes são aqueles que independente da movimentação do goleiro já têm um lado definido para a cobrança do pênalti.
Existem também basicamente dois tipos de goleiros (referente à cobrança de pênaltis). Há aqueles que são batedor-dependentes e há aqueles que são batedor-independentes. Os primeiros definem seu posicionamento e deslocamento a partir da movimentação do cobrador e o segundo tipo arrisca um canto independente da movimentação empregada.
Dados de pesquisas que estudam os goleiros apontam para o fato de que os guarda-redes com maiores êxitos nas defesas são aqueles que fazem melhor leitura corporal da movimentação do cobrador e que esperam o máximo possível para definir o lado que saltarão para defesa (sem dar ao cobrador indícios do que irão fazer – outras pesquisas apontam ainda que não é o tempo de reação a variável determinante para o êxito dos goleiros, já que ele não se difere entre os goleiros que têm ou não êxito nas defesas).
Como essas coisas podem ser ensinadas e desenvolvidas, é possível aumentar significativamente as chances dos goleiros nas cobranças de pênaltis em que a bola atinge regiões “alcançáveis” do gol (deve-se levar em conta ainda que a maior parte dos pênaltis cobrados atingem essas regiões).
Dados de pesquisas que estudam os cobradores apontam para o fato de que os batedores que são goleiro-dependentes aumentam suas chances de acerto quanto mais cedo (durante seu deslocamento em direção a bola para o chute) definirem qual será o lado da cobrança. Tais pesquisas apontam também para o fato de que os batedores goleiro-dependente são sensíveis a estímulos visuais vindos do goleiro (e portanto podem ser induzidos para essa ou aquela conclusão, do onde chutar, a partir desses estímulos).
A partir dessas e outras indicações científicas podemos de certa forma fazer algumas reflexões.
Em primeiro lugar, os goleiros batedor-dependentes podem aumentar potencialmente as chances de defender pênaltis se; 1) aprenderem “ler” as ações do batedor (e aí as pesquisas indicam que a posição da perna de apoio é uma das melhores referências), 2) aprenderem a esperar o máximo possível para efetivamente definir qual o lado que a bola será chutada e por fim 3) descobrirem quais estímulos visuais podem criar para causar dúvidas no batedor para induzirem a cobrança a um ou outro lado.
Em segundo, estatisticamente, são os goleiros batedor-dependentes àqueles com maior chance de êxito nas defesas, porque independente do tipo de cobrador (goleiro-dependente ou goleiro-independente), esse tipo de goleiro busca informações nas ações do batedor para tentar identificar onde a bola será chutada.
Os goleiros batedor-independentes só terão aumentadas as suas chances de êxito se (e somente se) os cobradores forem goleiro-independente e eles (os goleiros) tiverem informações prévias a respeito dos batedores.
Ao analisarmos pela perspectiva dos batedores, aqueles que são goleiro-dependentes terão aumentadas a sua vantagem, se enfrentarem goleiros batedor-independentes e poderão ter problemas ao enfrentare
m goleiros batedor-dependentes. Aqueles que são goleiro-independente terão suas chances diminuídas ao enfrentarem goleiros batedor-dependentes e poderão tê-las aumentadas se enfrentarem goleiros batedor-independentes. É claro que quem cobra o pênalti, sob o ponto de vista técnico-estratégico, tem vantagens (que podem ser facilmente explicadas pela Matemática e pela Física) sobre quem tenta defendê-lo. Mas como já mencionado anteriormente, o êxito ou fracasso têm dependência multifatorial. Desta forma há também dados que mostram que sob o ponto de vista estratégico-emocional a vantagem estaria do lado do goleiro. Talvez Lehmann, o goleiro alemão, tivesse sido traído pelas estatísticas se os batedores argentinos fossem goleiro-dependentes. Talvez alguém mais persuasivo possa convencer a todos nós de que “pênalti” é sorte (sorte?). Podemos aceitar ou não que pênalti é loteria. Se não aceitarmos, teremos que buscar alternativas e possibilidades para melhorar o desempenho de goleiros, jogadores e equipe. Se aceitarmos, só o que poderemos fazer é ficar torcendo. Até mesmo para ganhar na loteria é preciso jogar. Tenhamos cuidado no entanto, com o reducionismo simplista de algumas pesquisas. Tenhamos cuidado com as negações totais e definitivas; mas tenhamos mais cuidado ainda com as crenças, sortes e loterias do acaso simplista (que acaso?). Termino hoje então com um poema. Não porque é belo, mas porque alcança a profundidade que é necessária para se compreender aquilo que é necessário: a essência. Lágrima de Preta (de Antônio Gedeão) Encontrei uma preta /que estava a chorar, / pedi-lhe uma lágrima / para a analisar.
