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Rasgando a declaração dos direitos da criança

João Batista Freire & Rafael Castellani

Assistimos recentemente a um vídeo em que alguns pais vaiavam um garotinho de uns seis anos, aproximadamente, porque ele, brincando de ser goleiro durante um jogo entre crianças, tomou um gol. Cenas como essa, lamentavelmente, são mais frequentes do que imaginamos.   

No decorrer de nossa trajetória profissional, de décadas, como professores de Educação Física, lidando com a formação, acadêmica e cidadã, de jovens na Universidade, de crianças em escolas da educação básica e escolas de esporte, de jovens esportistas e com treinamento de alto rendimento em diversas modalidades, principalmente no futebol, cansamos de assistir cenas semelhantes às do vídeo em que o garotinho é vaiado. São cenas de humilhação e de abuso.

Crianças são frequentemente abusadas no esporte, ou porque são humilhadas, ou porque são submetidas a treinamentos exaustivos e de especialização precocemente, ou porque passam a ser responsáveis, desde muito cedo, pelo sustento da família, ou porque são agredidas verbalmente por pais, professores, técnicos, torcida.

São inúmeras as situações presenciadas por nós que denotam o quão abusiva e humilhante é, ou pode ser, a prática esportiva realizada por crianças e jovens: O que pensar quando um pai pula o alambrado e invade o campo para bater em uma criança que tinha feito uma falta no filho dele?  Por sorte esse pai foi contido a tempo por algumas pessoas com juízo, mas a violência já estava manifestada. Ou então, outro fato muito frequente, vaias e xingamentos de alguns pais contra o professor das crianças ou até contra as próprias crianças da equipe adversária.

Em 24 de setembro de 1990 o Brasil ratificou a Convenção Sobre os Direitos da Criança, que foi adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989. No artigo 31 dessa convenção, lê-se que “Os Estados Partes reconhecem o direito da criança ao descanso e ao lazer, ao divertimento e às atividades recreativas próprias da idade, bem como à livre participação na vida cultural e artística.” (O Brasil é um Estado Parte). No Artigo 32, a Convenção declara que “Os Estados Partes reconhecem o direito da criança de ser protegida contra a exploração econômica e contra a realização de qualquer trabalho que possa ser perigoso ou interferir em sua educação, ou que seja prejudicial para sua saúde ou para seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social.”

Em nosso país, ratificamos solenemente a convenção, mas, na prática, pouco se fez. Em 1990 criamos no Brasil o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, apesar da sua importância e do avanço que significou para a proteção de crianças e adolescentes, ainda são diariamente desrespeitados, passam fome, morrem de doenças que não deveriam mais existir, recebem educação de péssima qualidade, meninos e meninas (principalmente) são violentadas dentro das próprias famílias. Tivemos avanços, sem dúvidas, mas o prejuízo ainda é gigantesco. Já não se permite mais o trabalho antes dos 16 anos (embora ele exista em alguns lugares), mas, no esporte, é diferente. No futebol, por exemplo, uma criança de 14 anos, ou menos, pode ser submetida a treinamentos quase idênticos aos que realizam atletas profissionais adultos. Para dar conta das inúmeras sessões de treinamentos e competições, perdem dias, semanas e até meses de aulas. Crianças de 14 anos deixam suas residências, seus familiares e amigos para morar em alojamentos dos clubes com a missão de representar aqueles poucos (cerca de 3%) que conseguem a profissionalização no futebol. Antes mesmo dos 14 anos, algumas crianças arcam com a responsabilidade de garantir o sustento da família e alimentam a esperança de ascensão social. Crianças que possuem o sonho de tornar-se jogador ou jogadora profissional de futebol, podem sofrer abusos (inclusive, sexuais) no ambiente nem sempre confiável e seguro do futebol. Geralmente silenciam sua dor e escondem seu sofrimento com medo de terem que interromper esse sonho ou frustrarem seus familiares. 

Um futebol que foi forjado em brincadeiras de rua, nos clubes proíbe a brincadeira, em nítido desrespeito à convenção da ONU ratificada pelo Brasil. Cada vez mais cedo ocorre a especialização esportiva. Já existe a categoria de crianças de 6 anos de idade (sub 7). Daqui a pouco sub-6, 5, 4… aonde chegaremos? Há projetos em análise que diminuem para 12 anos a idade mínima para uma criança poder alojar-se em clubes. Contratos são feitos clandestinamente com as famílias para garantir aos agentes a exclusividade dos negócios, caso a criança se torne jogadora habilidosa e tenha seu potencial reconhecido no mundo do futebol.

No futebol brasileiro, criança não pode ser criança. Aquilo que foi escrito na Convenção Sobre os Direitos da Criança da ONU foi rasgado e jogado no lixo. Deveria ser um caso para o Ministério Público (MP), Conselho Tutelar, Unicef, não só no futebol, mas em qualquer modalidade esportiva. Com raras exceções, sobretudo a partir de denúncias grandes/graves e de viés jornalístico, MP, Conselho Tutelar e demais instâncias responsáveis por garantir a segurança e direitos das crianças e adolescentes pouco têm conseguido fazer.               

Sem contar a estupidez dos métodos. Professores e treinadores, alimentados pelo ego e orgulho de “revelar” grandes talentos, impulsionados por alguns agentes inescrupulosos, adestram pequenas crianças para que alimentem os lucros dos gananciosos que, sem qualquer pudor, arrancam o couro dos pequenos e pequenas, sugam-lhes as entranhas em busca do ouro que elas podem representar alguns anos adiante. É preciso que tratemos as crianças como crianças. Que devolvamos o jogo a elas. Que possam voltar a brincar e se divertir com o futebol e, acima de tudo, que sejam respeitadas e tenham os seus direitos garantidos.

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A “pedagogia da fila” em escolas de futebol

Rafael Castellani & João Batista Freire

Cansamo-nos de ler reportagens, artigos e comentários sobre o fim do futebol brasileiro, aquele futebol que conquistou o mundo por cinco vezes e em tantas outras o encantou, e que se parecia com os jogos de bola nas ruas e campinhos brasileiros. As pessoas falam sobre isso como se não houvesse uma razão para o fim do futebol que tanto fascinou o mundo todo. E quando essas pessoas se tornam responsáveis por ensinar futebol às crianças e adolescentes, quer seja nas chamadas Escolas de Futebol, projetos sociais ou nas equipes de base dos clubes profissionais, não sabem ou não querem que seus alunos aprendam a jogar futebol do mesmo modo como aprenderam nossos maiores craques.

Uma rápida caminhada pelas ruas é suficiente para ver que em muitos dos espaços onde, anos atrás, as crianças brincavam de futebol, quais sejam, os campinhos de várzea, as praças e as próprias ruas, atualmente vê-se escolas de esporte, as famosas “escolinhas” de futebol, com seus campos de grama sintética e mensalidades, muitas vezes, exorbitantes. Onde havia crianças se divertindo, driblando umas às outras, fazendo tabelinhas e gols, hoje há crianças em fila, esperando sua vez de driblar cones.   

Já falamos em textos anteriores sobre a “A diferença entre driblar e fintar um cone e uma pessoa”. Nosso objetivo, neste texto, é abordar as frequentes filas nas quais crianças e jovens aguardam sua vez para tocar e brincar com a bola. É impensável para nós, que apreciamos um futebol lúdico, livre e criativo, que professores/treinadores ainda tenham a fila como, praticamente, a base de sua pedagogia.

A fila, recurso pedagógico muito utilizado, inclusive, em escolas de educação formal, nos ciclos iniciais (Infantil e fundamental 1), é predominante em escolas de futebol e projetos sociais. Ao colocar seus alunos (e atletas) em filas, professores e treinadores buscam manter o controle sobre eles, garantindo uma determinada organização. Pretendem manter, a todo custo, a disciplina de seus alunos/atletas. Enquanto isso, crianças que vão às escolas de futebol para “brincar de bola”, aguardam ansiosamente o momento para tê-la aos seus pés, mesmo que por poucos segundos.   Há, certamente, ocasiões em que filas são necessárias. Reconhecemos que não é fácil manter uma disciplina mínima entre os alunos quando se trata de uma quantidade grande deles em uma turma. Porém, se for absolutamente necessário manter filas, que elas sejam formadas de modo a não tirar das crianças e jovens o tempo tão aguardado de contato com a bola. O que temos presenciado, principalmente, em escolas de futebol, é crianças, depois de aguardarem muitos minutos em uma fila, realizarem uma corrida controlando a bola e dando um chute ao gol para, em seguida, retornarem à fila. Isso é altamente frustrante e, sem dúvida, nada tem a ver com aprendizagem do futebol.

Imaginemos duas situações. Na primeira, uma professora tem uma turma de 30 alunos em uma escola de futebol e pretende, em uma determinada aula, ensinar condução de bola para as crianças, que possuem uma média de idade de dez anos, meninos e meninas. Ela decide organizá-los em uma fila única, atrás de uma sequência de oito cones. Ao sinal da professora, o primeiro aluno da fila sai correndo, contorna os cones e, ao final, recebe uma bola da professora, que ele deve chutar em direção a um gol vazio. Como se trata de trinta alunos, esse processo demorará, até que o último realize sua ação, cerca de oito minutos. A aula tem uma hora de duração. Se os alunos fizerem apenas esse exercício, cada um deles realizará a ação aproximadamente sete vezes.

Na segunda situação, a professora organiza os alunos em seis filas com cinco deles em cada uma. Três filas de frente para três gols defendidos por três goleiros e três filas à frente dos gols. As três filas de frente para os gols serão de alunos atacantes; as três à frente dos gols serão de defensores. Ao sinal da professora, os três primeiros atacantes das três filas sairão conduzindo uma bola. Os três primeiros defensores se colocarão à frente dos atacantes e, sem tirar-lhes a bola, atrapalharão a condução dos atacantes. Os atacantes conduzem a bola por cerca de dez metros, ao final dos quais levam a bola para a direita ou para a esquerda e finalizam ao gol. Nessa situação, os alunos cumprirão uma roda completa de exercícios em apenas um minuto, aproximadamente. Em seguida os papéis são trocados e os defensores viram atacantes. Em uma aula de 60 minutos repetiriam os movimentos cerca de 30 vezes. Portanto, não precisariam fazer somente esse exercício, bastaria que gastassem, nele, apenas vinte minutos, por exemplo.

A primeira situação é um exemplo de mau uso da fila. Os alunos nada aprendem de futebol, primeiro, pelo pequeno número de repetições, o que faz com que o contato do praticante com a bola seja muito reduzido. Em segundo lugar, é consenso na literatura do campo da pedagogia do esporte a necessidade de ruptura com práticas pedagógicas como a que serviu de exemplo, tipicamente de natureza analítica/tecnicista, que fragmentam o jogo, a partir do entendimento de que o ensino do futebol se dá a partir da soma das partes que compõem o jogo, ou seus fundamentos. E isso em nada ajuda o atleta a resolver os problemas que o jogo impõe. Por fim, aprenderão aquilo que fazem, isto é, a esperar em uma “interminável” fila e a contornar cones, objetos que, num jogo de bola, não existem. Fintar cones não tem relação alguma com fintar pessoas. Não se trata, portanto, de uma escola para ensinar futebol.

Na segunda situação, a professora continua usando a fila, mas apresenta um exemplo de bom uso dela. As crianças não deixam de brincar de jogar bola, fazem uma brincadeira que adoram fazer, que é driblar. Driblam pessoas e não cones. A condução da bola com um adversário atrapalhando faz sentido para o jogo de bola, e tudo isso é feito para atingir o objetivo de chutar ao gol. O número grande de repetições dessa ação favorece a aprendizagem, neste caso, de meios técnico-táticos (condução de bola, drible/finta, defesa e finalização) que atuam em conjunto, e os ajudam a lidar com situações típicas de um jogo de futebol. Em uma aula, repetir a ação 30 vezes é bem diferente de repeti-la 7 vezes. Além disso, quando não estão conduzindo bolas e atacando, os alunos estão defendendo. Sem contar a atuação dos goleiros. Realizar conduções de bola, defesas, fintas e finalizações na segunda situação faz muito mais sentido que realizar ações apenas para obedecer aos comandos da professora.

As filas podem ser usadas, embora possamos lançar mão de outras alternativas mais lúdicas. Porém, como buscamos discorrer neste texto, é possível recorrer às filas, desde que elas não prejudiquem a aprendizagem e tampouco diminuam o prazer e interesse da criança pelo jogo de bola.