Recolhi a lágrima / com todo o cuidado / num tubo de ensaio / bem esterilizado.
Olhei-a de um lado, / do outro e de frente:/ tinha um ar de gota / muito transparente.
Mandei vir os ácidos, / as bases e os sais, / as drogas usadas / em casos que tais.
Ensaiei a frio, / experimentei ao lume, / de todas as vezes /deu-me o que é costume:
nem sinais de negro, / nem vestígios de ódio. / Água (quase tudo) / e cloreto de sódio.
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O futebol e os Jogos Olímpicos
Caros amigos da Universidade do Fubebol,
Poucos esportes podem se dar ao luxo de não depender dos jogos olímpicos para existir. O futebol é um deles.
Imaginem os nossos leitores. Diversos esportes, como por exemplo o arco e flecha, sobrevivem da distribuição solidária de receitas dos jogos olímpicos, que ocorre a cada 4 anos. Essa receita auferida por essas pequenas federações internacionais tem que suportar grande parte das despesas de todas as federações nacionais (e eventualmente regionais) durante o intervalo entre uma olimpíada e outra.
Não é fácil.
No caso do futebol, essa dependência não existe. A exemplo do tênis, os atletas de futebol não se preocupam tanto com os jogos olímpicos. No caso do futebol, claramente a Copa do Mundo é mais importante do que os Jogos Olímpicos.
Nesse contexto, temos que nos atentar aos clubes de futebol. Haja vista a não dependência da família do futebol pelos Jogos Olímpicos, e também à fortuna que despendida com a contratação e manutenção daqueles principais jogadores, os clubes relutam em liberar seus jogadores para mais esse compromisso internacional, sob o risco de sofrerem lesões, etc.
Isto posto, a grande discussão que hoje se apresenta é se os clubes devem ou não liberar seus jogadores para o compromisso olímpico.
Claro está que os 3 jogadores por Nação acima 23 anos (exceção deliberada durante o Congresso da FIFA de 1994 em Los Angeles) não devem obrigatoriamente ser liberados. Existe apenas um apelo da FIFA pela liberação sob o manto da solidariedade olímpica.
Mas a grande discussão gira em torno dos jogadores sub-23. A FIFA se manifestou pela obrigatoriedade dos clubem em liberá-los. Os clubes também se manifestaram no sentido oposto.
Já existem casos em andamento no Tribunal Arbitral do Esporte, discutindo supostas imperfeições jurídicas nos regulamentos que tratam da matéria em sede esportiva. Por uma questão de confidencialidade, ainda não podemos nos manifestar a respeito.
A solidariedade olímpica deve ser mantida, quanto a isto não restam dúvidas. Porém, a estrita legalidade deve sempre ser observada em prol da igualmente fundamental segurança jurídica das partes envolvidas.
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Sem intenção
Eu dormia quando senti baterem em meu ombro. Acorda! Esfreguei os olhos e lembrei a Oto, meu morcego de estimação e confidente, que não gostava de ser acordado durante os jogos amistosos da seleção. Era quando eu tirava os atrasos de sono.
“Mas é importante”, guinchou o morceguinho. “Também dormi e só acordei agora, quase no fim do jogo”.
“O que é então?”, perguntei, e ele contou que teve um pênalti marcado pelo juiz no começo do segundo tempo e o comentarista da TV disse que não o apitaria porque o zagueiro não teve a intenção de derrubar o atacante.