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O que faz de uma competição esportiva um produto valorizado? A competitividade em jogo

Rafael Castellani e Lucas Alecrim

O título que trouxemos para esse texto não reflete, de fato, nosso maior interesse com as discussões e reflexões que pretendemos trazer. Afinal, nosso intuito maior não é saber ou discutir se o que faz de uma competição esportiva ser mais valorizada é a qualidade do gramado, a audiência (e, consequentemente, o que gera de direitos de transmissão), o “match day”, o número de torcedores nos estádios, o quanto ela gera de receitas aos clubes, patrocinadores e emissoras de televisão, dentre outros aspectos que, certamente, são muito importantes para fazer desta competição um produto valorizado. Nosso objetivo, é analisar um dos critérios que também nos ajuda a responder a essa questão, entretanto, que tem mais relação com os clubes/equipes e torcedores/espectadores do que com os “players” mais relacionados ao mercado: a competitividade entre as equipes.

Quão competitivo foi o Campeonato Brasileiro de Futebol Masculino, o Brasileirão 2023, em relação às principais competições do futebol europeu? Não há como discordar que, como produto, Bundesliga (Alemanha), La liga (Espanha), Premier League (Inglaterra), Serie A Tim (Itália) e Ligue 1 (França), estão muito à frente do Campeonato Brasileiro. No entanto, do ponto de vista da competitividade, nenhuma das competições citadas teve, ao menos nesta última temporada (nosso foco de análise), a quantidade de equipes disputando o título, buscando acesso às competições internacionais e lutando pela permanência na série principal, tal qual que vimos no Campeonato Brasileiro em 2023.

Nenhuma das grandes competições do futebol (as “big five” da Europa) europeu chegou às duas rodadas finais com CINCO equipes disputando o título. Nenhuma chegou à última rodada com três equipes “fugindo” da zona de rebaixamento. Longe disso!

E a competitividade¹ que estamos buscando valorizar neste texto não se restringe às chances de título. Afinal, em nenhuma dessas competições nomeadas de “Big Five”, tantos clubes “lutavam”/disputavam nas duas últimas rodadas para não serem rebaixados à série inferior. SEIS equipes ainda tinham chances reais de ficarem com as duas últimas vagas de clubes rebaixados na penúltima rodada. Na última rodada, tendo 3 clubes já matematicamente rebaixados, outros três clubes ainda tentavam garantir a permanência na série A.

¹ Apesar de não ser nosso foco para este texto, poderíamos também valorizar a competitividade do Brasileirão 2023 a partir do equilíbrio entre as equipes nas partidas. Ter equipes campeãs do Campeonato Brasileiro lutando para não serem rebaixadas. O campeão Palmeiras, inclusive, perdeu pontos para equipes da “zona de baixo” da tabela.

O gráfico abaixo nos ajuda a visualizar esses dados e entender esse cenário que faz do Campeonato Brasileiro de 2023 o mais competitivo mundialmente na atual temporada.

Ao pensarmos em título, as únicas competições que mantinham até a penúltima rodada uma incerteza quanto à equipe que seria campeã foram a alemã e a inglesa. Na Bundesliga (Alemanha), o Borussia Dortmund e o Bayern de Munique travaram, como de costume, uma “batalha” recorrente pelo título. Esse duelo só foi finalizado na última rodada, na qual o time de Dortmund não aproveitou a chance jogando em casa contra o Mainz e permitiu que o Bayern de Munique sagrasse campeão e continuasse com sua hegemonia de onze anos em território germânico.

Já naquele que é considerado por grande parte dos especialistas o melhor campeonato de futebol do mundo, a Premier League, Arsenal e Manchester City duelaram acirradamente até a 37a rodada, na qual o time de Pep Guardiola garantiu o título da temporada 2022/23 ao vencer o clássico conta a equipe do Chelsea.

Mesmo o time inglês fazendo do último jogo da competição nacional de forma festiva, nas outras competições exemplificadas, os campeões já realizavam suas comemorações nas rodadas com maior antecedência: Barcelona – La Liga (Espanha), Napoli – Serie A Tim (Itália) e PSG – Ligue 1 (França). Para quem tem o hábito de acompanhar os principais campeonatos europeus, sabe que a última temporada do futebol europeu não fugiu muito do usual. Apenas na Itália que houve o time do Napoli regressando ao topo após mais de 20 anos.

Por sua vez, a competição brasileira tinha, com chances de títulos ao início da penúltima rodada, Palmeiras, Flamengo, Atlético Mineiro, Grêmio e a equipe que por mais rodadas esteve na liderança, chegando a abrir 13 pontos de vantagem sobre o segundo colocado, o Botafogo. Na última rodada, no entanto, ao empatar em casa com a equipe do Cruzeiro, restou ao Botafogo disputar com o Grêmio, em partida contra o Internacional, a última vaga de acesso direto à Libertadores da América.

Quem diria que o clube que possuía 13 pontos de vantagem para o segundo colocado iria sequer brigar pelo título na última rodada e ter que “se contentar” em ficar com a vaga indireta para a Taça Libertadores? Esse é o futebol. E é justamente por ser um jogo², e consequentemente imprevisível, que é tão apaixonante.

² João Batista Freire e Rafael Castellani, um dos autores deste escrito, publicaram texto recentemente sobre esse assunto, intitulado “Os falsos profetas no futebol”. Texto disponível em: https://universidadedofutebol.com.br/2023/11/22/os-falsos-profetas-do-futebol/

Na parte de baixo da tabela, o gráfico acima nos mostra que na penúltima rodada das competições exemplificadas, muitas equipes já estavam matematicamente destinadas às séries inferiores de suas respectivas competições. Por exemplo, no Brasileirão 2023, mesmo tendo três times já rebaixados antes da última rodada, três equipes disputaram seu último jogo do campeonato perspectivando não ocupar essa última vaga em aberto. Em relação aos “big five”, a exceção é a La Liga (Espanha) que, mesmo tendo duas equipes já rebaixadas ao término da penúltima rodada (Espanyol e Elche), seis equipes tiveram chances verdadeiras de irem para a divisão inferior do torneio: Valladolid, Celta de Vigo, Almería, Getafe, Valencia e Cádiz.

A competitividade do Brasileirão 2023 foi tamanha que, se não bastasse a inesperada perda do título por parte da equipe do Botafogo que chegou a abrir 13 pontos de vantagem para o segundo colocado na virada do turno, ainda corria na última rodada o risco de ficar fora da “zona direta de libertadores”, algo concretizado ao seu término, afinal, disputava com o Grêmio a última vaga de acesso direto à próxima edição da competição sul-americana.

Esperamos que a próxima temporada do Campeonato Brasileiro possa ser tão competitiva quanto a de 2023, sem deixar de continuar evoluindo para que se torne, também, um produto melhor para clubes, patrocinadores e investidores e, principalmente, outro grande desafio, mais assegurado como direito de acesso ao esporte e lazer para os torcedores, independente da classe social.