“Ah, Oto! Isso não tem a menor importância”, respondi sonolento. Aquele assunto me aborrecia, pois eu não suportava essas conversas de comentaristas de arbitragem. Dei uma desculpa qualquer e voltei a me concentrar no sono.
Mas o morcego continuou tagarelando no meu ouvido: “Como é que a gente pode saber qual é a intenção do outro? O juiz consulta o jogador antes de apitar?”.
Oto tinha razão: aquilo não fazia sentido. De qualquer maneira o quiróptero não me daria trégua mesmo, a TV passava os melhores piores lances e resolvi acordar de vez. “Vamos ao dicionário”, convidei.
Fomos ao Houaiss, que nos foi de pouca ajuda. Disse-nos que intenção é aquilo que se pretende fazer. É um propósito, um plano, uma idéia, uma coisa que está lá dentro de cada pessoa. Se é assim, como podem os juízes e os comentaristas de futebol saber o que se passa dentro dos jogadores? Ainda mais no tempo tão curto de uma jogada. O léxico nos sugeriu ainda saltar da página 1631 para a 2692: lá estava o antepositivo tend, que quer dizer dirigir-se para, tender para, inclinar-se. De forma que a tarefa do juiz seria perceber qual a inclinação do jogador quando ele toca a mão na bola dentro da área, por exemplo, ou qual a sua tendência.
Quem sabe suas excelências, os senhores árbitros de futebol, não possuam uma competência inata de ler nas expressões faciais, nas torções corporais ou tensões manuais dos jogadores suas intenções de cometer ou não penalidades?
O pior é que quando uma coisa entra na minha cabeça ela só sai quando fica resolvida. O sono não voltaria mais enquanto a intenção estivesse ocupando meu cérebro. Decidido, chamei o morcego: “Vamos ao Merleau-Ponty”, eu disse.
“Quem?”, perguntou o morcego.
“Aquele do livro grosso, vermelho, que fica ao lado direito da minha escrivaninha”, respondi.
O filósofo da fenomenologia da percepção não é fácil. Deu-nos trabalho garimpar o que havia nele para nos ajudar a entender melhor nossos queridos comentaristas especializados e juízes de futebol quando julgam as ações dos jogadores pelas intenções (ando desconfiado de que essa coisa de julgar intenções é mais dos comentaristas que dos juízes). Valeu a pena, mas nos causou uma enorme surpresa: o pessoal da TV tem razão e fui eu que os julguei mal. De fato, há uma intenção contida em tudo que desejamos. Portanto, ao observador meticuloso talvez não escape a intenção por trás de um chute, de um esbarrão, ou de um carrinho dado por um jogador de futebol. Sei que não é fácil perceber isso no átimo de tempo que dura uma jogada decisiva, mas essa dificuldade acomete somente a nós, simples mortais; aos especialistas da bola, escudados por seus microfones e apitos, é perfeitamente possível.
O Sr. Merleau-Ponty ainda nos disse, trocando em miúdos, que tudo aquilo que nós explicamos sobre alguma coisa é verdadeiro, pois pensamos de acordo com nosso ponto de vista. Portanto, todas as vezes que o juiz e o comentarista julgarem a intenção do ato cometido pelo jogador, eles acertam. Não há como errar, pois, na verdade, eles estão julgando suas próprias intenções e não as dos jogadores.
A essa altura Oto se descabelava, ou melhor, eriçava todos os pelos da sua cara de rato. Demorei a tirá-lo do estupor: “Vamos, Oto, vamos falar com Aurora, nossa reserva de sabedoria”.
“De jeito nenhum!”, retrucou o morcego. “Aquela megera de rapina quer me comer com rodelas de batata! Bem sei”.
Com muito custo, levei-o à entrada da caverna e chamei a coruja. Ela nos atendeu, sempre gentil, Oto escondido no bolso de minha camisa, e lhe contei o que nos atormentava.
“Tenho uma idéia”, ela disse. “Em minha toca mantenho um aparelho de TV aparentemente igual aos outros, mas que pode ser sintonizado em um canal diferente de todos os demais. Ele realiza na tela nossos desejos. Quase nunca o assisto porque ele sempre me causa decepções profundas”.
“Decepções com quem?”, perguntei.