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Princípios Pedagógicos – Por que sua aula ou treino é assim?

Crédito imagem – Jogos estudantis da Bahia/Divulgação

Nesta série de Princípios Pedagógicos temos refletido sobre importantes temas até agora, como a importância de a formação esportiva ensinar o gosto pela prática e pela modalidade, bem como a necessidade de o(a) professor(a) ou treinador(a) ser capaz de acolher e estimular o desenvolvimento pleno de todos e todas do seu grupo de alunos(as) ou atletas. Esses ensinamentos partem dos princípios pedagógicos de “Ensinar a gostar de futebol” e “Ensinar futebol a todos”. Qual é a sua opinião sobre eles? Já os conhecia? Fazem parte da sua prática também?

Nesta semana venho abordar outro tema fundamental à prática pedagógica, seja ela contextualizada à iniciação, especialização ou alto rendimento. Se caminharmos pelas escolas e clubes de futebol nos depararemos com aulas e treinos bastante singulares. Cada professor(a) ou treinador(a) possui a sua essência, suas verdades e seus métodos de aplicar o conhecimento adquirido ao longo de sua carreira. A forma de falar com os alunos para explicar uma atividade, a maneira de orientar uma atleta à beira do campo, a escolha dos conteúdos planejados para serem aperfeiçoados em determinada sessão de treino, são todas intervenções construídas consciente ou inconscientemente na nossa forma de trabalhar.

O treino ou a aula é um dos momentos mais especiais do exercício da nossa função, enquanto profissionais da formação e treinamento esportivo. Sabemos que cada segundo é valioso e pode ser bem ou mal aproveitado para favorecer a aprendizagem ou os comportamentos que desejamos despertar no nosso grupo. O tempo é tão escasso para fazermos tudo que queremos fazer, não é mesmo? Isso ocorre tanto para a nossa turma ou equipe quanto para a nossa vida. Precisamos saber o que fazer com o tempo que temos. O que pudermos intervir para melhorarmos individual ou coletivamente aqueles e aquelas sob nossa liderança, é nosso trabalho não deixar passar a oportunidade.

É triste andar pelas escolas e clubes e ver profissionais gastarem o tempo que têm de aula ou treino com qualquer coisa, sem terem pensado bem sobre o que poderiam ter feito de melhor naquele momento. Por outro lado, é louvável ver profissionais da nossa área procurarem meios e métodos cada vez mais eficazes de transformarem o ambiente de aprendizagem que lideram em algo cada vez mais poderoso sobre o que desejam ensinar. Ninguém nasce sabendo dar uma boa aula ou um bom treino, mas podemos aprender. Pois caso alguém nos pergunte: por que sua aula (ou seu treino) é assim? Devemos responder com tranquilidade e consciência das razões do que estamos fazendo. Se a pessoa tiver uma ideia diferente, que nos convença com argumentos melhores que os nossos. Não teremos problema em mudar, já que o que queremos é “ensinar bem futebol a todos”.

“Ensinar bem futebol a todos (e todas)” é o princípio pedagógico mestre deste artigo. Como já ouvi algumas vezes do Professor João Batista Freire: “não basta fazer com que todos participem plenamente da aula, é preciso ensinar bem o futebol!”. De fato, as crianças, adolescentes ou adultos que estiverem sob a minha liderança, precisam melhorar no futebol a partir do que eu escolho fazer com o tempo de intervenção que tenho com eles ou elas. Se alguém perguntar: por que você faz o aquecimento dessa forma e não de outra? Por que você treina fundamento com esse tipo de exercício e não com esse? Por que você para o treino para conversar? Por que você usa o jogo com essas regras e não com outras? A pessoa que se prepara para dar um treino ou uma aula terá que saber responder. Novos métodos de treino podem surgir e superar os meus. Eu preciso estar atento para perceber isso também. Contudo, jamais posso ir para uma aula ou treino sem ter claras as razões sobre como vou ensinar o que me propus a ensinar. O desafio é saber cada vez mais, para ensinar cada vez melhor.

Sobre este tema, poderíamos ir para um caminho de reflexão relacionado às diferentes abordagens pedagógicas ou metodologias de treino. Eu tenho bem claras quais são as linhas que eu sigo. Busco fundamentar minha prática a partir da Pedagogia da Rua e a Pedagogia do Jogo, utilizando uma metodologia mais próxima da sistêmica possível, fundamentadas nas minhas experiências e estudos. Se me perguntarem sobre qualquer atividade do meu treino ou cada intervenção minha, eu terei como explicar e a resposta deverá ser coerente com essa linha de pensamento. Pode ser que eu erre, que eu tenha pensado errado nessa parte, ou até agido de maneira automática. Somos serem falíveis, e não tem problema com isso. Devemos reconhecer que erramos e, em especial, porque erramos. Mas a reflexão interna para não repetir o erro faz parte fundamental deste princípio pedagógico.

Poderia me alongar sobre o porquê escolhi essa abordagem pedagógica e metodologia e não outra, mas não é o foco deste texto. Em outra oportunidade, podemos falar sobre esse tema. Eu gosto muito dele, inclusive. No entanto, o foco aqui é despertar a importância de professores(as) e treinadores(as) perceberem que cada segundo da sua aula ou treino pode ser melhorado, e é sua responsabilidade torná-lo mais eficaz do ponto de vista da aprendizagem. Aquilo que decidimos ensinar precisa ser ensinado. Sabemos que alunos e atletas aprendem de formas diferentes, em tempos diferentes. Precisamos entender esse processo e tornar o nosso trabalho efetivo. Só assim nos valorizaremos como profissionais, asseguraremos o direito daquela pessoa a ter uma educação esportiva competente, e poderemos dormir com a consciência tranquila de, como disse certa vez Mario Sergio Cortella, estarmos fazendo o melhor que podemos, até termos condições de fazer melhor ainda.  

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Princípios Pedagógicos – Como aprendi a gostar de futebol

Crédito imagem – Jogos estudantis da Bahia/Divulgação

O futebol é, desde cedo e para sempre, um momento esperado para mim. Quando criança, sempre buscava oportunidades para jogar bola. Enquanto adulto, da mesma forma, embora seja mais difícil incluí-lo na minha rotina. Contudo, também espero atentamente os jogos da semana para projetar naqueles jogadores e jogadoras o prazer que eu tinha – e ainda tenho – em jogar futebol. De onde será que veio essa paixão pelo futebol? O que tem nessa modalidade esportiva que me atrai tanto? Essas reflexões me ocorreram por algum tempo, por isso decidi escrever sobre este tema.