“Comigo mesma”, respondeu Aurora.
“Pois eu gostaria de ver um jogo apitado por um juiz segundo as intenções dos jogadores”, eu disse. “Só tem um detalhe: eu queria levar Oto comigo, mas ele acha que na primeira oportunidade você vai transformá-lo em banquete”.
“Bobagem!”, ela disse. “Ele é cismado comigo. Eu jamais faria mal ao seu melhor amigo”.
Consultei Oto, ele concordou, e lá fomos nós para o buraco de Aurora. Esgueirei-me com dificuldade pela abertura da toca. Lembrei-me que preciso diminuir a cerveja e aumentar as caminhadas. Lá dentro, para minha surpresa, abria-se um amplo e confortável salão. Ao lado de um sofá florido estava o televisor, aparentemente normal, até que a coruja sintonizou o canal Z33. Um jogo de futebol começava. De um lado uma equipe toda de vermelho, do outro uma de amarelo, no centro, o árbitro, de negro.
No começo, nenhuma novidade: bola para cá, bola para lá, a partida seguia morna, até mesmo enfadonha. De repente um dos alas da equipe vermelha cruzou a bola na direção da área adversária e ela tomou rumo inesperado. O goleiro esticou-se todo, mas a redonda alojou-se caprichosamente no canto superior direito. Gol! Não, o juiz apitou somente tiro de meta.
Vaias da platéia, protestos dos jogadores de vermelho, uma confusão danada, mas não teve jeito. Segundo sua excelência, não era intenção do ala fazer o gol, mas sim cruzar; o goleiro, sem dúvida, teve a intenção de defender a pelota.
Nova saída, bola do time amarelo e o volante avançou pela direita. Ele serviu o centroavante, que, na hora de fazer o giro na direção do gol, foi travado pelo zagueiro. Pênalti claríssimo! Mas o juiz mandou a jogada seguir. A confusão foi maior ainda. Teve torcedor invadindo o gramado, veio a polícia, mas não adiantaram os protestos. Segundo sua excelência, a intenção do zagueiro era apenas pegar a bola, jamais o adversário.
No seguimento da jogada, a equipe vermelha, com três toques, deixou o meia-atacante na cara do goleiro. O afoito volante de contenção dos amarelos veio correndo por trás, desceu-lhe o sarrafo e não acertou nada. O meia passou pelo goleiro e saiu com bola e tudo pela linha de fundo. “Pênalti!”, assinalou o austero juiz.
Passo seguinte, ele foi cercado pelos jogadores de amarelo, tomou três ou quatro empurrões e, imediatamente expulsou um zagueiro que nem se aproximou dele. N
ão se aproximou, mas, segundo sua excelência, tinha a intenção clara de dar-lhe um soco, via-se em seu semblante. E, sem qualquer sombra de dúvida, o volante amarelo premeditou a falta na área; só não a concretizou por falta de habilidade, mas seu comportamento traduzia com perfeição suas más intenções.
ão se aproximou, mas, segundo sua excelência, tinha a intenção clara de dar-lhe um soco, via-se em seu semblante. E, sem qualquer sombra de dúvida, o volante amarelo premeditou a falta na área; só não a concretizou por falta de habilidade, mas seu comportamento traduzia com perfeição suas más intenções.
Nem a penalidade foi cobrada, nem o jogo prosseguiu. Sua excelência saiu de campo escoltado pela polícia, aos berros e aos chutes dos jogadores de ambas as equipes, e sob uma chuva de celulares. Ao todo, a partida durou exatamente 13 minutos. Fora do estádio a polícia prendia todos os torcedores que, segundo ela, tinham a intenção de criar algum tipo de confusão.
Eu e Oto estávamos aos berros, possessos, decepcionados.
“Esse juiz é louco”, gritava o morcego. “O seu Merleau-Ponty diria que, num caso desses, o juiz estava era apitando suas próprias intenções. Assim não há torcedor que agüente!”.
E já nos preparávamos para sair quando percebi que Aurora se mantinha estranhamente calada. Esgueirando-se, aproximara-se e estava a menos de um passo de mim. Oto, confiante nas garantias oferecidas pela coruja e excitado pelo jogo, saíra de meu bolso e, depois de esvoaçar pelo salão, pousara em meu ombro esquerdo. No exato instante em que eu me levantava do sofá, Aurora deu o bote.
Só deu tempo de eu me virar para a direita e colocar minha mão entre o bico da ave e o pescocinho do quiróptero. A bicada furou-me o dedo. Com o sangue escorrendo, investi contra Aurora. Peguei-a pelo pescoço e gritei: “Você disse que eu podia confiar em você. Oto poderia estar morto não tivesse eu percebido suas malignas intenções”.
“Desculpe-me”, disse a coruja. E recolheu-se ao fundo da toca.
Eu entendia, não era a intenção de Aurora bicar Oto, mas era sua natureza. Contra isso ela nada podia fazer. Lá fora a lua terminava seu passeio. Os primeiros clarões anunciavam um belo dia que eu não veria do fundo de minha caverna.
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* Bernardo, o eremita, é um ex-torcedor fanático que vive isolado em uma caverna. Ele é um personagem fictício de João Batista Freire.
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Coisas que vêm para coisas
Sessenta milhões e quinhentos mil euros. Aproximadamente cento e cinqüenta milhões de reais.
Esse é o total da dívida dos clubes espanhóis da primeira e segunda divisão com jogadores. Como uma boa parte dos clubes devedores pediu falência, isso significa que uma parcela significativa desse montante não será pago.
Tudo isso lá na Espanha, país de primeiro mundo e recém-expoente do mundo esportivo, seja pela Olimpíada de Barcelona ou pelo Real Madrid, Barcelona, Nadal e Alonso. Apesar de isso por vezes suscitar que a Espanha é um modelo esportivo a ser seguido, esse fato indica que não.
Não que isso seja um fenômeno isolado do futebol espanhol. Acontece também, e muito, na Inglaterra. Clubes não conseguem arcar com as dívidas, contraídas principalmente por culpa da necessidade de contratar e pagar jogadores, e acabam decretando falência.
Lá na Inglaterra, isso acontece muito porque os custos de disputar a Premier League. Para que um clube recém promovido consiga ter um mínimo de esperança em se manter na PL do ano seguinte, ele necessita investir pesado em jogadores. Obviamente que esse investimento muitas vezes não é sustentável. Quer dizer, quase nunca é sustentável. Aí, como o time está num mercado de transferências com certa escassez de talento, ele acaba fechando contratos longos com os jogadores. Mas aí, quando o clube volta pra Segundona, ele tem que arcar com as despesas de salário do ano anterior. Como a diferença de receita da Premier League pra Championship League, a Segundona, é absurdamente grande – principalmente por causa do contrato de TV, ele não tem como arcar com os custos, e aí decreta falência.
Esse problema ficou tão grande que a Premier League teve que tomar duas medidas: 1) Institui o chamado ‘pagamento pára-quedas’ para amenizar o impacto do rebaixamento. Com esse pagamento, o clube que cai de divisão tem direito a uma pequena parcela da receita dos clubes da PL, de forma que ele tenha menos dificuldades para lidar com a nova realidade. Com isso, a PL consegue evitar que os clubes rebaixados quebrem tão facilmente e torna o negócio um pouco mais sustentável. E 2) Qualquer plano de recuperação falimentar precisa priorizar o pagamento dos jogadores. Antes de qualquer outro credor, quem recebe a grana de uma futura reestruturação do clube, o pelo menos daquilo que estiver sobrando no bolso, para pagar jogadores. Com isso, a PL dá condições, ainda que mínimas, para evitar o problema que acontece hoje na Espanha.
Isso é um processo natural, uma vez que, em um mercado de competição, com grandes somas de dinheiro vêm grandes desigualdades.
É aquela velha história. Existem males que vêm para bem. E bens que vêm para mal. E males que vêm para mal. E bens que vêm para bem.
Enfim, você entendeu.