Você já se perguntou, se for esse o seu caso, como aprendeu a gostar de futebol? Como foram as suas experiências para que você tivesse o sentimento que tem, jogando ou assistindo a esse esporte? Vou contar um pouco sobre o que se passou comigo nesse sentido para depois refletirmos juntos.  

O futebol sempre esteve presente na minha vida. Meu pai, apaixonado por futebol, me incentivou desde cedo com experiências relacionadas a esse jogo, seja com nosso time do coração, seja brincando juntos, me levando a escolas de futebol etc. Desde que nasci o futebol foi uma constante para mim. De maneira tão forte que minha primeira palavra, segundo contam meus pais, foi o nome de um jogador do meu time daquela época. Entre tantas experiências, uma das primeiras e principais coisas que me encantaram no futebol, certamente, foi a bola. Ela foi meu primeiro e predileto brinquedo durante toda a minha infância e adolescência. A forma como ela me desafiava a controlá-la e o prazer que sentia quando eu conseguia realizar os movimentos que imaginava com ela, fez nascer uma forte relação de amizade e companheirismo entre nós. Mais para frente, quando eu a entendia melhor, parecia que ela me entendia também, e só ficava me esperando para brincarmos e sermos felizes juntos.

Essa relação de amizade e de intimidade que tinha com a bola era transportada para o jogo coletivo. Quando acontecia o momento mágico de juntar uma turma de amigos para jogar bola, e, enfim, o jogo acontecia, eu a queria sempre por perto, para colocar em prática tudo que brincávamos só nós dois. Todos os movimentos que conseguíamos realizar numa brincadeira somente entre nós dois, eu e a bola, queríamos que acontecesse com a mesma mística no jogo coletivo. Dribles, chutes, domínios, lançamentos eram alguns deles, que, dentro do imaginário infantil, estavam sendo praticados em um estádio lotado, com ídolos como companheiros e adversários, uniformizados para um grande clássico entre o meu time do coração e o seu maior rival, isso quando eu não vestia a camisa da seleção.

Muitas vezes esse imaginário estava presente nos jogos com os amigos também, como um imaginário coletivo em que todos estavam vivendo os seus sonhos naquela partida. Tem como essa experiência não ser memorável?

Havia situações em que eu e meus amigos jogávamos contra conhecidos que moravam por perto, mas não faziam parte da nossa turma. Nesses jogos, a competitividade era ainda maior. Queríamos ganhar de toda forma. Nossa existência se justificava toda ali, naquele momento. E essa entrega plena para o jogo nos fazia viver emoções diferentes daquelas habituais que vivíamos no nosso cotidiano. Entrávamos em estado de jogo. O jogo proporcionava vivenciarmos do êxtase à frustração profunda, por ter ganhado ou perdido; do alto prestígio à humilhação, por ter exibido grandes habilidades ou ter sofrido um drible desconcertante; do cair ao se levantar, por estar perdendo e conseguir reverter o placar a tempo; do companheirismo à rivalidade, por estarem, as relações de cooperação e oposição, acentuadas pelo desejo intenso da vitória; da sensação de ter dado tudo de si e saber que faria tudo de novo, pois aquilo fazia sentido. Todas essas emoções podem ser geradas em um jogo de 30 minutos, por exemplo.

Quanto tempo seria necessário viver a nossa vida cotidiana para vivê-las com tamanha intensidade? Teríamos que esperar uma promoção no emprego para viver um êxtase? Precisaríamos conquistar uma carreira sólida para sentirmos o sabor do prestígio social? Precisaríamos adoecer e depois vencer a doença para sentirmos o que é levantar-se de uma queda? Precisaríamos formar uma família para lutar juntos contra as adversidades da vida para percebermos o companheirismo? Precisaríamos sentir que valeu a pena todo o esforço só depois de uma longa e exitosa jornada? O jogo de futebol, para mim, apresentou todas essas emoções. Aprendi a lidar com elas a partir dele. O jogo de futebol é quase como uma máquina de condensação do tempo, que nos faz viver emoções tão intensas quanto os momentos mais marcantes da vida, só que em alguns minutos. Claro que essas emoções, para mim, são geradas mais intensamente com o futebol, mas outras pessoas, apaixonadas por outro esporte, podem senti-las também a partir dele. Essa é uma primeira razão de eu gostar tanto de futebol. Ele me faz viver emoções que, na vida cotidiana, são raras com tamanha intensidade.

Outro ponto importante que me faz ver o futebol como um fenômeno apaixonante, é a sua capacidade de incluir pessoas de maneira funcional. Se pensarmos no jogo de futebol de maneira funcional, isto é, pensando em vencê-lo, vamos dar de frente com a lógica do jogo. Isto é, os meios necessários para se construir as soluções para os problemas que emergem no jogo. Vamos utilizar como referência, Claude Bayer (1994) e os seus princípios operacionais para denotar os grandes problemas a serem resolvidos no jogo de futebol. São eles:

Fonte: Adaptado de Bayer (1994, p.46)*

Esses são os grandes problemas a serem resolvidos no jogo de futebol para vencê-lo. Como cada equipe e cada jogador(a) irá resolvê-los? Depende de uma série de fatores, inclusive as características individuais de quem joga! O fato é que existem inúmeras soluções possíveis. E o interessante é que, no futebol profissional, que constitui um grupo seleto de pessoas – por consequência, excludente – não conseguimos encontrar um perfil muito bem definido de jogadores e jogadoras. Ao olhar para as características individuais de cada atleta, encontraremos pessoas altas, baixas, mais leves ou mais pesadas, mais rápidas e mais lentas, mais resistentes e menos resistentes, irreverentes e sérias, que gostam de ações mais arriscadas e outras que preferem ações mais seguras, mais habilidosas com a bola e outras menos. Enfim, no futebol profissional temos exemplos de pessoas de diferentes perfis. Isso quer dizer que é possível cumprir bem a lógica do jogo de diferentes formas, com diferentes características individuais. Se transportarmos isso para o futebol como lazer, encontremos ainda mais diversidade. Isso é uma característica sensacional do futebol, que tem o poder de fazer as pessoas se sentirem funcionais em relação a um grupo. Quem não tem aquele amigo ruim de bola, mas que faz parte da turma de amigos e sempre joga junto? Seja no gol, na defesa ou no ataque, ele arruma um jeito de ajudar, ser funcional para a equipe e se divertir com isso. Esse aspecto inclusivo do futebol agrega pessoas e o torna ainda mais apaixonante. Todos podem ser felizes jogando futebol.