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Invencível armada
Para a Uefa, o craque da ótima Euro-08 foi o volante-meia (meia-volante?) espanhol Xavi; para a torcida da campeã da Europa, o cabeça-de-área Marcos Senna foi o destaque da Fúria; para este que vos tecla, depois de assistir a todos os jogos, fico com o meia-atacante (mais atacante que meia) David Villa (que não jogou a final e mais da metade da semifinal por estar machucado).
Casillas poderia ser listado entre os bambas da campeã (embora tenha sido o menos acionado dos goleiros da competição); por conta disso, Puyol e Marchena, que se superaram na zaga, também merecem menção; Sergio Ramos, na lateral direita, foi o melhor da posição. Capdevilla mostrou ser o melhor lateral-esquerdo espanhol com seguras atuações. Os wingers (ou interiores, esterni, carrilleros, como queiram) Iniesta e David Silva mandaram muitíssimo bem, saindo dos lados para articular pelo meio, e trocando constantemente de posição; Torres foi um perigo constante; e o craque dessa geração, o jovem Fábregas, de apenas 21 anos, era reserva!
Melhor reserva de qualidade de um time que teve todos os melhores números do torneio e merecidamente ficou com o título. Com um futebol de craques.
Mas sem um craque. Talvez a maior lição desta Euro que não deixou lições além dos 90 minutos.
Fábregas é quem mais se aproxima dos requisitos do ISSO 9000 para o certificado de craque de origem controlada. Mas ele foi reserva do ótimo meio-campo espanhol. Insisto: um time sem uma estrela. Mas com poucas pontas nebulosas.
Talvez o maior legado da Euro tenha sido esse. Um grande futebol sem graaaaaandes jogadores. Algo possível com qualidade (claro), mas, também, com intensidade, aplicação, e grande quantidade de passes bem executados pela melhor Espanha que vi desde 1974. Desde que vejo futebol. Na melhor Eurocopa que vi desde 1984.
Os desenhos mostram os esquemas básicos da Espanha na Euro. Algo difícil de definir. Na estréia, o mais próximo possível na goleada sobre a Rússia foi um 4-1-3-1-1. Estranhos nos números, mas muito prático em campo: Marcos Senna blindou a entrada da área, liberando o múltiplo Xavi para criar com Iniesta e Silva (que trocavam de lado todo o jogo). Villa chegava próximo a Torres, mas era mais um atacante que um meia.
A movimentação e a variação tática foram determinantes para o excelente jogo espanhol. Um time que superou barreiras psicológicas, como o trauma das quartas-de-final, e não saber ganhar uma disputa de pênaltis. A Itália que o sofra.
Da primeira à última vitória, a Espanha solidificou o 4-2-3-1 que pode ser apresentado como o esquema-base sem a bola. Porque o segundo volante pela esquerda (Xavi), quando a Espanha a retomava (e ficava com a pelota mais que qualquer outra seleção), se juntava aos meias abertos pelos cantos, e fazia a transição com graça e eficiência.
Sem Villa, na final, o encarregado a pensar o jogo foi Fábregas. Com o meia do Arsenal em campo, o treinador Luis Aragonés adotou um 4-1-4-1; ele e Xavi formando o meio-campo, e Senna ainda mais preso à zaga. Mas sempre com a saída rápida e precisa de jogo.
Muito mais que os números do meio-campo e ataque, os nomes espanhóis ganharam a Euro pela qualidade técnica e pela precisão ao fazer o jogo que gostam de posse e passes. Futebol que apreciavam, mas não conseguiam jogar até o inesquecível verão de 2008.
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Falta de estudo
Na última década, o futebol brasileiro assistiu à consolidação da presença da assessoria de imprensa no dia-a-dia de um clube. Até o final dos anos 90, o torcedor estava acostumado a ver qualquer jogador do time dando entrevista após um treino, falando como quisesse, para quem lhe conviesse.
Aí vieram os grandes investimentos, as contratações a peso de ouro e a europeização do relacionamento jornalista-atleta. Foi quase na virada do milênio que começamos a ver os primeiros “assessores” de imprensa nos clubes. Preocupados com a informação e, principalmente, com a maneira como a informação ia de jogadores e treinadores para os veículos de imprensa.