Essa última mensagem eu tenho muito presente em mim, e busco sempre passar para as turmas de alunos ou grupo de atletas que trabalho. É um princípio pedagógico que aprendi com o Professor João Batista Freire (2006)**. A paixão pelo futebol é algo que faz parte de mim. Portanto, tento despertar em todas as pessoas com as quais eu me relaciono, especialmente enquanto professor ou treinador de futebol, a beleza e o fascínio que vejo nesse jogo.

Muitas crianças e adolescentes de hoje não tiveram a mesma experiência positiva e constante relacionada ao futebol que eu tive. Por isso, uma mensagem aos professores e treinadores de futebol: antes de se preocuparem em passar muitos conteúdos técnico-táticos para seus alunos e atletas, eu indicaria, se me permitem, incluir nas suas aulas ou treinos a paixão que vocês têm por este esporte.

Referências Bibliográficas:

* BAYER, C. O ensino dos desportos colectivos. Lisboa: Donalivro, 1994.

** Freire, João Batista. Pedagogia do futebol. 2ª ed. Campinas: Autores Associados, 2006.

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Afinal, torcer pela Argentina faz de nós não-patriotas?

Crédito imagem – Amanda Perobelli/Reuters

Não torcemos pela Argentina contra o Brasil na final da Copa América. Também não torcemos pelo Brasil. Aliás, nem mesmo acompanhamos a Copa América, pois nos faltou interesse, mas não posicionamento crítico. De fato, não sentimos essa seleção como a nossa. Ela não nos representa. Colômbia e Argentina negaram-se a sediar esse evento esportivo, pelo risco de agravamento da pandemia do novo Coronavírus. A CBF decidiu correr o risco. Os atletas decidiram correr o risco. E o governo federal decidiu correr o risco, certamente, dentre outros motivos, por acreditar na festa do presidente da república com a taça de campeão. Fomos alertados do risco e, além dos inúmeros novos infectados, já há indícios de que uma nova cepa do vírus chegou ao nosso país em decorrência da realização da Copa América de Futebol, talvez, da Colômbia ou do Equador.

Milhões de brasileiros torceram contra a seleção e festejaram a vitória da Argentina. Acreditamos que a bronca não era exatamente contra a seleção brasileira, mas com sua identificação com o momento político atual, mais exatamente com Jair Bolsonaro, dado seu empenho por trazer a Copa América para o Brasil. Talvez esses milhões de brasileiros tivessem postura diferente caso os famosíssimos e milionários jogadores brasileiros tivessem um gesto de empatia e solidariedade com a tragédia que se abate sobre nosso povo. Mais de 500 mil mortes talvez merecessem, pelo menos, uma palavra de nossos craques. Quem sabe, fruto de nossa ingenuidade, continuaremos aguardando alguma manifestação sobre a política insana e genocida de Bolsonaro vinda de algum jogador mais crítico e esclarecido. Com exceção de Richarlison, o único explicitamente sensível ao que vivemos atualmente, nada, nem um gesto, nem uma palavra.

Há quem lembre que em 1970 vivíamos situação política até pior que esta que enfrentamos hoje; pessoas sendo presas, torturadas e mortas pela ditadura e, ainda assim, torcemos como loucos pela seleção brasileira de Pelé, Gerson e companhia. Porém, havia enorme identificação entre os jogadores e o povo brasileiro; todos os jogadores atuavam no Brasil e os acompanhávamos no dia a dia, eram nossos ídolos em nossos clubes do coração. Entre os atuais jogadores da seleção, somente três atuam no Brasil e sequer disputaram o jogo final. Não convivemos com eles, alguns torcedores nem os conhecem, porque não acompanham os campeonatos de outros países.

Portanto, torcer contra o Brasil ou ser indiferente à Copa América não é falta de patriotismo, mas sim, falta de identificação do povo com essa seleção que não demonstrou a mínima empatia conosco. Ser patriota, não é só torcer pela seleção brasileira, mas também, e principalmente, solidarizar-se com as centenas de milhares de mortos em decorrência do Covid, com todos que perderam seus familiares e amigos pelo boicote sistemático à vacina e aos cuidados básicos de prevenção à doença, com os profissionais de saúde que se arriscaram e sacrificaram suas vidas para salvar as nossas, com os que voltaram ao patamar da miséria (vítimas do desemprego e da fome), com os que sofrem abusos morais e sexuais, com os que sofrem preconceitos. Não basta vestir a camisa da CBF, colocar a mão no peito e cantar o hino nacional para ser patriota.      

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É preciso ouvir os protagonistas do futebol! Ou não

Crédito imagem: reprodução/TV

Junho ou julho de 2020. Tínhamos, então, milhares de vítimas fatais do Covid no Brasil, quando escrevemos sobre a absurda decisão de retomar os campeonatos de futebol profissional. Mais recentemente, escrevemos sobre as lamentáveis aglomerações presenciadas na final da Copa Libertadores da América, ruas e bares lotados.

Na semana passada terminou o campeonato brasileiro de futebol. Flamengo campeão. Mas o sabor da conquista não foi o mesmo; estádios vazios, semblantes e discursos de atletas e dirigentes o confirmam. Óbvio! Como festejar um título no mesmo dia em que chegávamos a novo recorde… de mortes por Covid: 250.000 perdas.

Um campeonato que nada ajudou ao futebol. Mas ajudou ao vírus, disseminando-o. Centenas de atletas, integrantes de comissões técnicas, dirigentes, árbitros, repórteres, todos contaminados e levando o vírus para milhares de pessoas, que desenvolveram ou não a doença, mas tornaram-se transmissores em potencial. Não há como saber quantos ficaram doentes, quantos morreram, quantos guardarão sequelas.

Ontem, quatro de março de 2021, pior momento desde o início da pandemia. Mais uma meta macabra foi alcançada: 1840 mortes em 24 horas. Ouvimos o desabafo de uma pessoa do futebol, o atual treinador do América Mineiro, Lisca. Desabafo desesperado! Ele disse, e concordamos, ser um absurdo a realização da primeira fase da Copa do Brasil. Nessa fase, clubes dos mais diversos pontos do Brasil se deslocarão para outros totalmente diferentes; clubes do interior do Pará poderão jogar no interior do Rio Grande do Sul, outros do Mato Grosso poderão jogar no Rio de Janeiro, um leva e traz de vírus descontrolado. Enquanto discutimos as possibilidade de lockdowns, a CBF divulga a tabela da Copa do Brasil. Suponhamos times infectados pelo vírus, sem sintomas ainda, deslocando-se por todo o território nacional, potencializando a tragédia.