Os primeiros anos desse relacionamento foram turbulentos. Brigas, jogadores e treinadores brigando com jornalistas mais “abusados”, assessores ganhando a fama de vilões. Agora, porém, o equilíbrio na relação parece que começa a ser atingido. E o problema é que, com isso, entramos na era do emburrecimento da cobertura do futebol.
Assessoria de imprensa começa a significar para o jornalista ter todo tipo de informação à mão, sem precisar de esforço, sem ter de se preocupar em correr atrás da notícia. É só reparar. Portugal, até hoje, é para mim o exemplo mais claro dessa pasteurização da informação.
O país tem quatro grandes veículos dedicados exclusivamente ao esporte. E é praticamente raro você ler qualquer notícia diferente num dos quatro. O jornalismo sempre se baseia nas declarações pós-treino. Como sempre são os mesmos jogadores a falar para toda a imprensa, a situação não muda muito de figura de um jornal para outro.
No Brasil, ainda temos muito a cultura de buscar uma notícia exclusiva, de tentar encontrar algo diferente dentro da mesmice que é um treino. Mas geralmente isso só acontece quando se fala de todo o clube, e não especificamente de um único atleta. Por quê?
Porque a preocupação de estudar um jogador não está no dia-a-dia de um jornalista. Ele quer esmiuçar tudo do clube, mas não do atleta. E aí é que vemos o quanto a falta de estudo ajuda para a pasteurização da cobertura.
Nas próximas semanas veremos jogadores chegando e voltando da Europa, com a janela de transferências para o exterior em franca atividade. E, com isso, atletas que já foram ídolos em um determinado clube desembarcarão agora numa agremiação rival.
Em vez de lembrar o passado desse jogador e procurar, dentro dessa história, alguma coisa diferente para destacar, o jornalista vai esperar a apresentação do atleta para então, baseado nas suas respostas, produzir o noticiário que irá ao público.
“Fulano diz que não comemorará gol contra ex-clube”
“Cicrano diz que respeita ex-clube, mas celebrará o gol”
Sim, ainda veremos, nos próximos dias, algumas manchetes edificantes como os dois exemplos acima. Por incrível que pareça, aquela frase despretensiosa dita por Edmundo no ano 2000 virou hit para quando um novo atleta é apresentado após passagem num grande rival.
Romário e Edmundo foram bons protagonistas de histórias assim. Marcelinho Carioca, toda vez que joga contra o Corinthians, tem de passar por semelhante périplo. Da mesma forma que Tinga teve de se explicar bastante depois de ter sido campeão da Copa do Brasil pelo Grêmio e ganhar a América no Inter.
Falta estudo sobre o jogador para não cair na mesmice de sempre. Falta vontade ao jornalista de não pensar no trabalho apenas no período em que está dentro da redação. E falta mais vontade ainda de “driblar” a assessoria, não se contentando com a informação que esta lhe manda.
Do contrário, o jornalismo esportivo no Brasil caminha para a mesma pasteurização de Portugal.
Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br
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Tática de jogo e tática no jogo
No futebol ainda há a velha máxima de que “jogo é jogo e treino é treino”. Ainda que já tenhamos discutido isso em outros momentos, trago à tona agora uma reflexão sobre outro ponto dessa perspectiva.
Em 90 minutos de jogo gerir gama tão grande e ímpar de variáveis (cada jogador, equipe, adversário, estratégias de defesa-ataque e transição, árbitros, torcida, ritmo de jogo, desempenho, egos…) é de fazer inveja a grandes executivos de grandes empresas multinacionais.
A pressão do tempo e resultado é inigualável. 90 minutos para acertar ou errar. 90 minutos para transformar o rumo de uma equipe e de um clube.
Pois bem. Como jogo é treino e treino é jogo (e não como a velha máxima), a perspectiva dos treinamentos de uma equipe deveria preconizar a evolução processual de um jogar/treinar cada vez mais rico em alternativas e soluções; desenvolvidos e especializados no treinar/jogar.
Muitas vezes (muitas mesmo!) a intervenção dos treinadores durante as partidas de futebol acabam por não surtir o efeito desejado.