Em seguida, Renato Portaluppi, atual treinador do Grêmio, questionado sobre a opinião do colega, diz ser admirador de Lisca, mas não concordar com seu desabafo. Para Renato Gaúcho, o “futebol é o local mais seguro”, durante a pandemia.  O treinador do Grêmio afirmou que, quando os times jogam, as pessoas ficam em casa, isoladas, sem aglomerações. O futebol ofereceria segurança contra o vírus, portanto, por manter as pessoas em casa, longe do contágio.

O futebol é pedagógico, inevitavelmente, para o bem ou para o mal. E profundamente didático. Educa nos momentos em que as pessoas estão abertas, apaixonadas, disponíveis. Lisca e Renato, cada qual à sua maneira, educam um grande público, assim como outros técnicos, jogadores, dirigentes, jornalistas. O futebol tem sido uma escola de brasilidade, contribuindo para formar o que temos de melhor e o que temos de pior.

No caso do pronunciamento de Lisca, porém, Renato não entendeu a mensagem, ou fez que não entendeu. O argumento de Lisca é irretocável: o futebol não pode se tornar o transportador oficial do Covid-19. E nunca isso será tão verdadeiro quanto na primeira fase de disputas de jogos da Copa do Brasil; em nenhum outro campeonato, maior diversidade de grupos brasileiros realizarão trocas, de cultura ao vírus. Ao dizer isso, Lisca é didático, educa as pessoas para o gravíssimo problema da pandemia. O argumento de Renato Gaúcho é frágil, tosco, sem sustentação lógica ou científica: o futebol garante o isolamento social das pessoas, diz ele. E completa: durante os jogos as pessoas ficam em casa. Os fatos não confirmam Renato; durante alguns jogos, as pessoas se juntam, abertamente ou clandestinamente, em bares, restaurantes, ruas, portas de estádios, quase sempre sem qualquer dos cuidados necessários para evitar o vírus. Os jogadores, durante a Copa do Brasil, terão contato com pessoas dos mais diferentes pontos do Brasil. Antes que saibam, por exemplo, que estão contaminados pelo vírus, o terão transmitido para um número incalculável de pessoas. O argumento de Renato reforça a tese de não praticar o isolamento social.

Se Lisca e Renato são didáticos em sua, consciente ou não, prática educacional, Renato tem alcance muito maior; mais famoso, técnico de um dos mais poderosos times da América do Sul, muito mais frequente nas telas de tv, redes sociais e rádios do país. A palavra de Lisca marcará durante algum tempo, ele teve boa oportunidade. Já a palavra de Renato marcará por muito mais tempo, ele terá muito mais oportunidades de passar sua mensagem.

Lisca e Renato demarcam com bastante nitidez uma linha que divide hoje o Brasil entre os que se posicionam a favor da vida e os que se posicionam contra ela ou demonstram indiferença. Vivemos um momento em que todos nos vemos pressionados a tomar posição em relação ao tema da vida. Vida ou morte? Vida ou falência da empresa? Vida ou lucro?

Retomando o título deste texto, é preciso ouvir os protagonistas do futebol, e eles são, em nossa opinião, os atletas e integrantes das comissões técnicas. Mas é preciso ouvi-los com certa dose de criticidade, consciência, sabedoria e empatia. Que possamos ouvir mais vozes como a do Lisca, ou do Abel Ferreira, treinador do Palmeiras. Que o futebol nos eduque para o bem!

Que vidas sejam preservadas!

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol  

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Meninas na rua, Meninas da rua, Meninas: pra rua!

“Há um menino, há um moleque, morando sempre no meu coração,

 Toda vez que o adulto balança ele vem pra me dar a mão…”

(Milton Nascimento)

Você pode estar se perguntando: mas por que utilizar um título tão feminino e sustentar a ideia inicial com um texto no masculino?

Pois é, ser menina desde sempre, nos remete a anulações em determinadas circunstâncias da vida… isso não tira o brilhantismo dessa canção do Milton, jamais seria nossa intenção.

Tanto que ela servirá de pano de fundo para esse atrevimento de escrever sobre meninas e a rua.

Ah, a rua!

Um espaço tão democrático e por vezes tão fechado às meninas.

Não que a gente se intimide – ou se intimidasse – com essa sensação de falta de pertencimento, por ser menina e estar na rua.

Minha infância teve muitas ruas!

A rua da igrejinha, a rua do “campão”, o “descidão”, a rua da ponte, a rua “de trás”, a rua de cima e por ai se segue uma lista de momentos e vivências que tive o privilégio de viver na rua!

E como fui feliz na rua!

“Há um passado no meu presente

Um sol bem quente lá no meu quintal

Toda vez que a bruxa me assombra

O menino me dá a mão

Mas estar na rua nos anos 80, sendo menina, não era algo simples…

Para nós, era um espaço a ser conquistado! Por vezes, na raça.

Pra se ter o direito de ser uma menina da rua precisávamos sempre ser melhores que os meninos, em todas as suas demandas.

A melhor na “Bolinha de gude”, melhor no “Carrinho de rolemã”, melhor “empinadora de pipas”, melhor em rodar o “Aro de bicicleta”, melhor na “Unha na mula” e por ai afora.

Modéstia à parte, consegui ser melhor que os meninos, na maioria das vezes, em todos esses quesitos, exceto no futebol… uma frustração pessoal, por isso conquistei meu espaço na rua.

E como eu valorizava essas conquistas!

Exibia com orgulho minha caixinha com as mais bonitas bolinhas de gude, todas seriadas a partir de suas pontuações: as leitosas e transparentes valiam mais que as verde musgo…

Minha coleção de pipas…com rabiola, sem rabiola, capuchetas, de jornal, de seda, de sacolinha de supermercado. Ah, como eram infinitas as possibilidades de se colorir o céu e fazer sorrir no chão, da rua.

Assim como guardei com carinho cada cicatriz, cada arranhão, cada ponto “conquistado” na rua, alguns que podem ser vistos ainda hoje!

Me orgulho de cada um deles, pois a rua me ensinou muito além do que aprendi na escola.

Aprendi valores, aprendi sobre convivência, sobre repartir, sobre ser justa, sobre ser honesta, sobre ser feliz! E sempre que a vida nos coloca numa corda bamba, são esses conhecimentos que fazem toda diferença.