Isso pode ocorrer, basicamente por três motivos:
1) pela incapacidade de sua equipe em cumprir uma estratégia determinada (diferente daquela previamente combinada e treinada),
2) pela capacidade da equipe adversária em neutralizar rapidamente a estratégia proposta (através de uma contra-estratégia),
3) ou por fim, pela má avaliação do treinador a respeito da melhor alternativa para dar solução a um problema do jogo.
Os motivos 1 e 3 dizem respeito às atribuições do treinador. O motivo1, porque a incapacidade de uma equipe em cumprir determinada tarefa tem relação direta com o treinar/jogar; ou seja, a execução bem feita de algo que seja determinado durante o jogo tem grande dependência do “saber fazer” por parte da equipe. E por sua vez o saber fazer, grande relação com o bem treinar.
O motivo 3, tem relação com a atribuição do treinador pelo fato de estar nele o centro gestor da equipe durante o jogo (para indagar, propor, solucionar). Como é dele que comumente parte o comando para novas estratégias de jogo, é dele também comumente a responsabilidade do acerto ou do erro (partindo ou não dele a estratégia).
O motivo 2 não tem relação direta com a ação do treinador durante o jogo, mas a tem com o motivo 1 e 3. Isso que dizer que há uma dependência indireta entre a ação do gestor da equipe e o motivo 2.
É claro que no futebol, diferente do basquete, vôlei e outros esportes, o treinador tem sua ação limitada a comandos breves (muitas vezes aos berros) na beira do gramado. Não há a possibilidade de parar o jogo para uma conversa informacional com os jogadores. A gestão da situação deve superar a dificuldade de comunicação.
Uma das grandes atribuições do treinador em um jogo de futebol é a de “mudar tendências”.
Se o jogo está desfavorável alguma coisa deve ser feita. E é no jogo muitas vezes que as decisões corretas acabam por não obter êxitos, pelo simples e grande motivo de que muitas vezes a equipe não está preparada para essa ou aquela nova dinâmica. E isso simplesmente quer dizer que o trabalho semanal, o planejamento e o processo têm grande importância na ação do treinador durante o jogo; e que o êxito de suas decisões de jogo está intimamente ligado ao seu trabalho nos treinos.
Ora, mas há quem diga que uma boa conversa no intervalo de um jogo pode transformar a forma de uma equipe jogar (treinar por quê?)!
E realmente pode, principalmente se a transformação pender para uma nova forma já conhecida da equipe.
Óbvio que existem decisões que exigem mais, ou menos elaboração na forma do jogar e que portanto, ao se necessitar de uma mudança estratégica e tática, deve levar-se em conta qual é a solução “ideal” e qual é a “melhor” solução para o problema do jogo.
Quando a melhor solução é também a ideal, não há dúvidas de que aumentam potenci
almente as chances de êxito. Quando a ideal está muito distante da melhor (sendo a melhor aquela que a equipe é capaz de fazer bem, mas que pode não resolver), é nela (na melhor) que a maior parte da energia deve ser concentrada.
Óbvio também que quando a melhor solução possível não resolve, ainda há uma tendência a ser mudada, e que mais vale o risco de se tentar mudá-la através do “ideal” mal feito, do que aceitar passivamente a tendência aflorada no jogo.
A tática de jogo, trabalhada então ao longo do processo de treinos do treinador (construída desde o primeiro dia de trabalho, e colocada à prova por vezes três dias depois) terá sempre relação direta com a tática alterada no jogo. Quanto mais a tática de jogo contemplar as táticas no jogo, maiores as chances das intervenções do gestor de campo (o treinador) surtirem o efeito desejado.
Se houvesse no futebol o tempo técnico (como há em outros esportes), não tenho dúvidas senhores, cada vez mais o joio estaria separado do trigo.
Por isso, termino hoje com uma citação que me faz refletir no porque muitas vezes as pessoas parecem não querer separar o joio do trigo:
“A complexidade refere-se à condição do universo que é inerente mas que, no entanto, é demasiado rica e diversificada para compreendermos a partir das perspectivas mecanicistas ou lineares comuns. A complexidade trata da natureza da emergência, inovação, aprendizagem e adaptação”. (Santa Fé Group, 1996)
Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br