“E me fala de coisas bonitas

Que eu acredito

Que não deixarão de existir

Amizade, palavra, respeito

Caráter, bondade alegria e amor”

E quanto ao ser menina, na rua, os dilemas existem desde sempre. Aos poucos esses espaços vão sendo conquistados, a passos lentos e nem tão largados como gostaríamos.

Mas as histórias das meninas que viveram a rua no mesmo tempo histórico que vivi, se assemelham. Nas alegrias e nas tristezas, nas conquistas e nas anulações vividas.

“Pois não posso

Não devo

Não quero

Viver como toda essa gente

Insiste em viver

E não posso aceitar sossegado

Qualquer sacanagem ser coisa normal”

A luta é para que possamos deixar uma rua “diferente” para as meninas do futuro. Diferente no sentido de ser menos machista, mas com todas as características e aprendizados que me fizeram a mulher que sou hoje.

Por isso, meninas: pra rua!

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A rua nos ensina muito mais do que driblar, passar e fazer gols

Em nosso último texto, abordamos a diferença entre driblar ou fintar um cone e uma pessoa, buscando destacar a importância de levarmos para os espaços de ensino e treinamento do futebol – escolas, escolas de futebol e clubes – todos os ensinamentos da pedagogia da rua. Ao abordar as diferenças entre driblar um cone e uma pessoa, do ponto de vista da aprendizagem das habilidades para o jogo de bola e do desenvolvimento das coordenações motoras que estão na base dessas habilidades, deixamos em aberto algumas questões, entre elas, duas que trataremos neste texto: a importância de trazer para as aulas e treinos o aspecto lúdico, sobretudo por seu caráter de diversão, de alegria e de prazer, e as questões afetivas que permeiam toda e qualquer prática social, neste caso, o futebol.       

O prazer e a alegria de jogar futebol não estão presentes somente em crianças e jovens. Sim, está certo que é nesses períodos de vida que mais podemos brincar e nos divertir, mas não é porque crescemos e nos tornamos adultos que o futebol precisa se tornar algo maçante, chato, repetitivo e desprovido de alegria e divertimento. O que mais diverte crianças e jovens na prática do futebol: aguardar numa fila seu raro momento para dar um chute na bola ou brincar de rebatida? Driblar cones em direção ao outro lado do campo ou brincar de driblinho/golzinho na rua? E os adultos – e aqui vale considerar até mesmo os(as) atletas profissionais: quando correm em volta do campo para aquecer ou quando brincam de bobinho?

Vale ressaltar que o foco deste texto não é discutir se nos aquecemos melhor correndo em volta do campo ou jogando bobinho. Ou se aprendemos a driblar melhor passando por um cone ou jogando golzinho na rua, mas sim trazer para o debate a ideia de que tudo isso pode ser feito com alegria, diversão, prazer, ou seja, fazendo da prática do futebol uma experiência positiva, prazerosa e, consequentemente, duradoura.   

Como já antecipamos, o outro aspecto que gostaríamos de destacar, também ligado ao plano afetivo, refere-se aos desafios, medos, situações de sucesso e fracasso, que costumeiramente a rua nos ensina. Certamente, realizar um drible em um adversário é muito mais instigante do que em um cone, ou em um adversário invisível. Executar uma finalização ou desarme com a cabeça a partir de uma bola cruzada da lateral e com a presença de um adversário é muito mais desafiador do que lançar a bola com as mãos para o próprio cabeceio. Marcar ou enfrentar a marcação de um jogador mais rápido, mais alto ou mais forte que você, lhe ensinará muito mais a lidar com o medo do que ser marcado por um cone. Ou seja, é certamente no contato com o outro, em situação real ou simulada de jogo, que esses aprendizados se dão de modo mais intenso e permanente.

Isso não significa que, automaticamente, tal tipo de aprendizagem se transfere para outras situações de vida. A rua não tem esse compromisso. Num primeiro momento, aquilo que uma criança aprende jogando bola, superando medos, fracassando ou sendo bem-sucedida, vivenciando o êxito ou a frustração, restringe-se ao plano imediato das ações práticas do jogo. A repercussão dessas aprendizagens na vida fora do jogo e ao longo da vida, mantém-se como mistério; muito do que sabemos, especialmente no plano afetivo, não sabemos de onde veio. Porém, a rua não tem compromisso pedagógico.

A aprendizagem da rua é uma aprendizagem ligada ao que se vive; na rua, aprende-se a viver vivendo. Porém, quando compreendemos o que se passa na rua e transpomos esses ensinamentos para as escolas, começamos uma outra história. A escola sim, tem compromisso com ensinar tecnicamente, de imediato, e também com a formação para a vida. Aquilo que a rua faz tão bem, a escola tem que fazer, pelo menos, razoavelmente. E aquilo que a rua não faz, a escola tem que fazer. O que os conhecimentos de cada prática transcendem a própria prática e se estendem a outros campos do conhecimento – por exemplo, a superação de desafios, a definição de estratégias se transferindo ao conhecimento matemático, são, em boa parte, componentes de nosso inconsciente. Podem chegar a outros campos do conhecimento, mas não saberemos como, nem quando. Porém, essa educação da rua transformada em pedagogia nas escolas pode alimentar uma metodologia que produza tomadas de consciência. Aí sim, os conhecimentos tornados, ao menos parcialmente, conscientes, podem ser orientados para potencializar conhecimentos em outras áreas.  

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Maradona, um homem imperfeito

Ensinaram-me quando menino: “Homem não chora”. Eu teria que aprender a não chorar, para ser homem. Hoje chorei, chorei por Maradona. Por Maradona deixei de ser homem. Em compensação, com Maradona aprendi a ser outro tipo de homem: o homem que ri e que chora, o homem que tem inveja e que tem modéstia, o homem que é grande e que é pequeno, o homem que tem medo e que tem coragem, o homem que é político e que é solitário. Tudo isso Maradona me ensinou? Não, tudo isso ele encarnou, entre muitas outras coisas. Não tentou ser Deus, e foi, não tentou ser herói, e foi, não tentou ser bondoso, e foi, não tentou ser genial, e foi. Fez parte daquele grupo de pessoas que nos ensinam a viver, mesmo não tendo a menor intenção de fazer isso. Aquele homem que me ensinaram a ser, que não podia chorar, me fazia infeliz. O homem imperfeito, que só os como Maradona ensinam a ser, me faz feliz.